AULA 03 A lógica da ciência

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Transcrição:

1 AULA 03 A lógica da ciência Ernesto F. L. Amaral 11 de fevereiro de 2014 Metodologia (DCP 033) Fonte: Babbie, Earl. Métodos de Pesquisas de Survey. 2001. Belo Horizonte: Editora UFMG. pp.35-56.

DISCUSSÃO GERAL DA AULA A perspectiva tradicional da ciência a apresenta como um conjunto de etapas que conduzem à verdade. 2 Cientistas atuais apresentam as limitações do trabalho científico. A pesquisa científica é um compromisso entre o ideal e o possível. Na prática, a ciência é frequentemente guiada pela emoção, erro e não-racionalidade.

PERSPECTIVA TRADICIONAL Geralmente, cursos introdutórios apresentam a ciência como sendo direta, precisa e rotineira. Cientistas começam seu trabalho com um interesse por algum aspecto do mundo ao redor. O tópico da pesquisa é analisado rigorosamente, com a utilização de termos lógicos e abstratos. São realizadas inter-relações entre os fenômenos estudados em uma rede de relações causais. A teoria é desenvolvida com conjunto de proposições lógicas, inter-relacionadas, que explicam o fenômeno. É realizado o teste de hipóteses, em que são feitas predições sobre o que acontecerá em condições específicas. 3

OPERACIONALIZAÇÃO Teorias são abstratas e gerais. 4 Hipóteses também são abstratas, mas já com alguma especificidade. Estas hipóteses devem ser operacionalizadas para que possamos testá-las na prática. Ao especificar as operações de teste das hipóteses, é descrita a forma como o experimento será realizado. Dessa forma, cientistas operam com procedimentos racionais e objetivos, já que lidam com fatos e números.

EXPERIMENTO Após descrever como a operacionalização será realizada, os dados são coletados e manipulados, e a hipótese é testada. 5 Se o experimento confirmar a hipótese, a teoria é validada. Se a hipótese não for confirmada, a teoria é questionada. Qualquer que seja o resultado, presume-se que você publicará seus achados, o mundo se tornará um lugar um pouco melhor para se viver e você começará a pensar noutros tópicos para conquistar. (Babbie, 2001: 39)

DESMISTIFICAÇÃO DA CIÊNCIA Atualmente, há uma imagem da ciência e dos cientistas diferente da perspectiva tradicional. 6 Cientistas são motivados por emoções humanas e limitados pelas mesmas fraquezas de todas pessoas. Cientistas selecionam seus objetos de estudo com base em tendências pessoais. A pesquisa pode acabar sendo realizada sem o planejamento e execução de experimentos objetivos. Um trabalho acadêmico pode ser aceito para publicação não por seu mérito, mas pela identidade do pesquisador. Teorias aceitas na ciência muito dificilmente podem ser questionadas.

... MAS NÃO É TÃO RUIM ASSIM Publique ou pereça: professores podem ser despedidos se não realizarem e publicarem pesquisas suficientemente. 7 Falsificação: fraudes científicas desorientam pesquisas, desperdiçam recursos, atrasam descobertas científicas... É importante apresentar honestamente os projetos de pesquisa, revelando erros, omissões e problemas práticos. É mais fácil considerar toda a ciência ruim do que se tornar um bom cientista. (Babbie, 2001: 41) A ciência não é aquela apresentada pela perspectiva tradicional, mas não é tão ruim como seus críticos afirmam.

CIÊNCIA NA PRÁTICA A perspectiva tradicional sugere que cientistas passam de uma curiosidade intelectual para a elaboração de uma teoria. 8 Porém, um trabalho pode decorrer de pesquisa empírica anterior, achados inconsistentes ou outros trabalhos. Podemos começar com a resposta e procurar a questão. Teorias são modificadas pouco a pouco e são o resultado final da interação entre indução e dedução: Indução: generalização de casos diferentes e particulares, mediante observação destes fatos conhecidos (do particular para o universal). Dedução: comprovação empírica das consequências de uma determinada teoria (do universal para o particular).

CIÊNCIA NA PRÁTICA (cont.) A operacionalização dos conceitos não é tão clara e direta. Um conceito científico pode ser operacionalizado de diferentes maneiras pelos pesquisadores. A confirmação ou não de uma hipótese é geralmente realizada parcialmente. A quantidade de observações empíricas explicadas pelas teorias indicará quais destas se tornarão mais aceitas. A execução de experimentos é monótona e sem imaginação. Pode haver problemas na coleta de dados, na elaboração de medidas, na análise dos resultados. A qualidade de um projeto de pesquisa depende em grande parte das atividades na coleta e processamento de dados. 9

O QUE É CIÊNCIA? 10 A ciência pretende entender o mundo realizando descrição, descoberta de regularidades e formulação de teorias e leis: Cientistas observam e descrevem objetos e eventos ao seu redor. Cientistas procuram descobrir regularidades e ordem nas relações existentes do objeto analisado. Cientistas tentam formalizar e generalizar as regularidades descobertas em uma série de leis e teorias. Não-cientistas buscam estas mesmas três metas. Não há diferença mágica entre atividades científicas e não científicas. As atividades científicas variam em qualidade. Há uma série de características que tornam uma determinada atividade mais ou menos científica.

CIÊNCIA É LÓGICA 11 Ciência deve se fundamentar na razão lógica, constituindose em atividade racional: Um evento não pode causar outro que ocorrer antes dele. Não é possível que um objeto tenha duas qualidades mutuamente excludentes. Resultados ou descrições contraditórias não têm sustentação lógica. Com o desenvolvimento da ciência, cada vez mais observações cuidadosas levam a conclusões gerais (lógica indutiva), contradizendo postulados gerais de sistemas dedutivos (lógica dedutiva). Na prática, cientistas utilizam os raciocínios dedutivo (teoria) e indutivo (observações empíricas).

CIÊNCIA É DETERMINÍSTICA A ciência se baseia no pressuposto de que todos eventos possuem causas antecedentes que estão sujeitas à identificação e entendimento lógico. 12 Cientistas não conhecem e não pretendem conhecer as causas específicas de todos eventos. A suposição é de que estas causas existem e podem ser descobertas. A ciência aceita que um mesmo evento tenha várias causas. O determinismo científico se fundamenta nos princípios da probabilidade.

CIÊNCIA É GERAL A ciência busca entendimento geral mais do que explicação de eventos individuais. 13 O historiador procura entender tudo sobre um determinado evento específico. O cientista social se interessa mais no entendimento geral de uma classe de eventos semelhantes, mas não idênticos. A capacidade de generalização é uma característica importante das descobertas científicas.

CIÊNCIA É PARCIMONIOSA Os cientistas tentam descobrir as razões dos eventos, usando o mínimo possível de fatores explicativos. 14 Os cientistas procuram descobrir fatores determinantes de tipos de eventos, mas também procuram descobrir os fatores não determinantes de eventos. Cientistas tentam escolher entre simplicidade e grau de explicação em suas pesquisas. O ideal é conseguir o máximo de explicação com um número mínimo de fatores.

CIÊNCIA É ESPECÍFICA Ao desenhar, realizar e relatar sua pesquisa, o cientista deve ser preciso em seus métodos de medir o conceito. 15 É preciso operacionalizar especificamente o conceito que se está estudando. Nos relatórios de pesquisa, o cientista deve dizer como o conceito foi medido e os dados foram coletados. O grau de generalização de uma descoberta aumenta quando diferentes tipos de operacionalizações são utilizadas, chegando aos mesmos resultados.

CIÊNCIA É EMPIRICAMENTE VERIFICÁVEL As formulações de leis ou equações gerais são úteis se puderem ser verificadas pela coleta e manipulação de dados empíricos. 16 As teorias científicas não podem ser provadas, mas podem não ser desconfirmadas. Sujeitar uma explicação científica ao teste empírico é especificar as condições nas quais a teoria seria desprovada. Se uma teoria não é desprovada, o cientista fica confiante na veracidade desta teoria.

CIÊNCIA É INTERSUBJETIVA Todos os cientistas são subjetivos, influenciados por suas motivações pessoais. 17 No entanto, na ciência, dois cientistas com orientações subjetivas diferentes chegariam à mesma conclusão se realizassem um mesmo experimento. Cientistas podem ter explicações diferentes sobre um evento, mas estas diferenças ocorrem por razão de conceituação e definição.

CIÊNCIA É ABERTA A MODIFICAÇÕES Dois cientistas podem chegar a explicações diferentes sobre um fenômeno. 18 Ou se demonstra que uma ou ambas explicações são incorretas, ou que não são excludentes. As teorias mudam e se desenvolvem com o tempo, com a substituição de antigas teorias por novas. A ciência não busca a verdade definitiva, mas a utilidade. Teorias científicas não devem ser julgadas por sua verdade relativa, mas pela medida de sua utilidade em melhorar nosso conhecimento do mundo ao redor. (Babbie 2001: 54)