As Filhas de Mnemósine: Considerações sobre o delírio poético advindo das Musas e a crítica à escrita no diálogo Fedro

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Transcrição:

As Filhas de Mnemósine: Considerações sobre o delírio poético advindo das Musas e a crítica à escrita no diálogo Fedro Anderson Alves Francisco Introdução Nas entrevistas mais banais que a mídia publica, sendo o entrevistado um artista, isto é, uma pessoa que trabalha produzindo arte ; e até mesmo em conversas que esses artistas possam ter, a pergunta clássica parece inevitável: De onde vem sua inspiração?. Hodiernamente é evidente uma fixação nas fontes das quais advém o produto artístico ou obra, logo a máxima de que todo o escritor ou artística carece que uma autêntica fonte de inspiração se apresenta forte. No diálogo de Platão chamado Fedro, Sócrates esbarra em tal problemática, uma vez que ao contestar que: O delírio é necessário para a produção de um verdadeiro discurso, o filósofo afirma que dentre os quatro tipos, o terceiro é o delírio vindo das Musas, gratuitamente concedido aos poetas. Contudo, ao final do diálogo com seu pupilo, uma crítica à escrita é realizada juntamente com um louvor à dialética. Tal bruma chamou minha atenção, e a principal pergunta que me proponho a tentar responder: A poesia em suas diversas expressões enquanto discurso por que está para Sócrates em um degrau, mesmo que de origem divina, abaixo do exercício dialético-filosófico? Assim, buscarei apresentar dentro das devidas proporções e nesta sequência uma exposição à cerca das Musas, pois elas são mitologicamente a fonte de toda poesia; uma explanação do delírio que advém delas aos poetas, pela própria explanação de Sócrates; culminar a mitologia das Musas com a visão Socrática

2 constatando o motivo pelo qual Platão não considera este delírio o mais elevado; e expondo juntamente sua crítica à escrita. Porém tentarei não menosprezar a benção das Musas, uma vez que a tentação de demonizar este tipo de delírio e consagrar o mais digno é a saída mais segura por estar ao lado do Mestre. Concluirei ponderando sobre toda a exposição realizada e encerrarei com uma aproximação entre o clássico poeta grego e o artista ligado a várias áreas na contemporaneidade, resvalando em um anacronismo impossível de ser evitado. Minhas fontes na empreitada serão o artigo de Adriana Natrielli Considerações sobre a música e a poesia nos diálogos de Platão, o Dicionário Dictionary of Greek and Roman Biography and Mythology de William Smith, e o apoio do volume I de Giorgio Colli chamado a Sabedoria Grega. Por fim, valem as seguintes ressalvas: Sobre os termos usados recordo que Arte, se remeterá ao sentido grego de Teknè; além disso, lembro que o poeta grego possui uma função social elevada no contexto grego, que diverge em muito da visão contemporânea; concluindo informo que para não gerar uma leitura abarrotada de Sócrates, por vezes irei referir-me ao filósofo como Mestre.

3 As Filhas de Mnemósine Sobre a origem das Musas não há um consenso, enquanto Alcmenes atribui a Urano e Gaya, por outro lado, Diodoro, na Ilíada 2,491-492, 2, 598 e na Teogonia 53 o princípio destas divindades são Zeus e Mnemósine. Mnemósine é a divindade ligada à memória, assim nota-se que as Musas possuem em si um aspecto que remete a conservação, por meio da poesia, dentro de cada uma de suas especificidades, ou seja, cada uma das Musas busca recordar algo dando assim sua função. (COLLI, 2012, p. 398) Canonicamente as Musas são nove e cada uma delas busca manter vivo um tipo de memória: Calíope da eloquência e poesia épica; Clio da história; Euterpe da música; Tália da comédia e poesia bucólica; Melpômene da tragédia; Terpsícore da dança e da poesia dos corais; Érato da poesia lírica amorosa; Polímnia dos cantos sagrados e poesia sacra; e Urânia da astronomia, da poesia didática e das ciências exatas. (SMITH, 1813-1893, p. 1125-1126) É curioso observar a mitologia grega, na sua extrema preocupação em detalhar e atribuir diversas coisas a entidades divinas. Sendo uma possível chave para entender o pensamento antigo, uma vez que tudo que é considerado digno de atribuição divinal, por conseguinte deve ser relevante para o povo, que conduz oralmente a tradição, conservada na memória. Passada esta breve explanação sobre as Musas é seguro com mais embasamento adentrar na ótica de Sócrates a cerca destas divindades e em como elas são posicionadas em sua filosofia. O delírio dos Poetas Como já dito Fedro inicia com a contestação de Sócrates ao sofista Lísias de que somente no delírio amoroso é possível à geração de um discurso verdadeiro,

4 assim, em sua brilhante exposição em 245a na tradução de José Cavalcante de Souza o Mestre diz: Um terceiro tipo de possessão e delírio, o das Musas, depois de pegar uma alma tenra e inviolada, despertando-a e transportando-a em cantos e nas demais produções poéticas, milhares de feitos antigos ordenando, educa os que vêm depois; enquanto aquele que, sem o delírio das Musas, chega à porta da poesia convicto de que pela técnica será um poeta perfeito, é um malogrado ele próprio e sua poesia de quem está em são juízo é pela dos que deliram eclipsada. A passagem é riquíssima, assim para desmanchar tal argumento proponho uma divisão, para que parte por parte seja possível se aprofundar em tal fala: (A) Um terceiro tipo de possessão e delírio, o das Musas, depois de pegar uma alma tenra e inviolada, (B) despertando-a e transportando-a em cantos e nas demais produções poéticas, (C) milhares de feitos antigos ordenando, educa os que vêm depois; (D) enquanto aquele que, sem o delírio das Musas, chega à porta da poesia convicto de que pela técnica será um poeta perfeito, (E) é um malogrado ele próprio e sua poesia de quem está em são juízo é pela dos que deliram eclipsada. No trecho (A) Sócrates apresenta a possibilidade das Virgens Musas segurarem em seus braços o verdadeiro poeta, pegando-o pela alma, uma vez que não está corrompida, pois como se vê ao longo do diálogo, no discurso deve se propor a uma condução da alma. Na sequência (B) as Divindades acordam o poeta e o conduz pela voz, como uma espécie de sedução da Alma para a produção poética. E como se vê em (C) o divino produto do poeta é a elaboração de uma obra que tem como finalidade a conservação e recordação do antigo, que possui uma intenção formativa (educacional, isto é, paídetica, porém não socrática uma vez que se dá pela escrita e não pela dialética) àqueles que irão receber tal tesouro histórico-cultural. Porém, em (D) evidencia-se o poeta que confia somente em sua arte, isto é, acredita que sua técnica é capaz de fazer dele poeta e como fica evidente em (E) somente tendo como único principio si, senão a inspiração divina dada ao verdadeiro artista sua obra não passa de mera sombra. No Fedro, a citação as Musas além deste trecho é pouco retomado, pois Sócrates se deleita sobre aquele que considera ser o verdadeiro delírio amoroso, e

5 na próxima seção, buscarei aproximar o porquê tal delírio não é para o Mestre o mais elevado e como isto se liga a sua visão crítica da escrita. Quem vive de passado é Museu Após este caminho percorrido notasse certo grau de relevância que Sócrates atribui aos verdadeiros poetas, que estão um pouco acima do grau dos sofistas. Com efeito, para um leitor menos atento e de forma bem particular, num primeiro instante achei peculiar e atípica a posição dos filósofos gregos em relação aos poetas, como pode ser visto em Heráclito (DK 42, Tradução José Cavalcante de Souza, Coleção os Pensadores): Homero merecia ser expulso dos certames e açoitado, e Arquíloco igualmente. Além de Sócrates alertar sobre o perigo desta classe para a República. Para embasar a posição de Sócrates é necessário entender que segundo a obra de Giorgio Colli, na seção onde recolhe fragmentos sobre Orfeu o trecho 4 [b6], escrito por Alcidamante em Ulisses, 24 está: Orfeu foi o primeiro, de fato, que mostrou os sinais das letras, depois de têlos aprendido das Musas como é revelado também pela inscrição na sua tumba: Aqui os trácios colocaram o ministro das Musas, Orfeu, a quem Zeus dominador nas alturas, atou com raio asseteador de luz fosca e espectral, querido filho de Eagro, que amestrou Héracles, depois de ter descoberto para os homens as letras e a sabedoria Assim o poeta cai na mesma falha que o sofista, a qual Sócrates repudia dentro do verdadeiro discurso, isto é, Tanto a técnica poética quanto a retórica utilizada pelos sofistas requerem a habilidade (...), tendo como objetivo principal impressionar, (...) deixam em segundo plano (...) a nobre verdade (NATRIELLI, 2007/2008, p. 16). Mesmo que o poeta esteja envolvido pelo delírio, nada substitui o diálogo que faz brotar a dialética Socrática. Pois é evidente em Sócrates critica a escrita, como no trecho [275d]: O que de terrível sem dúvida, ó Fedro, tem a escrita é realmente a sua semelhança com a pintura. E de fato os seres que esta engendra estão como se fossem vivos; porém se lhes perguntas algo, solene e total é o seu silêncio. Logo, o poema, a pintura, a obra, o discurso escrito, ou seja, toda e qualquer coisa que se mantém em um repouso

6 perpétuo, sintetizando em si como as Musas fazem um recordação estática é incomparável à dialética movida pelo divino delírio amoroso. Ou Melhor, para Platão mais amante do saber é aquele que se coloca com amado com um amante em relação numa reflexão, pois assim poderá ascender na reminiscência e conduzir o amante neste mesmo processo a ocupar-se com as frias palavras de um livro, a apreciação de obras de arte, ao culto a música, além de tantas outras atividades, concedidas divinamente pelas Musas, expressas pela insuficiente tecnologia que é a escrita.

7 Conclusão Concluo que a indagação motora deste artigo: Porque a poesia está para Sócrates em um degrau, abaixo do exercício dialético-filosófico? Respondida, uma vez que para a sua resolução é necessário recordar a origem mítica das Musas, na divindade de Mnemósine (a Deusa da Memória) e lembrar que o poeta é o perpetuador da tradição conservada pelo poder Virgens Divinas, logo, quando Sócrates apresenta sua crítica à escrita, isto é, a negação do processo dialético em detrimento da repetição contínua da obra registrada, o Mestre posiciona toda este conjunto de lembranças mesmo que divino, em um nível abaixo da sua proposta de reminiscência que se dá no dialogo, pelo método dialético. Assim, Sócrates se mostraria aterrorizado se fosse transportado para o tempo presente e descobrisse um tipo de educação à distância; ou mesmo o valor cultural atribuído à música; ou as obras de arte; ou até mesmo o processo educacional que se dá decorando fórmulas, datas, trechos de livros. Mesmo neste artigo (ainda que tenha sido advindo de um delírio), no qual exponho minha pesquisa e percepção, seria para o Mestre mais belo se pudesse expô-lo em um diálogo, numa conversa franca entre a professora e talvez alunos que se interessassem pelo tema. Porém, o verdadeiro poeta que materializa em suas obras o delírio divino, não deve ser ignorado ou desvalorizado, pois como Natrielli (2007/2008, p.15) diz: (...) poesia proposta por Sócrates consiste em uma mentira que contém algumas verdades a filosofia de Platão (...) verdade que contém algumas mentiras. Logo, o filosofo como amante da Verdade, do Bom e do Belo, não é o possuído do saber, e eu que coloco singelamente minhas percepções nesta reflexão estou certo que em sua totalidade este artigo não é completamente verdadeiro. Para concluir invoco o poeta português que escreve: Autopsicografia O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor

8 A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. Assim o poema Autopsicografia de Fernando Pessoa, apresenta o poeta como um fingidor, um paradoxo, semelhante à expressão: Eu estou mentindo cuja possibilidade de resposta só se dá através da filosofia, assim, concluo concordando com Natrielli que talvez a concepção filosófica de Platão admita que no interior de um filósofo haja um poeta, que inflamado pelo divino delírio tenta responder ao mundo, buscando-o conduzi-lo segurando em sua alma, como um artista quando pinta uma obra, que mesmo estática transporta o admirador para a infância; ou uma música que remete no sujeito momentos marcantes; ou em diálogos que o Amado remete a beleza do mundo das ideias. (NATRIELLI, 2007/2008, p.21)

9 Bibliografia COLLI, G. A Sabedoria Grega: Dioniso, Apolo, Elêusis, Orfeu, Museu, Hiperbóreos, Enigma; Tradução: Renato Ambrósio. São Paulo: Paulus, 2012 (Coleção Philosophica) HERÁCLITO. Os Pré-Socráticos; Tradução: José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril S. A. Cultural, 1996 (Coleção os Pensadores) NATRIELLI, A. Considerações sobre a música e a poesia nos diálogos de Platão. Revista de E. F. e H. da Antiguidade. Campinas, n. 24, p. 9-25, 2007/2008 PLATÃO. Fedro; Tradução: José Cavalcante de Souza. São Paulo: Editora 34, 2016 WILLIAM, S. A Dictionary of Greek and Roman biography and mythology, 1813/1893 (Coleção: Making of America Books); Acesso em: 28/11/2017 Disponível em: <https://quod.lib.umich.edu/m/moa/acl3129.0002.001/1135?page=root>