SUBSÍDIOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS: A PERSPECTIVA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL NOS ESTUDOS SOBRE APRENDIZAGEM DE CONCEITOS

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Transcrição:

SUBSÍDIOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS: A PERSPECTIVA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL NOS ESTUDOS SOBRE APRENDIZAGEM DE CONCEITOS Jair Lopes Junior Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência/Ensino de Ciências Universidade Estadual Paulista/Bauru, SP jlopesjr@fc.unesp.br A investigação dos processos de ensino-aprendizagem de conceitos científicos constitui-se em tema de estudo recorrente no âmbito das pesquisas sobre ensino de ciências. Este tema impõe uma aproximação entre áreas do conhecimento distintas, como o Ensino de Ciências e ramificações da Psicologia comprometidas com uma melhor compreensão dos processos que definem a aprendizagem de conceitos 1. Desenvolvimentos conceituais e metodológicos recentes, bem como um significativo acervo de dados provenientes da pesquisa experimental, têm permitido, à perspectiva Analítico Comportamental, ampliar a compreensão sobre estes processos. O objetivo deste trabalho consistiu em apresentar e discutir possíveis subsídios que esta perspectiva teórica poderia fornecer para os estudos sobre formação de conceitos no âmbito da alfabetização científica a partir do modelo de relações equivalentes. O modelo descritivo de relações equivalentes ocupa-se de fenômenos comportamentais de incidência inconteste em situações informais, tanto quanto em situações educativas e instrucionais. Estes fenômenos definem o que, usualmente, consideramos como categorização (formação de categorias, de classes de informações, de objetos, de eventos, de estímulos). Os estudos sobre processos de categorização ocupam expressivo espaço na literatura em Psicologia Experimental, dentre outras razões, por constituírem-se em parâmetros para compreensão do desenvolvimento cognitivo. Num contexto de múltiplas interações sociais, observamos continuamente pessoas reagindo a palavras, a objetos (como bandeiras, fotos, desenhos, estátuas, bonecos, cartazes) como se tais eventos fossem as coisas às quais eles se referem. Do ponto de vista empírico, são nítidas as diferenças entre o referente, a palavra e os objetos, mas os comportamentos emitidos sugerem permutação ou substitutabilidade de propriedades semânticas (funcionais) entre eles. No plano interpretativo, teríamos que determinados eventos e seus respectivos referentes foram agrupados numa classe ou passaram a compor uma determinada categoria, sendo que os representantes desta exercem efeitos homogêneos sobre a ação da pessoa. Nossa cultura encontra-se repleta de manifestações nas quais observa-se que eventos linguísticos e não-linguísticos são tratados como se os mesmos fossem membros de uma mesma classe ou categoria, ou seja, como se fossem equivalentes aos seus respectivos referentes. Segundo Sidman (1994; 2000), ouvir e ler com compreensão, solucionar problemas mesmo na ausência de determinadas partes concretas da situação, instruir aprendizes por meio do discurso verbal, planejar, armazenar informações para utilizá-las no futuro e pensar de modo abstrato, consistem em exemplos destas manifestações comportamentais. Uma versão deste trabalho foi apresentada na IV Jornada do Núcleo de Ensino da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista/UNESP-Campus Marília. 1 A literatura sustenta diferentes tipos de conceitos. Uma discussão das diferentes denominações certamente excederia ao escopo da presente comunicação. Diferentemente dos conceitos científicos, as pesquisas sobre formação de conceitos mencionadas neste texto, e fundamentadas na perspectiva analítico-comportamental, fazem referência aos conceitos relacionais (Zentall, Galizio & Critchfield, 2002), ou seja, conceitos artificiais (cf. Pozo, 1998) nos quais o agrupamento define-se por relações arbitrárias compartilhadas entre eventos e não por traços físicos comuns (conceitos perceptuais ou naturais). 1 de 5

Agir de modo homogêneo diante de eventos perceptualmente distintos, como se tais eventos fossem mutuamente equivalentes e permutassem propriedades semânticas, evidencia que a manifestação de respostas aprendidas em interação com uma dada comunidade verbal (p. ex., professores) não permanece restrita a tais contextos de aprendizagem; antes, tal manifestação ocorre em contextos distintos sugerindo fortemente uma extensão dos efeitos desta interação. No âmbito da perspectiva analítico comportamental, este tipo de extensão dos efeitos de uma dada aprendizagem é denominado tecnicamente por generalização de estímulos, em oposição, justamente, à discriminação de estímulos, ou seja, quando os efeitos da interação evidenciam mudanças constantes de comportamento associadas com mudanças nos eventos ou nos contextos diante dos quais tais comportamentos ocorrem. Neste referencial teórico, a generalização e a discriminação de estímulos são admitidos como processos básicos das medidas comportamentais usualmente consideradas para se inferir, no plano interpretativo, a ocorrência da categorização ou da formação de conceitos. Reconhecendo-se que, no âmbito da educação científica, são recorrentes expressões como ensino, formação, mudança e evolução de conceitos (Mortimer, 2000; Pozo, 1998; Vygotsky, 2001a, 2001b), caberia indagar em que extensão pesquisas sobre aprendizagem, fundamentadas nos processos de generalização e de discriminação de estímulos, produziriam conhecimentos que viabilizariam uma melhor compreensão dos fenômenos comportamentais que são usualmente admitidos como medidas comportamentais da formação de conceitos 2. Quando constata-se a discriminação e a generalização de estímulos, usualmente inferese a formação de categorias, de conceitos ou de classes de estímulos. Teríamos, assim, uma indagação adicional: por meio de quais procedimentos podemos investigar propriedades e características dos processos que definem a formação de conceitos ou de classes de estímulos? Um procedimento exaustivamente utilizado em pesquisas sobre formação de conceitos relacionais é o matching-to-sample. Trata-se de um procedimento no qual o aprendiz é exposto a tarefas que exigem o estabelecimento de pareamentos entre eventos, simulando várias situações de aprendizagem verificadas em diferentes contextos, dentre eles, a escola, nas quais, do ponto de vista do procedimento didático, exige-se do aprendiz o estabelecimento de relações arbitrárias (pareamentos) entre informações. Por meio do procedimento de matching-to-sample são ensinadas e avaliadas, por exemplo, relações de condicionalidade 3 entre eventos. Supondo, à título de exemplo e em caráter genérico, uma situação de ensino na qual um dado evento (por exemplo, A1) deve ser pareado condicionalmente com um outro evento (B1). Ou seja, se A1, então B1, e não B2, tampouco B3. Entretanto, diante de um outro evento (A2), B1 deixa de ser o evento correto; desta feita, esta função será exercida pelo evento B2 (se A2, então B2). Por fim, diante de A3, B1 e B2 são eventos incorretos; diante de A3, o evento correto é B3 (se A3, então B3). Aos três pareamentos AB acima descritos, poderíamos acrescentar mais três: entre os eventos B e os novos eventos C (respectivamente: se B1, então C1; se B2, então C2; se B3, então C3). Admitindo sucesso na execução deste ensino, poderíamos indagar sobre a extensão do mesmo: o aluno aprendeu seis relações condicionais (três relações AB e três relações BC) ou, as condições de ensino que, numa acepção mais empirista, definiu-se pelo ensino de seis relações condicionais, na realidade, estabeleceu permutabilidades ou substitutabilidades entre os eventos A, B e C, passíveis de 2 Nas análises efetuadas neste trabalho, considera-se, de modo genérico, os termos generalização e discriminação de estímulos, e não as distintas qualificações para estes termos. Estudos posteriores deverão investigar, nos planos conceitual e metodológico, em que estas diferentes qualificações contribuem para o avanço das pesquisas e da visibilidade dos processos de ensino-aprendizagem de conceitos e em que extensão elas acabam por fomentar oposições entre tradições teóricas, sem uma devida compreensão de possíveis convergências ou consonâncias acerca de processos e medidas. 3 A importância das relações condicionais para a compreensão de processos simbólicos e para o desenvolvimento cognitivo é reconhecida e discutida por representantes de diferentes orientações teóricas. 2 de 5

descrição pelo modelo de relações equivalentes? Em outros termos, as condições de ensino teriam estabelecido relações de equivalência entre os eventos A, B e C, sendo tais relações evidenciadas por novos pareamentos entre tais eventos que, em sentido genérico, podem se constituir nas medidas comportamentais correspondentes àquilo que observamos (e não que inferimos) quando estimamos a ocorrência de formação de conceitos, a saber, a manifestação de comportamentos que evidenciam expansões e generalizações em relação àquilo que foi diretamente ensinado? A definição matemática de relação equivalente estabelece predições: se os estímulos envolvidos numa dada relação são equivalentes, então, pode-se prever a emergência de regularidades que definem uma relação como equivalente. Em consonância com a teoria dos conjuntos, poder-se-ia afirmar que as condições de ensino estabeleceram relações de equivalência entre os eventos A, B e C, se tais eventos (A1, B1, C1), (A2, B2, C2) e (A3, B3, C3) sustentarem as propriedades de reflexividade, simetria e transitividade. Medidas correspondentes a tais propriedades podem ser obtidas diretamente por meio da avaliação das relações AA, BB e CC (testes de reflexividade), BA e CB (testes de simetria), AC (teste de transitividade) e CA (teste combinado de simetria e de transitividade). Diante de resultados positivos nestas avaliações, poderíamos, em termos de um modelo descritivo, afirmar que o ensino de seis relações condicionais estabeleceu três conceitos ou classes de eventos (A1, B1, C1), (A2, B2, C2) e (A3, B3, C3), sendo estes eventos permutáveis ou substituíveis entre si dentro da classe (generalização intra-classe, categoria ou conceito) e discrimináveis entre as classes. Assim, a emergência (ou seja, a ocorrência ou manifestação sem uma história direta de ensino) das 21 relações condicionais (três relações para cada conjunto; AA, BB, CC, BA, CB, AC e CA) constitui-se na medida comportamental que fundamenta a inferência (suposição) da formação das três classes, categorias ou conceitos. Poderíamos, em síntese, advogar que o modelo de relações equivalentes pode contribuir para o estudo da formação de conceitos no âmbito da alfabetização científica, particularmente em termos da especificação de algumas características de procedimento e das propriedades das medidas comportamentais que fundamentam inferências sobre a ocorrência ou não da formação de conceitos (classes ou categorias). Quanto às características de procedimento, as estratégias de investigação adotadas devem diferenciar, ao menos, duas condições distintas: de um lado, teríamos aquelas em que determinadas manifestações comportamentais do aprendiz estão diretamente associadas com ações do educador de informar se as respostas daquele são concordantes ou não com determinados padrões estabelecidos por uma dada comunidade (p. ex., se as respostas sustentam concordância com o "saber científico"), ações do educador de confirmar "acertos" e de proporcionar meios para eventuais correções; de outro lado, teríamos condições de avaliação, nas quais os procedimentos adotados pelo pesquisador objetivam justamente avaliar as expansões derivadas das condições anteriores, ou seja, procedimentos que viabilizassem construções do aprendiz sobre o conteúdo estudado, desta feita, sem que estas construções pudessem ser atribuídas às indicações explícitas de acerto e de erro por parte do educador. Por sua vez, de acordo com o modelo ora considerado, as medidas comportamentais que fundamentam inferências sobre a ocorrência ou não da formação de conceitos (classes ou categorias) devem evidenciar o estabelecimento de novas relações, relações não direta e explicitamente ensinadas, sob pena de se admitir (inferir) a formação de conceitos a partir de medidas que atestam, apenas, capacidades e recursos de memorização. Em outros termos, a formação de conceitos deve ser inferida a partir da utilização de procedimentos de avaliação que, diferentemente dos procedimentos instrucionais típicos, viabilizem a emergência de medidas comportamentais que evidenciam generatividade, transferência (extensão) de propriedades semânticas (ou funcionais) entre eventos que não 3 de 5

foram diretamente relacionados nas condições de ensino. No exemplo genérico acima discutido, na avaliação da emergência das relações condicionais CA, comportar-se diante de C1 selecionando A1 (e não A2 ou A3), sugere que A1 e C1, embora não diretamente relacionados nas condições de ensino, compartilham relações semânticas ou funcionais. De acordo com este modelo, a tarefa (ou, objetivo de ensino) de ter que ensinar que os eventos A1, B1 e C1 compartilham uma propriedade genérica P1 pode prescindir do ensino exaustivo da propriedade P1 a cada evento. Admitindo-se a permutação de relações ou a substitutabilidade entre os eventos componentes de um mesmo conceito, ensinar que A1 sustenta ou se comporta de acordo com a propriedade P1 sob dadas condições, pode se constituir em condição suficiente para a manifestação de respostas que evidenciam que, para o aprendiz, B1 e C1, também sob as mesmas condições, irão se comportar da mesma maneira. Diferentemente dos conceitos relacionais e arbitrários utilizados nas pesquisas experimentais sobre processos de categorização e emergência de classes de eventos (estímulos) equivalentes, a formação de conceitos científicos seguramente reserva características adicionais, intrínsecas à complexidade de áreas específicas do conhecimento científico, tanto quanto à natureza dialógica dos procedimentos de ensino e de avaliação. Certamente que as análises ora apresentadas reconhecem que seria de uma ingenuidade irreparável supor que o modelo de relações equivalentes poderia descrever de modo exaustivo e definitivo em que consiste formar conceitos nas distintas áreas científicas. Entretanto, em consonância com a perspectiva Analítico Comportamental, advoga-se que, ao se comportar conceitualmente, o aprendiz evidencia, em condições proporcionadas por práticas educativas devidamente planejadas, permutação de propriedades semânticas (funcionais) entre eventos não diretamente relacionados nas condições de ensino e nítida discriminação do alcance destas permutações em função dos limites das supostas classes (conceitos) emergentes. Para melhor compreender propriedades deste comportamento admitido como conceitual, poder-se-ia melhor demarcar as condições sob as quais tais comportamentos são observados (em especial, aqueles que evidenciam construções sobre o conteúdo ensinado), em determinados contextos instrucionais, relacionando conteúdo, práticas educativas, características e possíveis funções do comportamento do aprendiz. Executar tais demarcações poderia induzir a busca de consensos metodológicos, em particular, em termos da especificação de características de procedimentos e de medidas comportamentais na pesquisa sobre temas de grande relevância para a alfabetização científica, como formação de conceitos, garantindo maior visibilidade aos processos comportamentais estudados, ampliando as possibilidades de comunicação com educadores dos diferentes níveis de alfabetização, bem como viabilizando uma maior aplicabilidade destes conhecimentos em situações concretas de ensino. Bibliografia Mortimer. E.F. Linguagem e formação de conceitos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000 Pozo, J.I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: ArtMed Editora, 1998 Sidman, M. Equivalence relations and behavior: A research story. Boston: Authors Cooperative Publishers, Inc., 1994 Sidman, M. Equivalence relations and the reinforcement contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 74, 127-146, 2000 Vigotsky, L.S. Estudo experimental do desenvolvimento dos conceitos. In A construção do pensamento e da linguagem (p. 151-240). São Paulo: Martins Fontes Editora, 2001a. 4 de 5

Vigotsky, L.S. Estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância. In A construção do pensamento e da linguagem (p. 241-394). São Paulo: Martins Fontes Editora, 2001b. Zentall, T.R., Galizio, M., Critchfield, T. (2002) Categorization, concept learning, and behavior analysis: An introduction. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 78, 237-248. 5 de 5