O PODER DA MÁSCARA NO PSICODRAMA: A SOMBRA E A LUZ



Documentos relacionados
19º CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICODRAMA. A Humanidade no século 21

A teoria da Matriz de Identidade e a Teoria dos Papéis. Cybele Ramalho (PROFINT)

Transcrição entrevista Vitória Pamplona, psicoterapeuta psicodramatista e coordenadora de grupos de gestantes e casais grávidos Psicologia da UFF

Colégio La Salle São João. Professora Kelen Costa Educação Infantil. Educação Infantil- Brincar também é Educar

Gestão da Informação e do Conhecimento

As diferentes linguagens da criança: o jogo simbólico

Por uma pedagogia da juventude

COMPETÊNCIAS E SABERES EM ENFERMAGEM

Projeto Pedagógico Institucional PPI FESPSP FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PPI

TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA. Nº. 016/ 2012 CREA/MG E FUNASA Setembro/2013

EDUCAÇÃO E CIDADANIA: OFICINAS DE DIREITOS HUMANOS COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA ESCOLA

Núcleo O atendimento de grupos: psicodrama, suas técnicas e aplicações

PNL? o que é. Dossie. Veronica Ahrens Diretora de T&D, Trainer e Coach da SBPNL Inspirar pessoas a criarem um mundo melhor. veronica@pnl.com.

Resenha. Fernanda Gabriela Gadelha ROMERO 1

PRAXIS. EscoladeGestoresdaEducaçãoBásica

BRINCAR É UM DIREITO!!!! Juliana Moraes Almeida Terapeuta Ocupacional Especialista em Reabilitação neurológica

LÍDER: compromisso em comunicar, anunciar e fazer o bem.

O trabalho voluntário é uma atitude, e esta, numa visão transdisciplinar é:

O Coaching Como Ferramenta Para Desenvolvimento Do Processo De Aprendizado

Estudo de Caso. Cliente: Rafael Marques. Coach: Rodrigo Santiago. Duração do processo: 12 meses

ESTRUTURAS NARRATIVAS DO JOGO TEATRAL. Prof. Dr. Iremar Maciel de Brito Comunicação oral UNIRIO Palavras-chave: Criação -jogo - teatro

SAÚDE E EDUCAÇÃO INFANTIL Uma análise sobre as práticas pedagógicas nas escolas.

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

A EXTENSÃO EM MATEMÁTICA: UMA PRÁTICA DESENVOLVIDA NA COMUNIDADE ESCOLAR. GT 05 Educação Matemática: tecnologias informáticas e educação à distância

A LIBERDADE COMO POSSÍVEL CAMINHO PARA A FELICIDADE

DANÇA NO CONTEXTO ESCOLAR: QUANDO A RELIGIOSIDADE ATRAVESSA A PRÁTICA.

INSTITUTOS SUPERIORES DE ENSINO DO CENSA PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PROVIC PROGRAMA VOLUNTÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

Apresentação 24/12/2014. Professor Wilker Bueno

O PODER DA MÁSCARA NO PSICODRAMA: A SOMBRA E A LUZ

O PAPEL DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

ESPIRITUALIDADE E SAÚDE: UMA PERSPECTIVA BIOENERGÉTICA

Hiperconexão. Micro-Revoluções. Não-dualismo

CONSULTORIA DE DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL

Núcleo Abordagem Junguiana: fundamentos teóricos e intervenção

O futuro da educação já começou

V Seminário de Metodologia de Ensino de Educação Física da FEUSP Relato de Experiência INSERINDO A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO COPA DO MUNDO.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde Curso de Psicologia Núcleo 2.1 Jung (2014)

RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO

Sobre a intimidade na clínica contemporânea

SUGESTÕES PARA ARTICULAÇÃO ENTRE O MESTRADO EM DIREITO E A GRADUAÇÃO

VII Congresso Latino-Americano de Estudos do Trabalho. O Trabalho no Século XXI. Mudanças, Impactos e Perspectivas.

3º Bimestre Pátria amada AULA: 127 Conteúdos:

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

Virada Sustentável 2013

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

Tema do Painel: Minhas experiências na formação de Coaching Executivo Empresarial Elizabeth Nery Sinnott 26/11/2015

Rafael Vargas Presidente da SBEP.RO Gestor de Projetos Sociais do Instituto Ágora Secretário do Terceiro Setor da UGT.RO

SUA ESCOLA, NOSSA ESCOLA PROGRAMA SÍNTESE: NOVAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA

Gestão do Conhecimento A Chave para o Sucesso Empresarial. José Renato Sátiro Santiago Jr.

A Arte e as Crianças

Rousseau e educação: fundamentos educacionais infantil.

O BRINCAR E SUAS IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL DENTRO DO PROCESSO GRUPAL (2012) 1

AS TEORIAS MOTIVACIONAIS DE MASLOW E HERZBERG

Informativo G3 Abril 2011 O início do brincar no teatro

LEV VIGOTSKY 1. VIDA E OBRA

UMA PROPOSTA DE DRAMATIZAÇÃO PARA ABORDAGEM DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NO ENSINO MÉDIO

TUTORIAL DO ALUNO. Olá, bem vindo à plataforma de cursos a distância da Uniapae!!!

Orientações para Palestras

PROGRAMA ESCOLA DA INTELIGÊNCIA - Grupo III ao 5º Ano

IV EDIPE Encontro Estadual de Didática e Prática de Ensino 2011 A IMPORTÂNCIA DAS ARTES NA FORMAÇÃO DAS CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Grupo de pesquisa JOVEDUC. Jovens, violência e educação

13. A FORMAÇÃO PESSOAL E SOCIAL, AS ÁREAS DE CONHECIMENTO E O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA ATÉ OS 6 ANOS

Fonte:

PSICODIAGNÓSTICO: FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA¹

ABCEducatio entrevista Sílvio Bock

A INTERATIVIDADE EM AMBIENTES WEB Dando um toque humano a cursos pela Internet. Os avanços tecnológicos de nosso mundo globalizado estão mudando a

O ORIENTADOR FRENTE À INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIENCIA NA ESCOLA REGULAR DE ENSINO

Sumário. Prólogo... 9

A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: PSIQUIATRIA REFORMADA OU MUDANÇA PARADIGMÁTICA?

Profissionais de Alta Performance

Processos Técnicos - Aulas 4 e 5

em partilhar sentido. [Gutierrez e Prieto, 1994] A EAD pode envolver estudos presenciais, mas para atingir seus objetivos necessita

O Projeto Ações Sociais AMO-RS nasceu do desejo de mudar realidades, incentivar, potencializar e criar multiplicadores.

Tudo sobre TELEMEDICINA O GUIA COMPLETO

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM PATOS, PARAÍBA: A PROFICIÊNCIA DOS ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS DE PATOS

Unidade II FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL. Prof. José Junior

Aula 12 A IMPORTANCIA DOS GRUPOS SOCIAS E DA FAMILIA PARA O PACIENTE. O Grupo Social. Inicialmente faz-se necessário

Resumo Aula-tema 01: A literatura infantil: abertura para a formação de uma nova mentalidade

O eu e o outro no grupo Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida

USANDO A REDE SOCIAL (FACEBOOK) COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM

CLÍNICA DE COACHING EMPRESARIAL. Bomfin & Hastenreiter. David Bomfin

NOSSA MISSÃO OS PROGRAMAS METODOLOGIAS AVALIAÇÕES

O Indivíduo em Sociedade

Prof. Dr. Guanis de Barros Vilela Junior

Vou embora ou fico? É melhor ir embora Estratégias de Evitamento

Katia Luciana Sales Ribeiro Keila de Souza Almeida José Nailton Silveira de Pinho. Resenha: Marx (Um Toque de Clássicos)

"Sombra e luzes a partir da prática dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola". Alciane Basílio de Almeida

CAPÍTULO 5 CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E LIMITAÇÕES. 1. Conclusões e Recomendações

Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

A IMPORTÂNCIA DO ASSISTENTE SOCIAL NOS PROJETOS SOCIAIS E NA EDUCAÇÃO - UMA BREVE ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DO PROJETO DEGRAUS CRIANÇA

TIME, um desafio para alta performance

O ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS: CONTRIBUIÇÕES PARA UM DEBATE

O PAPEL DO SERVIÇO SOCIAL EM UMA EQUIPE INTERDISCIPLINAR Edmarcia Fidelis ROCHA 1 Simone Tavares GIMENEZ 2

Dia_Logos. café teatral

TAM: o espírito de servir no SAC 2.0

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

Brincadeiras que ensinam. Jogos e brincadeiras como instrumentos lúdicos de aprendizagem

Plano Integrado de Capacitação de Recursos Humanos para a Área da Assistência Social PAPÉIS COMPETÊNCIAS

E-BOOK LIDERANÇA. Os 5 comportamentos indispensáveis para um líder de sucesso! PRISCILLA BELLETATE. - Coach de Liderança -

Transcrição:

O PODER DA MÁSCARA NO PSICODRAMA: A SOMBRA E A LUZ [2014] Melissa Marques Torres Oliveira Psicóloga pela Universidade São Marcos (USM). Psicodramatista pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Coordenadora do Núcleo de Teatro e Psicodrama da Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP). Psicoterapeuta de adolescentes e adultos E-mail de contato: contato@melissaoliveira.psc.br RESUMO O artigo discute a utilização da máscara como instrumento de trabalho no psicodrama. A pesquisa é embasada no referencial teórico de Moreno, ao articular psicodramatistas contemporâneos e conceitos da psicologia analítica de Jung. Compreende-se que a máscara, usada no contexto psicodramático concretiza personagens e papéis sociais, repletos de conservas culturais, que camuflam o drama individual do sujeito impedido de atuar na vida em sua plenitude. O trabalho psicoterápico consiste em equilibrar a luz e a sombra do que as máscaras representam. Palavras-chave: Papéis sociais, máscaras, psicodrama, sombra, luz. AS MÁSCARAS O sujeito cria personagens e assume diferentes papéis sociais que se encontram muitas vezes cristalizados e que estão impedidos de serem protagonizados em sua plenitude e em sua possibilidade criativa, tendo como resultado uma inadequação decorrente de uma falta de espontaneidade e criatividade. Em termos sociais, cada indivíduo incorpora máscaras que se configuram a partir das instituições de nossa cultura que muitas vezes desencorajam-no a desempenhar certas nuances dos papéis sociais. Os papéis sociais são articulados a partir de contextos determinados socialmente, ou seja, do meio em que o individuo vive e da sua relação com o outro. Melissa Marques Torres Oliveira 1 Siga-nos em

Tendo em vista a complexidade dos papéis sociais, criam-se máscaras que são incorporadas pelo sujeito. Buchbinder (1985) denomina máscaras cotidianas, como sendo aquelas construídas pela intimidade do sujeito e que se relacionam com outras máscaras. De acordo com o autor, elas representariam a história individual do sujeito dialogando com o meio social expressado em seu rosto ao gerar uma máscara única cristalizada. Esta cristalização é produto da conserva cultural. Para Zerka Moreno (2010) a conserva cultural é consequência de um produto como se fosse um momento congelado no tempo. O homem, muitas vezes, conserva suas ações respondendo de maneira mecanizada ao contexto social. Sufoca, portanto, sua capacidade criadora tornando-se rígido, automático e impedido de se expressar espontaneamente. As máscaras são incorporadas a partir da rotulação de padrões pré-determinados pela sociedade, onde o sujeito se coloca numa condição de impedimento de expressar sua verdadeira essência, criando uma espécie de barreira, ocultando valores e sentimentos que a sociedade não legitima. Nos atendimentos psicoterápicos utilizo as máscaras como um objeto intermediário que ajuda o indivíduo a entrar em contato consigo mesmo, num plano subjetivo. Bermudez (1970) conceitua objeto intermediário como sendo um elemento real e concreto com poder de atração que facilita a comunicação. As máscaras além de facilitar a comunicação, permitem concretizar a sua condição de cristalização, despertando sensações e sentimentos aflorados em seu mundo interior, possibilitando a conscientização de múltiplos aspectos dos papéis sociais e dos personagens que o sujeito em dado momento de sua vida muitas vezes adota e se mascara. O processo psicodramático com máscaras permite ao sujeito reconhecer conteúdos objetivos e subjetivos de sua personalidade, levando-o a entrar em contato profundamente com seu mundo interior. A máscara tem o poder de permitir essa conexão com o sagrado do paciente. Na utilização desse instrumento psicodramático é passível de se observar a facilidade com que o sujeito se encontra com a sua divindade abreviando o curso de sua psicoterapia. No processo psicoterápico, sagrado e divindade constituem a qualidade do mundo interior do paciente, pois é ele mesmo que governa e administra seu próprio mundo no sentido de criar, construir, multiplicar, ou adoecer e paralisar. Cada paciente tem seu próprio mundo interior e sua divindade. Nessa circunstância, o paciente revela-se e é livre para fazer o que bem entender. Moreno (1920 republicado em 1992) considera Deus como sendo um pai que cada ser humano incorpora através de sua ação no mundo e sua história. Esta conotação sugere o entendimento de Deus como sendo o ser supremo que reina no próprio mundo interior de cada ser humano e autor de suas próprias palavras, criador de seu próprio processo. De tal modo que o contato com esse Eu-Deus é o primeiro passo para o desenvolvimento do processo psicodramático. A partir dele é que o paciente consegue fazer emergir a sua criatividade e espontaneidade, colocando-se de forma ativa no mundo. Melissa Marques Torres Oliveira 2 Siga-nos em

Na trajetória do psicodrama alguns psicodramatistas utilizam máscaras como instrumento de trabalho. No cenário latino americano, o argentino Mário Buchbinder (Buchbinder, 1996), os brasileiros Marco Antonio Amato (Amato, 2002) e Osvaldo Politano Junior (Politano Junior, 1988) são os mais representativos. Buchbinder apresenta como foco de trabalho com máscaras uma desestruturação dos fantasmas internos do paciente e a consequente reestruturação de seu mundo interior. Já o ponto de vista de Amato se baseia na filosofia do momento de Moreno e na teoria dos cachos de papéis (clusters) de Bustos. A visão de Politano Junior, por sua vez, ressalta a pessoa privada articulada ao conceito de papel. Os três autores desenvolveram suas análises utilizando a máscara como instrumento de trabalho fundamentados na visão de que a criatividade e a espontaneidade do sujeito são conceitos centrais e, portanto, estão na base da descristalização das máscaras que impedem o sujeito de enxergar novas possibilidades de atuação em suas vidas através de seus papeis sociais imersos na sua cultura. OS CONCEITOS DE SOMBRA E LUZ Nesta parte, é preciso estabelecermos uma reflexão quanto aos termos persona e sombra da psicologia analítica de Carl Gustav Jung. Em seguida, acrescentaremos um terceiro termo de análise, a luz. O termo persona, sob o ponto de vista de Jung (1985), denota a palavra que designa a máscara do ator. Sob o ponto de vista psicodramático, nada mais é do que a expressão dos papéis sociais em relação aos quais o sujeito atua. Persona é uma máscara da psique coletiva que representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade, é uma aparência, a forma pela qual o individuo se apresenta no mundo. Indica aquilo que ele reconhece como próprio, conscientemente, e quer apresentar ao mundo, sua máscara social. Portanto, ao mesmo tempo, há algo de individual indiretamente presente na escolha da persona. O ator representa a persona, que é a máscara da sociedade, os arquétipos como um referencial humano, logo, persona associase a personagem. O personagem sintetiza um momento da vida do paciente, e é criado a partir dos papéis sociais que desempenha na vida, os quais se encontram, muitas vezes, mascarados. Por outro lado, que se encontram muitas vezes mascarados. A máscara permite o contato com a intimidade do paciente, sua verdadeira essência mascarada. Com base nisso, podemos relacionar os aspectos de sombra e luz presentes no processo terapêutico com a máscara. Como um processo dialético, quando o individuo coloca a máscara verifica-se imediatamente a sua sombra, ou seja, transmite o que quer expressar para as pessoas e obscurece parte de sua imagem interior inconscientemente. A parte obscura é a sombra repleta de aspectos profundos e muitas vezes negativos da personalidade do individuo que são ocultados, se encontram em estado inconsciente. Conforme a experiência dos atendimentos Melissa Marques Torres Oliveira 3 Siga-nos em

clínicos 1, os conceitos de sombra e luz necessitam ser aclarados e acrescentados para melhor entendimento do processo psicoterápico com a máscara. A sombra é visível num primeiro momento, como sendo o elemento que impede o sujeito dificultando seus movimentos existenciais. Há claramente um sofrimento do sujeito por se encontrar impedido de externalizar sua verdadeira essência no plano de suas relações presentes em seu átomo social. Uma máscara que não se diz o que quer, diz exatamente o oposto do que se quer. Essa máscara é uma forma de defesa onde o sujeito cria monstrinhos que encarnam diante da sociedade em que vive e atua. Portanto, omite sua sombra, com receio de ser rejeitado pela sociedade. Esta sombra já está presente claramente no status nascendi de suas transferências. Perazzo (2010) conceitua status nascendi transferencial como sendo a repetição de um modelo relacional cristalizado do indivíduo em várias situações de sua vida, resultando num personagem conservado e encapsulado dentro de si mesmo escasso de espontaneidade e de criatividade. Assim, a luz pode ser caracterizada como sendo a expressão da espontaneidade e criatividade do sujeito, a lucidez, a autenticidade, a verdadeira essência espontânea, o verdadeiro eu, o estado genuíno do ser humano. Moreno (republicado em 1984) define o estado de espontaneidade como o ato de vontade do ator, sendo voluntário e livre de influências externas. A espontaneidade caracteriza-se como sendo a capacidade de uma rápida emergência de idéias e sua transformação em ação. Nesse sentido, Garrido Martín (1966) ressalta que criatividade para Moreno é progresso, evolução, crescimento, invenção, arte e tudo o que suponha inovação ou desenvolvimento. Com base na experiência dos atendimentos, podemos perceber que esta luz reflete o que Moreno denomina por a verdade psicodramática e poética do ser humano, que uma vez obscurecida pela sombra fica repleta de conservas que dificultam a vida do sujeito. A condição de ser espontâneo está diretamente relacionada a uma reflexão e transformação dos papéis específicos desempenhados nas diversas situações da vida do sujeito, permitindo desenvolver características mais flexíveis de sua personalidade ao se expressar livremente. No processo psicoterápico, com o uso das máscaras, o paciente entra em contato com a sua sombra, que reflete no seu personagem interno conservado aspectos muitas vezes negativos que o reprime. Esse personagem nada mais é do que o oposto do papel imaginário do sujeito. Esta psicoterapia com máscaras ajuda a localizar o status nascendi transferencial que o faz reviver os conflitos de sua vida, permitindo que ele crie outro personagem, o oposto da sombra, protagonizando um novo papel. Trata-se do desencapsulamento do papel imaginário transformado num papel psicodramático espontâneo e criativo. Os dois personagens são o contraponto um do outro. Nesse momento, o sujeito entra em contato com a luz da máscara e se 1 Atendimentos psicoterápicos realizados em consultório e no Centro de Atendimento Psicossocial com a população de adolescentes e adultos. Melissa Marques Torres Oliveira 4 Siga-nos em

apossa das características positivas que podem ajuda-lo a lidar melhor com a sua sombra. Há uma harmonia entre os aspectos de sombra e luz. O paciente resignifica sua história de vida e compreende que a sua máscara possui dois lados refletidos pela sombra e luz. Os lados são concretizados em dois personagens: um aprisionado e imaginário; outro novo e repleto de criatividade e espontaneidade. Portanto, toda a máscara apresenta sua luz e sua sombra. Geralmente a sombra aparece quando repleta de conservas e de aspectos dificultosos da vida do sujeito. A luz surge como a sua face espontânea e criativa. A sombra pode ser positiva quando entra em contato com a luz, a verdadeira essência do protagonista, ocorrendo uma harmonização entre as duas faces da máscara. No processo psicoterápico há uma busca de equilíbrio entre luz e sombra. O indivíduo aprende a lidar com sua máscara de maneira harmônica. Esses dois aspectos não vivem separados. O psicodrama desperta o que estava ocultado pela sombra. Há uma expressão espontânea do sujeito que aprende a conviver com sua sombra e sua luz, tendo o livre arbítrio de escolher sua forma de expressão. A cena psicodramática possibilita um desmascaramento social, como se fosse um momento iluminado decorrente do contato do indivíduo com sua máscara inicial. Esse desmascaramento é o instante privilegiado em que ele se vê e se compreende melhor em toda sua plenitude. RESULTADOS COM O EMPREGO DA MÁSCARA Em minha prática profissional realizando sessões psicoterápicas individuais em consultório, com pacientes neuróticos, é significativamente perceptível que as máscaras permitem desencapsular o papel imaginário conservado dentro do sujeito, levando à catarse do protagonista e um desencadeamento psicodramático de uma ação reparatória. O paciente entra em contato com a sua sombra refletida pela máscara, percebe dizer exatamente o oposto do que ele quer, dificultando seus movimentos existenciais, atuando como um personagem conservado em sua vida. Há, muitas vezes, claramente um sofrimento do paciente por se encontrar impedido de externalizar sua verdadeira essência. A sua sombra revela-se igualmente presente no status nascendi de suas transferências. O paciente promove uma ação reparatória capaz de provocar o status nascendi de um movimento existencial novo, desfazendo a cadeia transferencial motivado pela luz da máscara, uma ação espontânea e criativa. Esse novo status nascendi é construído quando o paciente entra em contato com outro personagem de sua vida, criado a partir da máscara. A ação reparatória define o momento da dramatização em que um papel imaginário conservado se transforma em papel psicodramático espontâneo e criativo. A máscara possibilita Melissa Marques Torres Oliveira 5 Siga-nos em

ao paciente entrar em contato com seus personagens internos, durante o processo de psicoterapia, possibilita conviver com a sombra e a luz de sua máscara de forma mais harmônica. Desenvolvendo sessões em grupo no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), com pacientes psicóticos, foi possível observar uma ampliação do autoconhecimento e da percepção dos papéis sociais desempenhados na vida através de novas possibilidades de atuação criativas reconstruindo redes sociométricas rompidas e história pessoal. Iniciei tal trabalho com a utilização do recurso do teatro espontâneo 2, inicialmente em que era visível o isolamento social decorrente da doença psíquica. Aos poucos novos vínculos foram estabelecidos entre os integrantes do grupo, melhorando a comunicação entre eles. Num segundo momento, a intervenção psicodramática foi ampliada e o trabalho com as máscaras permitiu a incorporação de personagens que possibilitaram reviver seus delírios e alucinações. Mascarenhas (1997) ressalta que o paciente aceita e vivencia seu delírio e inclui personagens internalizados. Ao aceitar seu delírio, trabalha-se a partir do interior do delírio, criando um novo sentido despertado pela criatividade e espontaneidade. Portanto, nos atendimentos em grupo, a máscara reflete a sombra dos pacientes, o medo e a angústia do grupo em conviver com o seu delírio. O personagem interno conservado é o seu próprio delírio que aparece como forma de se defender do contato social. A luz da máscara é o momento de lucidez, repleto de espontaneidade e criatividade quando o paciente verifica novas possibilidades de atuação em sua vida. Tal tratamento tem contribuído para a diminuição do sofrimento, das angustias, enfim, diminuindo as dificuldades vividas nos relacionamentos presentes em seu átomo social ampliando sua capacidade de resolver problemas e cuidar da própria vida. CONCLUSÕES Os personagens habitam o universo interior do paciente e representam um conjunto de estrutura própria da vida do sujeito. O personagem representa diferentes papéis de sua vida, nasce através da criação da sua imaginação e se estabelece pelos vínculos sociais. As máscaras propiciam vivenciar personagens e investigam a identidade do paciente como um modo de despertar seu potencial criativo e proporcionam a reflexão e conscientização de formas de mascaramento que cada paciente utiliza em seus papéis sociais. Possibilitam a reflexão, integração e criação de novos papéis sociais. 2 Aguiar (1998) define teatro espontâneo como uma modalidade de teatro interativo, cuja característica básica é a improvisação, tanto o texto como a representação, são criados no momento da própria apresentação, com base em contribuições da platéia. Melissa Marques Torres Oliveira 6 Siga-nos em

A identidade do sujeito se constrói a partir dos papeis sociais que ele desempenha na vida, no jogo de complementaridade com seus contrapapéis. A medida em que as máscaras se modificam, a identidade do indivíduo também se transforma. O conceito de identidade, aliás, é um conceito dinâmico e não estático como é de conhecimento de todos. O trabalho com máscara resulta na ampliação da percepção do indivíduo quanto ao desempenho de seus papéis sociais em cada momento. Concretiza personagens internos, espelhados na luz e na sombra de sua máscara. No processo psicoterápico o protagonista reconhece a sua persona, a sua máscara, atuada nos papéis sociais muitas vezes cristalizados, uma máscara que esconde algo que não se revela possibilita ao sujeito a conscientização de sua identidade através do jogo de seus papéis sociais. O paciente obtém a consciência da sua sombra, refletida na criação de seu personagem conservado, percebe que o repete em vários momentos de sua vida, quanto mais o esconde, mais sofrimento gera para si mesmo. Somente quando o paciente resignificou os conteúdos da sombra, cria outro personagem interno, oposto da sombra, refletido pela luz, repleto de espontaneidade e criatividade, despido de conservas culturais. Nesse momento se apodera da luz, sua expressão genuína, ocorrendo a descristalização da máscara inicial. Há uma harmonização entre sombra e luz. Através da realidade suplementar o protagonista cria um novo status nascendi relacional para a sua vida. Conforme exposto, o psicodrama pode contribuir com seu processo para despertar a criatividade e espontaneidade do sujeito, podendo descristalizar as máscaras que o impedem de enxergar novas possibilidades de atuação ativa e comprometida em suas vidas, equilibrando a luz e a sombra destas máscaras. Melissa Marques Torres Oliveira 7 Siga-nos em

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, M. Teatro Espontâneo e Psicodrama. Editora Ágora, 1998. AMATO, M.A. A poética do psicodrama: O grupo autodirigido e a dinâmica da cena. São Paulo: Aleph, 2002. BERMUDEZ, J.G.R. Introdução ao Psicodrama. São Paulo: Mestre Jou, 1970. BUCHBINDER, M. A poética do desmascaramento: Os caminhos da cura. São Paulo. Ágora, 1996.. Las Mascaras de las Mascaras: Experiencia expresiva corporal terapéutica. Buenos Aires. Letra Viva, Reimpresión 1985. JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. Rio de Janeiro: Vozes, 1985 MARTÍN, E. G. Psicologia do encontro: J.L.Moreno. São Paulo: Ágora, 1966. MASCARENHAS, P. "O psicodrama de Adolf Hitler: um paradigma do psicodrama e a sua relação com a multiplicação dramática." Revista Brasileira de Psicodrama 5-1: 43-50 (1997). MORENO, J. L. As Palavras do Pai. Campinas/SP: Psy, 1992. O teatro da espontaneidade. São Paulo: Summus, 1984. MORENO, Z. T.; Blomkvist, L. D.; Rutzel, T. A Realidade suplementar e a arte de curar. São Paulo: Ágora, 2010. PERAZZO,S. Psicodrama: O forro e o avesso. São Paulo: Ágora, 2010. POLITANO Jr, O. Desenvolvimento ou treinamento de papel? Ou a grande farsa? Revista da Febrap, 145-154, anais 6 Congresso Brasileiro de Psicodrama, vol.1, 1988. Melissa Marques Torres Oliveira 8 Siga-nos em