Reconstrução do ligamento patelo femoral medial com enxerto do tendão do quadriceps

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5 Reconstrução do ligamento patelo femoral medial com enxerto do tendão do quadriceps Alessandro Monterroso Felix 1, Monica Paschoal Nogueira 2, William Martins Ferreira 3 RESUMO A luxação traumática da patela é frequente na adolescência e muitos casos evoluem para uma condição de instabilidade patelo femoral. O tratamento, tanto da primo luxação traumática, quanto da instabilidade patelo femoral, ainda é controverso e a boa anamnese, somada a exames complementares de imagem, orientam a melhor decisão entre uma proposta conservadora, com imobilização e reabilitação, ou cirúrgica. Existem muitas técnicas operatórias descritas e a reconstrução do ligamento patelo femoral medial se apresenta como boa opção, pouco invasiva, de fácil reprodução, demonstrando bons resultados na literatura médica, sendo possível a associação a outras táticas. Descreveremos neste artigo a técnica de reconstrução do ligamento patelo femoral medial com enxerto autólogo do tendão do quadríceps. Palavras-chave: Ligamento patelar. Transplante autólogo. Reconstrução. SUMMARY Traumatic dislocation of patella is common in adolescence and many cases progress to femoral patellar instability. The treatment of both, the first traumatic dislocation or the patellofemoral instability, is still controversial, and good clinical history together with complementary imaging tests guide the best decision between a conservative, (immobilization and rehabilitation) or a surgical treatment. There are many operative techniques described and the reconstruction of the medial patellofemoral ligament is a good option, not so invasive, easy to reproduce, demonstrating good results in the medical literature and could be associated with other techniques. We describe the technique of reconstruction of the medial patellofemoral ligament with autologous graft of the quadriceps tendon. Keywords: Patellar ligament. Autologous. Reconstruction. INTRODUÇÃO Cerca de 2/3 dos casos de primo luxação traumática da patela tem entre 10 e 19 anos e a grande maioria desses casos tem menos de 16 anos, o que desenha uma condição de acometimento característica do esqueleto imaturo 1. Quando submetidos ao tratamento conservador, cerca de metade dos adolescentes, após um único episódio de luxação, sofrerão com episódios recorrentes, sendo que a partir do segundo episódio a recorrência é ainda maior. A sensação de instabilidade articular poderá estar presente na evolução de até 70% dos casos de luxação traumática 2 e é comum haver certa dor residual ou queixas associadas a uma disfunção anterior 1. Médico Assistente Grupo de Ortopedia Infantil e Reconstrução do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do HSPE IAMSPE São Paulo 2. Chefe do Grupo de Ortopedia Infantil e Reconstrução do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do HSPE IAMSPE São Paulo 3. Médico Colaborador Grupo de Ortopedia Infantil e Reconstrução do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do HSPE IAMSPE São Paulo Autor responsável: Alessandro Monterroso Felix / E-mail: alessandromfelix@gmail.com

6 do joelho. Mais de 1/3 desses pacientes apresentarão restrições para prática de atividade física. É frequente, nos casos de luxação recidivante a precoce evolução para a artropatia degenerativa do joelho. 3 Essas relações não são válidas para crianças com menos de 10 anos ou para as situações associadas às patologias congênitas que têm prognósticos e indicações de tratamento distintos e uma relação ainda mais complexa de fatores se sobrepondo 4. A instabilidade patelo femoral do adolescente (IPFA) é uma entidade distinta que passa a ser melhor entendida como o conjunto de condições traumáticas, mecânicas, estruturais e anatômicas, que frequentemente coexistem e levam a sensação de falseio, dor e desconforto associados à disfunção do aparelho extensor e compartimento anterior do joelho 5, tendo no quadro das luxações recidivantes o extremo da apresentação clínica. Assim, partindo desse entendimento, se obtêm grande avanço no estudo de sua etiologia, diagnóstico e tratamento 6. Foi demostrada uma relação familiar na IPFA, existe também um risco aumentado para comprometimento bilateral 1 e outro fator associado é a hipermobilidade articular 7. Entre os fatores anatômicos, observa-se uma relação entre IPFA com patela alta, displasia troclear, a lateralização da tuberosidade anterior da tíbia e o desvio lateral da patela 8, bem como geno valgo e aumento da anteversão femoral 9. Quanto ao episódio da primeira luxação, a topografia e a extensão das lesões do retináculo medial, da inserção do vasto medial e vasto medial obliquo e do ligamento patelo femoral medial também estão associadas a evolução para IPFA 10. O tratamento cirúrgico deve levar em consideração todos esses fatores. A reconstrução do ligamento patelo femoral medial, apesar de não abordar todas as condições associadas a IPFA, apresenta-se como uma opção cirúrgica pouco agressiva, criando um mecanismo de constrição à lateralização da patela, com bons resultados, permitindo a associação com outras técnicas operatórias que podem ser agregadas, de acordo com a necessidade individual de cada caso 11. RELATO DE CASO Apresentaremos a seguir o relato de um caso que foi submetido a reconstrução do ligamento patelo femoral medial, com a utilização de auto enxerto do tendão do quadríceps, discutindo, em sua essência, todas as particularidades envolvidas na investigação clínica, na abordagem terapêutica e na escolha da técnica operatória. Trata-se de um paciente do sexo masculino, que com 13 anos de idade que apresentou o primeiro episódio de luxação traumática da patela no joelho direito, durante prática esportiva, tendo observado a completa lateralização da patela, que reduziu espontaneamente à extensão do joelho. Realizadas radiografias, que não evidenciaram lesões osteocondrais, inicialmente foi tratado com imobilização ínguino maleolar por um período de seis semanas, permitindo descarga parcial de peso com o uso de muleta e órtese imobilizadora. A partir da terceira semana de tratamento introduziu-se exercícios para ganho de amplitude de movimento, de forma passivo assistida, com medialização da patela, e exercícios de isometria para fortale cimento do quadríceps, vasto medial e vasto medial obliquo. Na sexta semana foi retirada a órtese e começaram os exercícios ativos para ganho de amplitude de movimento e fortalecimento isotônico de cadeia cinética aberta. No programa de reabilitação estão previstos ainda os exercícios para ganho de propriocepção, corrida e deslocamento lateral entre a oitava e a decima segunda semanas do tratamento, programando o retorno progressivo às atividades de impacto a partir da décima segunda semana. Podemos adotar uma avaliação isocinética, medindo torque e resistência da musculatura extensora e flexora da coxa, comparando com o lado contralateral. Se estabelece como meta, uma diferença objetiva menor que 15% para o retorno às atividades de impacto. Para tanto também é esperado o completo reestabelecimento da amplitude de movimento 12. Apesar do paciente apresentar fatores de risco anatômicos, que serão discutidos na sequência, para desenvolver IPFA, existe ampla literatura embasando o tratamento inicial da luxação traumática da patela no adolescente de maneira conservadora, com resultados que se assemelham a primo abordagem cirúrgica 12. Todavia, quando foi reintroduzida a atividade de impacto, o adolescente sofreu nova sub luxação da articulação patelo femoral, evoluindo com dor anterior do joelho e derrame articular, com sensação de instabilidade e falha nas atividades cotidianas. Realizou-se então, novas radiografias do joelho, Raio X panorâmico dos membros inferiores, Ressonância Magnética e Tomografia computadorizada para cálculo do TAGT e versão femoral. Na figura 1, a ressonância magnética mostrou a topografia da lesão do Ligamento patelo femoral medial (LPFM) junto a sua inserção na patela e sem lesões osteocondrais. Alguns estudos demonstraram que a topografia da lesão deste ligamento, junto a patela ou intra substancial e a associação com lesão do retináculo medial, assim como a lesão da inserção do vasto medial obliquo estão associadas a uma chance maior de evolução para IPFA 13. Outro fator que devemos observar e tratar, orientados pelo exame de ressonância, é a presença de lesões condrais da articulação patelo femoral que também estão associadas a luxações recidivantes assim como à degeneração articular 13. Na radiografia (Figura 2), em perfil a 30 graus de flexão, pudemos observar um índice de Caton Deschamps maior que 1,2 (na imagem do raio x em perfil com 30 graus de flexão - relação entre o comprimento da superfície articular da patela dividida pela distância da borda inferior da superfície articular da patela até a porção mais ântero superior do platô tibial - considera-se Patela Alta quando esse índice for maior que 1,2) e na imagem axial de patela presença Serviço de Ortopedia e Traumatologia São Paulo Brasil

7 Figura 1. Corte axial de Ressonância Magnética Mostrando a Lesão do LPFM junto a inserção patelar de uma tróclea rasa classificada como tipo C de Dejour, que são outros fatores relacionadas à IPFA (Figura 3) 8. Dejour propõe a opção da trocleoplastia como procedimento para o tratamento da IPFA. Contudo, a técnica não é de fácil reprodução, exige que o esqueleto esteja próximo a maturidade, tem mais riscos de complicações, exige uma abordagem maior, com pós -operatório mais difícil e demonstra bons resultados quando associada com outras táticas. Assim acreditamos que esse procedimento estaria melhor indicado nos casos de falha de uma abordagem inicial, em pacientes com grande demanda como atletas, ou nos casos com tróclea tipo D de Dejour, quando não existe congruência para a excursão da patela com o fêmur 8. Um trabalho de análise radiográfica apontou a diminuição dos índices da altura da patela após a reconstrução do LPFM. A justificativa para esse fenômeno é demostrada por um complexo gráfico de vetores, associado à força de medialização do ligamento 15. O TAGT (Tuberosidade Anterior - Garganta Troclear) é um índice que, de maneira indireta, ajuda a mensurar o momento de lateralização da patela e foi medido com 15,6 mm no paciente em questão. A medida do TAGT é obtida quando sobrepostos os cortes axiais tomográficos da porção mais proeminente da tuberosidade anterior da tíbia e da porção mais profunda da garganta da tróclea. To mando-se uma linha de base que tangencia posteriormente os côndilos femorais, traçamos uma linha perpendicular até a tuberosidade anterior e outra até a garganta da tróclea; medimos a distância entre essas linhas (Figura 4). A média da população é de 14 mm e, via de regra, índice maior que 20 mm está associado a uma maior chance de IPFA. Isto orienta uma necessidade de algum procedimento de realinhamento distal 12, como a medialização da tuberosidade anterior, se a fise estiver pró- A B C D Figura 2. Medida do Índice de Caton - Deschamps Figura 3. Classificação de Displasia Troclear de Dejour Fonte: Dejour & Saggin, 2012 8.

8 xima ao fechamento, com certa segurança a partir dos 15 anos, ou pelo procedimento descrito por Roux para o esqueleto imaturo. A medida da versão femoral também se faz necessária, predizendo um risco maior de recorrência se for maior que 30 graus. A osteotomia derrotatória sub trocantérica é um procedimento cirúrgico de maior porte, com mais riscos de complicações e pode ser indicada nos casos de assimetria da versão femoral entre os membros ou de falha do tratamento cirúrgico peri articular do joelho 9. No caso do paciente estudado essa medida foi de 18 graus. O raio X panorâmico dos membros inferiores ajuda a determinar o alinhamento coronal. No caso do paciente em questão, o alinhamento era neutro (Figura 5). Entretanto, em pacientes com geno valgo com ápice da deformidade no fêmur distal e com menos de 13 anos, podemos pensar na correção de deformidade com hemiepifisiodese temporária do fêmur distal medial, como opção de tratamento adicional para a IPFA. Concluída a análise do caso, nos deparamos com um adolescente de 13 anos com luxações recidivantes da patela, sintomas de IPFA, alinhamento neutro do membro, com versão femoral normal, patela alta, tróclea rasa, que pratica esporte de forma recreativa e tem um TAGT menor que 20 mm. Optamos pela reconstrução do LPFM com enxerto autólogo do quadríceps e o avanço do músculo Figura 4. Medida do TAGT Figura 5. Raio X panorâmico Serviço de Ortopedia e Traumatologia São Paulo Brasil

9 vasto medial e vasto medial obliquo 17. A necessidade de uma liberação do retináculo lateral seria decidida no intra operatório a partir de parâmetros subjetivos do cirurgião, ao analisar a tensão lateral, a pressão patelo femoral e a mobilidade da patela na tróclea após tracionar o neo ligamento. Com o paciente anestesiado em centro cirúrgico, após os preparos de assepsia e antissepsia foi realizada uma incisão mediana supra patelar com 5 cm. Foi dissecado o tecido subcutâneo até o peri tendão, feita a abertura longitudinal mediana do mesmo até o polo superior da patela, descolando o medialmente, junto com a inserção tendínea do músculo vasto medial e desenhando de forma mais anatômica a borda medial do tendão do quadríceps. Partindo da borda medial do tendão podemos dissecar um enxerto, com no mínimo 5 mm, da porção mais superficial do tendão quadriceptal que tem duas lâminas, uma superficial e outra profunda, mantendo a inserção do enxerto no polo súpero medial da patela. Após a dissecção subperiostal, no polo súpero medial da patela, o enxerto pode ser rebatido mediamente. Com o rebatimento do enxerto, cria-se um vértice de força de arrancamento na base periostal, mais distal, junto a inserção patelar, que deve ser protegida com um ponto de segurança, para evitar que as forças de tração continuem descolando o periósteo. Obtemos assim um enxerto, que se mantém inserido no polo superior da patela, com cerca de 7 a 10 cm de comprimento e aproximadamente 5 a 8 mm de espessura (Figura 6). Estudos de biomecânica sugerem que o enxerto para a reconstrução do LPFM deveria suportar cerca de 300 N de força de tração, um valor bem menor que o enxerto para a reconstrução do ligamento cruzado anterior, por exemplo, que pode suportar uma tração de 900 a 1200 N 17. Terminamos o preparo do enxerto realizando a sutura da extremidade oposta a inserção patelar com pontos de Krakow, com fio multi filamentar de alta resistência número 2, por cerca 2 cm, na extremidade livre do enxerto do enxerto. O próximo passo é localizar o ponto de inserção anatômica do enxerto no côndilo femoral medial 18. Posicionando a escopia em perfil absoluto do fêmur distal, localizamos o ponto de inserção com um objeto radiopaco. Projeta-se uma linha que tangencia a cortical femoral posterior como linha de base, a segunda linha é traçada perpendicularmente à primeira, partindo do ponto da intersecção do côndilo femoral medial com a cortical posterior do fêmur, definindo o limite mais proximal do ponto de inserção. Por fim, o limite mais distal se determina ao se traçar uma terceira linha, também perpendicular à linha de base, com origem no ponto mais posterior da linha de Blumensaat. O ponto de inserção é imediatamente anterior à linha de base da cortical posterior femoral (Figura 7). Estabelecido esse ponto, fazemos uma incisão percutânea, com aproximadamente 2 cm, para dissecção até o plano ósseo e, com apoio da escopia, inserimos uma âncora de 5 mm, com fios multi Figura 6. Enxerto dissecado e rebatido Fonte: Arquivo pessoal do autor Figura 7. Ponto de inserção femoral

10 filamentares n o 2, que deverá ser locada, distal à fise, sem comprometê-la. Com auxílio de uma pinça longa devemos dissecar um túnel de passagem para o enxerto, até seu ponto de inserção, em um plano submuscular e extracapsular. A fixação do enxerto deve ser obtida com o joelho fletido a 30 graus, com o enxerto tenso, mas sem promover aumento da pressão da articulação patelo femoral. Nesse momento também é definida a necessidade de uma liberação lateral, tendo como critérios a pressão na articulação e a tensão do retináculo lateral. No paciente do relato, realizamos a liberação do retináculo lateral, abaixo da inserção quadriceptal, preservando a vascularização do tendão. Feita fixação femoral do enxerto, aproximamos com sutura a inserção do vasto medial, para cobrir o leito doador. Realizamos o avanço do vasto medial e do vasto medial obliquo, com o peritendão, sobre a patela e sobre o ponto de inserção patelar do enxerto, o que configura ao enxerto um potencial de ação dinâmica, trabalhando em sinergia com a contração proprioceptiva muscular. Realizada a hemostasia, a colocação do dreno de vácuo é opção do cirurgião. No caso apresentado não foi colocado. Após sutura e curativo, confeccionada imobilização ínguino ma leo lar e o protocolo de imobilização e reabilitação seguiu o protocolo anteriormente descrito para o tratamento da primo luxação traumática. O caso apresentado evoluiu de forma assintomática, até o primeiro ano de seguimento, o paciente retornou à atividade esportiva recreativa no sexto mês do pós-operatório. DISCUSSÃO A IPFA é um problema que leva a dor e limitação funcional, devendo ser corretamente compreendido e analisado com parâmetros objetivos para o melhor tratamento. Apesar de se apresentar como uma técnica pouco invasiva de tratamento cirúrgico da IPFA, a reconstrução do LPFM tem diversas técnicas descritas, com resultados variáveis, não sendo estabelecido um padrão ouro para a aplicação 19. O uso do enxerto do tendão do quadriceps permite abordar, pela mesma via de acesso, a liberação lateral e o avanço muscular do vasto medial e do vasto medial obliquo, restringindo o trauma da cirurgia ao aparelho extensor, sem abordar outros sítios doadores de enxerto, mostrando-se seguro para o tratamento do esqueleto imaturo e podendo se associar a outras técnicas. O tratamento conservador na primo luxação traumática do adolescente ainda é a primeira opção a ser considerada, entretanto os fatores de risco para desenvolver IPFA devem ser adequadamente analisados e as luxações recidivantes devem ser evitadas, de maneira a previnir a artropatia degenerativa. Uma análise criteriosa de todos esses fatores envolvidos nessa patologia, com suas inúmeras variáveis, certamente levará para uma conduta assertiva. REFERÊNCIAS 1. Fithian DC, Paxton EW, Stone ML, Silva P, Davis DK, Elias DA, et al. Epidemiology and natural history of acute patellar dislocation. Am J Sports Med. 2004;32(5):1114-21. 2. Stefancin JJ, Parker RD. First-time traumatic patellar dislocation: a systematic review. Clin Orthop Relat Res. 2007;455:93-101. 3. Stathopulu E, Baildam E. Anterior knee pain: a long-term follow-up. Rheumatology (Oxford). 2003 Feb;42(2):380-2 4. Chotel F, Bérard J, Raux S. Patellar instability in children and adolescents. Orthop Traumatol Surg Res. 2014;100(1 Suppl): S125-37. 5. Reider B, Marshall JL, Warren RF. Clinical characteristics of patellar disorders in young athletes. Am J Sports Med. 1981; 9(4):270-4. 6. Steensen RN, Bentley JC, Trinh TQ, Backes JR, Wiltfong RE. 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