A Revolução Científico- Tecnológica, a Nova Divisão Internacional do Trabalho e o Sistema Econômico Mundial Theotônio Dos Santos



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Transcrição:

A Revolução Científico- Tecnológica, a Nova Divisão Internacional do Trabalho e o Sistema Econômico Mundial Theotônio Dos Santos 1

ÍNDICE: A Teoria Econômica e a Mudança Tecnológica 3 Comércio Internacional e Divisão Internacional do Trabalho 11 Investimento Direto e Divisão Internacional do Trabalho 22 A Revolução Científico- Técnica e a Economia Mundial 39 Notas 47 Bibliografia 53 2

A Teoria Econômica e a Mudança Tecnológica A economia política clássica integrou, ainda que sem maior aprofundamento, o tema da mudança tecnológica no seu esquema teórico. Apesar do caráter ainda incipiente da indústria, os autores clássicos já percebiam o papel fundamental das inovações tecnológicas, ao lado da divisão do trabalho, para o aumento da produtividade e da riqueza das nações. Riqueza das Nações(1): Adam Smith afirmava, na sua Investigação sobre a Natureza e Causas da 3

"Assim como a acumulação do capital é condição prévia para levar adiante progressos na capacidade produtora do trabalho, da mesma maneira tal acumulação tende, naturalmente, a aperfeiçoar tais avanços. Quem emprega seu capital em dar trabalho deseja naturalmente empregá-lo de tal modo que este produza a maior quantidade de bens possível. Procura, portanto, que a distribuição de operações entre seus obreiros seja a mais conveniente, e lhes provê, ao mesmo tempo, das melhores máquinas que possa inventar ou que lhe seja possível adquirir". Para os clássicos como Adam Smith, a mudança tecnológica está ligada não somente à acumulação do capital, assim como ao número de pessoas empregadas, ao volume de atividades nos países e ao volume de bens produzidos. Ricardo seguirá o mesmo caminho. Foi Marx, contudo, o pensador que dedicou ao assunto uma parte fundamental dos seus estudos sobre a acumulação do capital. O conhecimento científico se converteria, para Marx, no elemento essencial para o desenvolvimento futuro das forças produtivas, subjugando a tecnologia e o processo de trabalho, cada vez mais socializados e articulados com o desenvolvimento da humanidade no seu conjunto. Marx afirma, no terceiro volume de O Capital: "Quando a força produtiva do trabalho aumenta nos lares de produção destes meios de trabalho, desenvolvendo-se constantemente com os avanços ininterruptos da ciência e da tecnologia, as máquinas, as ferramentas, os aparatos, etc., antigos cedem seus postos a outros novos, mais eficazes e mais baratos, em proporção ao seu rendimento. O capital antigo se reproduz sob uma forma mais produtiva... Ao mesmo tempo que produz uma exploração intensiva da riqueza natural pelo simples aumento de tensão da força de trabalho, a ciência e a técnica constituem uma potência de expansão 4

do capital independente do volume concreto do capital em função."(p. 510) Marx chega a afirmar que o capital busca "...dominar, a serviço da produção, gigantescas forças naturais e levar a cabo a transformação do processo de produção numa verdadeira aplicação tecnológica da ciência. Este avanço é acompanhado, ao mesmo tempo, por uma depreciação parcial dos capitais em função" (p.528)(2). Onde esta pressão se faz mais forte, o capital descarrega no operário o custo desta depreciação, intensificando a taxa de exploração da força de trabalho. Mais grave ainda é a contradição entre o aumento da produtividade do trabalho e a queda do volume do valor agregado, obrigando o capital a buscar conter a expansão de sua capacidade de produção através do monopólio e outros comportamentos. Na sua visão dialética, Marx procurou entender os efeitos destes fenômenos sobre a acumulação do capital, que o obrigavam a recorrer a formas socializadas de apropriação da produção, tais como o monopólio, a sociedade por ações e a intervenção estatal, que somente se esboçavam na época. Ao mesmo tempo, este avanço das forças produtivas a que era obrigado o capitalismo, na busca de fontes de lucros excepcionais - que neutralizassem a tendência à queda da taxa de lucros - o levava a desenvolver cada vez mais as bases materiais de um novo modo de produção, baseado na propriedade coletiva, na gestão coletiva e na direção do Estado pela classe social típica do modo de produção capitalista, que é o proletariado urbano moderno. A tendência do desenvolvimento das forças produtivas a prescindir do trabalho diretamente produtivo, ao substituí-lo pelas máquinas e pelo sistema de máquinas, era, para Marx, contudo, a suprema contradição, a qual inviabilizava o capitalismo como um modo de produção capaz de chegar às últimas conseqüências no uso das possibilidades do progresso humano que ele desencadeou historicamente. 5

A "ciência" econômica neoclássica abandonou o estudo do valor trabalho e submeteu os fenômenos econômicos a uma metodologia de análise estática, na qual a noção de equilíbrio matematicamente definido passou a representar o elemento central. Nesse mundo de curvas não havia lugar para a mudança tecnológica, nem para a ciência e a tecnologia. John Williams chegou à seguinte conclusão, após testar exaustivamente a teoria do comércio internacional dominante no seu tempo: "A teoria clássica assume como fixo, para os propósitos de raciocínio, aquelas coisas que, no meu ponto de vista, deveriam ser o principal objeto de estudo"(3). Nathan Rosenberg afirma com muita autoridade o "notável fracasso" da economia "para devotar sua atenção para este fenômeno central da mudança econômica até anos muito recentes". Na teoria clássica, a mudança tecnológica representou um papel secundário. "Na economia neoclássica, a inovação tecnológica foi uma das forças explicitamente excluídas do marco da análise"(4). Apesar de que "Marx, evidentemente, via corretamente a mudança tecnológica como sendo absolutamente central para a análise do desenvolvimento capitalista", não foi tomado em consideração pelo main stream pelos preconceitos ideológicos contra ele, conclui Rosenberg. A questão da mudança tecnológica só foi recuperada por tendências teóricas atípicas, como Veblen e Schumpeter, entrando, posteriormente, também pela porta dos fundos nos modelos de desenvolvimento neokeynesianos. Não devemos nos esquecer que o próprio Schumpeter considerava a inovação e o avanço tecnológico variáveis externas ao seu modelo econômico. A mudança tecnológica era dependente, em grande parte, do comportamento dos empresários inovadores, que era muito mal explicado pela ciência econômica e até pela sociologia e a história. Para superar esta dificuldade, Schumpeter apoiou os estudos de história das empresas em Harvard. Esta seria a razão também pela qual sua obra não influenciou os economistas para pesquisar a inovação tecnológica, como ressaltou Rosenberg (1976). É assim que ele vai localizar no desenvolvimento organizacional o processo de mutação industrial "que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando a nova. 6

Este processo de destruição criativa é o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as empresas capitalistas"(5). Ele se verá obrigado a defender o monopólio e o oligopólio como estágios superiores da competição que claramente deixara de ser de preços para depender mais e mais de métodos de produção e formas de organização, "através de novas mercadorias, novas tecnologias, novas fontes de oferta, novos tipos de organização (a grande unidade de controle em larga escala), concorrência que comanda uma vantagem decisiva de custo ou qualidade e que atinge não a fímbria dos lucros e das produções das firmas existentes, mas suas fundações e suas próprias vidas"(6). Mas é óbvio que isto levava Schumpeter a aceitar o ponto de vista de Marx ao afirmar que "a socialização gradual no interior da estrutura do capitalismo é não apenas possível, como até mesmo a coisa mais óbvia a se esperar"(7). Um grande número de economistas seguiu esta linha schumpeteriana, aceitando a tendência do capitalismo em apoiar-se nas grandes unidades produtivas que se apoderam do processo de mudança tecnológica. Desta linha nascem, contudo, várias teses que se opõem ao caráter destrutivo criador que identifica Schumpeter e que o leva a aceitar as ondas longas de Kondratiev no funcionamento do capitalismo e da sociedade industrial moderna. As teses da sociedade industrial, da convergência e, posteriormente, da sociedade pós-industrial em suas várias manifestações vão negar o ciclo econômico, afastando-se da visão mais dialética de Schumpeter(8). Depois da Segunda Guerra Mundial, os estudos sobre as funções de produção, que originalmente se reduziam à composição entre capital e trabalho, foram incorporando procedimentos matemáticos cada vez mais complexos, introduzindo novos fatores de produção. Eles passaram a medir elementos não incorporados na produção direta, como o desenvolvimento científico e tecnológico, a capacitação e outros aspectos qualitativos cada vez mais decisivos para explicar o processo de produção contemporâneo. No meu livro Revolução Científico-Técnica e Acumulação de Capital, estudo de forma detalhada a evolução das pesquisas e da conceitualização da função de produção. Nestas, a pesquisa e o desenvolvimento foram medidos como fatores residuais, ou seja, a parte do crescimento da produção que não se devia ao acréscimo de 7

gastos em capital e salário. Nas pesquisas de Timbergen, Deboison, Fabrican- Abramovitz, S.Valavanisvial, J.Schmookler, J.W. Kendrick, Gaathon, Z.D. Griliches e outros, o papel destes fatores qualitativos representa entre 47,6% a 90% do crescimento econômico nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial até a década de 70(9). Na década de 80, os estudos sobre competitividade visaram explicar a queda do ritmo de crescimento da produtividade nos Estados Unidos e seu vertiginoso aumento, sobretudo no Japão. Daí surgem as várias teses sobre a importância do fator cultural em Porter(10), sobre o aspecto organizacional no grupo do MIT(11) ou no aspecto da organização do trabalho em Coriat(12). Hoje, o tema da ciência e tecnologia se encaminha para o centro da análise econômica e ganha uma posição cada vez mais proeminente nos estudos sobre o nosso tempo, enquanto o universo teórico neoclássico e neokeynesiano entra numa aguda crise. E enquanto a teoria se afoga, substitui-se a ausência da mesma por um pragmatismo eclético e confuso, disfarçado de neoliberalismo. Disfarce muito farsesco numa realidade econômica cada vez mais regida pelo Estado e os grandes monopólios nacionais e internacionais. Em geral, a formação acadêmica do economista não dedica a atenção necessária a esta problemática que tende a ocupar o papel central na compreensão da realidade econômica contemporânea. Faz-se necessária, portanto, uma atualização da reflexão e estudo sobre o tema, através de uma Economia Política da Ciência e Tecnologia que reconheça o fato de que a evolução tecnológica contemporânea só pode ser compreendida no conjunto do desenvolvimento das forças produtivas atuais, que têm na atividade de pesquisa e desenvolvimento seu eixo fundamental. Hoje, os fatores intensivos tendem a predominar sobre os extensivos na dinâmica do crescimento econômico, o que modifica substancialmente o processo de trabalho e as estruturas ocupacionais e de emprego e a jornada de trabalho. O reconhecimento desta realidade, conforma, cada vez mais, a política econômica das nações mais poderosas do nosso tempo. Estados Unidos e União Soviética disputaram ansiosamente a ponta dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, em educação e capacitação, enquanto a Europa e o Japão buscaram acompanhar esta corrida gigantesca em direção a uma economia cada vez mais intensiva e dependente de investimentos 8

indiretos, não associados imediatamente à produção. Nesta luta sem regulamentos claros, a ameaça da guerra nuclear se tornou cada vez mais concreta, exigindo uma reformulação das relações entre os povos e os Estados. Esta revisão se iniciou na União Soviética, através da Perestroika, da Glasnost e da nova mentalidade da política exterior propostos por Gorbatchev. Os descaminhos posteriores do processo soviético não tiram dos audazes dirigentes soviéticos a glória de haver lançado a humanidade numa nova era pós-guerra fria que diminuiu seriamente a carreira armamentista. Nos países dependentes de desenvolvimento médio, também chamados de novas economias industriais, como Brasil, México, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, Turquia, etc.; ou nas nações socialistas menos desenvolvidas ou de desenvolvimento médio, como a China; ou nos países da Europa do Leste, que passam por mudanças ainda indefinidas, coloca-se a necessidade cada vez mais urgente de elaborar um aparelho conceitual capaz de permitir-lhes visualizar as suas possibilidades e o seu papel nesta nova realidade internacional. Ao mesmo tempo, os países de menor desenvolvimento entre os subdesenvolvidos se vêem ameaçados de converterem-se em formações sociais cada vez mais marginalizadas do mundo contemporâneo. Assim, ao lado do enorme progresso do conhecimento e do domínio do homem sobre a natureza, agigantam-se as ameaças contra a qualidade de vida, o próprio ambiente humano e a sobrevivência da própria humanidade como co-habitantes de um mesmo planeta. Neste contexto de mudanças radicais, as ciências sociais terão que cumprir um papel mais ativo e decisivo, rompendo com seus limites teóricos, suas especialidades estanques, suas cadeias conceituais, determinadas por preconceitos ideológicos e por seus compromissos com os interesses conservadores. É necessário ousar uma teoria da nova civilização que se anuncia no bojo dessas transformações: uma civilização planetária capaz de garantir a governabilidade desses macro-processos que associam toda a humanidade a uma aventura única, fazendo-a responsável diante de seu planeta e do cosmos ao qual ela começa a chegar com seus aparelhos científicos e com a presença dos astronautas no espaço sideral. 9

Nesta civilização planetária não pode haver lugar para as guerras, a fome, o analfabetismo, as epidemias, a mortalidade infantil, a miséria e outras heranças da fase atual de integração internacional, irracional e anárquica sob a égide do capital internacional. Isto significa que ela será plural, aceitando em seu bojo as distintas civilizações históricas, as culturas locais, a diversidade ideológica. A humanidade vem sendo obrigada a reconhecer os limites da carreira armamentista e da competição nuclear que a colocou à beira de um holocausto e da destruição da vida na terra. A economia de guerra é cada vez mais insustentável e tornase necessário reestruturar conscientemente a convivência humana, apoiando-a sobre princípios de cooperação mútua que substituam a ideologia e a psicologia de competição cega que fundou o mundo moderno, mas que hoje ameaça destruí-lo. A humanidade terá de reconhecer conceitual e praticamente a inviabilidade de uma ordem econômica mundial que divida os homens entre bilhões (cujo número cresce a cada dia) de miseráveis e milhões de seres cuja riqueza irracional já compromete a sobrevivência do universo (ameaça de escassez de energia, rompimento da camada de ozônio, destruição de espécies animais e vegetais e outras formas de vida, alterações drásticas do clima, etc.). A passagem da acumulação extensiva para as formas intensivas de desenvolvimento exige uma reformulação profunda da economia, da sociedade, da política e da cultura contemporâneas e uma Ciência Social capaz de apreender as leis e tendências que regem essas transformações e as possibilidades de intervenção da vontade humana sobre sua evolução, assim como as exigências de uma ação consertada para gerir tais processos. Para chegar a esta Ciência Social, uma Economia Política da Ciência e Tecnologia representará um passo indispensável. Este esforço analítico e conceitual levou-nos à necessidade de integrar uma teoria do sistema econômico mundial com a análise da mudança tecnológica e de suas relações com a divisão internacional do trabalho, com especial ênfase no estudo do período contemporâneo, particularmente pós-segunda Guerra Mundial, quando se esboçam elementos geradores de profundas mudanças de caráter mais global, de caráter civilizacional. 10

Em conseqüência, este esforço expositivo passará em seguida para um rápido balanço das teorias e modelos de análise da divisão internacional do trabalho, o que nos permitirá abrir caminho para uma análise da revolução científico-técnica e seu impacto sobre a divisão internacional do trabalho e a formação de um novo momento do sistema-mundo através da criação de uma civilização planetária. 11

Comércio Internacional e Divisão Internacional do Trabalho A economia política nasceu, como ciência, preocupada com as diferenças entre os povos e nações na produção e acumulação da riqueza. Tratava-se, sobretudo, de explicar as melhores condições para a produção de bens e serviços que levavam alguns povos ao bem-estar, enquanto outros permaneciam em condições de vida consideradas "atrasadas", "bárbaras" ou "selvagens". Os mercantilistas defendiam as empresas coloniais e a acumulação de metais como a principal fonte de riquezas, apesar de que alguns deles se preocuparam com os efeitos devastadores da acumulação das riquezas vindas do exterior sobre a produção interna(13). Foi assim que Portugal e Espanha, ao enriquecerem-se com os metais e especiarias recebidas do mundo colonial, se converteram em compradores de produtos holandeses e, posteriormente, ingleses, abandonando as suas produções manufatureiras internas. Críticos dos mercantilistas, os fisiocratas desprezavam a riqueza monetária e consideravam negativa a sustentação de um balanço de pagamentos superavitário, tal como queriam os mercantilistas. Segundo eles, o comércio não podia criar valores e somente a produção agrícola poderia ser considerada fonte de riqueza(14). No fim do século XVIII, sob o impacto da revolução industrial em processo, os economistas clássicos descobriram o papel da produção industrial, da tecnologia e da divisão do trabalho na formação de um novo tipo de riqueza, aberta infinitamente em suas possibilidades de expansão. Ricardo, o pai da economia política, seguiu o caminho de Adam Smith e encontrou no trabalho a fonte do valor, que permitia o intercâmbio equilibrado entre os produtores, ao estabelecer uma medida comum a todos os bens criados pelo homem. Tratou de explicar também por que os povos se especializam na produção de certos produtos e por que lhes era compensador realizar uma divisão internacional do trabalho que fortalecesse as atividades de maior produtividade dentro de cada pais. A premissa 12

necessária é de que o intercâmbio e a divisão internacional do trabalho permitiriam a cada nação alcançar o seu mais alto nível de produtividade. Enquanto Adam Smith havia restringido as vantagens do intercâmbio às nações que dispunham de vantagens absolutas, de produtividade em relação aos seus possíveis parceiros comerciais, Ricardo estabeleceu a teoria das vantagens comparativas. Para ele, não era necessária uma diferença absoluta de valor (ou do tempo de trabalho incorporado) nas mercadorias em que se especializassem os países que intercambiavam produtos entre si. Bastava uma diferença de produtividade entre os produtos produzidos por um mesmo país para que se justificasse sua especialização naqueles em que tivesse maior produtividade e comprasse de outros países aqueles em que tivesse menor produtividade. O comércio entre esses países produziria uma situação melhor para cada um deles, como conseqüência de uma maior divisão internacional do trabalho. Ricardo demonstrou que, numa relação de troca entre duas nações, não há transferência de valor. Mas, quando há produtividades distintas entre a produção de um e outro país, há uma maior quantidade de bens recebidos pelo país que exporta aqueles produtos em que obtém maior produtividade e importa aqueles que o segundo país produz com maior produtividade. Ricardo apresentava o célebre exemplo das relações entre a Inglaterra e Portugal. No exemplo, temos o valor (tempo de trabalho despendido) da produção de vinho e de tecido em Portugal e na Inglaterra. VINHO INGLATERRA 120 100 PORTUGAL 80 90 TECIDO No célebre exemplo, Portugal tem uma vantagem absoluta na produção de ambos os produtos. Se Portugal produzir ambos os produtos, obterá a quantidade X de vinho e de pano com 170 horas de trabalho, se produzi-los internamente. Contudo, se importar a mesma quantidade X de tecido inglês e trocá-lo por vinho português, gastará mais 80 horas para exportar vinho, totalizando 160 horas de trabalho para obter os 13

mesmos produtos que obteria com 170 horas, no caso de não realizar o comércio. A Inglaterra, por outro lado, gastaria 220 horas de trabalho para produzir internamente os mesmos produtos. Se exportar seu tecido para Portugal, investirá mais 100 horas, o que somará 200 horas de trabalho ao todo. Obterá, assim, a mesma quantidade anterior de produtos com 20 horas menos de trabalho. Dessa forma, não importam as produtividades absolutas, e sim as vantagens comparativas. Posteriormente, esta teoria foi transformada na teoria dos custos comparados, como fundamento do comércio entre nações especializadas em distintos produtos. A partir deste conceito abandonou-se a noção de valor-trabalho e se perdeu a teoria em especulações cada vez mais vazias e inúteis. No entanto, avançou-se na identificação dos fatores que intervêm na competitividade, apesar de fazê-lo muito lentamente. Ricardo, ao basear-se na teoria do valor-trabalho, ia mais longe em seus raciocínios e explicava que a vantagem máxima para uma nação seria produzir e exportar produtos manufaturados em troca de bens-salários, produzidos sobretudo nos países agrícolas e consumidos pelos trabalhadores de países industriais. Ao adquirir tais bens por um valor mais baixo, diminuía o custo da força de trabalho e aumentavam as taxas de lucro nos países industriais(15). Vemos assim que, no pensamento clássico, já se esboçava a idéia de uma relação entre o comércio exterior e a estrutura produtiva interna, relação esta que prioriza o desenvolvimento industrial e a produção industrial em relação à produção agrícola, apesar da teoria dos custos comparados apresentar sua tese como um ponto de vista geral, capaz de criar uma situação de melhoria generalizada em conseqüência da divisão internacional do trabalho. Apesar do caráter abstrato de suas formulações, é evidente que estes autores buscavam justificar e estimular o desenvolvimento industrial da Inglaterra. Pode-se perceber claramente esta intenção através do exemplo apresentado por Ricardo, no qual a Inglaterra se especializa em produtos têxteis, próprios da revolução industrial, enquanto Portugal se dedica à produção de vinho(16). 14

Stuart Mill agrega um novo elemento à teoria do comércio internacional ao destacar o papel da demanda na configuração das importações e, ainda mais, na importância do desejo de importar para estimular as exportações. Para ele, "a confrontação entre a demanda e o custo, ao determinar as funções da oferta, fixa as condições do intercâmbio internacional e de todo intercâmbio em todo mercado". (Byé, De Bernis, 1977, p. 125). A introdução do consumo interno na análise do comércio internacional não rompe, contudo, com o pressuposto básico de imobilidade dos fatores capital e trabalho e continua a concentrar-se no movimento de mercadorias. Ao contrário, o enfoque de Stuart Mill facilita a visão do comércio mundial do ponto de vista do equilíbrio geral que vai dominar a imaginação dos economistas neoclássicos. A economia abandonou a teoria do valor, e particularmente a do valortrabalho, que afirmava o papel do tempo de trabalho como fundamento do valor e do intercâmbio mercantil. Em conseqüência, a noção de custo substituiu equivocadamente o conceito de valor. O custo da mercadoria incorpora outros fatores além do trabalho, pois não é uma noção teórica, e sim descritiva. Em conseqüência, a aplicação dessas mudanças na teoria do comércio internacional dá origem a uma tentativa de explicá-lo como resultado de um intercâmbio entre países que se dedicam a distintas especializações, as quais se explicam pela diferença nos custos dos distintos fatores de produção. A teoria neoclássica do comércio internacional será desenvolvida por Herschner e Ohlin, e completada por Samuelson(17). Estes economistas, muito tardiamente, ampliam a discussão sobre os custos da produção, introduzindo a função de produção em cada país como um fato rígido, uma dotação nacional de fatores. Passam a considerar fundamentalmente a proporção dos fatores capital e trabalho. Chega-se, então, à idéia de que cada país deve exportar aqueles bens que utilizam mais intensivamente o fator de que dispõe com maior abundância. Posteriormente, além de capital e trabalho, consideram-se também coeficientes técnicos por setor e a proximidade de matérias-primas que têm efeito sobre a produtividade do trabalho. Como já assinalamos, modernamente incorporaram-se 15

novos elementos à função de produção, tais como o nível de preparação da mão-deobra, o desenvolvimento científico-tecnológico e outros fatores menos tangíveis que expressam o avanço da revolução científico-técnica(18). Contudo, todas estas propostas neoclássicas se inscrevem num esquema de análise estático que exige ainda violentos e absurdos pressupostos que se fazem muito difícil de retirar sem destruir todo o modelo analítico. Grimwade os resume nos seguintes: "1. Existem dois bens, dois fatores de produção e dois países (o chamado modelo de comércio 2 x 2 x 2). Este pressuposto pode ser ampliado incorporando os fatores residuais de função de produção, onde entra, como vimos, a mudança tecnológica, a preparação da mão-de-obra, a educação, o 'know-how', a cultura, etc. 2. Os produtos são homogêneos, isto é, não há diferenciação de produtos. 3. Cada país tem idênticas funções de produção, isto é, as produções dos vários fatores requeridos para produzir um certo bem são as mesmas em todos os países." No esquema de Ohlin cada país tem uma função de produção diferente de acordo com a sua diostação de fatores, o que não deixa de ser estático e exclui a mudança tecnológica, social e política. "4. Todos os países desfrutam de acesso igual ao mesmo corpo de conhecimento tecnológico; todo novo conhecimento sobre como produzir um certo produto é difundido internacionalmente instantaneamente. 5. As preferências dos consumidores são assumidas como idênticas em todos os países. 6. Todos os fatores de produção são perfeitamente móveis dentro dee cada país mas imóveis entre países. 7. Assume-se como perfeitamente competitivos tanto o mercado de produtos como o de fatores. 16

8. Não se computa custos de transporte. 9. Não existem tarifas nem outras barreiras ao comércio."(19) Essas propostas teóricas sofrem todas de uma limitação extremamente importante: elas comparam os fatores de produção de distintos países de um ponto de vista totalmente abstrato, formal e estático. No entanto, a realidade do comércio exterior é dinâmica e complexa. E se enfrenta a mudanças tecnológicas permanentes. Vejamos alguns pontos débeis desses pressupostos. Em primeiro lugar, é muito difícil pensar o processo de intercâmbio internacional sem incluir nele elementos de caráter monopolista. No comércio colonial que originou a economia internacional moderna, o elemento monopólico era fundamental: só podiam comerciar aqueles indivíduos ou empresas aos quais a Coroa dava o direito de explorar o intercâmbio internacional. Ao mesmo tempo, a ação militar foi o ponto de partida da colonização, e os exércitos e marinhas dos países centrais continham e impediam o comércio de outros países com suas colônias. Estas tinham obrigações de intercâmbio exclusivo com as metrópoles. Esta situação persistiu abertamente até o final da Segunda Guerra Mundial, quando se iniciou a libertação das colônias(20). Posteriormente, persistem de maneira informal estes mecanismos de monopólio nas relações comerciais em muitos países. Portanto, pensar num comércio internacional livre - diante de tais condições concretas - é um exercício distinto da realidade mesma. Na verdade, existe neste tipo de teoria uma intenção normativa, no sentido de favorecer e apoiar o livre comércio que se tenta apresentar como o mais favorável ao desenvolvimento do conjunto de nações, assim como de cada uma delas em separado. A realidade do desenvolvimento econômico contemporâneo colocou em questão a teoria das vantagens comparativas do comércio segundo a remuneração dos fatores. Ao contrário do que previam os clássicos e os neoclássicos, o desenvolvimento do comércio mundial não levou a uma aproximação entre os níveis de riqueza dos vários países, e sim a um aumento das desigualdades entre eles. 17

O pensamento econômico que segue a linha neoclássica foi levado a realizar algumas críticas à teoria dos custos comparativos e a introduzir novos elementos para explicar a manutenção e até mesmo o aumento das diferenças entre os países industriais e agrícolas exportadores. Diante da rigidez desses esquemas teóricos e críticas muito instigantes, como o famoso paradoxo de Leontief, vários economistas tentaram romper com o caráter estático do modelo neoclássico e buscaram novos caminhos para explicar a especialização internacional. Já na década de 50, J. R. Hicks(21) foi um dos primeiros a pensar o desenvolvimento como uma situação de rompimento de equilíbrio devido ao aumento de produtividade de um país, o que o levaria a novos preços e a modificações significativas nas estruturas de produção, com efeitos sobre os termos de troca. Também H. G. Johnson(22) inaugurou os efeitos da elasticidade-renda da demanda de importações sobre o desenvolvimento. Na verdade, o pensamento econômico se viu obrigado a romper com o princípio de equilíbrio geral e do óptimo paretiano. Integraram-se novos elementos ao modelo neoclássico nas direções que apontaremos em seguida. Linder(23) introduziu os padrões de consumo como determinantes do intercâmbio. Ele distinguiu os produtos manufaturados, (que exigem mercados locais importantes e dependem de sua diferenciação para sua implantação) dos produtos primários (que são relativamente uniformes e destinados ao mercado internacional). Outros autores mostrarão ainda o papel das economias de escala, da diferenciação dos produtos e da concorrência monopólica para se implantar uma inovação. Outros ainda mostrarão o papel da especialização vertical (em oposição à horizontal), que permite a alguns países subdesenvolvidos utilizar suas vantagens comparativas, como mão-deobra barata, quando a produção já está devidamente padronizada e não depende de inovações. Linder explica por que os países mais ricos, que dispõem de maiores mercados internos, são os maiores exportadores de produtos industriais, e vice-versa. 18

Mas este modelo supõe monopólios nacionais e internacionais, controle de mercado e competição através da diferenciação de produtos. Estamos assim em um mundo diferente daquele dos postulados da competição plena e do equilíbrio geral. Chega-se, inclusive, à conclusão de que o comércio internacional é mais intenso entre países que têm igual dotação de recursos e não entre países de diferentes dotações de recursos, conclusão plenamente comprovada pela importância esmagadora do comércio da triade desenvolvida no conjunto do comércio mundial. Explica-se também porque as economias industrializadas têm vantagens nas suas relações com economias altamente especializadas na exportação de matérias-primas e de produtos primários. Estas retiram sua especialização da dotação de recursos naturais que resulta numa especialização absoluta de sua parte. Se se agrega a isso a mão-de-obra barata como vantagem, pode-se até aceitar a possibilidade de atrair capitais para explorar esta vantagem, mas neste caso o nível de eficácia da mão-de-obra seria possível de ser alcançado somente com um produto maduro, como o observa K. Haitani. J. Dreze destacará o papel das economias de escala, da diferenciação de produtos e da concorrência monopolística. Os bens possíveis de estandartização sobre uma escala internacional (bens intermediários, bens de produção, algumas categorias de bens de consumo) distinguem-se daqueles diferenciados em escala nacional e local (em função dos gostos, das tradições ou das estruturas nacionais). Os países de grandes mercados tenderão a especializar-se nos últimos, enquanto os pequenos tenderão a especializar-se nos primeiros(24). Desta forma, o pensamento econômico tende a radicalizar ainda mais sua crítica ao modelo neoclássico, abrindo caminho para uma elaboração teórica alternativa cada vez mais ampla. Surgem, assim, duas propostas teóricas importantes. Uma delas é desenvolvida pelo pensamento latino-americano, particularmente por Raul Prebisch, da CEPAL, no sentido de comparar os termos de troca entre produtos industriais com alto valor agregado, e os produtos agrícolas e mineiros, com baixo valor agregado. Esta teoria busca mostrar a tendência decrescente do preço dos produtos primários em relação aos produtos secundários, de tal forma que se chega à idéia de um intercâmbio cada vez mais negativo para os produtos agrícolas e mineiros(25). 19

Os fatores que explicariam esses fenômenos estariam ligados, para Prebisch, às diferenças entre as estruturas de consumo dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Utilizando a lei de Engel (a qual mostra que, na medida em que uma família aumenta suas rendas, diminui o peso relativo do consumo de produtos alimentícios e de outras necessidades básicas na estrutura do gasto familiar), chega então à conclusão de que os países desenvolvidos, na medida em que já têm uma renda extremamente elevada, consomem relativamente cada vez menos produtos agrícolas. O mesmo ocorreria com os produtos mineiros, em conseqüência da sofisticação crescente da produção industrial e da substituição de matérias-primas por produtos sintéticos. O resultado é, pois, uma queda da demanda de produtos agrícolas e mineiros que leva a um intercâmbio cada vez mais desfavorável para os países produtores e exportadores dos mesmos. Este efeito na demanda se acompanha de um efeito pelo lado da oferta, que também pressiona a queda dos termos de troca. Trata-se, segundo a CEPAL, dos baixos salários, produto do excesso de mão-de-obra na periferia que pressiona a baixa dos preços dos produtos mineiros e agrícolas. A teoria da perda dos termos de troca é, contudo, insuficiente para pensar o problema do subdesenvolvimento no seu conjunto. Nas discussões travadas nos anos 60 e 70, insiste-se cada vez mais na presença de uma desigualdade crescente na estrutura das relações internacionais. É assim que, para tentar explicar os termos negativos de troca, surge uma nova teoria que não rompe radicalmente com a problemática do livre comércio internacional. Trata-se da teoria da troca desigual de Emmanuel. Ele tenta explicar fundamentalmente o atraso dos países dependentes e subdesenvolvidos como conseqüência do baixo valor da força de trabalho nestes países(26). Voltando a um esquema ricardiano, no qual o fator privilegiado para entender o comércio internacional seria o valor trabalho, Emmanuel tenta explicar o intercâmbio desigual como resultado do valor dos salários pagos nos países 20