DIREITO DO TRABALHO Prof. Antero Arantes Martins On line Aula 4
Interpretação da norma jurídica. Conceito. PARTE 1 INTEGRAÇÃO DA NORMA JURÍDICA
É pressuposto de funcionamento do ordenamento jurídico que este seja integral, sob pena de, em determinadas hipóteses, o Poder Judiciário deixar de julgar conflitos sob a alegação de ausência de norma que corresponda à hipótese fática em discussão, o que acarretaria insegurança jurídica. É um dogma, já que, sabemos, o ordenamento jurídico não é completo. Existem lacunas.
Carlos Henrique Bezzerra Leite invoca as lições de Maria Helena Diniz sobre as espécies de lacunas: Normativa: quando houver ausência de norma sobre determinado caso; Ontológica: se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos sociais contemporâneos. É o que ocorre quando o grande desenvolvimento das relações sociais e o progresso acarretarem o ancilosamento da norma positiva; Axiológica: ausência de norma justa. Neste caso, existe um preceito normativo, mas se for aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta.
LINDB: Art. 4 - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. CLT: Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Já estudamos que os Princípios são as verdades fundantes de uma ciência e, portanto, são fontes primárias do direito, quer na interpretação das normas postas, quer na integração do ordenamento como um todo. Pode-se, inclusive, negar vigência à norma posta com fundamento em Princípio já que, se são colidentes e o princípio é uma verdade fundamental, a norma não pode prevalecer.
Art. 463 - A prestação, em espécie, do salário será paga em moeda corrente do País. Parágrafo único - O pagamento do salário realizado com inobservância deste artigo considera-se como não feito. Empregado que confessadamente recebeu os salários em moeda estrangeira, sem que tenha tido nenhum prejuízo com este procedimento, pode postular em Juízo a repetição dos pagamentos com base no parágrafo único? Evidentemente que não. Princípio da Justiça Distributiva e do não enriquecimento sem causa.
Consiste em verificar que não há norma específica para a hipótese em estudo e buscar, no ordenamento jurídico, norma que trate de matéria semelhante. A similitude que se busca não está apenas nas condições fáticas que envolvem as situações, mas, notadamente, nas condições valorativas que levaram o legislador a regrar determinada situação e que devem ser as mesmas a regrar a situação ora examinada. Buscar a ratio leges da norma jurídica.
Art. 72 - Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), a cada período de 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de 10 (dez) minutos não deduzidos da duração normal de trabalho. Quando não houver norma coletiva ao digitador, é possível a aplicação do art. 72 por analogia. Sim, mesma ratio leges, qual seja, proteção contra movimentos repetitivos.
Consiste na prática reiterada de uma certa conduta em determinada comunidade com a consciência de sua obrigatoriedade, ou seja, embora não exista norma jurídica que obrigue àquela conduta, acredita-se no inconsciente coletivo que tal conduta é obrigatória. Ex: Terça-feira de carnaval = feriado. Concessão de adiantamento salário de 40% do salário no dia 20 de cada mês (vale). Manifestação do inconformismo contra decisão interlocutória proferida por Juiz do trabalho através da expressão protesto.
Equidade consiste no sentimento de justiça. Cuidado! Há diferença entre julgamento com equidade e por equidade. Julgamento com equidade: Temperar o rigor da Lei abstrata adaptando-a ao caso concreto. O Juiz sempre deve julgar com equidade. Ex: Avaliar a gravidade da falta grave em casos de dispensa por justa causa, equiparação salarial para o empregador que faz mais do que o paradigma... Julgamento por equidade: Aplicar o sentimento de Justiça do julgador ao caso em concreto. O Juiz só pode julgar por equidade quando for expressamente autorizado por lei. Ex: Ausência de norma (integração, estamos estudando agora); Rito Sumaríssimo (Art. 852-I, 1º, CLT).
O Brasil é país de civil law e não de common law. De regra, os julgamentos são proferidos com fundamento na Lei e a função dos Tribunais é interpretar a regra jurídica existente. Quando se interpreta a regra jurídica não se cria norma. Apenas se declara a sua extensão, conforme estudados em aula anterior. Entretanto, existem situações em que os Tribunais se vêem obrigados a julgar conflitos não regrados pela norma jurídica.
No caso de ausência de norma, a jurisprudência pode criar soluções e, em caso de repetição, Súmulas e Orientações Jurisprudenciais que sirvam de parâmetro para o julgamento. A este fenômeno dá-se o nome de ativismo judiciário.
O tema é altamente polêmico, na medida em que, de regra, o juiz é aplicador do direito e não criador do direito. Em que hipóteses e quais serão os limites do ativismo judiciário? Quando se julgará criando a norma e quando se julgará improcedente por falta de amparo legal? Não existem parâmetros fixados, nem na jurisprudência, nem na doutrina. O dado relevante a ser examinado, neste caso, é o valor do fato que está sendo questionado.
Ex: Direitos dos homossexuais. A jurisprudência foi responsável por grandes avanços no ordenamento jurídico e seus posicionamentos incorporados, posteriormente, no mesmo. Exemplos: Direitos do consumidor; relação de união estável; estabilidade de emprego à gestante, etc.
As Súmulas vinculantes do STF são de aplicabilidade obrigatória. O julgamento de IRRR (incidente de resolução de recursos repetitivos) e IRDR (incidente de resolução de demandas repetitivas) também são de observância obrigatória. E as demais Súmulas e OJ s (TST e TRT s)? Discutível.
Na minha interpretação as súmulas do TST e as decisões do Tribunal Pleno dos TRT s também são de cumprimento obrigatório conforme CPC: Art. 489. 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Interpretação da norma jurídica. Conceito. PARTE 2 APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Introdução. Aplicação da Lei no tempo Grande dúvida que está afligindo os operadores do direito refere-se à aplicação da Lei no tempo. Dúvida comum: Com a entrada em vigor da reforma trabalhista, esta legislação será aplicada imediatamente? Num primeiro momento a resposta parece simples. Entretanto, o tema é complexo. Na hipótese em que uma nova lei regula o tema de forma diferente da lei anterior (como acontece, agora, com a reforma trabalhista), seja em decorrência da ab-rogação (revogação total da lei anterior) ou pela derrogação (revogação parcial da lei anterior), é natural que surjam conflitos da aplicação da lei no tempo.
Introdução. Aplicação da Lei no tempo Começamos dividindo a questão para temas de direito material e temas de direito processual. Para os temas de direito material, a aplicação tem por fundamento o art. 5º, XXXVI da Constituição Federal e o art. 6º da LINDB. A regra, neste caso, é de irretroatividade da Lei. Vejamos o teor destes dispositivos:
Introdução. Aplicação da Lei no tempo CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; LINDB: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.
Introdução. Aplicação da Lei no tempo Direito Material Ato velho Lei velha Ato novo Lei nova
Introdução. Aplicação da Lei no tempo Sendo assim, por exemplo, um contrato que teve vigência inteiramente anterior à entrada em vigor da Lei 13.467/2017. Em virtude deste contrato, o trabalhador postulou em Juízo equiparação salarial com paradigma, preenchendo todos os requisitos da lei vigente à época. Entretanto, paradigma e paragonado trabalhavam em estabelecimentos diferentes. Esta condição não era óbice à equiparação. Logo, o empregador não poderá invocar este fato para justificar a disparidade salarial entre os dois trabalhadores, ainda que esta matéria venha a ser discutida numa ação proposta depois da vigência de Lei nova.
Introdução. Aplicação da Lei no tempo A isto se dá o nome da ultratividade da Lei, ou seja, a Lei, ainda que revogada, continua a produzir efeitos para regular as relações jurídicas consolidades ao tempo de sua vigência. Entratanto, nas chamadas relações continuativas, ou seja, de trato sucessivo (como ocorre com o contrato de trabalho), a dúvida surge para os eventos futuros a se concretizarem, portanto, na vigência da nova Lei, mas em contratos pretéritos, ou seja, firmados na vigência da antiga Lei. É assente na doutrina o entendimento no sentido de que a lei nova não atinge os efeitos futuros e pendentes de um contrato firmado sobre a lei velha. Entretanto, a referência ali parecia a ser em contrato instantâneo e não continuado. Em outras palavras, o contrato já havia sido firmado, mas, seu cumprimento estava projetado para o futuro. Neste caso parece claro que o cumprimento deve ser feito nos moldes da Lei vigente ao tempo que o contrato foi firmado.
Introdução. Aplicação da Lei no tempo Nas relações continuativas, entretanto, a questão é diversa. Vamos imagirnar um contrato celebrado em 2016 e que, em 2.020 o empregador precisa conceder férias ao empregado, direito este adquirido no período aquisitivo de 2018/2019. Note-se que o direito às férias foi inteiramente adquirido na vigência da Lei nova. Indaga-se: A concessão deverá obedecer a Lei nova (em até 3 períodos, com um deles de no mínimo 14 dias) ou a Lei vigente ao tempo da celebração do contrato (em até duas vezes, um deles de no mínimo 10 dias)? Embora a concessão de férias seja tema de direito material e o contrato tenha sido firmado na vigência da Lei velha, o direito às férias 2018/2019 é evento futuro que não estava adquirido pelo trabalhador e somente foi constituído na vigência da Lei nova, parecendo razoável concluir que a concessão deste direito deve ser regrada pela lei nova.
Introdução. Aplicação da Lei no tempo Em matéria de direito processual, entretanto, a regra é um tanto diferente e está no art. 14 do CPC: CPC: Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Daí se vê que a Lei entra em vigor imediatamente e alcança os processos em curso com exceção daqueles: Já concluídos; Já iniciados e pendentes de conclusão.
Introdução. Aplicação da Lei no tempo Direito Processual Ato concluído Ato já iniciado Lei velha Ato a iniciar Lei nova
Introdução. Aplicação da Lei no tempo Questão interessante é saber quando se iniciou um ato complexo, como a perícia, por exemplo: Na data em que foi requerida; Na data em que foi deferida; Na data em que o perito retirou os autos; Na data em que o perito apresentou o laudo; Na data da sentença que julgou o mérito do pedido envolvido na perícia.