1 Fórum Para entender os eixos focais Propriedade intelectual e políticas de comunicação Graça Caldas O texto do prof. Rebouças oferece uma importante revisão histórica sobre os conceitos que permeiam as Políticas Públicas de Comunicação e a Propriedade Intelectual. Não se pode negar o papel do Estado e da Sociedade Civil como atores legítimos no processo de regulação do direito à informação e de proteção à autoria. Se por um lado o processo regulatório das Políticas Públicas de Comunicação na área de radiodifusão tem sido objeto de debate entre os grupos de interesse, já no setor de Propriedade Intelectual, só recentemente, no Brasil, o tema vem sendo objeto de discussão. É preciso, porém, distinguir a propriedade industrial (patentes, marcas, desenho industrial, indicações geográficas e proteção de cultivares) do direito autoral (obras literárias, artísticas, programas de computador, domínios na Internet e cultura imaterial), que atinge a área de Comunicação mais de perto. A comercialização do produto cultural, pela sua reprodutibilidade técnica, tem sido objeto de disputas acirradas entre as empresas e seus autores, que reivindicam participação no processo de venda e circulação do produto, assim como o reconhecimento da primazia das idéias, face às ações inescrupulosas de pessoas ou grupos na absorção ilegal e disseminação desses conteúdos. O reconhecimento do poder da informação e do conhecimento no processo de formação crítica da sociedade é essencial para a discussão deste Seminário de Mídia Cidadã. Se por um lado a concentração da propriedade dos veículos de comunicação em poucos grupos de mídia limita a diversidade de vozes e, conseqüentemente, a percepção pública sobre a variedade possível de enfoques nos problemas apresentados à sociedade, as restrições impostas à propriedade intelectual podem, também, ser consideradas como
2 fatores contrários aos interesses sociais, onde a diversidade cultural deve prevalecer como direito inalienável da humanidade. Como, porém, compatibilizar os ideais iluministas do art. 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, lembrados por Rebouças, em seu texto, com uma sociedade capitalista em que a informação é considerada business e não um direito social? Por outro lado, não podemos perder a utopia. A inserção do Direito à Comunicação como um Direito Humano, presente na Carta de Brasília de 18 de agosto de 2005, durante o Encontro Nacional de Direitos Humanos, revela a conscientização mais ampla de setores representativos da sociedade civil sobre o papel determinante da democratização da comunicação, de uma comunicação plural, em que diferentes vozes possam ser manifestar, garantindo, assim plena participação cidadã na definição das políticas públicas do país. Neste momento crucial em que diferentes setores da sociedade voltam a se mobilizar pela melhoria da qualidade na programação nas emissoras de televisão e em que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) oferecem novos caminhos a serem trilhados com o processo de convergência dos diferentes suportes, é necessário acompanhar de perto os movimentos em curso na área de Comunicação. A promessa do atual governo de elaborar, definitivamente, uma Lei Geral de Comunicação de Massa que já se encontra em sua sétima versão --, é fundamental para a conquista de novos espaços no latifúndio do ar imposto ao país durante décadas. Por outro lado, a regulamentação dos artigos do capítulo V da Comunicação da Constituição de 1988 não pode ficar restrita, como anunciado, aos artigos 221 e 222. Para que se implementem mudanças substantivas no setor, deve incluir a regulamentação dos artigos 220, 223 e 224. Isto porque, discutem, especificamente, as questões de interesse público, tais como: a concentração dos grupos e o monopólio na área; o princípio de complementaridade dos sistemas privado, público e estatal, os critérios de concessão de rádio e TV e de cancelamento ou permissão de uso desses veículos, assim como a inclusão do Conselho de Comunicação Social (CCS) nas definições das políticas públicas da área.
3 Não se trata aqui, obviamente, de questionar o direito de funcionamento de emissoras privadas, nem estatais, assim como as emissoras educativas, universitárias, legislativas e judiciárias, mas de ampliar espaço nessas emissoras para programas de interesse público, assim como abrir novos espaços com as emissoras comunitárias e garantir, principalmente, a existência de emissoras de caráter público, como previsto na legislação federal. QUESTÕES PARA O DEBATE Com base nas reflexões provocadas pelo texto de Rebouças elaboro algumas questões para o debate neste Seminário de Mídia Cidadã: Propriedade intelectual 1) Qual o futuro da propriedade intelectual na Era da Informação? Qual o uso que queremos e podemos fazer da informação e do conhecimento na Era Digital? 2) Como estabelecer parâmetros de proteção à propriedade intelectual na Era Digital, uma vez que a Internet é considerada como ferramenta natural de inclusão social? 3) Em que medida a disseminação da informação e do conhecimento podem ser reguladas por interesses comerciais? 4) Qual a possibilidade de participação do Estado e da Sociedade Civil em defesa dos interesse público, face à briga que vem sendo travada por gigantes do setor privado: a Google e a Microsoft associada à Yahoo na construção de bibliotecas digitais e disponibilidade irrestrita a seus acervos? Neste caso, como ficaria a questão da propriedade intelectual? E o direito do cidadão de acesso ao conhecimento? 5) Como pode o Estado intervir, em nome do interesse público, na disseminação do software livre para ampliar o acesso à web? Políticas de Comunicação
4 1) A democratização do acesso à informação e a pluralidade dos meios de comunicação, já reconhecidas como direito humano e social, estão diretamente associadas ao processo regulatório do país. Como, porém, alterar as leis se grande parte dos parlamentares são proprietários de meios de comunicação ou têm envolvimento direto com os grupos de mídia? 2) Os movimentos sociais recentes em prol da melhoria da qualidade de televisão como a campanha Quem financia a baixaria é contra a cidadania, ao lado do papel desempenhado pelo Ministério Público tem ampliado o debate sobre a necessidade de maior fiscalização na programação das emissoras comerciais. Qual o papel da Universidade neste processo? 3) No dia 24 de outubro último, o procurador regional Sérgio Sulama, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão de São Paulo, ajuizou uma ação civil pedindo a cassação da TV Omega Ltda, a Rede TV. O pedido é baseado em uma série de violações de direitos humanos dos homossexuais no quadro de pegadinhas do programa Tarde Quente da emissora, apresentado pelo humorista João Kleber. Trata-se de mais uma ação promovida pela sociedade civil para melhorar a qualidade na TV. Discutir como modificar a relação de desigualdade de forças entre as representações sociais de interesse público e os proprietários de canais de rádio e TV. 4) A quem cabe fiscalizar a qualidade na televisão? Como delimitar as barreiras entre censura e controle? Em que medida as instituições organizadas podem e devem interferir na elaboração das políticas públicas de comunicação? 5) Liberdade de expressão pode ser usada como argumento para a produção de programas de qualidade duvidosa? 6) Os efeitos da babá eletrônica sobre a educação e formação cultural das crianças são objeto de freqüentes discussões nos fóruns especializados, como este de Mídia Cidadã. Qual é a responsabilidade social do Estado, da escola, dos pais e dos profissionais da comunicação na reflexão deste processo? 7) Como os conceitos de Mídia Cidadã podem ser usados em emissoras estatais, privadas e públicas? E nas mídias alternativas?
5 8) A inserção da Comunicação como Direito Humano e do direito à Comunicação como parte das metas da Convenção de Diversidade Cultural pressupõe diversidade de cultura e de vozes. A indústria cultural interfere diretamente na identidade dos povos, nas suas percepções do mundo. Em que medida estratégias e ações que promovam a cooperação dos povos pode ajudar a construir uma Mídia Cidadã para humanizar a globalização e garantir a manutenção das identidades regionais, locais como fator de resistência política e cultural? 9) Dominar as Tecnológicas de Informação e Comunicação (TICs), promover a inclusão digital podem ser consideradas como perspectivas promotoras de cidadania? De que forma?