Tecnologia e flexibilidade na Aprendizagem



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Transcrição:

Tecnologia e flexibilidade na Aprendizagem Alessandra Moura Bizoni A cada ano que passa aumenta o número de produtos tecnológicos presentes no cotidiano. Laptops, MP3, MP4, pendrive, telefone celular, palmtop e notebooks são aparelhos que se popularizam à medida em que o consumo desses itens ganha mais espaço. No entanto, de que forma essas novas tecnologias interferem no modo de ser e de aprender das pessoas? Qual o impacto dessa nova era, a ser consolidada pela implantação da TV Digital, nas práticas educacionais? Professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação (Latec/UFRJ), a professora Cristina Haguenauer defende a união da Educação e da Comunicação num campo híbrido de saber: a Educomunicação. Para a pesquisadora, na era tecnológica, é preciso integrar diversas áreas de conhecimento. "Eu venho procurando integrar os saberes da Tecnologia, da Lingüística Aplicada, da Comunicação, da Educação, em minha prática e nos projetos desenvolvidos pelo Latec/UFRJ. A natureza do conhecimento é transdisciplinar e a busca pelo saber que se pratica na universidade deve refletir essa característica", afirma a coordenadora do Latec, condenando as relações Cristina Haguenauer: é preciso saber o que fazer com a tecnologia burocráticas que, muitas vezes, dificultam o desenvolvimento de projetos em áreas distintas do saber. Numa postura crítica, a professora da ECO/UFRJ chama atenção para a questão da inclusão digital, salientando o papel do estado como fomentador de políticas públicas e o da universidade como espaço de extensão na área digital. Folha Dirigida - O Governo Federal anunciou que pretende distribuir laptops de baixo custo para estudantes das redes públicas de ensino. O que a srª acha dessa iniciativa? Cristina Haguenauer - Eu vejo

esta medida com certa desconfiança. Ela parece fazer parte de uma lógica perversa de transferir para o indivíduo os investimentos que deveriam ser realizados pelas instituições públicas de ensino. Os laboratórios de informática das universidades públicas estão sucateados. O mesmo acontece com os laboratórios de informática das escolas públicas. Os professores não têm condições mínimas trabalho quando se trata de tecnologias (hardware, software e internet). Um laptop de baixo custo, nos níveis alardeados, significa ao mesmo tempo um computador de baixa capacidade, que não terá condições de rodar os programas mais solicitados. Ao mesmo tempo, o que dizer do professor, despreparado, desatualizado e desequipado? E os custos de manutenção e de atualização, notadamente tão elevados? A meu ver seria mais eficaz investir na formação dos professores, na recuperação dos laboratórios públicos e, principalmente, no melhor aproveitamento dos laboratórios públicos com cursos profissionalizantes e iniciativas de inclusão digital. Como a srª avalia o tratamento dado pelas universidades às novas tecnologias da educação? Em relação a essa questão, existem duas realidades diferentes: a realidade das universidades públicas e a das universidades particulares. As universidades públicas, de uma forma geral, se encontram muito sucateadas, enquanto que algumas universidades particulares, como a PUC-Rio, por exemplo, estão bastante avançadas no uso das tecnologias na educação. Ao mesmo tempo, surge uma questão muito complicada, que é a da utopia desta tecnologia. A tecnologia é cara e excludente. Trabalhamos tendo Pierre Lévy como referencial, que diz o seguinte: em todo o mundo a tecnologia é excludente. Essa é uma questão central, importante e dramática. E não é uma questão somente do Brasil. A tendência é cada vez mais gente ficar do lado de fora. É como se fosse um movimento centrífugo, que vai empurrando para fora. Hoje compra-se um computador e, em um ano, ele já está defasado. Há uma palavra que se chama "obsolescência programada", que define esse comportamento do mercado: é preciso estar sempre investindo. É aquela ciranda da produção e do consumo a que estamos submetidos no mundo capitalista. E o que as instituições públicas podem fazer para lidar com essa questão? Eu acredito que somente a pesquisa pode apontar novos caminhos para o Brasil. Inclusive, alguns autores estão falando que a tecnologia de ponta é contraproducente porque é cara demais e se as empresas ficarem focadas nisso, elas perderão dinheiro. Elas devem investir num modelo intermediário, vamos dizer assim, de tecnologia. Mas a corrida está desenfreada. A todo momento, o mercado está despejando softwares novos, computadores novos. E eu acho que o Brasil, como um país em desenvolvimento, não consegue "bancar" essa conta. Existem caminhos alternativos: a responsabilidade social é um desses caminhos, onde se pode fazer parcerias com empresas e achar um outro caminho. Nossa função na universidade é refletir sobre esse cenário e contribuir para apontar novos caminhos. E quais seriam as alternativas? É preciso olhar para essa questão não como um defensor de uma bandeira incondicional, mas conhecer e compreender; para então tentar reverter,

frear, tentar minimizar os efeitos danosos da exclusão digital. A inclusão digital e a alfabetização para as novas tecnologias digitais significam a conquista de um espaço no mercado de trabalho para os jovens. Na universidade precisamos refletir sobre isso: é importante conquistar um espaço de desenvolvimento para o país, é importante preparar os jovens, os alunos para que eles possam se inserir no mercado de trabalho; mas, ao mesmo tempo, é importante conduzir esses jovens para que façam uma reflexão sobre o capitalismo e o consumismo. Para onde esse modelo político e econômico está nos levando? Além do Pierre Lévy, existe um outro teórico que nos inspira: o nome dele é Zigmunt Bauman. Ele escreveu um livro chamado "O mal estar da Pós Modernidade", que fala exatamente sobre isso, o mal estar crescente em nossa sociedade. Toda essa tecnologia e todo esse avanço tecnológico estão nos afastando de nossa humanidade. É preciso olhar para essa questão e analisá-la mais detidamente. E não simplesmente seguir o fluxo, como faz a boiada, sem refletir. Como avalia os trabalhos com as novas tecnologias educacionais no Brasil? Considero essa uma área de ponta. Aqui na UFRJ existem poucos grupos, ainda pouco articulados, pesquisando nessa área. Na USP, há um grupo grande trabalhando com isso: o uso das novas tecnologias na educação, ou Educomunicação. E eles estão caminhando para a criação de um curso de graduação nessa área. Quer dizer, eles perceberam esse movimento e sua importância mas, ao mesmo tempo, tiveram respaldo político da instituição e apoio governamental também. Houve condições políticas e uma equipe de pessoas sintonizadas com o tema, e o grupo floresceu. Acredito que seja pelo exemplo dos casos de sucesso - como é o caso da USP, pela pesquisa, ou pela pressão externa - do mercado de trabalho e dos jovens - que vai ocorrer inevitavelmente a expansão da área de Educomunicação. Quais seriam as demandas, tanto da área de comunicação quanto da área de Educação, por um trabalho integrado hoje em dia? Para ambas as áreas é preciso, em primeiro lugar, fornecer formação profissional adequada e de qualidade nos cursos de graduação. Nesse sentido, os programas dos cursos de graduação precisam ser adaptados à nova realidade, a partir de reformas curriculares. Além disso, a metodologia utilizada nos cursos precisa ser atualizada. Os recursos tecnológicos de ponta, como os ambientes virtuais de aprendizagem, a videoconferência e as plataformas de trabalho colaborativo precisam ser incorporados nas aulas de forma mais ampla, não somente em algumas disciplinas isoladas, mas em todas elas. Para isso, é preciso também preparar os professores para a utilização das novas tecnologias. A seguir, é preciso ampliar a oferta de cursos de extensão e de especialização voltados para os profissionais que já estão inseridos no mercado de trabalho e que necessitam de atualização profissional em relação ao uso das novas tecnologias da informação e da comunicação. Na UFRJ, procuro contribuir com a consolidação e a expansão da área de Educomunicação de várias formas: geralmente ofereço disciplinas de graduação tanto para o curso de Pedagogia quanto para o curso de Comunicação Social. Ao mesmo tempo, procuro incentivar turmas híbridas, contando com a participação de alunos dos dois cursos simultaneamente.

E quais os desdobramentos dessas iniciativas? Essa prática permite realizar trocas muito ricas entre os jovens futuros profissionais, que na prática vão trabalhar em equipes multidisciplinares formadas de profissionais oriundos, em sua maioria, dessas duas áreas. Além disso, desde 2000 venho utilizando diferentes plataformas de Ambientes Virtuais de Aprendizagem e de Trabalho Colaborativo em todas as disciplinas que leciono, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Esta prática certamente contribui para a alfabetização digital dos jovens que passam pelas minhas disciplinas, mas mesmo assim sei que minha contribuição é muito pequena se comparada ao tamanho da demanda existente. No campo da pesquisa, coordeno um grupo de pesquisa na área de Educomunicação, o Latec/UFRJ. As pesquisas desenvolvidas por esse grupo envolvem novas tecnologias da Informação e da Comunicação e suas aplicações, dentre as quais pode-se destacar a formação de professores. Venho procurando investir no sentido de criar consistência e coerência nesse trabalho de aliar a Comunicação e a Educação. Muitos não percebem essa coerência, mas para mim há muita coerência, em integrar a graduação com a pós-graduação, ensino com pesquisa e com extensão e principalmente em integrar a Educação com a Comunicação, porque esse é um campo novo de trabalho que está surgindo com muita força. Mas para essa integração acontecer, é preciso ter uma percepção da estrutura administrativa da universidade. Minha intenção é, na verdade, defender a Educomunicação e contribuir para o fortalecimento dessa área. Institucionalmente, é difícil aliar essas duas áreas? Esta é uma questão política. É preciso ter um momento político positivo, ou seja, um dirigente que esteja receptivo. E isso, às vezes, demora acontecer. Eu procuro fazer o meu trabalho da melhor forma possível e aguardar o momento mais favorável para as mudanças se consolidarem. Aos poucos o trabalho vai se consolidando, por exemplo, quando se publica um artigo ou um livro, ou quando se realiza um seminário. Estamos neste momento finalizando um livro que apresenta a experiência do grupo de pesquisa do Latec/UFRJ nos últimos seis anos, e a partir de iniciativas como essa, as pessoas vão conhecendo mais o nosso trabalho e assim ele vai se consolidando. Quais têm sido as linhas de atuação do Latec? Trabalhamos exatamente com Educomunicação. Leciono uma disciplina chamada "Linguagens Digitais", onde eu trabalho o conceito de hipertexto e a linguagem da internet. Nessa disciplina eu trabalho essa nova linguagem que une a imagem estática, o vídeo, o texto tradicional e o áudio, no computador, tudo isso acessado e distribuído pela Internet. Essa disciplina também é oferecida no curso de Pós- Graduação Lingüística Aplicada, que é uma área interdisciplinar, que envolve Comunicação e Educação, e está ligada à Faculdade de Letras. Hoje em dia o conhecimento é transdisciplinar. Eu venho procurando integrar os saberes da Tecnologia, da Lingüística Aplicada, da Comunicação, da Educação, em minha prática e nos projetos desenvolvidos pelo Latec/UFRJ. A natureza do conhecimento é transdisciplinar e a busca pelo saber, que se pratica na universidade, deve refletir essa característica. Existe claramente um conflito em relação à forma com que a

universidade se relaciona com o saber: se, por um lado, a busca pelo conhecimento exige uma postura aberta e flexível em relação às diferentes áreas do conhecimento, por outro lado, a estrutura da universidade é rígida e dificulta a integração e a prática da transdisciplinaridade. O grupo de pesquisa do Latec/UFRJ me permite contornar esses obstáculos e incorporar mais flexibilidade ao nosso trabalho, a partir de parcerias realizadas com diferentes grupos de pesquisa da própria universidade, como é o caso do Lingnet, da Faculdade de Letras, e do GRVa (Grupo de Realidade Virtual Aplicada), da Coppe/UFRJ. Quais trabalhos são mais inovadores? Nós estamos trabalhando neste momento no projeto Museu Virtual, em parceria com o GRVa, da Coppe, e com o Grupo de Paleontologia, do Museu Nacional. Esse é um projeto belíssimo; me empolga saber que gerações de crianças vão ler os livros, navegar nos sistemas multimídia e visitar páginas interativas na internet, desenvolvidas por nossas equipes, a partir de tecnologias e metodologias desenvolvidas especialmente para esse projeto, por nossos grupos de pesquisa. Os Museus representam uma linha de pesquisa muito rica para a área de Educomunicação. Eles lidam com uma aprendizagem que não é a aprendizagem formal, escolar, mas uma aprendizagem complementar, mais livre e flexível. Os estudantes vão visitar os museus para complementar e enriquecer o conhecimento obtido nas escolas enquanto que as famílias, os pais e seus filhos vão poder entrar na Internet e ver partes desse museu, que é o Museu Virtual. Esse projeto vai envolver equipes multidisciplinares, pessoas da área de Computação, Tecnologia, Artes, Comunicação, Letras e Educação. Outro projeto muito interessante que estamos desenvolvendo no momento envolve a área de meio ambiente. Já estamos trabalhando há seis anos nessa área, colocando a Educomunicação a serviço do meio ambiente. Para desenvolver esse projeto fomos procurar parcerias com outros grupos de pesquisa da UFRJ, como o Nasa Núcleo de Análise de Sistemas Ambientais, da Escola Politécnica e o GEA Grupo de Estudos em Ciências e Educação Ambiental, da Faculdade de Educação. Este projeto envolve a formação de multiplicadores em Educação Ambiental, a conscientização de profissionais em serviço para as questões ambientais e formação de técnicos para atuar em defesa do maio ambiente. Com relação à TV Digital, que possibilidades ela pode gerar para a educação? A TV Digital vai trazer maior interatividade e maior customização, isto é, maior diversidade de programas para os mais variados públicos. Esta é uma tendência bastante atual da nossa da sociedade: a de buscar produtos, e por que não também programas de televisão, sob medida, para os mais variados interesses. A TV Digital também vai acelerar a convergência da televisão, com o telefone e o computador. A escolha a la carte dos programas e a busca de programas em banco de dados vai ser uma operação corriqueira. Na área da educação, acredito que pode existir uma revolução e que nós estamos, mais ou menos, no início dela. Esse ano nós tivemos o Congresso Brasileiro de Educação a Distância, onde se discutiu muito a questão da TV Digital. E já se está divulgando o termo "Educação Flexível". Em breve, não vai se falar mais em Educação a Distância. Essa expressão "a distância" vai desaparecer

e o termo flexibilidade, uma hora é presencial, outra hora a distância, dependendo da necessidade e do objetivo - vai tomar o lugar do termo "distância". Creio que a TV digital vai contribuir muito para a educação e, com isso, a importância da área de Educomunicação vai crescer ainda mais. E essa educação flexível já é uma realidade? Já repercutiu no conjunto das instituições de ensino? Esses avanços já podem ser vistos claramente, principalmente, quando se trabalha com a Educação Profissional e com a Educação Corporativa junto às empresas. Cada vez mais os profissionais são capacitados dentro das empresas, com maior flexibilidade e autonomia, com base nos pressupostos da Educomunicação e com utilização dos recursos das novas tecnologias da informação e da comunicação. Em geral, o profissional precisa cumprir 12 horas de trabalho, 14, ao mesmo tempo em que precisa assumir o compromisso com sua atualização contínua. Isto é chamado de "educação para toda vida". O tempo todo é preciso estar se capacitando, porque a tecnologia muda constantemente e as exigências em relação às competências profissionais são cada vez maiores. O profissional necessita estar constantemente se aperfeiçoando. Essa é uma questão muito interessante, porque, ao mesmo tempo em que a oferta de capacitação tende a se ampliar e diversificar, tornando-se mais aberta e flexível, o profissional adquire maior autonomia em relação a sua formação, passando a realizar a gestão das competências de que necessita, realizando cursos sob medida para os seus interesses. Neste caso, a educação flexível apresenta-se como sendo a melhor solução para a capacitação profissional. Os professores já encaram as novas tecnologias como ferramentas de aprendizagem e de ensino? Esta é questão bastante complexa. Estamos avançando no sentido de que cada vez mais professores encarem as novas tecnologias como ferramentas de ensino e aprendizagem, mas o progresso é muito lento. Existe muita resistência ao novo, mas, ao mesmo tempo, existe a desinformação, o despreparo e a falta de recursos para incorporar o novo à prática diária dos professores. É preciso muito investimento em infra-estrutura e em capacitação de professores, mesmo nas universidades. Quem forma os novos professores são os professores das universidades. Mas quem forma os professores das universidades? É preciso visão política para criar programas de incentivo e programas de formação para preparar os professores das universidades para passarem a incorporar os avanços da tecnologia. Nesse momento, estou preocupada com uma outra questão, que, para mim, está intrinsecamente relacionada com a questão do uso das novas tecnologias na educação: a questão da humanização da educação. Esta já era uma questão importante mesmo antes do avanço desenfreado da tecnologia. No entanto, a tecnologia é capaz de agravar os efeitos de uma "educação bancária", nas palavras de Paulo Freire. É preciso humanizar a educação, assim como é preciso humanizar o trabalho. Caso contrário, qualquer esforço no sentido de progredir e avançar, se torna inócuo. Precisamos buscar a humanização, o resgate das qualidades humanas, nas escolas, nas universidades e no trabalho. A tecnologia é apenas um instrumento. A pergunta que se coloca é: o que vamos fazer com ele? Vamos colocá-lo

a serviço da humanização das relações, da inclusão e da melhoria da qualidade de vida de nossa sociedade? De nossa espécie? De todas as espécies do planeta? Ou vamos colocá-la a serviço da exclusão, dos "apartheids", dos muros que separam os incluídos e os excluídos? E da destruição do planeta?