CONCLUSÃO Em de Janeiro de 2013, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz Federal Substituto Dr. MARCOS ALVES TAVARES. Juliana Oliveira Belo Nunes Ferro Técnico Judiciário - RF 4607 1ª VARA FEDERAL DE SOROCABA AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO n.º 0009767-60.2011.403.6110 Autor: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA INCRA Réus: ESPÓLIOS DE P. P. M. e M. P. M. D E C I S Ã O Trata-se de AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA INCRA em face dos espólios de P. P. M. e M. P. M., objetivando decisão judicial initio litis que defira a imissão na posse ao autor em área declarada de interesse social por Decreto datado de 20 de Novembro de 2009 (fls. 20/22), em razão de parte do imóvel ter sido considerado como área remanescente do quilombo do cafundó, nos termos do Decreto nº 4.887/03. 1
feito. A decisão de fls. 260/262 admitiu o processamento do Através da petição de fls. 280, acompanhada da comprovação do depósito do valor estimado da indenização, o INCRA reiterou o pedido de imissão na posse da área. A decisão de fls. 282 e verso, datada do dia 07 de Dezembro de 2011, deferiu o pedido liminar de imissão de posse no imóvel expropriado, concedendo, todavia, um prazo de 60 (sessenta) dias para que os posseiros identificados deixassem a área, antes da expedição do mandado de imissão. A decisão de fls. 391/396, datada de 20 de Abril de 2012, diante da ausência de desocupação voluntária do imóvel no prazo de 60 dias, determinou a expedição de mandado de imissão na posse, sendo o mandado expedido em 23 de Abril de 2012. A petição de fls. 420, datada de 21 de Maio de 2012, protocolada pelo INCRA, requereu o recolhimento do mandado de imissão na posse, requerendo dilação de prazo 60 dias para providenciar a desocupação do imóvel diante da frágil condição social de A. e seu filho (posseiros no imóvel). Em fls. 430/438 a Fundação Cultural Palmares requereu a sua admissão no processo como assistente, o que foi deferido em fls. 448. Na referida decisão o INCRA e a Fundação Cultural Palmares foram instados a se manifestarem sobre a questão da imissão na posse, tendo em vista o decurso do prazo anteriormente solicitado. 2
Por petição datada de 1º de Novembro de 2012, o INCRA e a FCP requereram nova imissão na posse, uma vez escoado o prazo concedido, pelo que a decisão de fls. 464 deferiu nova expedição de mandado de imissão na posse, expedido em 08/11/2012. Por intermédio da petição de fls. 469, acompanhada dos documentos de fls. 470/474, o INCRA requereu fosse novamente recolhido o mandado de imissão na posse e a citação dos posseiros qualificados no laudo de vistoria e avaliação que acompanha a peça vestibular; requerendo, ademais, a liberação por este juízo das verbas relativas à indenização de que trata a IN nº 73/2012. É o breve relato. DECIDO. FUNDAMENTAÇÃO Primeiramente, há que se consignar que esta demanda foi ajuizada em 18 de Novembro de 2011, tendo o INCRA alegado urgência para a imediata imissão na posse na petição inicial, haja vista a expressa menção de tal circunstância no Decreto Presidencial que declarou de interesse social para fins de desapropriação o território comunidade quilombo cafundó (conforme fls. 22 destes autos). Conforme acima relatado, a decisão de fls. 282 e verso, datada do dia 07 de Dezembro de 2011, deferiu o pedido liminar de imissão de posse no imóvel expropriado, concedendo, todavia, um prazo de 60 (sessenta) dias para que os posseiros identificados deixassem a área, antes da expedição do mandado de 3
imissão. Tal medida visou conceder um prazo mínimo para que os posseiros saíssem pacificamente da área, sem necessidade de intervenção da polícia federal. Por sua vez, a decisão de fls. 391/396, datada de 20 de Abril de 2012, diante da ausência de desocupação voluntária do imóvel no prazo de 60 dias, determinou a expedição de mandado de imissão na posse, sendo o mandado expedido em 23 de Abril de 2012. Ocorre que tal mandado de imissão na posse não foi cumprido, tendo em vista expresso pedido do INCRA que requereu o recolhimento do mandado de imissão na posse, pleiteando dilação de prazo 60 dias para providenciar a desocupação do imóvel diante da frágil condição social de A. e seu filho. Após largo espaço de tempo, o INCRA e a Fundação Cultural Palmares requereram a expedição de um novo mandado de imissão na posse que, novamente, não foi cumprido, uma vez que os prepostos do INCRA demonstram não pretender dar a mínima efetividade ao requerimento formulado, havendo novo requerimento de recolhimento do mandado de imissão. ser tomadas neste momento processual. Tal estado de coisas gera várias providências que devem Em primeiro lugar, fica evidente que a alegação de urgência para fins de imissão provisória na posse visando, obviamente concretizar o direito constitucional da comunidade quilombola resta inteiramente prejudicada, isto em razão exclusiva da ineficiência e ausência de vontade política do INCRA que, desafortunadamente, resta incumbido, por força do Decreto nº 4
4.887/03, de adotar os atos necessários à desapropriação de terras de domínio particular destinadas à comunidade quilombola. Nesse sentido, analisando-se os autos, como o INCRA não fornece os meios materiais para a desocupação da área e, além disso, se recusa a fazê-lo, conforme pode ser verificado pela leitura do e-mail juntado em fls. 470/471 destes autos, conforme será pormenorizado abaixo, verifica-se que o recolhimento pela segunda vez do mandado de imissão na posse gera a incidência do 3º do artigo 15 do Decreto-lei nº 3.365/41. Nesse ponto, a entidade expropriante tem o prazo de 120 (cento e vinte dias) para requerer a imissão provisória na posse e, ao ver deste juízo, também adotar as providências que lhe cabem para concretizar a imissão provisória, nos termos dos 2º e 3º do artigo 15 do Decreto-lei nº 3.365/41. Ou seja, a interpretação conjugada desses dois dispositivos gera a conclusão de que não basta simplesmente ajuizar a desapropriação e requerer a imissão provisória, devendo o ente responsável pela desapropriação concretizá-la em um prazo razoável. Até porque a alegação de urgência pressupõe que o interessado envide esforços para que tal pedido se concretize, sendo evidente que a incúria e o propósito de não concretizar o ato não pode fazer com que a ordem de imissão provisória se prolongue por tempo indeterminado. Em sendo assim, a partir da alegação de urgência, feita com o protocolo da petição inicial e baseada no 2º do artigo 3º do Decreto expropriatório (fls. 22), o fato da autarquia não providenciar a concretização da imissão provisória no prazo de 120 dias, excedendo em muito tal limite, ao ver deste juízo, descaracteriza a alegação de urgência, destacando-se que desde a primeira 5
expedição do mandado de imissão (23 de Abril de 2012) até o presente momento, já transcorreu prazo muito superior a 120 (cento e vinte) dias. Ademais, a exclusiva culpa pelo não cumprimento do mandado no prazo previsto no ordenamento jurídico ocorreu em razão da recalcitrância dos servidores do INCRA, notadamente de H. M. M. Com efeito, conforme e-mail juntado em fls. 470/471, o INCRA entende que não é possível a retirada dos posseiros do local sem que este juízo lhes disponibilize a indenização de forma imediata (portanto, sem que os trâmites da ação judicial sejam seguidos). Ademais, entende que a imissão deva ser feita com os posseiros no local, de forma que cancelaram, por vontade própria, o ato de imissão na posse que ocorreria no dia 23/11/2012. Em sendo assim, revogo parcialmente as decisões que determinaram a expedição de mandado de imissão provisória na posse da área, restando, portanto, inviabilizada a imissão provisória na posse na área nos autos desta ação de desapropriação no transcorrer da lide, uma vez que a imissão provisória não pode ser renovada ou interrompida. Por outro lado, há que se destacar que o INCRA, na petição de fls. 469 e verso, requereu, além recolhimento do mandado de imissão na posse, a citação dos posseiros qualificados no laudo de vistoria e avaliação que acompanha a peça vestibular; requerendo, ademais, a liberação por este juízo das verbas relativas à indenização de que trata a IN nº 73/2012. No que tange ao requerimento de citação dos posseiros, há que se destacar que tal pleito resta fulminado pelo fenômeno da preclusão, uma vez que este juízo já teve a oportunidade de analisá-lo de forma fundamentada, 6
conforme se verifica na decisão de fls. 391/396, tendo o Procurador Federal do INCRA ciência da decisão no dia 23/04/2012, conforme certidão de fls. 400. Portanto, caso não concordasse com tal decisão, teria que protocolar o recurso no prazo cabível, não podendo neste momento renovar o pleito. decisão, transcrevo-a abaixo: Apenas para não haver dúvidas e rememorar o teor da Primeiramente, importante consignar que, como já afirmado pela decisão de fls. 260/262, não se discute nestes autos a quem confere a posse ou domínio do imóvel em discussão, visto ser a desapropriação forma originária de aquisição da propriedade, apta a gerar, por força própria, o título constitutivo da propriedade. Em sendo assim, a disputa envolvendo eventual posse e domínio sobre a área não afeta a ação de desapropriação, cujo único escopo é arbitrar o valor indenizatório, já que a novel propriedade deriva da edição do decreto expropriatório. Destarte, os detentores da posse atual sobre a área objeto desta ação deverão discutir seus eventuais direitos de proprietários nas vias ordinárias próprias, devendo comunicar este Juízo, caso obtenham guarida, a fim de poderem se habilitar a levantar o dinheiro (ou parte dele) depositado nestes autos ( único do artigo 34 do Decreto-lei nº 3.365/41). Portanto, esclareça-se que o polo passivo de ação de desapropriação é formado pelo(s) proprietário(s) que constam no registro de imóveis, não se admitindo posseiros e terceiros alheios ao registro, que deverão obter nas vias ordinárias a 7
declaração de domínio e o cancelamento do registro imobiliário, caso sejam proprietários. Neste caso, alguns posseiros que sequer constam no polo passivo da lide, simplesmente ingressaram no feito sem serem partes processuais ou serem admitidos como terceiros, e protocolaram contestação, em procedimento heterodoxo e dissociado das normas processuais (devido processo legal). Em assim sendo, não reconheço os posseiros E. L., E. B. L., V. S. L. e N. A. C. L. como terceiros intervenientes já que pretendem discutir o domínio em sede de ação de desapropriação (o domínio comprovado é pressuposto essencial para viabilizar a discussão sobre o valor ofertado), pelo que determino o desentranhamento da contestação e documentos apresentados às fls. 333/384, os quais deverão ser entregues ao procurador por aqueles constituído. Da mesma forma, indefiro o pedido de nomeação de advogado dativo apresentado pelos posseiros M. H. P. e I. L. P., visto que desprovido de fundamentação jurídica, como acima apontado, já que também são posseiros. Por outro lado, o INCRA fez pedido para que este juízo libere as verbas relativas à indenização de que trata a Instrução Normativa nº 73/2012 para os posseiros. Tal pedido deve ser indeferido. Conforme já decidido nestes autos, o processo de desapropriação visa ressarcir o proprietário da terra que se vê desapossado por conta da edição do decreto de desapropriação. Portanto, o 8
dinheiro depositado nestes autos deverá ser entregue aos proprietários que ocupam o polo passivo da lide. Caso haja dúvidas em relação ao domínio, nos termos expressos do parágrafo único do artigo 34 do Decreto nº 3.365/41, o valor ficará depositado, aguardando a solução nas vias ordinárias. No caso destes autos, o INCRA pretende indenizar os posseiros que se encontram na área sem título de domínio. Poderá fazê-lo de forma espontânea, não com os recursos depositados nestes autos, mas na esfera administrativa, por acordo amigável, nos termos da instrução normativa nº 73/2012. Referida instrução normativa, ao ver deste juízo, viabiliza acordo administrativo com posseiros de boa-fé. Analisada a petição de fls. 469 e verso, bem como restando inviabilizada a imissão provisória na posse da área, há que se adotar algumas providências adicionais. Com efeito, em primeiro lugar, a leitura do e-mail de fls. 470/471, bem demonstra que o servidor público H. M. M. não pretende cumprir o mandado de imissão na posse, fazendo determinações ao juízo, nos seguintes termos, in verbis: é necessário, portanto, que se proceda por um destes dois caminhos: ou o juiz permite que estes posseiros recebam suas indenizações, ou que ele aceite que a imissão seja feita sem a retirada imediata destes posseiros, que permanecerão em suas posses até ulterior resolução do problema. Caso contrário seguirá o impasse. Em primeiro lugar, a questão da indenização aos posseiros é questão de direito que deve ser decidida nas vias próprias, conforme já ressaltado em decisão anterior, não sendo cabível sua discussão no âmbito estreito desta ação de desapropriação por utilidade pública. O escopo desta espécie de 9
demanda é providenciar a imissão do ente público da posse do imóvel e discutir o valor da indenização. Em sendo assim, não cabe ao servidor do INCRA decidir se os posseiros irão receber a indenização, incumbência esta do Poder Judiciário. Outrossim, a sugestão (ou ordem) do servidor para que este juízo aceite que a imissão seja feita sem a retirada dos posseiros, contraria o ordenamento jurídico. A imissão provisória na posse não admite composse, até porque o escopo da imissão é a transferência completa da posse para se alcançar o desiderato constitucional relacionado com a utilidade pública declarada em relação ao imóvel. Se o INCRA não tem estrutura administrativa para retirar os posseiros da área, não poderia alegar urgência para fins de pedido de imissão provisória na posse. Neste ponto, determino a extração de cópia desta decisão, da petição e documentos de fls. 420/424, da petição de fls. 462 e da petição e documentos de fls. 469/471, remetendo-as ao órgão correcional do INCRA para a adoção das providências disciplinares que entender cabíveis em relação aos servidores que não cumpriram a imissão provisória na posse. Isto porque, com a atitude dos servidores do INCRA, restou inviabilizada, por ora e durante todo o longo transcorrer de tempo em que a ação de desapropriação demorar a tramitar, a concretude à proteção constitucional prevista pelo artigo 68 da ADCT, já que a Constituição Federal tutela antes de qualquer coisa o exercício da posse do direito de morar e a reprodução cultural das comunidades dos remanescentes de quilombos, sendo que o direito de propriedade da comunidade sobre a área objeto da desapropriação é apenas um meio de estabilização do direito da posse, tornando pública e mais segura a questão do domínio das terras. 10
Destarte, o que justifica o exercício do direito da propriedade das comunidades quilombolas é a relação direta com o objeto por meio da posse, portanto, não é a propriedade enquanto domínio que legitima a posse, mas o inverso, a posse, o uso efetivo do bem, como utilidade social, é que legitima a propriedade, daí, essencial a intervenção do Estado em lhe consolidar, inclusive, se necessário por meio de desapropriação, consoante ensinamento constante em artigo doutrinário População Tradicional Quilombola e Unidades de Conservação, inserto na Revista de Direito Ambiental nº 41, publicação da Editora Revista dos Tribunais, janeiro/março de 2006, página 131, de autoria de Ibraim Rocha. Portanto, situações como as que ocorreram nestes autos, demonstrando que o INCRA não cumpre com suas atribuições administrativas relacionadas com a comunidade quilombola, merecem, ao ver deste juízo, uma maior atenção por parte das autoridades relacionadas com os direitos da comunidade quilombola. Destarte, em sendo assim, determino que a presente decisão seja encaminhada para o Presidente da Fundação Cultural Palmares; para o Presidente do INCRA; para a Controladoria-Geral da União e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, uma vez que, nos termos do artigo 32 da Lei nº 12.288, o Poder Executivo Federal elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos. Esclareça-se que o intuito da remessa da decisão para as autoridades é contribuir para uma melhor estruturação dos órgãos executivos que detêm atribuições relacionadas com a planificação e execução das políticas públicas relacionadas com os direitos previstos na Constituição Federal de 1988. 11
Até porque, consoante ensinamento haurido da obra Concretizando a Constituição, de autoria de Anabelle Macedo Silva, Editora Lumen Juris, 1ª edição (2005), páginas 38/39, a frustração do imperativo de plena concretização das normas constitucionais suscita a questão da constitucionalização simbólica, eis que a prática da subversão da vontade constitucional através da inefetividade das normas constitucionais apresenta consequências para as ordens jurídica e política. acima Destarte, expeçam-se os ofícios conforme determinado Dê-se ciência à procuradoria federal, que representa o INCRA e a Fundação Cultural Palmares, e ao Ministério Público Federal acerca desta decisão. Intimem-se. Sorocaba, 18 de Janeiro de 2013. MARCOS ALVES TAVARES Juiz Federal Substituto da 1ª Vara 12