A VERTENTE DO VÍCIO DE CONSENTIMENTO DA PATERNIDADE À LUZ DA SOCIOAFETIVIDADE

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Transcrição:

62 A VERTENTE DO VÍCIO DE CONSENTIMENTO DA PATERNIDADE À LUZ DA SOCIOAFETIVIDADE THE ORIGIN OF THE CONSENT VICE OF PATERNITY IN THE LIGHT OF SOCIOAFETIVITY RESUMO SOUZA, Camila Sipriano de 10 VIEIRA, Bruna Ramos 11 MACHADO, Wilton 12 O presente trabalho mostra-se de grande relevância para o Direito atual face os demasiados conflitos familiares que surgem a respeito da paternidade socioafetiva e, principalmente, quanto o dever que um pai deve exercer sobre seu filho. Tratar-se-á dos principais marcos históricos da família, bem como acerca da filiação pós Constituição Federal de 1988, relatando brevemente acerca das formas de filiação existentes, do reconhecimento voluntário da paternidade o qual permite a existência de vício no consentimento, fazendo uma breve análise da posse do estado de filho. Será tratado também sobre o vício de consentimento da paternidade e, consequentemente, a ação negatória, que visa desconstituir o vínculo de paternidade e, principalmente, o instituto da filiação socioafetiva (aquela decorrente de um afeto onde o menor mesmo não tendo um vínculo consanguíneo exerce o estado de posse de filho), e quando esta irá se sobrepor às relações biológicas à luz dos princípios basilares do Direito de Família. Analisar-se-á também os atuais posicionamentos dos Tribunais. Palavras-chave: Paternidade. Irrevogabilidade.Socioafetividade. Vício de Consentimento. ABSTRACT The present work is of great relevance for current law in the face of too many family conflicts that arise regarding socioaffective parenthood and especially how much a parent should exercise over their child. it will deal with the main historical milestones of the family, as well as about the membership after the Federal Constitution of 1988, briefly describing the existing forms of membership, voluntary recognition of paternity, which allows the existence of addiction in consent, making a brief analysis of the possession of the son state. It will also deal with the vice of paternity consent and consequently the negatory action, which aims to deconstitute the paternity bond and especially the institute of socio-affective affiliation (that arising from an affection where the minor even having no blood relationship exercises the state of possession and when it will overlap biological relations in the light of the basic principles of Family Law. The current position of the Courts will also be analyzed. Keywords: Paternity. Irrevocability. Socioaffectiveness. Consent Addiction. 10 Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Floresta (FADAF), contato: <camilasipriano0303@gmail.com>. 11 Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Floresta (FADAF), Pós-Graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Advogada, contato: <brunaramosvieiraadv@gmail.com>. 12 Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Floresta (FADAF); Professor universitário de Direito do Curso de Direito da Faculdade de Alta Floresta (FADAF); especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-UNIDERP. Advogado, Contato: <machadowiltonadv@gmail.com>.

63 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho busca explorar de forma minuciosa as relações de família, mais precisamente o vínculo de paternidade frente às ações negatórias de paternidade ajuizadas pelo genitor, que após anos de convivência com seu filho descobre que não possuem vínculos biológicos. Em consequência, com o intuito de desconstituir essa relação de paternidade, propõe a ação negatória de paternidade, que tem por objetivo a anulação do registro civil, sob alegação da existência de vício de consentimento. O presente tema tem sido alvo de controvérsia nos tribunais do País, diante do conflito existente entre o vínculo biológico e o direito do que tem aquele pai que descobre que foi enganado, por outro lado, a existência de vínculo afetivo criado entre pai e filho com o passar do tempo e o trauma que essa criança poderá sofrer ao se sentir rejeitada pela figura paterna. Hodiernamente o vínculo afetivo vem se mostrando de grande relevância tanto para doutrina quanto para a jurisprudência e, consequentemente, preservando a paternidade socioafetiva, mesmo diante da realização do exame pelo método DNA, comprovando cientificamente a inexistência do vínculo biológico, sobrepõe-se a afetividade com fundamento nos princípios basilares do direito de família, levando-se em consideração que se trata de pessoas em desenvolvimento. Primeiramente, o presente abordará a importância da família na sociedade, dissertando sobre a evolução histórica do direito de família e as mudanças ocorridas desde a família grecoromana passando pela promulgação da Constituição Federal de 1988, até o Código Civil de 2002. Ainda no primeiro momento disserta-se sobre filiação, expondo quais as suas formas, como se configura a posse do estado de filho e, por fim, a análise acerca do reconhecimento da paternidade e os seus efeitos jurídicos. Em um segundo momento, versará sobre o vício de consentimento da paternidade, discorrendo a respeito do vício de consentimento no Código Civil de 2002 e, por conseguinte, dissertando a respeito da ação negatória da paternidade, quanto à legitimidade da parte para propor a ação, quanto à sua imprescritibilidade e, ainda, no que concerne à atuação do Ministério Público. Ao final se trará a possibilidade da não desconstituição do vínculo da paternidade, relacionando com o direito à filiação, bem como, o corolário desse artigo consistirá em uma reflexão dos direitos assegurados a ambos e os posicionamentos adotados pelos tribunais nos últimos anos.

64 No presente artigo, adota-se o método dedutivo, onde o presente não tem como escopo exaurir tal assunto, visto que o direito de família vem sofrendo grandes mudanças nos últimos anos. Ademais, tanto a doutrina quanto a jurisprudência são passíveis de alterações no que tange ao seu posicionamento. 2 DA FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA Inicialmente é importante trazer à baila a importância deste instituto família. A família é a base da sociedade, que é de grande relevância para o direito, e é em família que o ser humano faz seu primeiro contato, por meio dela, ele ganha uma identidade. Conceituando família, Rodrigues (2004, p. 7) afirma que: A família constitui a célula básica da sociedade. Ela representa o alicerce de toda a organização social, sendo compreensível, portanto, que o Estado a queira preservar e fortalecer. Daí a atitude do legislador constitucional proclamando que a família vive sob a proteção especial do Estado. A família antiga era conceituada como um conjunto de pessoas formado pelo vínculo matrimonial e biológico, esta formada pelos cônjuges apenas, ou pelos cônjuges e os filhos consanguíneos. Logo, o direito de família sofreu significativas mudanças tendo em vista a necessidade de acompanhar os acontecimentos sociais, que como consequência oportunizou o reconhecimento da família formada pelo vínculo de afetividade. Contudo, só foi possível o reconhecimento das famílias afetivas após o advento da Constituição Federal de 1988 e, consequentemente, o novo conceito de família abrange àquelas formadas com origem na união, bem como aquelas formadas por um dos genitores e sua prole, também conhecida por família monoparental. Nesta esteira, Venosa conceitua (2011, p. 10) que desse modo, o direito de família, por sua própria natureza, é ordenando por grande número de normas de ordem pública. Essa situação, contudo, não converte esse ramo em direito público. Nader (2016, p. 21) vislumbra que: Direito de família é sub-ramo do Direito Civil, que dispõe sobre as entidades formadas por vínculos de parentesco ou por pessoas naturais que se propõem a cultivar entre si uma comunhão de interesses afetivos e assistenciais. Além destas relações, abrange ainda os institutos da tutela e curatela, que não se atrelam necessariamente à família. Esta é a noção de Direito de Família em sentido objetivo. Contudo, tem-se o direito de família como direito privado, porém ordenado por normas de ordem pública. O fato de o Estado intervir de forma indireta na estrutura do direito de família não significa que seja um direito público, pois o Estado tem como objetivo tutelar a família.

65 Quanto à promulgação da Constituição Federal de 1988, Venosa (2011, p. 7) entende que está representou, sem dúvida, o grande divisor de águas do direito privado, especialmente, mas não exclusivamente, nas normas de direito de família. Outrossim, o Código Civil de 2002 complementou e estendeu os direitos concernentes à família, baseando-se nos princípios, ora consagrados pela Constituição. Ainda assim, em se tratando de direito de família, entende-se por grande marco histórico, a revolução legislativa decorrente da promulgação da Constituição. Com efeito, diante das várias mudanças no direito de família, o vínculo afetivo passou a ser reconhecido e valorizado e, por via de consequência, permitindo a formação de novas famílias, agora protegidas por uma legislação que busca atender os avanços ocasionados na sociedade, baseando-se em princípios e normas. 2.1 Da filiação no ordenamento jurídico brasileiro A filiação é a relação de parentesco existente entre pais e filhos. É o vínculo criado entre duas pessoas em linha reta em primeiro grau ou por afetividade. Nesse diapasão, Silvio Rodrigues (2004, p. 297) afirma que é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado. O instituto filiação é de suma importância e vem sendo cada vez mais amparado no ordenamento jurídico, tendo em vista que encontra respaldado no Direito brasileiro em vários momentos, denota-se proteção para tal instituto desde a Constituição Federal, bem como no Código Civil e no Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), entre outras leis. Analisando o vínculo familiar, conceitua Dias (2015, p. 388) que: A absoluta impossibilidade do ser humano de sobreviver de modo autônomo, eis que necessita de cuidados especiais por longo período, faz surgir um elo de dependência a uma estrutura que lhe assegure o crescimento e o pleno desenvolvimento. Daí a imprescindibilidade da família, que acaba se tornando seu ponto de identidade social. Ademais, para o ordenamento jurídico atual, a filiação não está baseada apenas na prova biológica, devendo valorizar também o vínculo afetivo existente na relação paterno-filial, observando-se a necessidade de amor e cuidado para com o menor.

66 2.2 Formas de filiação Conforme os ensinamentos, preceitua Monteiro (2012, p. 433) que O código de 1916 estabelecia distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Filhos legítimos eram os nascidos de casal unido pelos laços do casamento. Quando os filhos não procedessem de casamento entre os genitores, se diziam ilegítimos. Atualmente existem filhos, não havendo nenhuma distinção quanto à filiação. Com o advento da Constituição Federal de 1988, ficaram proibidos tratamentos desiguais e, em decorrência, houve a revogação do dispositivo do Código Civil de 1916 que proibia o reconhecimento dos filhos espúrios. Nos termos do Art. 227, 6 da Constituição Federal, os filhos, havidos ou não da relação do casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 2.2.1 Presunção legal juris tantum da paternidade no casamento São filhos por presunção legal os havidos na constância do casamento, ou seja, o casamento traz essa presunção de legitimidade da paternidade. Os filhos havidos do casamento anulável ou nulo também se presumem filhos, desde que concebidos durante o casamento ou nascidos durante o casamento quando concebidos antes do ato nupcial. O atual Código Civil regulamenta a filiação por presunção de paternidade, cuja redação encontra-se expressa no artigo 1597. Para alguns doutrinadores, a paternidade na constância do casamento deve ser reconhecida por presunção pater is est quem nuptiae demonstrant (pai é aquele que as núpcias demonstram). É quando se presume a coabitação entre homem e mulher. Independentemente da origem genética, presume-se ser o filho do marido, pois se pressupõe a fidelidade da esposa para com seu cônjuge de forma que ela não tenha praticado relações sexuais fora do casamento. Com pertinência, Monteiro (2012, p. 437) afirma que: Nesse dispositivo, fixa o Código como limites os períodos da mais breve e da mais longa gestação para o gênero humano. Tais limites têm sido objeto de várias críticas. Afirmam-se, por exemplo, que é muito curto o prazo mínimo de cento e oitenta dias, porque, nesse lapso de tempo, o feto não chega a ultimar sua evolução, não se achando apto, destarte, para a vida extrauterina. Cumpre destacar que essa presunção quanto aos filhos nascidos 180 dias depois de estabelecida a convivência conjugal inicia-se com a convivência conjugal e não da celebração

67 do ato nupcial, sendo válido mencionar que o direito brasileiro autoriza a celebração do casamento por procuração. Presume-se também a paternidade dos filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por qualquer das causas prevista no art. 1.571, do Código Civil, tendo em vista que uma gestação não ultrapassa esse prazo. Contudo, alguns doutrinadores a interpreta como absurda, pois poderá ocorrer a separação de fato antes da dissolução conjugal, bem como, neste período, poderá ocorrer a constituição de nova família por meio da união estável. 2.2.2 Presunção da paternidade por reprodução assistida homóloga e heteróloga Preleciona Dias (2015, p.400) que a estrutura familiar passou por grandes inovações tendo em vista os vários avanços no campo da biotecnologia, assim possibilitando maior abrangência quanto ao reconhecimento dos filhos face às diversas técnicas procriativas. Cumpre trazer à baila o entendimento de Scalquette (2010, p. 58): A assistência à reprodução pode e dar, destarte, de duas maneiras: apenas em forma de aconselhamento e acompanhamento da periodicidade da atividade sexual do casal a fim de otimizar as chances de que ela resulte uma gravidez; ou pelo emprego de técnicas médicas avançadas, de modo a interferir diretamente no ato reprodutivo, objetivando viabilizar a fecundação A paternidade por reprodução assistida será presumida em relação aos filhos havidos por fecundação artificial homóloga (quando realizada com o sêmen e óvulo dos próprios cônjuges), o que não provoca tantos questionamentos, sejam éticos ou jurídicos, por serem coincidentes os pais biológicos, ainda que seja implantado no útero de outra pessoa, conhecido como barriga de aluguel. Cumpre destacar que nos casos de reprodução assistida por inseminação artificial homóloga serão coincidentes as paternidades biológicas e socioafetivas. A paternidade por fecundação artificial heteróloga (aquela que se realiza com o material genético de pelo menos um terceiro, seja o sêmen ou o óvulo, tendo em vista a possibilidade na doação de óvulo por terceira pessoa, quando identificada a infertilidade da mulher), tem presunção absoluta por parte do marido, e, assim, haverá uma concorrência entre a paternidade socioafetiva e a biológica. Discorrendo acerca, Rodrigues (2004, p. 291) ensina que: Ainda na reprodução heteróloga, o parentesco deve ser observado isoladamente para cada um dos pais, pois deverá ocorrer que o vínculo sanguíneo para a mãe e civil para o pai (doação de sêmen), ou, ao contrário, consanguíneo para o pai e civil para a mãe

68 (doação apenas de óvulo, inseminação pelo marido), ou civil para ambos (óvulo e sêmen de terceiros). Na fertilização heteróloga, ainda que esse terceiro doador do sêmen tenha contribuído geneticamente, estará livre de qualquer responsabilidade com a criança, não sendo este considerado pai. Neste sentido, existe uma divergência quanto ao direito de conhecer sua origem genética e o direito do anonimato do doador. Acerca de inseminação artificial heteróloga, Nader (2016, p. 319) menciona: Tem-se esta modalidade, quando a fecundação não se verifica com o sêmen do marido, mas com a sua prévia autorização, que poderá ser oral ou por escrito, dado que o inciso V do art. 1.597, que trata da hipótese, não impõem forma. Neste caso a presunção de paternidade do marido é absoluta, juris et de jure. Haverá, in casu, dualidade entre a paternidade biológica e a socioafetiva. Pai será não o que forneceu o sêmen, mas o que dispensará afeto, carinho, proteção e amor, ou seja, o parentesco socioafetivo prevalece em face da consanguinidade. Ambos os tipos poderão ocorrer post mortem, ou seja, após a morte do doador, o que é possível através da conservação do embrião ou sêmen. Contudo, é imprescindível a prévia concordância do marido, independentemente do procedimento, seja a inseminação artificial por introdução dos gametas masculino por meio artificial no corpo da mulher, ou seja, por fecundação in vitro, que é a fecundação fora do corpo da mulher, é quando o embrião não é prontamente introduzido, e sim armazenado por técnicas especiais. A autorização do marido deverá ser por escrito, e para que se presuma do marido falecido o filho, é necessário que a mulher esteja na condição de viúva. Na mesma linha, sublinha Gonçalves (2015, p. 329): Na jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça no mês de junho de 2002, aprovou-se proposição para que se interprete o inciso III do citado art. 1597 no sentido de ser obrigatório, para que se presuma a paternidade do falecido, que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja ainda na condição de viúva, devendo haver ainda autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte. Apesar do grande avanço trazido pelo legislador ao considerar a paternidade decorrente das técnicas de reprodução humana assistida, é certo que ainda existem muitas indagações acerca do assunto, por haver lacuna quanto à matéria. 2.2.3 Filiação biológica O termo filiação biológica surge de uma verdade genética, onde o filho recebe uma herança genética dos pais. É valido trazer à baila que o filho pode ser concebido por relação sexual ou por meio de fertilização assistida homóloga.

69 A paternidade biológica traz a chamada verdade real, tendo em vista a possibilidade de comprovar a herança genética deixada pelo pai através de exame de DNA. Assim, muitos pais buscam a verdade real através do Judiciário por meio da ação de investigação de paternidade. Na mesma esteira, é o entendimento de Souza (2013, p. 101) ao dizer que: Os exames periciais existem para que sejam utilizados com o propósito de esclarecer uma verdade não declarada. O exame de DNA é o que há de mais moderno e eficaz para solucionar dúvidas e conflitos. Podendo incluir ou excluir um homem da paternidade que lhe é imputada. É a sua herança genética. Pode apresentar algumas semelhanças com parentes próximos, mas perfeitamente distintivas. Em busca da verdade real, o exame de DNA veio conquistando espaço na área do direito de família e, consequentemente, baseando-se em critérios biológicos. Contudo, já não se considera a paternidade biológica a mais importante. Após a Constituição Federal de 1988, o vínculo afetivo vem tomando grande proporção nas relações familiares, mais precisamente nas relações paterno-filiais e com o reconhecimento da união estável entre outros modelos de famílias, a afetividade vem sendo de total relevância. 2.2.4 Filiação socioafetiva A filiação afetiva não está expressamente prevista no Código Civil de 2002. Contudo, o mesmo dispositivo traz em seu art. 1.593 a previsão de possíveis formas de filiação, além da filiação biológica, com a seguinte redação, o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. Assim, dentre essas formas de parentesco civil, pode-se compreender o afetivo. A relação afetiva dispensa a verdade biológica baseando-se unicamente na afetividade e na vontade de constituir uma família, não importando a herança genética, mas sim o amor e afeto construído ao decorrer do tempo na relação entre pais e filhos. No que concerne ao conceito de filiação socioafetiva, Farias e Rosenvald (2012, p. 120 apud DIAS, 2015, p. 406) aludem que: É uma espécie de adoção de fato. É aquele que ao dar abrigo, carinho, educação, amor... ao filho, expõe o foro mínimo da filiação, apresentando-se em todos os momentos, inclusive naqueles em que se toma a lição de casa e ou verifica o boletim escolar. Enfim, é o pai das emoções, dos sentimentos e é o filho do olhar embevecido que reflete aqueles sentimentos que sobre ele se projetam. O tratamento de filho também é uma característica da afetividade, o pai afetivo deve tratar a criança como fosse seu genitor, devendo criar e educar como verdadeiro filho. É indispensável que a sociedade tenha conhecimento da relação de pai e filho, e que todos identifiquem aquele indivíduo como pertencente àquela família.

70 Segundo os ensinamentos de Washington (2012, p. 425) elucida que não existe posicionamento uniforme na jurisprudência sobre a paternidade socioafetiva, nem nos parece que possa vir a existir, em face das variantes de cada situação concreta. Para o direito brasileiro são considerados filhos afetivos todos aqueles que não possuem um vínculo consanguíneo, mas que reconhecem aqueles como seus pais. 2.3 Posse do estado de filiação Cumpre ressaltar que apesar de a posse do estado de filiação não está expressamente prevista na legislação, encontra-se amparo para tal na doutrina moderna. Logo, não se pode afirmar que não existe amparo no nosso ordenamento jurídico para tal situação. A posse do estado de filho ocorre quando a pessoa desfruta de tal status, ainda que não possua herança genética daquela família nem mesmo esteja registrado como filho, ainda sim os pais optam por amar e cuidar dessa pessoa. Convém ainda destacar que, para alguns doutrinadores, a posse do estado de filiação configura-se por meio dos requisitos nome, tractus e fama, podendo-se configurar a filiação quando presentes todos estes, ou parte deles. Neste sentido Washington (2012, p. 425) ilustra que as expressões latinas são tractatus e reputatio, que equivalem à posse do estado de filho, situação de fato em que o filho é tratado e havido socialmente como tal. Ante o exposto, denota-se que o termo reputatio, traduzindo para o português significa reputação. Entretanto, é possível a paternidade socioafetiva ainda que a criança não seja registrada em nome do pai afetivo, podendo alterar o registro de nascimento incluindo o nome do pai não biológico e podendo, ainda, manter o nome do pai biológico, resultando a pluriparentalidade, que é atualmente reconhecida pelos tribunais brasileiros. 2.4 Do reconhecimento voluntário da paternidade Inicialmente, cumpre trazer à baila o entendimento de Gonçalves (2015, p. 348) ao conceituar que o reconhecimento voluntário constitui espécie de ato jurídico em sentido estrito que exige capacidade do agente. Nesta senda, vislumbra Rodrigues (2004, p. 319) que o reconhecimento vem a ser ato que declara a filiação havida fora do matrimônio, estabelecendo, juridicamente, o parentesco entre pai e mãe e seu filho.

71 Rodrigues (2004, p. 319) vai mais além ao dizer que o reconhecimento é ato jurídico unilateral, pois gera efeitos pela mera manifestação de vontade de quem reconhece. O casamento gera a presunção da paternidade pater it est quem nuptiae demonstrant, pois a filiação matrimonial decorre de uma situação jurídica e, assim, ocorre o reconhecimento de plano da paternidade, fazendo com que estes não precisam ser reconhecidos. Quanto aos filhos havidos por qualquer outro meio que não seja pelo casamento, seu reconhecimento está previsto no art. 1.609, do Código Civil, e traz em rol taxativo as formas de se efetuar o reconhecimento da paternidade. Destarte, os filhos havidos na constância da união estável precisam ser reconhecidos, ainda que revestida do status de entidade familiar. Porém, poderá ser presumida a filiação quando houver decisão judicial declarando a união estável, o que constitui prova da união e, em consequência, a presunção de filiação. A legislação brasileira não faz nenhuma referência quanto à capacidade para reconhecer a filiação, no entanto Venosa (2011, p. 252) preleciona: A legitimidade para o reconhecimento de paternidade é dos pais, ou de um só deles. Trata-se de ato personalíssimo. Nenhuma outra pessoa possui capacidade para tal. Devem ter plena capacidade. O ato pode também ser formalizado por procurador com poderes especiais. Aos interditos ou àqueles a que falta o devido discernimento não é dado efetivar a perfilhação. Os relativamente incapazes, porém, não necessitam de assistência do pai ou tutor, segundo professa a doutrina majoritária. Lembremos que os maiores de 16 anos possuem capacidade para fazer testamento e, como tal e nesse ato, podem reconhecer a paternidade. Sabido é que o reconhecimento da paternidade não está sujeito a termo ou condição, tratase de declaração pura. Nessa esteira, Gonçalves (2015, p. 350) vai além ao afirmar que: não se confunde irrevogabilidade do conhecimento com invalidade. Se o reconhecimento decorrer de vício de consentimento poderá ser objeto de ação anulatória. 2.5 Efeitos do reconhecimento da paternidade O reconhecimento da paternidade tem efeito ex tunc, retroativo até o dia do nascimento do filho e equiparam-se em tudo aos demais filhos, garantindo-lhes os mais diversos direitos, sejam eles, patrimoniais, hereditários, alimentício e entre outros direitos que se passa a analisar. Com o reconhecimento da paternidade, o registro de nascimento do filho será alterado, passando a constar o nome de seus ascendentes, bem como constará em seu nome o sobrenome do pai, garantindo-lhe um status familiar e, dessa forma, sujeitando-o ao poder familiar, submetendo o pai ao dever de sustento, guarda e educação do filho.

72 Seguindo os ensinamentos de Nader (2016, p. 342): Com o reconhecimento, o filho passa a ter iguais direitos e deveres aos seus irmãos e como se registrado fora logo ao nascer. Tais efeitos, decorrentes da filiação, são ordem patrimonial e moral. Sendo menor o filho, o progenitor passará a exercer o poder familiar, o poder de guarda ou direito de visitas, além de assumir o dever de assistência, que é recíproco entre pais e filhos. Um passa a ser herdeiro em potencial do outro, em conformidade com o Direito das sucessões. Enfim, restrição alguma haverá na relação jurídica entre ambos, que seja própria de pais e filhos. Um dos efeitos inerentes ao reconhecimento da paternidade consiste no poder de guarda que o Código Civil prevê em seu art. 1.611: O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro. Ocorre que, quando o pai que reconheceu seu filho for casado com outra mulher que não seja a genitora do menor e este desejar que o filho passe a residir com ele isso não será possível sem o consentimento de seu cônjuge. Enquanto o filho for menor de idade, deverá permanecer sob o poder familiar do genitor que o reconheceu e em casos que os genitores do menor não chegam a um acordo, será o juiz quem decidirá atendendo o melhor interesse do menor. E aquele que não detém a guarda exercerá seu direito de visitas, bem como deverá prestar assistência e alimentos ao filho, que serão fixados de acordo com a condição social do genitor ou genitora, a depender do caso concreto. 3 VÍCIO DE CONSENTIMENTO DA PATERNIDADE Inicialmente cumpre destacar que o reconhecimento voluntário da paternidade constitui espécie de ato jurídico em sentido estrito, nesse sentido é o entendimento da renomada doutrinadora Dias (2015, p. 415), ao afirmar: Não é um negócio jurídico, é um ato jurídico stricto sensu. Assim, inadmissível arrependimento. Não pode, ainda, ser impugnado, a não ser na hipótese de erro ou falsidade de registro. O pai é livre para manifestar sua vontade, mas seus efeitos são os estabelecidos na lei. É oportuno esclarecer que o vício de consentimento é pressuposto essencial para ensejar a ação negatória da paternidade. Logo, poderá o magistrado indeferir o pedido inicial por ausência de erro que configure o vício de consentimento, porém, cumpre mencionar que nessas ações também é necessário considerar o possível vínculo afetivo entre o pai e a criança. Nesse sentido, em acertado acórdão já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Se a causa de pedir da negatória de paternidade repousa simplesmente

73 na dúvida acerca do vínculo biológico, extingue-se o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC, por carência da ação. PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO: ARTS. 1.604 e 1.609 do Código Civil. 1. Ação negatória de paternidade, [...]. 2. Discussão relativa à nulidade do registro de nascimento em razão de vício de consentimento [...]. 3. A regra inserta no caput do art. 1.609 do CC-02 (...). 7. Recurso especial desprovido.(stj - REsp: 1433470 RS 2013/0188242-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/05/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2014) No julgado acima mencionado, a ação foi indeferida por ausência de vício de consentimento, ainda que comprovado ausência de vínculo afetivo entre pai e filho, porém, ficou comprovado que não existia prova robusta e necessária a fim de comprovar que o pai foi de fato induzido a erro, já que este havia declarado que sempre teve dúvida quanto à paternidade. Contudo, ao verificar a existência de vício de consentimento no reconhecimento do filho, o pai poderá propor a ação cabível a fim de desconstituir o vínculo de paternidade firmado. Todavia, para a propositura da ação que tem por objetivo desconstituir o vínculo paterno filial, tem-se por imprescindível a presença do vício de consentimento no reconhecimento do filho, porém, devem-se observar cautelosamente outros requisitos indispensáveis ao deslinde do processo. 3.1 Vício de consentimento no Código civil brasileiro Cumpre esclarecer que os atos jurídicos dividem-se em atos jurídicos lícitos e atos jurídicos ilícitos. Nader (203, p. 331) ensina que os atos lícitos se subdividem em ato jurídico strictu sensu e negócio jurídico. Ao tratar de ato jurídico, verifica-se uma inobservância por parte do legislador ao elaborar o atual Código Civil, ante a ausência de previsão legal para tal instituto. Discorrendo acerca de ato jurídico, Washington (2012, p. 228) preleciona que: Não observou o legislador de 1916 idêntica orientação quanto ao ato jurídico, por ele definido, no art. 81, como todo ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. O Código de 2002 empresta ao negócio jurídico o mesmo tratamento legal que o de 1916 emprestava ao ato jurídico, embora se abstendo de defini-lo. Embora o ato jurídico não esteja expressamente previsto no Código Civil de 2002, parte da doutrina interpreta que é possível aplicar as mesmas disposições ora aplicadas ao negócio jurídico. Nesta esteira, Pereira (2015, p. 399) é categórico ao afirmar que:

74 A esta segunda categoria, constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da obtenção de um resultado, é que a doutrina tradicional e o Código de 1916 denominavam ato jurídico (stricto sensu); e a doutrina moderna e o Código de 2002 denominam negócio jurídico. Outrossim, vale afirmar que se tem por analogia a aplicabilidade dos requisitos de validade, as modalidades, os defeitos e a teoria das nulidades que regem o negócio jurídico no Código de 2002 ao ato jurídico. Reale (2014, p. 208-209), ao conceituar ato jurídico, preceitua que: Negócio jurídico é aquela espécie de ato jurídico que, além de se originar de um ato de vontade, implica a declaração expressa da vontade, instauradora de uma relação entre dois ou mais sujeitos tendo em vista um objetivo protegido pelo ordenamento jurídico. Superada a tentativa de conceituar ato jurídico, deve-se trazer à baila a possibilidade de existência de defeitos neste ato jurídico, qual seja o reconhecimento da paternidade. Contudo, o Código Civil de 2002, em seu art. 138 dispõe acerca dos defeitos do negócio jurídico, o que também se aplica aos atos jurídicos eivados de defeitos, vez que, como acima mencionado, o atual Código não possui dispositivo específico que prevê sobre os atos jurídicos. In verbis, é o art. 138: São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligencia normal, em face das circunstancias do negócio. O renomado doutrinador Washington (2012, p. 242) expõe que a vontade é, pois, base e fundamento do ato, sua razão de ser, a alma do negócio jurídico. Destarte, ainda que o pai tenha manifestado sua vontade favorável ao reconhecimento do filho, mas, se sua vontade estiver eivada por algum vício de consentimento, assim estará o ato jurídico contaminado, o que o tornará ineficaz. Pereira (2015, p. 434) salienta que: O mais elementar dos vícios de consentimento é o erro. Quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias fáticas, age de um modo que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação, diz-se que procede com erro. Embora esteja previsto no artigo 1.609 do Código Civil de 2002, que o reconhecimento dos filhos é ato irrevogável, é importante destacar que não se pode confundir irrevogabilidade com invalidade. Logo, todo ato jurídico dotado de vício se torna inválido. Portanto, todo aquele que reconhece uma pessoa como se seu filho fosse, sob a ocultação da verdadeira paternidade, tem legitimidade para requerer a anulação de registro civil, sob o fundamento da existência de erro.

75 3.2 Ação negatória da paternidade O ordenamento jurídico brasileiro possibilita excluir a paternidade dos filhos havidos na constância do casamento, ou seja, a paternidade pater is est. Consoante a redação do art. 1.601, cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. A desconstituição do vínculo de paternidade dá-se por meio da ação negatória da paternidade, também conhecida como ação de contestação da paternidade. Essas ações são denominadas de ações de estado. Nader (2016, p. 36-37) ensina que: Relativamente ao estado de família, configuram as ações de estado, entre outras, as que pretendem o decreto de divórcio, o reconhecimento ou exclusão de paternidade. Há de se distinguir ação de estado, com a qual se pleiteia a declaração de determinado estado de família, como a de companheiro em união estável, de ações decorrentes do estado de família, como a de alimentos. A ação que tem por objetivo desconstituir o vínculo paterno filial pode ser reconhecida como ações de estado negativas, ou prejudicial, como ensina Nader (2016, p.36). Discorrendo acerca do tema, Dias (2015, p. 431) ensina que: Essa possibilidade impugnativa diz tão só com a presunção da paternidade decorrente da filiação consanguínea. Em se tratando de fecundação decorrente de concepção heteróloga, não cabe esta contestação, pois a presunção da paternidade é absoluta (juris et de jure). Diniz (2015, p. 523) afirma que contudo o marido não pode contestar a paternidade ao seu alvedrio; terá que mover ação judicial, provando, se o reconhecimento voluntário outrora realizado não espelha a verdade. Cabe ressaltar que não se confunde a ação negatória da paternidade, ou contestação da paternidade, com a ação declaratória de inexistência de filiação, também conhecida como ação anulatória de registro, pois, nesta não se discute o vínculo biológico, tendo em vista que aquele que registrou a criança como se seu filho fosse, tinha pleno conhecimento da inexistência do vínculo, que pode ocorrer como, por exemplo, nos casos de adoção à brasileira. Outrossim, o Código Civil de 1916 já reconhecia a possibilidade de contestar a paternidade, porém, havia algumas restrições quanto a este direito. Com o advento do código civil de 2002, houve significantes alterações, o que possibilitou a contestação da paternidade. Nesta senda preceitua Rodrigues (2004, p. 310) que:

76 O novo código, em sentido exatamente diverso ao adotado na anterior codificação, afasta por inteiro qualquer restrição à negatória de paternidade pelo marido, assim: Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Paragrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação. Contudo, o Código de 2002 passa a ser menos rigoroso acerca da contestação da paternidade, permitindo a rejeição do filho em diversas circunstâncias, o que não era possível no texto normativo anterior. Verifica-se que em muitos casos o exame de DNA é realizado antes mesmo do pai registrar, ingressar com a ação negatória, porém, também pode ser realizado no decorrer da ação, em momento oportuno. É valido trazer à baila que nas ações de contestação da paternidade não poderá o magistrado conceder liminarmente a suspensão da prestação alimentícia, ainda que houver a desconstituição da paternidade, o direito a alimentos persistirá até o trânsito em julgado da sentença. No tocante, é o entendimento de Dias (2015, p. 458) que expõe: Na ação negatória da paternidade, descabe a suspensão liminar do encargo alimentar, mesmo que a ação venha instruída com o exame de DNA comprovando a inexistência do vínculo biológico. Isso porque há possibilidade de ser mantida a relação parental caso seja reconhecida a existência de filiação socioafetiva com o pai registral. Dessa forma, cabe ao pai o dever de prestar alimentos ao filho, eximindo-se de tal obrigação apenas quando está definitivamente transitar em julgado, devendo-se observar também o melhor interesse do menor e sua necessidade alimentar. 3.2.1 Legitimidade para propositura da ação A ação negatória da paternidade é personalíssima. Assim, cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos havidos de sua mulher, o que poderá ser feito a qualquer momento, pois se trata de pretensão imprescritível. O artigo 1.601 do Código Civil vigente preconiza que Cabe o marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação. O emérito professor Nader (2016, p. 324) expõe que: Apenas o marido possui legitimidade para figurar no polo ativo da relação processual. A ele compete avaliar, em primeiro plano, a conveniência da propositura da ação. Se vier a falecer sem qualquer iniciativa, aos seus herdeiros não caberá o ajuizamento da ação.

77 Outrossim, parte da doutrina sustenta que se o marido for interditado por incapacidade relativa, poderá o seu curador propor ação negatória da paternidade, desde que haja fortes evidências de que o marido interditado não é o pai. Dentre as hipóteses que permite a propositura da ação pelo curador do titular, encontrase a seguinte situação: quando ao tempo em que a mulher engravidou o marido se encontrava internado, o que o impedia de manter relação sexual com a mesma, assim poderá o curador ajuizar a ação. 3.2.2 Imprescritibilidade O antigo Código Civil de 1916 estabelecia em sua redação prazo decadencial para a propositura da ação negatória da paternidade, sendo prescritível, o que limitava o pai de exercer seu direito. Com o advento do Código de 2002 ocorreram algumas mudanças sobre a temática atinente à prescrição da ação. Com pertinência, Monteiro (2012, p. 442) esclarece que: Tamanhas eram as restrições à contestação da paternidade pelo homem casado que o Código Civil de 1916 estabelecia exíguos prazos prescritivos para a respectiva ação, mencionados no art. 178, 3 e 4, I, como sendo de dois meses, contados do nascimento, se era presente o marido, e de três meses, se o marido se achava ausente. Saliente-se que se tratava de prazos de decadência. Denota-se que houve uma grande alteração sobre o prazo para propositura da ação de contestação da paternidade, sendo atualmente imprescritível tal direito, conforme acima exposto, assim poderá fazê-lo a qualquer tempo. 3.2.3 Da atuação do Ministério Público nas ações negatórias de paternidade Cumpre trazer à baila que nas ações de família que envolvem crianças e adolescentes é indispensável a intervenção do Ministério Público, ante a gama de interesses que estão envolvidos. Nesse diapasão, justifica-se a atuação do parquet, objetivando fiscalizar e garantir que o Judiciário está atendendo ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (CF, art. 227, 6º). Outrossim, verifica-se que se justifica a participação do Ministério Público pela qualidade da parte, como é o caso de ação é ajuizada em face de um incapaz (criança, adolescente ou pessoa interditada judicialmente), ou ainda que o requerido (filho) já tenha alcançado a maioridade, e sendo esse capaz, a intervenção será necessária em razão da indisponibilidade do direito (questão relativa ao estado da pessoa), de notável interesse público.

78 4 DA POSSIBILIDADE DA NÃO DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE O ordenamento jurídico brasileiro assegura o direito de desconstituição da paternidade quando comprovada a existência de coação, erro, dolo, simulação ou fraude no ato, admitindose o pai buscar a tutela jurisdicional por meio da ação negatória de paternidade, com objetivo de satisfazer seu direito de se eximir da obrigação de pai, por meio da anulação de registro civil. Contudo, ocorreram grandes modificações no ramo do Direito de Família com o advento da Constituição Federal de 1988, na qual se consagraram os princípios basilares da família, assegurando o direito à dignidade, à personalidade, ao direito de igualdade entre os filhos, o dever de responsabilidade dos pais e, principalmente, a busca pela existência de laços afetivos entre pai e filho. Cumpre trazer à lume que, embora se comprove o vício de consentimento no reconhecimento da paternidade, bem como comprove a ausência de vínculo consanguíneo, alguns Tribunais têm julgado improcedentes os pedidos de desconstituição, pois, sobrepõe-se nas ações negatórias de paternidade o vínculo afetivo, atendendo o melhor interesse da criança. Neste sentido, tem-se posicionado o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO [...]. I O apelante/autor, livre e voluntariamente, reconheceu a menor como sua filha, registrando-a, nada havendo nos autos capaz de caracterizar vício de consentimento; (...), III Recurso ao qual se nega seguimento, ao abrigo do art. 557, do Código de Processo Civil. (TJ-RJ - APL: 00387831420098190205 RJ 0038783-14.2009.8.19.0205, Relator: DES. ADEMIR PAULO PIMENTEL, Data de Julgamento: 12/03/2015, DÉCIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 19/03/2015 18:30) Anota-se que se o pai registrar a criança mesmo sem ter certeza do vínculo consanguíneo, ou seja, quando houver dúvida quanto à paternidade, não há erro nem falsidade no registro, e a paternidade afetiva, assim como a natural, estabelece vínculos definitivos, não passíveis de dissolução. Atualmente, a doutrina e a jurisprudência não têm reconhecido somente a filiação biológica, mas também a filiação denominada socioafetiva, tendo em vista que o afeto e a convivência íntima durante anos sobrepõem-se à ausência de consanguinidade. 4.1 Posicionamentos jurisprudenciais

79 Embora a jurisprudência ainda não seja pacífica quanto às ações negatórias de paternidade, vários tribunais brasileiros têm decidido, com base nos princípios basilares do Direito de Família. Fato é que se deve observar todo um conjunto probatório para o julgamento de tal ação. Contudo, o vínculo afetivo quando comprovado nos autos, exerce grande influência sobre as decisões. Alguns Tribunais têm se posicionados favoráveis à desconstituição da relação paternofilial, quando fica comprovado a inexistência de qualquer liame genético, bem como socioafetivo. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como demostrado ao longo do presente artigo, o Direito de família vem evoluindo cada vez mais e, indubitavelmente, expandiu a concepção jurídica de família, inibindo preconceitos, permitindo a constituição de novas entidades familiares e estabelecendo novos vínculos paternos-filiais. A promulgação da Constituição Federal de 1988 surgiu como um divisor de águas para o Direito de Família, ocasionando fortes mudanças, motivo pelo qual a jurisprudência vem evoluindo no sentido de valorizar cada vez mais a figura do pai socioafetivo, enaltecendo os princípios inerentes à ordem civil-constitucional, ante a figura dos filhos como pessoas em desenvolvimento, e a necessidade de convivência familiar e seu direito de identidade e personalidade, constantes tanto nas normas que informam o Direito de Família, como do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal entendimento deve ser considerado à luz da prevalência dos interesses da criança, que deve nortear a condução do processo em que se discute, de um lado, o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação. Consoante o que foi salientado no decorrer do artigo, uma vez que se tenha como pretensão a declaração negatória de paternidade, é indispensável que estejam presentes dois requisitos: a inexistência de origem biológica, demonstrada pelo exame de DNA, e a inexistência do estado de filiação, este configurado pela existência de relações afetivas e pela convivência familiar. A família é o núcleo de proteção dos filhos e a base formadora do desenvolvimento psíquico da criança. Diante disso, tem-se por violação ao princípio da paternidade responsável

80 a omissão dos pais quanto aos seus deveres e obrigações, como o de prover as necessidades físicas e as emocionais dos filhos. Corroborando o assunto, tem-se que o posicionamento favorável a paternidade socioafetiva parece ser mais condizente e razoável, pois desconstituir uma paternidade afetiva seria ignorar sentimentos e valores construídos durante todo o tempo de convivência. De tal maneira, permaneceriam apenas lembranças dos momentos que conviveram juntos, e um sentimento de perda de parte de suas histórias e de sua identidade. No decorrer deste trabalho, foi salientado que o Julgador, em ações nas quais se tem por objetivo a negatória de paternidade, deve-se utilizar de várias ferramentas que se encontram à sua disposição para uma melhor solução do caso in concreto, que seja razoável e mais condizente com o postulado da afetividade. Nesse sentido, o presente artigo não tem por objetivo se posicionar a favor ou contra a irrevogabilidade da paternidade e, sim, trazer à baila a importância das decisões que atendam ao melhor interesse da criança, assegurando uma vida com dignidade e os recentes posicionamentos jurisprudenciais. A desconstituição da paternidade afetiva pode ocasionar consequências desastrosas, não somente para as partes envolvidas, mas também para a sociedade, tendo em vista que a família é a célula base da sociedade. Assim é que se propõe que, antes de qualquer decisão final sobre o caso, o Magistrado encaminhe as partes para grupos de mediação, e estudos elaborados por equipes multidisciplinares, formados por assistentes sociais e psicólogos, para tentar conciliar as partes, oportunizando as partes a reconhecerem seus sentimentos, e refletirem se realmente a melhor solução é o rompimento do vínculo, entre pai e filho de verdade. É sobremodo importante considerar que com o trânsito em julgado da sentença que julga procedente o pedido de negatória de paternidade, autorizando o autor a anular o registro civil daquela criança junto ao órgão oficial, excluindo a figura paterna, o caminho é sem volta, o que poderá repercutir no futuro, porque diferentemente da ação os sentimentos não transitam em julgado. Ante todo o exposto, denota-se que os Tribunais brasileiros têm por objetivo salvaguardar os princípios fundamentais do Direito de Família, assegurados na Constituição Federal, no Código Civil, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente, tutelando com máxima atenção os direitos inerentes à filiação, e resguardando-os de quaisquer designações discriminatórias, a fim de fortalecer o instituto família.

81 Por derradeiro, a desconstituição da paternidade socioafetiva pode causar grandes danos de ordem psicológica, bem como moral e social na vida do menor. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 21. ed. Brasília, DF: Senado, 1988. São Paulo: Saraiva, 2016.. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil Brasileiro. 21. ed. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. São Paulo: Saraiva, 2016.. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente- 21. ed. Brasília, DF: Presidência da República; São Paulo: Saraiva, 2016.. Superior Tribunal de Justiça - REsp: 1433470 RS 2013/0188242-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/05/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2014. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25087051/recurso-especial-resp-1433470-rs-2013-0188242-4-stj/certidao-de-julgamento-25087054?ref=juris-tabs>. Acesso em: 03 maio 2017.. Tribunal de Justiça io de Janeiro - APL: 00387831420098190205 RJ 0038783-14.2009.8.19.0205, Relator: DES. Ademir Paulo Pimentel, Data de Julgamento: 12/03/2015, Décima Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 19/03/2015 18:30. Disponível em: <https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/175681248/apelacao-apl-387831420098190205- rj-0038783-1420098190205>. Acesso em: 24 ago. 2017. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. 10. ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 2015. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro. Direito de Família. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, v. 6. Direito de Família. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2015., Hebe Signorini; BRANDÃO, Eduardo Ponte. Psicologia jurídica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: NAU editora, 2004. IBDFAM, instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <https://ibdfam.jusbrasil.com.br/noticias/3106388/stj-condena-pai-a-indenizar-filha-porabandono-afetivo>. Acesso em: 20 mar. 2018. MONTEIRO, Washington de Barros; SILVA, Regina Beatriz Tavares. Curso de direito civil, v. 2, Direito de família. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2012., Washington de Barros. PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro França. Curso de Direito Civil, v. 1, parte geral. 44. ed.são Paulo: Saraiva, 2012