ANÁLISE DE REDAÇÕES REALIZADAS APÓS UM TRABALHO DE CAMPO E UM JÚRI SIMULADO: VERIFICAÇÃO DAS ABORDAGENS DADAS À BIODIVERSIDADE Luziene Aparecida Grandi (Universidade de São Paulo Bolsista CAPES) 1 Marcelo Tadeu Motokane (Universidade de São Paulo, Departamento de Biologia FFCLRP) 2 Resumo:O conceito de biodiversidade pode ser considerado um dos conceitos centrais na área de Ciências Biológicas. Se incorporado ao currículo e for gerido adequadamente, pode contribuir para o desenvolvimento de competências de índole conceptual, procedimental ou relacionadas a mudanças de atitudes.assim, este trabalho objetivaverificar quais abordagens de biodiversidade estão presentes em textos escritos a partir de um trabalho de campo realizados em uma área reflorestada e de um júri simulado.as redações foram investigadas com base em uma grade construída elencando indicadores de apresentação de conceitos de biodiversidade. Ficou evidenciado que o professor/monitor e a sua mediação tiveram grande influência sobre as produções escritas, as quais se apresentaram como descrições ou argumentações, dando abordagens diferentes à biodiversidade. Palavras-chave:biodiversidade, conceito, redações, ensino de ciências. ANÁLISE DE REDAÇÕES REALIZADAS APÓS UM TRABALHO DE CAMPO E UM JÚRI SIMULADO: VERIFICAÇÃO DAS ABORDAGENS DADAS À BIODIVERSIDADE Luziene Aparecida Grandi (Universidade de São Paulo Bolsista CAPES) 1 Marcelo Tadeu Motokane (Universidade de São Paulo, Departamento de Biologia FFCLRP) 2 Introdução O conceito de biodiversidade ou diversidade biológica pode ser considerado um dos conceitos centrais na área de Ciências Biológicas. Wilson (1994, p. 412) foi o primeiro autor a dar uma definição para o termo biodiversidade, em que esta representa a: (...) variedade de organismos considerada em todos os níveis, desde variações genéticas pertencentes à mesma espécie até as diversas séries de espécies, gêneros, famílias e outros níveis taxonômicos superiores. Inclui variedade de ecossistemas, que abrange tanto as comunidades de organismos em um ou mais habitats quanto as condições físicas sob as quais elas vivem. A análise desta definição junto a dada por outros autores dentro das ciências biológicas (WILSON, 1997; LÉVÊQUE, 1999; GASTON & SPICER, 24), ainda que apresentem 1 luzienegrandi@gmail.com 2 mtmotokane@ffclrp.usp.br 527
algumas diferenças, evidencia um plano básico de se observar a biodiversidade. Eles centram a questão da biodiversidade em três eixos estruturais ou categorias que demonstram os diferentes níveis da diversidade da vida: a diversidade genética, a diversidade de espécies e a diversidade de ecossistemas.além desta categorização, Lévêque (1999) apresenta a biodiversidade como sendo um produto da evolução. Dentro de outra perspectiva relacionada ao uso da biodiversidade pelas sociedades humanas, o conceito de biodiversidade pode ser ampliado como uma das propriedades fundamentais da natureza, responsável pelo equilíbrio e estabilidade dos ecossistemas, fonte de imenso potencial de uso econômico, sendoa base das atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais e, também, a base para a estratégica indústria da biotecnologia (DIAS, 1996). Nesse sentido, a diversidade biológica possui, além de seu valor intrínseco, valores ecológico,genético, social, econômico, científico, educacional, cultural, recreativo e estético (GAYFORD, 2; ALHO, 28). Assim, discutir o que é biodiversidade, sua diminuição, valoração, uso sustentável, dentre outros temas, não é uma tarefa simples. Contudo, é necessária, pois os temas relacionados ao meio ambiente são de importância para toda a população, extrapolando os interesses da comunidade científica (MOTOKANE et. al, 21). Há, então,a necessidade do estudo desta temática a partir de uma perspectiva científica e sócio-científica tanto na escola quanto nos demais espaços educativos. Atendo-se à importância do tema, Soutinho (27) considera a biodiversidade como um dos assuntos que pode serabordado no ensino das Ciências Naturais desde osprimeiros níveis de aprendizagem escolar. Se incorporada ao currículo e forgerida adequadamente pode contribuir para odesenvolvimento de competências de índole conceitual, procedimental ou relacionada a mudanças de atitudes. Desenvolvendo capacidades de observação, de pesquisa, derecolha de informações e análise da mesma, o aluno pode compreender a importância dadiversidade natural, queconsequentemente a levarão a desenvolver atitudes de respeito e preservação da natureza(roldão, 1995apudSOUTINHO, 27). Entretanto, de acordo com Gambarini e Bastos (26), acompreensão do que é a Biodiversidade tem sido dificultada já que o ensino conceito ocorre de forma fragmentada (visão esta presente nos livros didáticos, principal fonte de pesquisa dentro de uma comunidade escolar). A maioria dos programas de televisão também representam impasses neste sentido, pois são produzidos no hemisfério norte, apresentando paisagens naturais destes lugares, descontextualizadas da realidade de muitos alunos. 528
Segundo Wilson (23, apud PIVELLI, 26), como estratégia para uma aprendizagem inovadora, a utilização de ambientes que apresentam a biodiversidade de forma mais real e concreta, como museus, parques e zoológicos, pode despertar a sensibilidade humana para as questões ambientais e adoção de uma postura ética. Neste cenário, de acordo com Cavassan et. al (26) os trabalhos de campo desenvolvidos nos próprios ecossistemas proporcionam a ação dos alunos sobre fatores concretos, entendidoscomo sendo os fatores bióticos e abióticos do ecossistema. Em aulas decampo, aspectos subjetivos como as sensações e as emoções interagem com osprocessos de raciocínio, resultando em uma maior motivação em aprender.além disso, o meio local não só constitui umarealidade em que a criança está inserida como também é geralmente fonte deproblemáticas a explorar a criança tem curiosidade em saber sobre o quelhe é familiar (SOUTINHO, 27). Portanto, considerando as ideias discutidas anteriormente, o presente trabalho objetiva verificarquais abordagens de biodiversidade estão presentes em textos escritos a partir de um trabalho de campo realizados em uma área reflorestada e de um júri simulado. Metodologia 1. Projeto ler, escrever e falar nas aulas de ciências O Projeto ler, escrever e falar nas aulas de ciências, inscrito para participar das Olimpíadas USP do Conhecimento, foi desenvolvido no segundo semestre do ano de 213, sendo o público alvo alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola pública (totalizando 65 alunos). Tal projeto teve como equipe de apoio integrantes do Grupo LINCE (Grupo de Pesquisa e Estudo em Linguagem e Ensino de Ciências), contudo a executora de todas as atividades planejadas foi a professora de ciências destes alunos, igualmente integrante do Grupo LINCE. Para estimular nos alunos a lerem, escreverem e falarem nas aulas de ciências (pensando na escrita coletiva e individual, na fala em grupo e individual e na leitura dirigida e silenciada), uma sequência didática produzida pelo grupo foi aplicada utilizando múltiplas estratégias, focando o ensino de Ecologia e, mais precisamente, do conceito de Biodiversidade dentro da perspectiva da alfabetização científica. Desta forma, em um primeiro momento houve na escola uma conversa com os alunos de modo a fazer um primeiro diagnóstico da percepção que eles tinham da biodiversidade local, quais elementos da biodiversidade reconheciam, compreendendo aspectos biológicos e sociais. Depois foi solicitado a eles que entrevistassem moradores da cidade fazendo 529
perguntas relacionadas à coleta de lixo, áreas de lazer, fauna e flora da região, pedindo para avaliarem estes itens como bons, regulares ou ruins. Estes dados foram organizados em tabelas e, posteriormente, em gráficos, sendo ambos discutidos por meio de debates. Na perspectiva de que eles seriam biólogos por um dia, participaram de um trabalho de campo em uma área de reflorestamento na Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, e no Laboratório de Ensino de Biologia da mesma universidade, experienciando como originalmente poderia ter sido a área em que eles vivem hoje. A pergunta que teriam que responder era: Qual o ambiente que tem maior diversidade de organismos: uma floresta ou um canavial? Quais as principais diferenças entre estes dois locais e que podem estar relacionadas à diversidade de espécies?. Assim, mediram a altura das árvores, a profundidade da serapilheira, a abertura do dossel e o número de espécies existentes comparando a área de reflorestamento com a área de monocultura de cana-de-açúcar circundante. Outra atividade que ocorreu no Laboratório de Ensino de Biologia foi a leitura e interpretação (coletiva) de um texto que argumentava a favor da agricultura. Era importante apresentar dois pontos de vista para que os alunos constituíssem seus próprios argumentos em defesa da floresta ou do canavial. Seguidamente, em sala de aula, discutiram os dados que haviam coletado. Após o retorno à escola, os alunos participaram de um júri simulado em que teriam que se posicionar a favor ou contra a implantação de um reflorestamento na cidade deles em detrimento do aumento área reservada à monocultura de cana-de-açúcar. Finalizaram esta atividade construindo um texto escrito individual ou coletivo, dependendo da característica da turma de alunos. Além de justificarem o porquê da sua escolha, teriam que justificar porque não preferiram a outra opção e elaborar uma conclusão. Devido à ocorrência de todo este processo, o produto escrito por estes alunos foi selecionado para ser analisado neste trabalho justamente por ele ter sido elaborado após a ocorrência do júri simulado, no final da aplicação da sequência didática, depois que a temática da biodiversidade havia sido abordada de diversas formas. 2. Grade de análise A partir da leitura e reflexão sobre os artigos de Gómez e Bernat (21) e Alho (28), uma grade de análise foi construída para identificar, na produção escrita de 21 alunos do 6ºano do ensino fundamental, quais as abordagens de biodiversidade estavam presentes. Após a leitura destes dois artigos, vários itens foram elencados para serem indicadores de apresentação de conceitos de biodiversidade pensando em uma base conceitual, procedimental e axiológica. Desta forma, foi possível verificar, de acordo com alguns critérios, como o conceito de 521
biodiversidade era tratado a partir de pressupostos que discutiam este conceito e quais valores atribuíam a ele. Vale salientar que a grade foi elaborada após a aplicação das sequências didáticas que geraram o contexto para a produção das redações. Por isso, a grade visou direcionar, metodologicamente, o olhar do pesquisador sem a pretensão de considerar a ausência de indicadores como sinônimo da falta de aprendizado ou incompreensão do conceito de biodiversidade por parte dos alunos. Resultados e discussão Abaixo, segue a grade de análise (Tabela 1), constando as abordagens dadas à biodiversidade por21 alunos do 6º ano do ensino fundamental. Tabela 1. Grade de análise com abordagens da biodiversidade. Grade de Análise Turma 6º ano Total de redações analisadas 21 Número de redações nas quais os itens analisados estão presentes Base A palavra biodiversidade aparece na sua conceitual produção textual? Formula perguntas embasadas no conhecimento científico? Permite variação nas suas premissas à medida que entra em contato com novas informações? Considera problemas sob diferentes 2 perspectivas? Os conceitos da maneira que são utilizados conferem maior consistência e qualidade à interpretação realizada acerca das políticas em torno da Biodiversidade? Em que grau? Como a biodiversidade é compreendida e em que nível: diversidade genética, de 21 diversidade de espécies espécies e/ou de ecossistemas? Torna os conceitos relativos à biodiversidade significativos em 16 diferentes contextos Os conceitos relacionados à biodiversidade e à sua conservação são 16 tratados de forma prática e contextualizada? Base Elabora situações-problema relacionadas procedimental à biodiversidade? Explica a realidades sendo sistemático e coerente na exposição de ideias? Define? Descreve? 1 5211
Descreve um mesmo aspecto sob diversas perspectivas teóricas? Justifica? 21 Argumenta? 2 Seus argumentos estão embasados em dados concretos, evidências contrastáveis e garantias diversas de diferentes 2 naturezas? Identifica problemas? Assinala causas? Propõe soluções com diferentes graus de precisão? Pondera causas e consequências, prós e contras e posicionamentos e alternativas? Elabora hipótesese prediz resultados a partir de situações-problema? Entende que descrições e/ou explicações diferentes para uma mesma ideia pode dar lugar a interpretações distintas de ações, medidas ou propostas políticas e condicionar tomadas de decisões? Toma decisões fundamentadas? 21 Base axiológica Os componentes éticos estão presentes? Componentes conservacionistas estão presentes? 14 Os componentes estéticos estão presentes? 5 Os componentes utilitaristasestão presentes? 11 A palavra biodiversidade praticamente não apareceu. Quando está explícita, a abordagem da biodiversidade aparece como diversidade de espécies. No entanto, mesmo a abordagem não estando explícita, ela remete à diversidade de espécies pelo próprio problema de campo qual o ambiente que tem maior diversidade de organismos: uma planta ou um canavial? e pela discussão que ocorreu com base nas observações dos alunos, objetivando verificar quais as principais diferenças entre a floresta e o canavial e que podem estar relacionadas à diversidade de espécies. No caso em questão, a mediação dos monitores e as estratégias de ensino escolhidas, conjuntamente com o trabalho de campo, coincidiram com uma escrita de caráter argumentativo. A situação gerada por meio da utilização do júri simulado e a solicitação da professora pedindo para que os alunos se posicionassem a favor do canavial ou da floresta justificando as suas escolhas e concluindo, exigiram dos alunos outros tipos de habilidades para desenvolverem a redação.porém, o contexto criado foi sócio científico, dando margem para que muitos argumentos fossem embasados em elementos advindos do senso comum. 5212
Outros valores foram dados à biodiversidade além dos conservacionistas. Para a escrita das redações os alunos tinham que optar pelo que era mais vantajoso para ser implantado em sua cidade e, devido a este motivo, o valor utilitarista igualmente foi muito enfatizado. Mas apareceram outros também, como o estético remetendo à contemplação da natureza e o naturalista enfatizando a floresta como um local que abriga animais ferozes e perigosos para o ser humano, sendo este último valor muito enfatizado em diversos tipos de mídia. Conclusões Apesar do caráter qualitativo do presente trabalho é possível reconhecer o potencial dos dados para uma análise quantitava mais elaborada. Não é só o número de redações, mas elementos presentes nas redações que auxiliam reflexões sobre o tema biodiversidade. Atentando a estes elementos, foi evidenciado que o professor/monitor e a sua mediação têm uma influência muito grande sobre a produção do texto escrito. Nesta pesquisa, o direcionamento dado pela professora e pelos monitores fez com que os alunos se posicionassem argumentando. Desta forma, este trabalho contribui para o entendimento de algumas questões acerca de quais habilidades são estimuladas no aluno dado determinado tipo de problema e quais conhecimentos são mobilizados para elaborar um argumento. É preciso ainda pensar em outras sequências didáticas que trabalhem a biodiversidade de outras maneiras, enfatizando novas abordagens e valores. Quando se trabalha só com o valor conservacionista e utilitarista, o professor dá margem para que apareçam justificativas com características mais relacionadas ao senso comum. Portanto, cabe à escola ampliar as abordagens dadas à biodiversidade. Referências Bibliográficas ALHO, C. J. R. The value of biodiversity.brazilian Journal of Biology. v. 68, n.4, p. 1115-1118, 28. CAVASSAN, O.; SILVA, P.G.P ; SENICIATO, T. O Ensino de Ciências, a Biodiversidade e o Cerrado. In: Elaine Sandra Nicolini Nabuco de Araújo; João José Caluzi; Ana Maria de Andrade Caldeira. (Orgs.). Divulgação Científica e Ensino de Ciências: Estudos e Experiências. São Paulo - SP: Escrituras Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 26. DIAS, B.F.S. A implementação da Convenção sobre diversidade biológica no Brasil: desafiose oportunidades. In: Biodiversidade: perspectivas e oportunidades tecnológicas. Fundaçãotropical de pesquisas e tecnologia. Campinas: Fundação André Tosello, 1996. GAMBARINI, C.; BASTOS, F. A utilização do texto escrito por professores e alunos nas aulas de Ciências. In: NARDI, R.; ALMEIDA, M. J. P. M. (Orgs.). Analogias, leituras e 5213
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