LINEARIDADE COMO PRINCÍPIO ORGANIZADOR Escritórios: SPBR E UNA Autoria: Valessa Lopes Baldin e Ana Elísia da Costa Um mesmo arranjo linear, com pátios intermediários e alas em meios níveis, aproxima as soluções de duas casas contemporâneas brasileiras - Piracaia (2009) e Orlândia (2011). (Figura 1). Ambas foram projetadas por arquitetos paulistas UNA (1996) e SPBR (2003) que possuem em comum, além da formação na USP, o emprego de uma linguagem arquitetônica que remete à tradição da arquitetura moderna paulista. Tais similaridades sugerem uma investigação que identifique as suas matrizes tipológicas e suas transgressões, sendo este o objetivo principal deste estudo específico que faz parte da pesquisa A Casa Contemporânea Brasileira. Dentre os questionamentos que direcionaram o desenvolvimento da análise, estão: Quais as semelhanças e especificidades das casas? Como seus arranjos lineares se articulam com os diferentes contextos e quais as espacialidades resultantes? Figura 1: Casa Piracaia. 2009. Piracaia SP. UNA; Casa Orlândia, 2011. Orlândia SP. SPBR Fontes: http://www.unaarquitetos.com.br/site/projetos/fotos/31/casa_em_piracaia; LOPES BALDIN, 2016; http://www.spbr.arq.br/portfolioitems/orlandia-3/; LOPES BALDIN, 2016 IMPLANTAÇÃO E PARTIDO FORMAL A casa Piracaia está localizada em um lote de grandes dimensões e abundante vegetação no entorno, ao passo que a implantação da casa Orlândia sugere que seja um terreno estreito e de dimensões menores 1. Em ambos os casos, 1 Faltam dados para definir exatamente as condições do terreno em que a casa foi inserido.
aparentemente, as dimensões dos terrenos permitiram adotar um partido linear, com dois pátios entre três alas. Por outro lado, relações topográficas determinam a adoção de desníveis nos volumes das duas casas, o que aproxima novamente as suas soluções. Na Piracaia, um prisma retangular serve como uma plataforma semienterra que acomoda a casa no terreno e que serve de suporte para a implantação do prisma linear. Configura -se assim um partido aditivo que contrapõe o volume sustentador, cuja cobertura se relaciona visualmente com o lago e funciona como um mirante, e o volume sustentado, que tem relação mais direta com a extensão longitudina l do terreno e com a própria plataforma. Na Orlândia, aparentemente, o terreno é escavado em parte do invólucro edificado 2, para configurar um pavimento semienterrado onde ocorre os acessos de pedestres e veículo. Neste invólucro, todas as experiências espaciais se encerram, voltando-se para os pátios. (Figura 2) Figura 2: Implantação, corte e esquema volumétrico das residências Piracaia. 2009. Piracaia SP. UNA; Orlândia, 2011. Orlândia SP. SPBR 2 Como faltam dados sobre a topografia original, esta afirmativa pode ser relativizada.
Assim, os diferentes contextos, determinam importantes diferenças entre os volumes principais dos projetos - o partido utilizado na Piracaia explora as dimensões do terreno em sua longitudinalidade e assume um caráter extrovertido, promovido através da grande varanda que permite um percurso ao longo de toda a extensão da casa; na Orlândia, o partido assume caráter introvertido, com as circulações ocorrendo internalizadas no volume e entre as alas. Comum aos dois projetos, uma grelha compositiva delimita o arranjo das alas e dos pátios, estabelecendo um ritmo entre as alas social e íntima e os pátios, ou um ritmo entre as áreas abertas e cobertas. Na Orlândia, ainda guiada pela modulação, as lajes do setor íntimo e as sacadas frontais e posteriores sofrem deformações que tensionam o arranjo espacial. (Figura 3) a/2 a a a a a a a a/2 a a a 2a/3 Figura 3: Grelhas compositivas e ritmos das residências: Piracaia. 2009. Piracaia SP. UNA; Orlândia, 2011. Orlândia SP. SPBR Fonte: LOPES BALDN, 2016. ARRANJO FUNCIONAL Todas as casas adotam um zoneamento em níveis e em blocos. Nos níveis mais abaixo estão os de serviço; nos intermediários; os de convívio social; e nos mais altos, os setores íntimos. Assim, em ambos casos, o setor social é uma zona de passagem que conecta as duas alas íntimas, através de circulações periféricas e longitudinais. Na Piracaia, observa-se um binário, onde uma ala periférica funciona como circulação propriamente dita e a outra, como uma varanda exteriorizada. Para vencer os desníveis entre as alas, são empregadas rampas. Na Orlândia, de um lado, uma escada conecta apenas o pavimento inferior ao intermediário e, de outro, um eixo passante pela cozinha e com escadas conecta as alas dispostas nos níveis intermediário e superior. (Figura 4)
Circulação primária Circulação secundária Ala íntima Ala de serviços Figura 4: Circulações e zoneamento: Piracaia. 2009. Piracaia SP. UNA; Orlândia, 2011. Orlândia SP. SPBR O arranjo das alas íntimas é o ponto que diferencia significativamente os projetos, pois na Piracaia as alas seguem o arranjo longitudinal e, na Orlândia, por imposições do terreno, estas são infletidas, criando circulações secundárias e voltando os quartos para frente e fundos. (Figura 5) O arranjo desta última parece sobrepor dois arranjos tipológicos o linear com dois pátios, também adotado na Piracaia, e a casa-pátio paulistana, com empenas cegas laterais, alas orientadas a frente e fundos e conectadas pelo binário circulação-cozinha, como pode ser ilustrado pela Casa em Ribeirão Preto (2000), também do SPBR. (Figura 6) a) b) Figura 5: Arranjo das alas íntimas: Piracaia. 2009. Piracaia SP. UNA; Orlândia, 2011. Orlândia SP. SPBR Figura 6. Casa em Ribeirão Preto (2000). SPBR Fonte: COSTA, 2014.
Em relação à inserção dos elementos de composição irregulares, observa-se que há algum padrão nas casas analisadas. Nos setores íntimos dos dois casos, os banheiros estão internalizados entre a circulação e os quartos, liberando as fachadas para a disposição modular do setor íntimo. Nos setores social e serviços há, contudo, algumas diferenças na Piracaia, os ambientes de serviço, inclusive a cozinha, formam um núcleo compartimentado e tangente à circulação principal, usufruindo de uma autonomia funcional em relação ao corpo da casa; na Orlândia, os desenhos sugerem que o balcão da cozinha esteja integrado ao estar, com seu espaço de uso coincidente com o eixo da circulação principal, o que pode comprometer sua autonomia funcional. (Figura 7) a) b) Figura 7: Elementos irregulares nas residências: Piracaia. 2009. Piracaia SP. UNA; Orlândia, 2011. Orlândia SP. SPBR ESPACIALIDADE A análise da espacialidade se dá através do desenvolvimento do modelo tridimensionais dos projetos estudados, que permite ampliar o entendimento de aspectos que apenas os desenhos bidimensionais não proporcionam. A fim de mensurar a experiência vivida pelo usuário nos projetos em questão, é traçado um itinerário que simula um passeio pelas casas: hall, estar, corredor íntimo e dormitório. Hall e Estar O acesso à casa é dado pelo hall, que assume a função de transição entre o espaço aberto e público para o espaço interno e privado. Nestes dois casos, não há um hall específico. Na Piracaia, o acesso se dá pela transposição de um desnível, cujo patamar se relaciona diretamente com a sala de estar, antecipando visualmente a espacialidade que a casa irá promover. A partir dali, as grandes dimensões do estar, suas grandes aberturas, bem como os encaminhamentos para os corredores íntimos, revela uma espacialidade multidirecional e integrada com o externo. Na Orlândia, o percurso de acesso à área social da residência exige constantes redirecionamentos, promovendo expectativas e surpresas compressão ao ingressar no subsolo; expansão ao atravessar o pátio e subir as escadas do acesso principal; compressão ao entrar na área social; e, novamente, expansão multidirecional promovida pela iluminação zenital e pelas aberturas transversais voltadas para os dois
pátios que, por sua vez, não são ortogonais, exigindo um constante reposicionamento do observador em relação ao espaço. (Figura 8) Figura 8: Espacialidade no acesso e estar das residências - hall: Piracaia. 2009. Piracaia SP. UNA; Orlândia, 2011. Orlândia SP. SPBR Quartos O dormitório é o local destinado ao descanso e intimidade dos usuários e por isso há a necessidade de proporcionar a esses maior privacidade. Nos dois casos, o acesso aos quartos, passando pelo hall que leva aos banheiros, proporciona uma suave compressão espacial, seguida de uma nova dilatação, promovida pelas dimensões do quarto e pelo emprego de grandes aberturas que se afirmam como pontos focais destes ambientes. Sacadas e varandas cobertas prolongam estes ambientes ao exterior - na Piracaia, a varanda longitudinal volta-se para a área externa de lazer, cujo diálogo é intermediado por painéis de madeira; e na Orlândia, as lajes de geometria irregular tensionam o posicionamento dos corpos e suas visuais. Na Orlândia, deve-se observar que o quarto de casal volta-se simultaneamente para um dos pátios e para o recuo frontal, ganhando maior tensão em sua es pacialidade, mas perdendo em privacidade. (Figura 9)
a) b) Figura 9: Espacialidade nos quartos das residências - a) Piracaia. 2009. Piracaia SP. UNA; Orlândia, 2011. Orlândia SP. SPBR Conclusões Em uma primeira e rápida análise comparativa das casas estudadas, alguns aspectos demonstram similaridade e sugerem que tenham sido projetadas com base em diretrizes semelhantes: as plantas baixas predominantemente longitudinais, as circulações lineares e que acompanham toda a extensão da área construída, a disposição dos níveis e dos usos. Porém, ao considerar os projetos individualmente, fica claro que há diferenças substanciais na forma com a qual a linearidade foi tratada nos mesmos. O arranjo final da Orlândia contrapõe a linearidade e rigidez do terreno às visuais promovidas através dos pequenos pátios e das irregularidades geométricas de suas lajes e planos verticais. Já na casa Piracaia, a linearidade é reforçada pela circulação que acompanha toda a extensão da casa e que permite, o tempo todo, que a paisagem seja contemplada. Em uma mesma configuração, pode-se criar mecanismos de surpresa ao usuário, a aparente linearidade que fez com que essas duas casas fossem analisadas comparativamente pode ser interpretada e manipulada de formas distintas, com intenção de reforçá-la, como ocorre na Piracaia, ou de rompê-la, como ocorre na casa Orlândia. Explicita-se, assim, que um mesmo esquema tipológico pode gerar espacialidades distintas e que a análise tipológica precisa transpor a sua abordagem tradicionalmente bidimensional.