Prisão para escravos testemunho de uma história sombria

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Transcrição:

Prisão para escravos testemunho de uma história sombria Escravos a palavra designa uma condição servil imposta a um ser humano. A escravatura está sempre presente ao longo da história. Os prisioneiros de guerra são feitos escravos assim como as populações das regiões conquistadas. No entanto, os escravos que usaram a peça exposta são outros. São os escravos vítimas do tráfico negreiro, principal fonte propulsionadora do Comércio Triangular entre a Europa, África e América. A partir de meados do século XV, milhões de negros homens, mulheres e crianças são trocados em África por produtos europeus. Os comerciantes e intermediários são Europeus e Africanos. Mas só os primeiros sabiam que a palavra escravo não tinha mais o mesmo significado. Só eles sabiam que o destino desta mercadoria eram as diferentes colónias europeias existentes no continente americano. O tráfico negreiro constitui uma das páginas mais trágicas da história da humanidade. Quatro séculos de terror e de humilhação. Seres humanos capturados, acorrentados, deportados, vendidos como mercadoria, explorados, torturados. O tráfico negreiro foi tão só o maior movimento de deportação de toda a história da humanidade. Dez milhões? Vinte? Não se sabe ao certo. Só em 2001, na Conferência de Durban contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância, o tráfico negreiro foi reconhecido como crime contra a humanidade. Na mesma conferência em que ficou registado terem sido os Portugueses os pioneiros do tráfico transatlântico de escravos. 1

A Captura O transporte 2

A venda 3

Os castigos 4

As ferramentas 5

O papel de Portugal no tráfico negreiro As primeiras razias portuguesas na costa africana aprisionando população negra ter-se-iam realizado em 1444. Na sua Crónica da Guiné, Gomes Eanes de Zurara, indica ter sido o navegador Dinis Dias, cumprindo Instruções do Infante, o primeiro cristão a capturar negros na sua própria terra. Podemos afirmar que o primeiro grande carregamento e partilha de cativos que se haviam de transformar em escravos se verificou em Lagos, a 8 de Agosto de 1444, cerimónia que contou com a presença de muita população e que foi presidida pela figura tutelar do Infante D. Henrique ( ). É Zurara quem descreve com pormenor essa operação fundadora de um processo económico e social que irá marcar profundamente a sociedade portuguesa. Isabel Castro Henriques. Em Lagos, junto à Cerca Nova, no Vale da Gafaria, em 2009, foram encontrados 150 esqueletos que se revelaram ser de escravos africanos do século XV. Trata-se, até aos nossos dias, do cemitério de escravos africanos mais antigo em todo o mundo. O único em toda a Europa. As plantações de açúcar no Brasil estão na origem das primeiras viagens logo a partir do século XV. Pouco depois, o tráfico negreiro já era considerado uma especialidade dos Portugueses que forneciam escravos também aos Espanhóis que pagavam bem esta mão-de-obra que muito rapidamente substitui as populações ameríndias exterminadas. Rio de Janeiro é o primeiro porto negreiro no século XVIII, na mesma época em que toda a economia europeia repousa essencialmente sobre o comércio triangular. É comum referir-se que Portugal foi o primeiro país a abolir a escravatura por causa do decreto do Marquês de Pombal de 1761. Mas o seu único objetivo era que não fossem desviados escravos do Brasil onde eram essenciais ao desenvolvimento económico. Por outro lado, com o processo de colonização em África, era também cada vez mais necessário explorar a mão-deobra dentro do próprio território. Portugal em falta. Atlas improvável, Ed. Santillana, 2017 6

Era uma vez um escravo pp. 169, 170. A este Carvalhal, para o distinguir, acrescentavam-lhe antigamente Óbidos: Carvalhal de Óbidos. Há aqui uma torre a que chamavam dos Lafetás, por assim ser conhecida uma família cremonense vinda a Portugal no final do século XV e que aqui teve esse e outros bens. Quando se diz que veio essa família a Portugal, não se pretende afirmar que viesse toda. Eram banqueiros riquíssimos, poderosa companhia mercantil internacional desse século e do seguinte, com negócios em Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Flandres. Credores de reis, contratadores de pimenta e açúcar, os Affaitati vêm a esta viagem para lembrar que os descobrimentos foram também um gigantesco negócio, e sobretudo por causa de um escravo que neste Carvalhal tiveram. Na torre que aqui está foi em tempos encontrada uma coleira com dizeres gravados, os quais assim rezavam: Este preto he de Agostinho de Lafetá do Carvalhal de Óbidos. O viajante não sabe mais nada do escravo preto, a quem a coleira só deve ter sido tirada depois que morreu. Foi deixada aí pelos cantos, brincaram talvez com ela os filhos de Agostinho de Lafetá e de sua mulher, D. Maria de Távora, e pelo modelo se terão feito as que serviram aos cães e que até hoje se usaram: Chamo-me Piloto. No caso de me perder, avisem o meu dono. E depois vem a morada e o número de telefone. E ainda assim houve progressos. Na coleira do escravo de Agostinho de Lafetá nem sequer se mencionava o nome. Como se sabe, um escravo não tem nome. Por isso, quando morre, não deixa nada. Só a coleira, que ficava pronta para servir a outro escravo. Quem sabe, pergunta o viajante fascinado, a quantos escravos teria ela servido, sempre a mesma, enquanto houve pescoço de escravo em que servisse? O viajante tem informação de que a coleira está em Lisboa, no Museu de Arqueologia e de Etnografia. A si mesmo promete, com a solenidade adequada ao caso, que será a primeira coisa que há-de ver quando chegar a Lisboa. Cidade tão grande, tão rica, tão afamada, onde todos os Lafetás de dentro e de fora fizeram os seus muitos negócios, pode ser principiada de muitas maneiras. O viajante começará por uma coleira de escravo. ( ) Dizem que é coisa boa pp. 176, 177. Cá está a coleira. O viajante disse e cumpriu: mal entrasse em Lisboa iria ao Museu de Arqueologia e de Etnologia à procura da falada coleira usada pelo escravo dos Lafetás. Podemse ler os dizeres: Este preto he de Agostinho de Lafetá do Carvalhal de Óbidos. O viajante repete uma vez e outra para que fique gravado nas memórias esquecidas. Este objecto, se é preciso dar-lhe um preço, vale milhões e milhões de contos, tanto como os Jerónimos aqui ao lado, a Torre de Belém, o palácio do presidente, os coches por junto e atacado, provavelmente toda a cidade de Lisboa. Esta coleira, é mesmo uma coleira, repare-se bem, andou no pescoço dum homem, chupou-lhe o suor, e talvez algum sangue, de chibata que devia ir ao lombo e errou o caminho. Agradece o viajante muito do seu coração a quem recolheu e não destruiu a prova de um grande crime. Contudo, uma vez que não tem calado sugestões, por tolas que pareçam, dará agora mais uma, que seria colocar a coleira do preto de Agostinho de Lafetá numa sala em que nada mais houvesse, apenas ela, para que nenhum visitante pudesse ser distraído e dizer depois que não viu. SARAMAGO, José, Viagem a Portugal, Círculo de Leitores, Lisboa, 1981, 1ª edição. 7

Conclusão As pessoas escravizadas, hoje... Caderno de Viagens Redigir uma composição sobre as impressões causadas pela observação da Prisão para Escravos, pelo texto de Saramago ou por esta fotografia Museu de Etnologia, 7 de Dezembro de 2017 8