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A Idade Média inicia-se em 476 com aqueda do Império Romano do Ocidente, devido às invasões de povos barbaros.

Transcrição:

A Arte de construir: a Arquitetura nas Cantigas de Santa Maria do rei Afonso X. Bárbara Dantas. Vila Velha: Balsamum Editora, 2018. ISBN 978-85-54306-00-7 Matheus Corassa da SILVA 1 Imagem 1 1 Professor contratado de História da Arte no Departamento de Teoria da Arte e Música (DTAM) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: matheuscorassa@gmail.com.

As Cantigas de Santa Maria formam um conjunto de cerca de 420 composições musicais escritas em galego-português durante o século XIII e em honra à Virgem Maria. De natureza trovadoresca e paralitúrgica, distanciavam-se tanto da música sacra standard do século XIII quanto das temáticas nomeadamente profanas dos trovadores. Embora existam dúvidas se foram realmente compostas pelo rei Afonso X (1221-1284), o Sábio, fato é que constituíram um dos cancioneiros mais importantes da literatura medieval do Ocidente. Além disso, o esmero em ilustrar esses manuscritos fez deles destacáveis fontes para nos aproximarmos da cultura visual daqueles tempos. Ao iluminarem os textos, essas imagens não só os complementam, mas fazem-nos transcender simbolicamente. A pesquisadora brasileira Bárbara Dantas redescobriu as Cantigas sob uma nova perspectiva em A Arte de construir: a Arquitetura nas Cantigas de Santa Maria do rei Afonso X. Ela desenvolveu um estudo acerca dos elementos arquitetônicos presentes nas iluminuras dos códices das Cantigas de Santa María, atribuídas ao então rei de Leão e Castela. Logo de início, saltam aos olhos os números deste livro: são 432 páginas; 196 imagens de santuários, castelos, palácios, esculturas e pinturas; 48 fontes textuais; 50 imagens detalhadas de iluminuras de página inteira do códice afonsino; 120 referências de livros e artigos com temas afins à Idade Média, à Arte, à Arquitetura e à História; 20 traduções inéditas de trechos dos relatos de milagres e louvores à Virgem Maria, diretamente do galego-português medieval para o português moderno; 16 resumos de cantigas e louvores em português, além de índices arquitetônico, temático, das personagens e das localidades citadas. 2 Um intento de fôlego, não resta dúvida. Dantas é muito clara, desde o princípio, quanto ao que baseia sua pesquisa: o trabalho diligente com as fontes e a interdisciplinaridade. Munida do feeling de historiadora, ela lidou diretamente com os fac-símiles de dois códices das Cantigas (o Rico e o de Florença) abrigados na Biblioteca Central da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Teve, ainda, o cuidado de apresentar ao leitor uma fonte primária que é multifacetada ao articular a Literatura, a Música e a Arte. Um microcosmo cultural que é tão complexo e belo como o próprio mundo medieval. 2 Os dados foram fornecidos pela própria autora em seu perfil profissional do Facebook. 235

Fundamentada em dois pilares metodológicos de grosso calibre, a união texto-imagem defendida por Umberto Eco (1932- ) em suas Histórias da Beleza e da Feiúra 3 e a interpretação iconográfica de Erwin Panofsky (1892-1968), 4 a autora propõe um estudo inédito das Cantigas e de suas iluminuras: parte da análise das representações imagéticas dos elementos e formas arquitetônicas presentes e da tradução (para o português moderno) e identificação dos extratos textuais que também os mencionem. Trata-se de um trabalho de História da Arte em que as imagens são os objetos principais, mas que não perde de vista a necessidade de contextualizá-las historicamente e de promover esse entrelaçamento entre âmbitos tão próximos, e às vezes infelizmente tão distantes (ao menos no Brasil), como o são a História e a Arte. É nessa problematização História-Arte-Literatura-Música que reside a originalidade do trabalho, o que nos leva a concordar com Alexandre Emerick quando afirma, no Prefácio, que a autora não permite que o debate se fixe nos contornos do discurso religioso ou se esgote nos procedimentos historicistas, mas tem o intuito de fundar de um modo mais abrangente, como nos ensina Marie-José Mondzain acerca dos ícones da cristandade, certa verdade intrínseca à imagem. O livro está dividido em quatro partes. Na Introdução, a pesquisadora delimita sua abordagem e esboça os referenciais teórico-metodológicos e artísticos que balizam suas reflexões. Em meio a essa verdadeira vastidão de conceitos que pululam e se multiplicam na Academia dia a dia, definir é sempre necessário. Nesse esforço por definições, ela ainda demonstra um profundo domínio sobre a literatura já produzida sobre o tema, além de uma destacável capacidade de dialogar com textos das mais diversas áreas afins à sua abordagem. Inspiradora também é a narrativa, ainda na Introdução, de sua experiência com os facsímiles, o que torna o texto fluido, pessoalizado e próximo do leitor, sem que com isso o conteúdo perca profundidade. Ao tornar patente sua paixão pelas fontes que estuda, a autora se identifica com cada um de nós, enamorados que somos pela cultura do passado. 3 ECO, Umberto. História da Feiúra. Rio de Janeiro: Record, 2007; ECO, Umberto. História da Beleza. Rio de Janeiro: Record, 2013. 4 Metodologia desenvolvida em PANOFSKY, Erwin. Iconografia e iconologia: uma introdução ao estudo da arte da Renascença. In:. Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 2012, p. 47-87. 236

Em As Cantigas e seu tempo, procede-se com a crônica dos eventos relacionados ao entorno histórico-cultural das Cantigas. Na mira da autora estão os processos e acontecimentos do longo século XIII, projetados sobre um dos recantos mais peculiares da Cristandade medieval, a Península Ibérica. Mais que contextualizar o período, a narrativa se debruça também sobre os lugares, personagens e influências artísticas, filosóficas e teológicas que, no decorrer da Antiguidade e da Idade Média, tornaram-se a base para a produção do códice afonsino. Dantas apresenta as raízes romanas, bárbaras e cristãs do Ocidente e da arte medievais e demonstra de que maneira esses referenciais se sintetizaram na edificação do Românico e do Gótico (este último, aliás, âmbito par excellence do livro). Da expansão do Cristianismo na Alta Idade Média à Reconquista ibérica, sempre com um especial destaque para as transformações arquitetônicas observadas no período. Uma narrativa ao estilo de Georges Duby (1919-1996) em sua História Artística da Europa, 5 na qual a história daquela sociedade nos é contada por meio de sua cultura visual. É a compreensão, na senda do caminho pavimentado pelos Annales, de que a Cultura, não a Política (ou a Economia) é o fator preponderante do desenvolvimento histórico do medievo. A terceira parte, intitulada Arquitetura nas Cantigas de Santa Maria, constitui o cerne do livro. A partir do levantamento realizado nos textos das mais de 420 cantigas, a autora seleciona dezesseis canções em que elementos arquitetônicos são citados. Ao partir de sua proposta relacional texto-imagem, ela destaca o paralelo entre cada um dos extratos textuais que fazem referências à Arquitetura com a representação imagética da forma arquitetônica na sua iluminura correspondente. O paralelo entre a linguagem e a visualidade, contudo, não ocorre de forma continuada e homogênea. Por vezes, algumas análises dão maior ênfase ao texto; outras, às iluminuras. Fato é que, na maioria das cantigas selecionadas, os estudos se debruçam sobre as similitudes entre o que é comunicado tanto por palavras quanto pela representação de lugares, pessoas e construções. A autora apresenta, em cada análise, diversos conceitos da arquitetura medieval e suas conexões, por exemplo, com o passado greco-romano e com a arte árabe. Das formas remanescentes da Antiguidade tardia à convivência e ao cruzamento entre as estéticas românica, gótica e muçulmana; das peculiaridades formais da Arquitetura ao 5 DUBY, Georges; LACLOTTE, Michel (coord.). História Artística da Europa. A Idade Média. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002. 2 v. 237

entrelaçamento entre ela e as demais manifestações artísticas, particularmente a pintura e a escultura; dos elementos simbólicos à abordagem das técnicas e materiais, importantes detalhes contextuais que ajudam a esclarecer, entre outros aspectos, determinadas escolhas estético-formais e suas influências intelectuais. Brinda-nos, ainda, com traduções inéditas, feitas em parceria com o medievalista Ricardo da Costa, 6 das dezesseis canções galego-portuguesas analisadas no trabalho. Não poderíamos deixar de mencionar, ainda nessa parte, o empenho didático da autora em relacionar os referenciais arquitetônicos das iluminuras das Cantigas com imagens de construções medievais ainda existentes, o que torna suas análises claras e acessíveis. Destacável também é a erudição anunciada na abordagem de textos filosóficos que contribuem para a compreensão da visão de mundo do contexto de elaboração do cancioneiro. Assim, nomes como os de Gregório Magno (540-604), do abade Suger (1081-1151), de Bernardo de Claraval (1090-1153) e de Ramon Llull (1232-1316) caminham lado a lado a Afonso X. Em sua Conclusão, a autora retoma um dos objetivos iniciais de seu trabalho, o de evidenciar que os artífices do códice de Afonso X elegeram a Arquitetura como a expressão artística e religiosa do Gótico e do culto mariano. A nosso ver, ela avança um pouco mais nesta hipótese ao sugerir que as Cantigas são, na prática, uma exuberante homenagem aos anônimos artífices que trabalharam com a pedra e o cal. As iluminuras, assim, agiram como cinzéis para utilizar um termo caro à Arquitetura e à Escultura da época que deram visibilidade ao trabalho desses homens para além de seu próprio tempo. Ao fim e ao cabo, retomo o Prefácio de Alexandre Emerick para destacar que é a agudeza de espírito, tanto de Bárbara Dantas quanto de seu intento no livro, que [...] transparece nesse projeto a partir das doses adequadas de paixão e habilidade, dedicação e método. O resultado não poderia ser outro: clareza e coerência. Se o leitor procura um bom estudo sobre a Arte medieval, A Arte de construir é mais que uma leitura sugerida, é necessária. *** 6 Site: www.ricardocosta.com. 238

Bibliografia DUBY, Georges; LACLOTTE, Michel (coord.). História Artística da Europa. A Idade Média. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002. 2 v. ECO, Umberto. História da Feiúra. Rio de Janeiro: Record, 2007. ECO, Umberto. História da Beleza. Rio de Janeiro: Record, 2013. PANOFSKY, Erwin. Iconografia e iconologia: uma introdução ao estudo da arte da Renascença. In:. Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 2012, p. 47-87. 239