Vídeo questionário do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) e o diagnóstico de asma em crianças e adolescentes



Documentos relacionados
FREQÜÊNCIA DE SINTOMAS ASSOCIADOS À ASMA E DOENÇAS ALÉRGICAS EM ADULTOS JOVENS, NA CIDADE DE SANTO ANDRÉ, SP

ARTIGO ORIGINAL. Dirceu Solé 1, Gustavo F. Wandalsen 2, Inês Cristina Camelo-Nunes 3, Charles K. Naspitz 1 ; ISAAC - Grupo Brasileiro 4.

Hipersensibilidade a inalantes em adultos jovens que responderam o questionário do International Study of Asthma and Allergies in Childhood

ARTÍCULO ORIGINAL. Summary. Resumo BRASIL

Prevalência de sintomas de asma em lactentes, pré-escolares e escolares em área coberta pelo Programa Saúde da Família, Pelotas, RS, Brasil

BOLSA FAMÍLIA Relatório-SÍNTESE. 53

Pisa 2012: O que os dados dizem sobre o Brasil

9 Como o aluno (pré)adolescente vê o livro didático de inglês

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Prevalência e fatores de risco para asma em estudantes de Veterinária e Medicina

ANÁLISE DE DIFERENTES MODELOS DE ATRIBUIÇÃO DE NOTAS DA AVALIAÇÃO INTEGRADORA (AVIN) DO CURSO DE ENGENHARIA CIVIL DO UNICENP

O consumo de conteúdos noticiosos dos estudantes de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

RELATÓRIO PARA A. SOCIEDADE informações sobre recomendações de incorporação de medicamentos e outras tecnologias no SUS

Índice de Confiança do Empresário do Comércio (ICEC) NOVEMBRO/2013

CLASSIFICAÇÃO DAS CEFALEIAS (IHS 2004)

Transição para a parentalidade após um diagnóstico de anomalia congénita no bebé: Resultados do estudo

Localização dos inquéritos de rua para Arroios e Gulbenkian

MUCOSA RINOSSINUSAL. José Ângelo Rizzo IMPACTO DO MANEJO DA RINITE NA OBTENÇÃO DO CONTROLE DA ASMA

MOTIVAÇÕES PARA A INTERNACIONALlZAÇÃO

CAPÍTULO 5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Gastos com medicamentos para tratamento da Doença de Alzheimer pelo Ministério da Saúde,

Artigo Original. Avaliação de critérios para o diagnóstico de asma através de um questionário epidemiológico* Resumo. Abstract

Mudanças demográficas e saúde no Brasil Dados disponíveis em 2008

Avaliação das campanhas antitabagismo na mídia de massa

Derrotar o cancro do útero

O que mudou? Para fins de busca de caso de TB pulmonar deve ser considerado sintomático respiratório o indivíduos que apresente:

ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS. Roberto Esmeraldo R3 CCP

Saúde da mulher em idade fértil e de crianças com até 5 anos de idade dados da PNDS 2006

Modelo de Atenção às Condições Crônicas. Seminário II. Laboratório de Atenção às Condições Crônicas. O caso da depressão. Gustavo Pradi Adam

AUTISM IN PINK: Avaliação de Competências e Identificação de Necessidades

Pesquisa. Há 40 anos atrás nos encontrávamos discutindo mecanismos e. A mulher no setor privado de ensino em Caxias do Sul.

A POLUIÇÃO DO AR NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO: IMPACTOS À SAÚDE HUMANA

Asma em escolares de 13 e 14 anos do Município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brasil: estimativas de prevalência, gravidade e diferenças de gênero

Sessão De Pediatria. Discussão De Artigos

A IMPORTÂNCIA DAS DISCIPLINAS DE MATEMÁTICA E FÍSICA NO ENEM: PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO CURSO PRÉ- UNIVERSITÁRIO DA UFPB LITORAL NORTE

INFLUÊNCIA DOS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS NO RESULTADO DA TRIAGEM AUDITIVA NEONATAL

ENTENDA MELHOR! O TAC da tábua de mortalidade e o crédito gerado na conta do Plano B

CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS DOS NEONATOS PREMATUROS NASCIDOS NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DO OESTE DO PARANÁ H.U.O.P.

GUIA DE INTERPRETAÇÃO DO CELLA DA FLÓRIDA

O CONHECIMENTO DOS ENFERMEIROS DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA NA REALIZAÇÃO DO EXAME CLÍNICO DAS MAMAS

Pesquisa da Accenture avalia comportamento do paciente em relação a serviços médicos

Brasil avança em duas áreas da Matemática

PROMOVENDO A REEDUCAÇÃO ALIMENTAR EM ESCOLAS NOS MUNICÍPIOS DE UBÁ E TOCANTINS-MG RESUMO

5. A pesquisa Sujeitos

Elaboração e aplicação de questionários

A PERCEPÇÃO DE JOVENS E IDOSOS ACERCA DO CÂNCER

RELATÓRIO DE ATIVIDADE CURSO DE INICIAÇÃO POLÍTICA ETEC-CEPAM

Modos de vida no município de Paraty - Ponta Negra

ÍNDICE DE QUALIDADE DE VIDA DO TRABALHADOR DA INDÚSTRIA - SESI/SC

OBJETIVO. Palavras-chave: Saúde pública, perda auditiva e linguagem

Capítulo 7 Medidas de dispersão

AVALIAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE PELOS USUÁRIOS ANO II SÃO PAULO 2013

Líderes do Grupo de Auto-ajuda como ajudantes da comunidade: uma avaliação do impacto.

CENÁRIO BRASILEIRO DO MARKETING RELACIONADO A CAUSAS Atitudes e comportamento do consumidor

A-3 Modelos de formulários para pesquisa com os trabalhadores sobre a exposição a sangue ou outros materiais biológicos no ambiente de trabalho

Screening Rastreamento

Estudos bíblicos sobre liderança Tearfund*

Avaliação Econômica. Relação entre Desempenho Escolar e os Salários no Brasil

Pesquisa Mensal de Emprego - PME

SINCOR-SP 2016 ABRIL 2016 CARTA DE CONJUNTURA DO SETOR DE SEGUROS

Cresce o emprego formal em todos os setores de atividade

Valor verdadeiro, precisão e exatidão. O valor verdadeiro de uma grandeza física experimental às vezes pode ser considerado

INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA ESCOLA SUPERIOR DE ALTOS ESTUDOS

TEMA: Seretide, para Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC).

INCIDÊNCIA DE ALERGIA ALIMENTAR EM ESCOLA DA REDE PÚBLICA E PRIVADA DO MUNICÍPIO DE CATAGUASES/MG

Cresce o numero de desempregados sem direito ao subsidio de desemprego Pág. 1

Prevalência de asma no município de Braço do Norte Santa Catarina.

Fernanda de Castro Rosa 1, Kellen Meneghel 2, Guidja Souza da Silva 3, Rosemeri Maurici da Silva 4

Go for Bolsas de Estudos & Mobilidade Internacional. it!

SINCOR-SP 2016 FEVEREIRO 2016 CARTA DE CONJUNTURA DO SETOR DE SEGUROS

XI Encontro de Iniciação à Docência

Fase 2 (setembro 2012) Sondagem: Expectativas Econômicas do Transportador Rodoviário

Pacientes diagnosticados com hepatite C no Brasil sem receber tratamento A VOZ DO PACIENTE

24 O uso dos manuais de Matemática pelos alunos de 9.º ano

Estudo Exploratório. I. Introdução. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Pesquisa de Mercado. Paula Rebouças

0 ponto - Não há perda de memória óbvia. Esquecimentos irregulares que não interferem com as atividades diárias

Como levantar o ciclo de serviço:

Entenda agora as mudanças para as novas contratações do FIES

A Meta-Analytic Review of Psychosocial Interventions for Substance Use Disorders

Pesquisa de Condições de Vida Gráfico 24 Distribuição dos indivíduos, segundo condição de posse de plano de saúde (1) Estado de São Paulo 2006

RASTREIO EM SITUAÇÕES ESPECIAIS

Briefing. Boletim Epidemiológico 2010

CONHECIMENTO DE PROFESSORES ACERCA DO DESENVOLVIMENTO DE FALA E AÇÕES

Gerenciamento de Projeto: Criando o Termo de Abertura III. Prof. Msc Ricardo Britto DIE-UFPI rbritto@ufpi.edu.br

O retrato do comportamento sexual do brasileiro

Perfil Educacional SEADE 72

RELATIVISMO MORAL CERTO E ERRADO: QUEM DECIDE? Organizadores: Artur Bezzi Günther, Márcia Luísa Tomazzoni e Mateus Rocha da Silva.

AUTOMEDICAÇÃO EM IDOSOS NA REGIÃO SUL DO PARANÁ Gisele Weissheimer, Luciane Erzinger de Camargo

Ponto de vista. Metodologia para um índice de confiança. E expectativas das seguradoras no Brasil

INDICADORES SOCIAIS E CLÍNICOS DE IDOSOS EM TRATAMENTO HEMODIALÍTICO

Adriano Marum Rômulo. Uma Investigação sobre a Gerência de Projetos de Desenvolvimento de Software em Órgãos do Governo do Ceará com Base no MPS-BR

INFORMATICA PARA A VIGILANCIA E GESTAO DE INFORMACOES EM SAUDE: Prof. Dr. Joao Bosco Siqueira

5 Considerações finais

5 Análise dos resultados

ANÁLISE DE RELATOS DE PAIS E PROFESSORES DE ALUNOS COM DIAGNÓSTICO DE TDAH

O que pensam os professores da educação básica de Campinas sobre a aprendizagem dos alunos: evidências da Prova Brasil Por Stella Silva Telles

A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO NORDESTE DO BRASIL

Transcrição:

07/30-05/204 Rev. bras. alerg. imunopatol. Copyright 2007 by ASBAI ARTIGO ORIGINAL Vídeo questionário do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) e o diagnóstico de asma em crianças e adolescentes The International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) s vídeoquestionnaire and diagnose of asthma in children and adolescents Adriana Kirillos 1, Christina Briglia 1, Gustavo F Wandalsen 2, Dirceu Solé 3 Resumo Os vídeo-questionários (VQ) foram idealizados para sobrepor barreiras culturais e de idioma muitas vezes presentes em estudos epidemiológicos internacionais ao se empregar questionários escritos (QE). O mais conhecido deles é o AVQ3.0 do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Objetivos: Avaliar se crianças menores de 13 anos de idade são capazes de responder o AVQ3.0 comparando suas respostas às do QE padrão e às dadas por seus pais e/ou responsáveis. Métodos: Cem crianças com asma e acompanhadas em ambulatório especializado há pelo menos um ano e 50 crianças não asmáticas, divididas em dois grupos por faixa etária (sete a doze anos e 13 a 16 anos), assim como seus pais e/ou responsáveis responderam, de modo seqüencial e independente, o QE e o AVQ3.0. A concordância entre as respostas aos dois instrumentos foi avaliada pelo coeficiente de Kappa, tanto para os adultos quanto para as crianças. Resultados: Houve níveis elevados de concordância entre as respostas dos pais e seus filhos ao QE, nas duas faixas etárias. Com relação ao AVQ3.0 o nível de concordância foi menor sobretudo entre os adolescentes e seus pais. O confronto entre as respostas dadas ao QE e as correspondentes ao VQ pelas crianças mostrou níveis baixos de concordância entre os dois instrumentos para as duas faixas etárias, exceto para a questão sobre despertar noturno nas duas faixas etárias. Conclusão: Crianças menores de 13 anos conseguem responder o QE de modo apropriado e o AVQ3.0 mostrou ser instrumento capaz de identificar crianças menores de 13 anos com asma, à semelhança do que tem sido observado e, portanto pode ser identificado com ferramenta útil em estudos epidemiológicos de asma em crianças. Rev. bras. alerg. imunopatol. 2007; 30(5):204-208 asma, crianças, adolescentes, vídeo questionário, epidemiologia. Abstract Video questionnaires (VQ) were idealized to diminish cultural and linguistic barriers sometimes due to written questionnaires (WQ). AVQ3.0 from the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) is the most used. Objectives: To evaluate if children younger than 13 yearsold are able to answer the AVQ3.0 comparing their answers to ISAAC WQ and to those given by their parents and/or guardians. Methods: 100 asthmatic children followed at least for one year in a specialized ambulatory, 50 non-asthmatic children and their parents and/or guardians answered sequential and independently WQ and AVQ3.0. They were divided in two age groups: 7 to 12 years old and 13 to 16 years old. Agreement was evaluated by the Kappa s index. Results: There were high levels of agreement between parents and child s answers to WQ, in both age periods. Regarding to AVQ3.0 the level of agreement was lower, mainly for the adolescents and their parents. The comparison between answers to WQ and their corresponding in the AVQ3.0 by the children has shown low levels of agreement in both age groups, except for question: nighttime wake up in both groups. Conclusion: Children younger 13 year-old are able to answer the ISAAC WQ by themselves. AVQ3.0 is an instrument able to identify asthmatic children younger than 13 years old, as it has been used with the older one and can be pointed out as a useful tool for epidemiological studies of asthma in children. Rev. bras. alerg. imunopatol. 2007; 30(5):204-208 asthma, children, adolescents, video questionnaire, epidemiology. Introdução Os questionários escritos (QE) têm sido os instrumentos mais empregados em estudos epidemiológicos sobre asma e doenças alérgicas, sobretudo os auto-aplicáveis, como o do International Study of Asthma, Allergies in Childhood (ISAAC) para crianças e adolescentes 1,2 e o do European Community Respiratory Healthy Survey (ECRHS) em adultos 3. O número reduzido de questões, o seu baixo custo, e por serem independentes de entrevistador, fonte potencial e significativa de vieses, tem sido as principais justificativas para o seu uso mais generalizado 1,2. 1. Especialista em Alergologia e Imunopatologia pela Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia; 2. Mestre em Pediatria, Doutorando em Medicina e Responsável pelo Laboratório de Função Pulmonar em Lactentes; 3. Professor Titular e Livre-Docente. Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM) Artigo submetido em 01.08.2007, aceito em 24.10.2007. 204

Vídeo-questionário e diagnóstico de asma Rev. bras. alerg. imunopatol. Vol. 30, Nº 5, 2007 205 Entretanto, barreiras culturais e de idioma podem explicar a limitação do uso dos QEs de modo mais amplo em estudos internacionais 1. Essas dificuldades e problemas associados ao QE do ISAAC levaram ao desenvolvimento de um vídeo-questionário (VQ) com cenas com indivíduos que apresentam sinais e sintomas de asma. Deste modo, acreditava-se que a exibição de cenas poderia minimizar as dificuldades com relação à linguagem, aspectos culturais e interpretação, assim como a influência do médico entrevistador no relato dos sintomas 1,4. A versão internacional do VQ do ISAAC (AVQ3.0) vem sendo utilizada como instrumento adjuvante de estudos epidemiológicos sobre asma em diversos países, provando ser uma ferramenta importante na determinação da prevalência da asma 5-14. Após a sua validação inicial, o AVQ3.0 passou a ser empregado como parte do protocolo ISAAC a adolescentes e teve algumas de suas propriedades reavaliadas 9,15,16 e o confronto com o QE mostrou índice baixo de concordância entre os dois instrumentos no diagnóstico de asma 6-8,11-14. Apesar disso, por dificuldades técnicas, o AVQ3.0 não foi utilizado nas duas fases do projeto ISAAC realizado nos diferentes centros brasileiros delas participantes. Sendo o VQ composto por uma seqüência de cenas em que diferentes pessoas se apresentam em situações diversas com sintomas relacionados à asma, e independente de leitura específica, será que crianças menores de 13 anos idade seriam capazes de responder este questionário? Neste estudo foi nosso intento avaliar a capacidade de crianças e adolescentes em responderem os questionários padrão (vídeo e escrito) do ISAAC, comparando as suas respostas com a de seus pais. Casuística e Método Participaram deste estudo 100 crianças com asma, matriculadas e regularmente acompanhadas na Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia do Departamento de Pediatria há pelo menos um ano e 50 crianças controles, sem doenças alérgicas, atendidas nos ambulatórios de Puericultura e de Adolescência por consultas de rotina. Esses indivíduos foram divididos em duas faixas etárias: sete a doze anos (60 com asma e 37 não asmáticas) e de 13 a 16 anos (40 asmáticos e 13 não asmáticos). Todas as crianças de menor idade, apesar de não terem sido avaliadas formalmente, apresentavam nível cognitivo suficiente para lhes permitir a leitura e compreensão das questões, nenhuma delas era analfabeta funcional ou apresentava baixo intelecto ou agnosia têmporo-espacial 17. Na ocasião da avaliação, as crianças assim como seus pais responderam o questionário escrito (QE), parte referente à asma, e o vídeo-questionário (AVQ3.0) padrões do ISAAC, de modo independente e sem o conhecimento das respostas um do outro. Todas as crianças e adolescentes responderam a versão para adolescentes (13-14 anos) do QE ISAAC, validada para o português (cultura brasileira) 18. Apenas o módulo central do QE ISAAC, composto por oito questões sobre asma, foi respondido 1,2. O AVQ 3.0 é formado por cinco seqüências de vídeo, mostrando pessoas jovens com diferentes problemas respiratórios e de diferentes origens étnicas 1,5. A sua duração é de cerca de sete minutos e o termo asma não é mencionado em momento algum. As cenas representam: Cena 1 Chiado moderado no repouso (uma garota caucasiana); Cena 2 Chiado após exercício físico (um garoto maori); Cena 3 Acordar à noite com dispnéia (um jovem oriental); Cena 4 Acordar à noite com tosse (uma jovem caucasiana); Cena 5 Crise de asma com chiado e dispnéia ao repouso (uma mulher indiana). Os participantes após verem a cena são solicitados a responderem três perguntas: a) isto ocorreu com você alguma vez na vida?, b) no último ano?; e c) com que freqüência no último ano? Os dados obtidos foram transferidos a planilha Excel e foram efetuadas as comparações entre as respostas dadas pelas crianças e as dos seus pais, para os dois questionários, assim como entre as respostas dadas ao QE e o VQ pelos pais e pelas crianças, isoladamente. Foram consideradas na análise apenas as questões que tinham correspondência nos dois questionários. Os dados foram apresentados como percentual do total de respostas válidas e a comparação entre as respostas dadas aos dois questionários pelos diferentes grupos foi pelo teste de concordância de Kappa. Resultados Na tabela 1 são apresentados os índices de concordância entre pais e filhos, asmáticos e não-asmáticos, segundo as respostas ao QE ISAAC, nas duas faixas etárias. Nível maior de concordância foi observado entre as crianças maiores e seus pais, sobretudo para os quesitos em que havia envolvimento direto de ambos. Menores índices foram observados em relação à prevalência de marcadores de gravidade e sibilância relacionada aos exercícios. Com relação à questão sobre sibilos no último ano, o nível de concordância foi ao redor de 70% mas significante para as duas faixas etárias. Com relação à análise da concordância entre as respostas dadas ao AVQ3.0 houve níveis baixos sobretudo entre os adolescentes e seus pais (tabela 2). A freqüência de sibilos no último ano não foi diferente do relatado com o QE. Tabela 1 - Concordância entre as respostas dadas pelos pais e seus filhos para o questionário escrito padrão do ISAAC, distribuídos por faixa etária. Cálculo do coeficiente Kappa (K). Pergunta 7 a 12 anos (N=97) 13 a 16 anos (N=53) Concordância (%) K Concordância (%) K Sibilos alguma vez 90 0,79 98 0,95 Sibilos último ano 77 0,54 78 0,54 Mais de quatro crises nos últimos doze meses 76 0,12 78 0,07 Despertar por semana 71 0,34 64 0,22 Dificuldade de fala 79 0,22 84 0,41 Diagnóstico de asma 83 0,65 92 0,82 Sibilos aos exercícios 66 0,27 58 0,14 Tosse noturna 68 0,36 70 0,40

206 Rev. bras. alerg. imunopatol. Vol. 30, Nº 5, 2007 Vídeo-questionário e diagnóstico de asma Tabela 2 - Concordância entre as respostas afirmativas dadas pelos pais e seus filhos para o vídeo questionário do ISAAC, distribuídos por faixa etária. Cálculo do coeficiente Kappa (K). (Cena) Quesito 7 a 12 anos (N=97) 13 a 16 anos (N=53) Concordância (%) K Concordância (%) K (1) Sibilos 81 0,56 70 0,43 (1) Sibilos último ano 82 0,54 68 0,37 (2) Sibilo exercício 74 0,32 71 0,39 (3) Despertar noturno 82 0,48 69 0,38 (4) Tosse noturna 70 0,44 80 0,59 (5) Sibilo intenso 77 0,27 68 0,34 O confronto entre as respostas dadas ao QE e as correspondentes ao AVQ3.0 pelas crianças mostrou níveis baixos de concordância entre os dois instrumentos para as duas faixas etárias, exceto para a questão sobre despertar noturno nas duas faixas etárias (tabela 3). Por outro lado, níveis mais elevados de concordância foram observados entre os pais, sobretudo dos adolescentes (tabela 4). Tabela 3 - Concordância entre as respostas dadas ao questionário escrito e o vídeo questionário do ISAAC pelas crianças segundo a sua faixa etária. Cálculo do coeficiente Kappa (K). Comparação 7 a 12 anos (N=97) 13 a 16 anos (N=53) Sibilos alguma vez x Cena 1 Concordância (%) K Concordância (%) K Sibilos último ano x Cena 1B 66 0,35 58 0,28 Sibilo intenso x Cena 5 74 0,40 62 0,26 Sibilos aos exercícios x Cena 2 83 0,24 60 0,10 Tosse noturna x Cena 4 70 0,36 69 0,33 Despertar noturno x Cena 3 72 0,44 75 0,50 81 0,50 88 0,76 Tabela 4 - Concordância entre as respostas dadas ao questionário escrito e ao vídeo questionário do ISAAC pelos pais, segundo a faixa etária dos filhos. Cálculo do coeficiente Kappa (K). Comparação 7 a 12 anos (N=97) 13 a 16 anos (N=53) Sibilos alguma vez x Cena 1 Concordância (%) K Concordância (%) K Sibilos último ano x Cena 1B 70 0,45 86 0,69 Sibilo intenso x Cena 5 73 0,48 80 0,58 Sibilos aos exercícios x Cena 2 81 0,47 62 0,11 Tosse noturna x Cena 4 81 0,41 84 0,66 Despertar noturno x Cena 3 78 0,55 78 0,55 77 0,47 75 0,49 Discussão O desenvolvimento e validação de um instrumento para estudos epidemiológicos internacionais é premissa essencial para permitir o seu uso em larga escala e garantir a comparabilidade e confiabilidade dos dados obtidos em diferentes partes do mundo. Previamente à sua utilização por diferentes centros de diferentes países do mundo, o QE ISAAC foi validado e teve suas propriedades confirmadas. Independentemente disto, após a sua versão para o português, o QE ISAAC foi validado para a nossa cultura, o que permitiu a obtenção de dados que foram a seguir comparados com os obtidos pelos demais centros participantes do ISAAC fase1 18. Apesar disto, várias deficiências na identificação de possíveis asmáticos foram atribuídas ao QE, sobretudo as referentes à versão de determinados termos, muitas vezes inexistentes em alguns idiomas, e a diferenças culturais. Tais fatos estimularam o desenvolvimento do AVQ3.0. O seu uso teria como vantagem minimizar tais diferenças culturais assim como os problemas de idioma associados à interpretação e tradução de alguns termos do QE. Por exemplo, o termo wheeze não tem equivalente em alguns idiomas 1,2. No Brasil, embora o QE tivesse sido validado previamente à fase 1, o mesmo não ocorreu com o AVQ3.0. O presente estudo verificou níveis elevados de concordância entre as respostas dadas pelos pais e responsáveis e por seus filhos (crianças menores e adolescentes) ao QE ISAAC, sobretudo com relação aos quesitos: sibilos alguma vez, sibilos nos últimos doze meses, ter tido mais de quatro crises, ter tido dificuldade de fala (asma grave), e ter o diagnóstico médico de asma. Entretanto, níveis mais baixos foram observados com relação às questões que refletem sintomas diários menores (tabela 1). Estudo anterior que validou o QE ISAAC para a cultura brasileira, após a sua tradução para o português, verificou

Vídeo-questionário e diagnóstico de asma Rev. bras. alerg. imunopatol. Vol. 30, Nº 5, 2007 207 que o QE apresentava boa reprodutibilidade tanto para os pais ou responsáveis dos escolares de 6-7 anos (Kw = 1) quanto para os próprios adolescentes (13 a 14 anos; Kw = 0,89). Além disso, ao comparar-se as respostas fornecidas pelos adolescentes com as de seus pais ou responsáveis verificou-se que embora a concordância fosse boa para a maioria dos quesitos, os pais ou responsáveis subestimavam os sintomas de asma que interferiam pouco com a atividade diária dos seus filhos, como por exemplo sibilos associados a exercícios 18. Resultados semelhantes foram observados por Hedman et al ao compararem as respostas dadas simultaneamente aos QE ISAAC e ao do OLIN (Obstructive Lung Disease in Northern Sweeden Study). Os autores observaram níveis significativos de concordância entre as respostas dos pais e as dos adolescentes, nos dois instrumentos, sobretudo para sibilos nos últimos doze meses, asma alguma vez e diagnóstico médico de asma. Todavia, o relato de sibilos associados aos exercícios foi significantemente maior entre os adolescentes 19. Embora seja recomendação do ISAAC que o preenchimento do QE seja feito pelos pais das crianças com idades entre seis e sete anos, surpreendeu-nos o nível de concordância observado entre as respostas fornecidas pelas crianças com idades entre sete e doze anos e a dos seus pais ou responsáveis. Os níveis de concordância foram um pouco inferiores aos observados entre os adolescentes, mas para as perguntas chave sobre possível diagnóstico de asma elas foram muito próximas. Este fato nos faz crer que escolares maiores de sete anos de idade e com bom nível cognitivo que lhes permita ler e entender as questões e sem comprometimento do intelecto, são capazes de responderem o QE de modo apropriado. Por outro lado, ao avaliarmos a concordância entre as respostas dadas ao AVQ3.0, por ambos pais e filhos em separado, verificamos redução nos níveis de concordância que foram mais importantes entre as crianças de sete a doze anos de idade, sobretudo com relação às questões que apontam gravidade. Uma questão a ser considerada é se a ilustração dos sintomas, ao invés de sua descrição pode criar algum viés. Os sintomas demonstrados nas cenas podem ser interpretados como episódios mais graves do que os vivenciados, restringindo as respostas positivas àqueles que experimentaram crises de chiado igual às ilustradas no vídeo. Por esse motivo, o potencial do AVQ3.0 em avaliar a prevalência geral de chiado vem sendo questionado 7-14. Alguns trabalhos sugerem que este seja mais confiável que o QE na identificação de crianças com hiper-responsividade das vias aéreas e asma mais grave, podendo provavelmente subestimar os casos moderados e leves da doença 6,15,16. Os níveis de concordância entre as respostas dadas aos dois questionários pelas crianças das duas faixas etárias, assim como pelas dos seus pais foram pouco superiores para alguns quesitos entre os pais. Surpreendeu-nos a verificação de que o nível de concordância entre o QE e o AVQ3.0 foi mais elevado entre as crianças menores. De maneira geral, esperava-se menores índices de coerência entre as questões relativas à freqüência dos sintomas no último ano, uma vez que estas crianças supostamente poderiam apresentar pior percepção e noção de tempo. Por outro lado os adolescentes, por particularidades da faixa etária em geral têm maior propensão a negarem a doença. Outro ponto que merece consideração é quem responde o questionário: pai, mãe, outro familiar ou a criança; o sexo da criança; o nível social e educacional dos responsáveis e, sobretudo a presença ou não de história familiar de asma, que são apontados como fatores de confundimento muito importantes. Em geral as mães lembram mais dos sintomas do que os pais. Neste estudo a maioria dos questionários foi respondida pelas mães dos pacientes. Em conclusão, neste estudo verificamos que crianças com idades entre sete e doze anos de vida são capazes de responder de modo apropriado o QE e o AVQ3.0, tendo-se como parâmetro de confronto as respostas de seus pais. À semelhança do observado por outros autores o AVQ3.0 mostrou ter menor sensibilidade em diagnosticar asma quando comparado ao QE. Os dois questionários são ferramentas úteis na realização de estudos epidemiológicos em asma. Referências 1. Asher MI, Keil U, Anderson HR, Beasley R, Crane J, Martinez F, et al. International study of asthma and allergies in childhood (ISAAC): rationale and methods. Eur Respir J 1995, 8: 483-91. 2. Ellwood P, Asher MI, Beasley R, Clayton TO, Stewartt AW; ISAAC Steering Committee - The international study of asthma and allergies in childhood (ISAAC): phase three rationale and methods. Int J Tuberc Lung Dis 2005; 9: 10-6. 3. Burney PG, Luczynska C, Chinn S, Jarvis D. The European Community Respiratory Health Survey. Eur Respir J 1994; 7: 954-60. 4. Shaw RA, Crane J, O'Donnell TV, Lewis ME, Stewart B, Beasley R. The use of a videotaped questionnaire for studying asthma prevalence. A pilot study among New Zealand adolescents. Med J Aust 1992; 157:311-4. 5. Beasley R, Lai CK, Crane J, Pearce N. The video questionnaire: one approach to the identification of the asthmatic phenotype. Clin Exp Allergy 1998; 28:8-12. 6. Lai CK, Chan JK, Chan A, Wong G, Ho A, Choy D, et al. Comparison of the ISAAC video questionnaire (AVQ3.0) with the ISAAC written questionnaire for estimating asthma associated with bronchial hyperreactivity. Clin Exp Allergy 1997; 27:540-5. 7. Pekkanen J, Remes ST, Husman T, Lindberg M, Kajosaari M, Koivikko A, et al. Prevalence of asthma symptoms in video and written questionnaires among children in four regions of Finland. Eur Respir J 1997;10:1787-94 8. Pizzichini MM, Rennie D, Senthilselvan A, Taylor B, Habbick BF, Sears MR. Limited agreement between written and video asthma symptom questionnaires. Pediatr Pulmonol 2000;30:307-12. 9. Gibson PG, Henry R, Shah S, Toneguzzi R, Francis JL, Norzila MZ, et al. Validation of the ISAAC video questionnaire (AVQ3.0) in adolescents from a mixed ethnic background. Clin Exp Allergy 2000;30:1181-7. 10. Crane J, Mallol J, Beasley R, Stewart A, Asher MI; International Study of Asthma and Allergies in Childhood Phase I study group. Agreement between written and video questions for comparing asthma symptoms in ISAAC. Eur Respir J 2003; 21: 455-61. 11. Monteil MA, Joseph G, Changkit C, Wheeler G, Antoine RM. Comparison of prevalence and severity of asthma among adolescents in the Caribbean islands of Trinidad and Tobago: results of a nationwide cross-sectional survey. BMC Public Health 2005;5:96 12. Mavale-Manuel S, Joaquim O, Nunes E, Pedro A, Bandeira S, Eduardo E, et al. Prevalence of asthma-like symptoms by ISAAC video questionnaire in Mozambican schoolchildren. Monaldi Arch Chest Dis 2006;65:189-95. 13. Gharagozlou M, Khalili S, Hallajmofrad M, Mohammadzadeh R, Mousavi G, Golkari H. Gender similarity in low agreement between written and video ISAAC asthma questionnaires. Monaldi Arch Chest Dis 2006;65:184-8 14. Droma Y, Kunii O, Yangzom Y, Shan M, Pingzo L, Song P. Prevalence and severity of asthma and allergies in schoolchildren in Lhasa, Tibet. Clin Exp Allergy 2007;37:1326-33. 15. Fuso L, de Rosa M, Corbo GM, Valente S, Forastiere F, Agabiti N, Pistelli R. Repeatability of the ISAAC video questionnaire and its accuracy against a clinical diagnosis of asthma. Respir Med 2000;94:397-403. 16. Hong SJ, Kim SW, Oh JW, Rah YH, Ahn YM, Kim KE et al - The validity of the ISAAC written questionnaire and the ISAAC video questionnaire (AVQ 3.0) for predicting asthma associated with bronchial hyperreactivity in a group of 13-14 year old Korean schoolchildren. J Korean Med Sci 2003;18:48-52.

208 Rev. bras. alerg. imunopatol. Vol. 30, Nº 5, 2007 Vídeo-questionário e diagnóstico de asma 17. La Scala CS, Naspitz CK, Solé D. Adaptation and validation of the Pediatric Asthma Quality of Life Questionnaire (PAQLQ) in Brazilian asthmatic children and adolescents. J Pediatr (Rio J) 2005; 81:54-60. 18. Solé D, Vanna AT, Yamada E, Rizzo MC, Naspitz CK. International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) written questionnaire: validation of the asthma component among Brazilian children. J Invest Allergol Clin Immunol 1998; 8:376-82. 19. Hedman L, Lindegren B, Perzanowski M, Ronmark E. Agreement between parental and self-completed questionaires about asthma in teenagers. Pediatr Allergy Clin Immunol 2005;16: 176-81. Correspondência: Dirceu Solé Rua dos Otonis 725 04025-002, Vila Mariana, São Paulo,SP Tel/fax: 11 5579 1590 e-mail: dirceusole.dped@epm.br