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Transcrição:

Apresentação

Omowê em língua iorubá significa o filho sábio, aquele que possui vasta cultura um erudito. Pai Pérsio que também era um verdadeiro omowê, condecorou o Babalorixá Rodney de Oxóssi com esse título em nosso Axé o Ilé Alákétu Axé Airá, atestando a sapiência desse Sacerdote. Antes de tornar-se um acadêmico, Pai Rodney tornou-se um omô-orixá (um filho de Orixá) e mesmo antes disso, na mais tenra idade, vivenciou, no bairro da Casa Verde, as experiências com as religiões de matriz africana. Dessa forma, além do amparo sacerdotal e acadêmico para escrever A Benção Aos Mais Velhos, Pai Rodney teve a oportunidade de vivenciar em meio aos Terreiros de Umbanda, Candomblé e nas rodas de Samba daquele reduto de resistência da cultura negra da zona norte de São Paulo, a importância dos mais velhos, do chamado povo antigo. A escolha da figura de Pai Pérsio e do Ilé Alákétu Axé Airá para referência dessa obra foi uma flechada certeira desse filho de Oxóssi, sendo que muito embora Pai Pérsio não fosse um ancião (cronologicamente falando), acumulou conhecimento religioso de tal forma que todos o reconheciam assim. Com efeito, assevero que Pai Pérsio foi um dos homens que mais valorizava os mais velhos e que mais os queria à sua volta. Trouxe para o seu convívio o povo antigo, pessoas como Mãe Bida de Iemanjá, Mãe Rosinha de Xangô, Tia Leonor de Oxumarê, Tia Roxa de Oxum, dentre muitas, e esse contato estreito também tornou Pai Pérsio um ancião. Por vezes o observei reprimir aos menos avisados que se comunicavam de forma inadequada com as mães do Axé: Se você não

quer chamar de Mãe chama de Ìyá, se não quer chamar de Ìyá chama de Tia, se não quer chamar de Tia chama de Senhora, mas de você? De você não! Respeita a idade dela! Advertia energicamente. Essa admiração aos mais velhos transcendia ao Candomblé, adorava escutar os relatos históricos do Tio Zé Pinha, um preto velho centenário que sempre rezava as ladainhas nas festas de Tia Maria e para o qual exigia todo o respeito. Em verdade, Pai Pérsio era um ancião precoce. Pai Rodney observa que os mais velhos são os grandes responsáveis pela transmissão de conhecimento e destaca ainda que os velhos ensinam e os novos aprendem. E assim era o velho Pai Pérsio, detentor de conhecimento ímpar, não se furtava em ensinar as pessoas que passavam pela sua sala, onde, em meio às porcelanas antigas com as quais fazia questão que seus convidados fossem servidos, ensinava desde os cânticos sagrados aos detalhes mais minuciosos do complexo processo de iniciação. Mãe Bida, uma das decanas da roça do Portão da Muritiba, certa feita me disse: meu filho, você é feliz, pois tem os seus mais velhos para pedir a bênção, eu não os tenho, mas tenho Pérsio para conversar sobre Candomblé. A fala de Mãe Bida deixa evidente o pesar em ela não ter os seus mais velhos para lhe abençoar, todavia lhe confortava ter Pérsio para conversar sim, ele era um antigo reconhecido pelos seus pares e superiores. Apesar disso, para o Candomblé, o grau de senioridade ocorre formalmente quando um omô-orixá completa cinquenta

anos de iniciação e, nesse aspecto, a flecha de Oxóssi novamente foi assertiva, pois nesse ano todos nós, filhos, amigos e admiradores de Pai Pérsio comemoramos o cinquentenário da sua iniciação o cinquentenário de Aírá Seiyi Pai Pérsio tornar-se-ia caso estivesse caminhando no aiyê, um Àgbàlágbà, deixaria o posto de ancião de fato para ser um ancião de direito o que sempre foi para tantos que sempre lhe recorreram à busca de uma palavra. Assim sendo, Pai Rodney nos presenteia com esse magnífico livro, fazendo-nos refletir sobre a senioridade nos terreiros de Candomblé e como essa senioridade pode ser estabelecida e reconhecida, seja pelo tempo cronológico, seja pelo tempo vivido como foi o caso de Pai Pérsio, que antes de tornar-se oficialmente um ancião, já era assim reconhecido, por tudo o que havia visto, escutado e vivenciado Carlos Vinícius Santana Opotun Lolaleati Olu Ode Nilé Alákétu Asè Ibùalámo Agbanipero Nilé Alákétu Asè Airá

Prefácio

Em uma manhã de 2012, Rodney William Eugênio defendia seu mestrado sobre velhice nos terreiros de Candomblé pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da PUC-SP. Foi visto e ouvido não só pelos professores, pesquisadores, alunos colegas e amigos de curso, frequentadores habituais da academia mas também por amigos, companheiros, membros representantes dos vários terreiros de Candomblé. A sala estava repleta de ouvintes atentos para as explicações e argumentos apresentados e defendidos pelo autor sobre o significado de ser velho no Candomblé. Certamente, muitos artigos e livros sobre essa religião têm sido publicados a partir de uma produção qualificada de pesquisas que foram e ainda são desenvolvidas na academia. Isso evidencia a importância do tema na cultura brasileira. Atualmente, há também, no que se refere às diversas questões relativas ao processo de envelhecimento e sobre a velhice propriamente dita, uma grande produção de pesquisas na área de Gerontologia, que desenvolve investigações tanto de ordem quantitativa quanto qualitativa, mas olhando a velhice com base em uma perspectiva interdisciplinar. A interdisciplinaridade, presente nas análises teóricas e metodológicas da Gerontologia, explica-se pelo fato de a velhice ser uma questão complexa, e isso quer dizer que não se apresenta somente como uma questão biológica, mas também como uma ques-

tão cultural. Neste livro, o autor realiza sua análise interpretativa sobre velhice a partir da interdisciplinaridade e, mais do que isso, reforça o conceito de complexidade. O livro chama atenção para a experiência da velhice em um contexto sociocultural específico, que implica sua vivência no Candomblé. Dessa forma, o autor estabelece teoricamente e de forma clara uma articulação cuidadosa entre velhice e religião, explicando como se dá a relação entre o ser velho no contexto particular dos terreiros. É de se notar que Rodney William Eugênio, ao desenvolver uma análise interpretativa sobre Candomblé e sobre o pertencimento dos velhos a essa religião, focando especificamente em como os velhos compreendem sua velhice nesse contexto religiosocultural, remete à descoberta de significados, atribuição especial que deve ser enfrentada pelo pesquisador. Essa perspectiva está presente nas pesquisas qualitativas desenvolvidas pela Gerontologia, que empresta do atual fazer antropológico do culturalismo crítico uma metodologia especial, fundada em entrevistas, cujos discursos são analisados e revelam a lógica que explicita o trânsito simbólico presente nos pensamentos e sentimentos do entrevistado. Descobrir significados implica o estabelecimento de um contato mais próximo entre pesquisador e pesquisado e na possibili-

dade de um diálogo entre eles. Essa perspectiva sugere um conjunto de críticas o fazer antropológico tradicional, que, ao analisar o outro, entendia esse encontro de forma rígida e essa rigidez, em muitos casos, tornava a análise artificial, isto é, o pesquisado estava, em geral, muito distante. Logo, a rigidez e a distância levavam-no a enfocar o outro como algo primitivo, exótico e curioso. A descoberta do trânsito simbólico, no que se refere à velhice no Candomblé, vai na contramão do senso comum, no qual o velho é sempre o outro, no qual os demais não se reconhecem e as perdas, tidas como naturais na velhice, não são destacadas. No Candomblé, a velhice é sempre um ideal a ser atingido. Até mesmo determinados elementos, como improdutividade, declínio físico e morte iminente, que constituem o modelo (negativo) de velhice socialmente sugerido, nos terreiros passam a ser valorizados à medida que aproximam os 'mais velhos' da ancestralidade princípio sagrado e fonte de poder nessa religião. Por fim, quero convidá-los a ler este livro, no qual há muito mais a descobrir além do que pude mostrar neste prefácio Elisabeth Frolich Mercadante Profa. Dra. do Departamento de Antropologia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

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