APLICAÇÃO DA MICROMORFOLOGIA DE SOLOS A ANÁLISE DE SEDIMENTOS RECENTES Glaucia Maria dos Santos Silva Ferreira 1 ; Marcelo Accioly Teixeira de Oliveira 2 ; William de Oliveira Sant Ana 3 Depto. Geociências, LAGES, UFSC (glaucia2506@yahoo.com.br) Abstract. Several landforms make up the main components of natural landscapes, which may be analyzed at different scales. Detailed structures, which require the use of optic instruments, are known as microstructures. Valley heads are morphologic units where the modification of hillslopes by erosive and depositional processes may be studied, enabling the study of landform evolution, erosive and sedimentary processes and, also, the study of sedimentary microstructures. This paper deals with the application of micromorphology to the characterization of micro sedimentary structures created in valley heads by present-day processes. Deposits and structures are presented following their approximate age, from the older to the more recent, as follows: first, structures from a historic gully floor (50 to 200 years old) in Lapa, Paraná State and, second, structures from an alluvial fan developed in a historic gully mouth (about 27 years old) in Palmeira, Paraná State. We stress the potential application of this analysis to paleohydrologic interpretations. Palavras-chave: Estruturas Sedimentares; Cabeceiras de vale; Micromorfologia de Solos. 1. Introdução Modificações das formas do relevo foram geradas no passado e continuam a ocorrer no presente, devido a desequilíbrios de cunho ambiental. Tais desequilíbrios podem ficar registrados em determinados locais, sob forma de estruturas e depósitos sedimentares. A dinâmica da paisagem em áreas continentais tropicais é influenciada por processos erosivos e deposicionais recorrentes, que são importantes fatores de degradação ambiental e também de constituição de evidências sedimentológicas. O reconhecimento desses processos de erosão e sedimentação constituiria, em áreas tropicais, importante indicador paleoidrológico a ser explorado (Oliveira, 1999). A constatação destes processos de erosão e de sedimentação ao longo do tempo tem sido observada em cabeceiras de vale, formas de relevo características de bacias hidrográficas (Oliveira, 1999). A partir dessa perspectiva, as cabeceiras de vale têm sido consideradas unidades do relevo que favorecem muitos processos erosivos e deposicionais que, por sua vez, propiciam a formação de estruturas sedimentares, objeto de interesse deste estudo. Neste trabalho distinguiram-se processos deposicionais e pós-deposicionais registrados em estruturas de sedimentos seculares e decenais, caracterizando-os e possibilitando a definição de chaves interpretativas para o estudo de depósitos quaternários em cabeceiras de vale. Para tal, foram selecionadas duas áreas, representando diferentes situações em cabeceiras de vale afetadas por processos erosivos, onde foram constituídas estruturas sedimentares.
2. Métodos e Técnicas Os procedimentos laboratoriais implicaram em: a) preparação de lâminas delgadas; b) cadastro de lâminas delgadas de solos, paleossolos e estruturas sedimentares de detalhe; e c) análise microscópica. Esta análise se fundamenta na classificação de Bullock et al. (1985), e Castro (1999). A análise microscópica se baseou em três etapas fundamentais: Análise detalhada das lâminas: Reconhecimento da lâmina, divisão da lâmina em unidades com características diferentes, conforme a deposição ocorrida, e descrição detalhada da lâmina. Descrição genérica das Lâminas: São descritas as características mais relevantes da lâmina. Esta descrição visa apresentar quadro geral da distribuição das principais feições encontradas no conjunto da lâmina. Interpretação: Geradas as tabelas com as principais características observadas, inicia-se a interpretação da lâmina e formulação de hipóteses genéticas. 3. Resultados Os depósitos estudados são apresentados cronologicamente, segundo a sua idade estimada, do mais antigo ao mais recente. 3.1 Depósito de canal de voçoroca secular no município de Lapa (PR) De idade desconhecida, pois a feição deposicional está presente nas fotografias aéreas mais antigas da área de estudo, podendo tanto datar de 50 anos, quanto de 200 anos, ou mais. Trata-se de canal erosivo entulhado por sedimentos que foram depositados nas proximidades do entroncamento entre a voçoroca e o canal fluvial. O depósito possui características de hidromorfia e presença de matéria orgânica, com preservação de zonas de saturação de água. Em corte de barranco, onde o depósito aflora, pode-se observar laminação, indicando acamadamento plano-paralelo. A partir de amostragem realizada neste depósito, a amostra passou por processo de preparação para que fatias fossem originadas. Dentre as fatias adquiridas, a CCV 4 foi escolhida por apresentar estruturas de interesse: lentes com granulometria variada, estruturas paralelas, cruzadas e cascalhos orientados, seguindo a direção do fluxo. Seguindo a ordem estratigráfica, ou de deposição, realizamos a descrição da base da lâmina CCV 4-2 para o topo. A Figura 1 mostra a lâmina delgada CCV 4-2 e as fotos das principais feições micromorfológicas analisadas. Podemos observar que foram individualizadas na lâmina 2 unidades principais (limites em azul). Quatro fotomicrografias ilustram detalhes destes níveis. Os retângulos desenhados sobre a lâmina destacam a localização das fotomicrografias, assim como a devida escala e ampliação. Em geral, a lâmina delgada CCV 4-2 apresenta duas unidades bem distintas. A parte inferior caracterizada por grânulos (alterorelíquias), possui poros de conformação irregular e morfologia intergranular. A parte superior caracterizada por estrutura maciça (com exceção da zona da cunha, em amarelo), apresenta poros com morfologia muito variada (fissural, de câmara, de canal e intergranular). O plasma por toda a lâmina se mostra composto por óxidos, hidróxidos de ferro e matéria orgânica. A estrutura plásmica é assépica (silassépica). Apresenta cutãs típicos de poros (canais e fissuras) e de grãos,
composto por ferrans. As glébulas apresentam morfologia interna indiferenciada e externa agregada, grau de pureza moderadamente impregnada, e limite externo nítido. 3.1.1 Análise Geral das Feições Observadas na Fatia CCV 4 Segundo a ordem deposicional observada na fatia CCV - 4 encontram-se as seguintes microestruturas sedimentares: lentes subparalelas com laminação fina e textura variável; laminação cruzada, formada por lâminas de areia muito fina sobre grânulos de argilito; Observa-se nesta fatia que o material possui sedimentos transformados por processos pedogenéticos. De fato, a presença significante de feições pedológicas como a formação de agregados da matriz, a abundância de cutãs de tipos variados, e a organização dos argilominerais dentro dos agregados da matriz, constitui forte indicador de transformação pósdeposicional. 3.2 Leque aluvial em desembocadura de voçoroca Decenal em Palmeira (PR) Possui idade melhor determinada, pois, em fotografias aéreas de 1976, o leque aluvial não estava presente, sendo a idade do depósito, portanto, no mínimo inferior a 27 anos. Trata-se de pequeno leque aluvial em desembocadura de voçoroca decenal, desconectada da rede hidrográfica, localizada no município de Palmeira (PR). Nesta área foi aberta trincheira para análise do perfil do solo, 3 seqüências foram observadas neste perfil. A base corresponde à camada com estruturas subparalelas deformadas. Acima ocorre uma camada característica de estruturas cruzadas acanaladas, constituída de areias. No topo, encontra-se camada subparalela ondulada. A fatia apresenta estrutura de canal com acreção lateral, que sofreu deformação. Nela foram observadas algumas estruturas de interesse: estrutura maciça, estrutura de escape, estruturas de deformação plástica e estruturas paralelas inclinadas. A Figura 2 mostra a lâmina delgada QQ3-3 com várias demarcações (em azul), individualizando as diferentes unidades sedimentológicas e fotomicrografias com feições de detalhe. Em geral a lâmina delgada QQ 3-3 apresenta laminação inclinada nas unidades 2 a 11. Observa-se intercalação entre lâminas (espessas: 1-0,3cm), ora com material fino (plasma e silte) e granulometria fina (areia), ora sem material fino (plasma e silte) e granulometria grossa (areia variada). As unidades que apresentam matriz possuem plasma composto por óxidos, hidróxidos de ferro e matéria orgânica. Predominam poros de conformação irregular e morfologia intergranular. Em toda extensão da lâmina delgada encontram-se cutãs. Nas unidades com distribuição relativa mônica ou enáulica encontram-se cutãs de grãos livres. Nas demais unidades (com distribuição porfírica e quitônica) encontram-se também cutãs de grãos englobados e de poros, todos típicos e constituídos de ferrãns. A estrutura plásmica é assépica (silassépica). 3.2.1 Análise Geral das Feições Observadas na Fatia QQ 3-3 Foram observadas as seguintes estruturas: estrutura de escape (unidade 1); estruturas paralelas inclinadas e com deformação plástica (unidades 2 a 10); estrutura maciça (unidade 13). As estruturas analisadas nesta lâmina delgada podem ser explicadas da seguinte
forma: após a deposição das camadas paralelas, o material sobrejacente de preenchimento (provavelmente mais denso) causa sobrecarga e ruptura entre as camadas paralelas de acreção lateral (lado esquerdo da lâmina), misturando o material de unidades distintas. 4. Discussão A fatia CCV-4 apresenta feições pedológicas significativas como: a formação de agregados da matriz, a abundância de cutãs de tipos variados, e a organização dos argilominerais dentro dos agregados da matriz, constituindo forte indicador de transformação pós-deposicional. A lâmina delgada analisada possui estrutura plásmica do tipo assépica, característica de plasma de origem orgânico. Esta característica nos leva a formular a hipótese de que o depósito sedimentar teria acumulado, junto com minerais, quantidade importante de material vegetal e matéria orgânica coloidal. Estimativas preliminares tendem a relacionar a origem do processo erosivo ao início da ocupação na área. A ocorrência de matéria orgânica vegetal carbonizada pode estar indicando queimadas antrópicas. O grau de desenvolvimento pedológico destes materiais, testemunha sua relativa antiguidade (Oliveira et. al, 2001). A Lâmina QQ 3-3 demonstrou feições deposicionais com laminação inclinada paralela. Esta laminação ilustra eventos deposicionais, provavelmente associados a vários fluxos de chuva (Oliveira, et. al, 2001). A passagem entre U8 e U12 parece estar relacionada com preenchimento de canal. A unidade 12 com grãos maiores, deve ter ocasionado o preenchimento do canal por material que se depositou sobre o leito saturado em água, deformando as lâminas (U2 a U8) e criando estrutura de escape. Como esta amostra foi coletada em pequeno leque aluvial na desembocadura de voçoroca, esta estrutura documenta a formação (por acreção lateral) de lâminas subparalelas. A estrutura é cruzada acanalada. O preenchimento do canal por material de maior densidade causou a deformação da estrutura original. 5. Conclusões A análise da lâmina delgada (CCV 4-2) provenientes da voçoroca no Córrego da Colher (Lapa, PR), apresentou resultados satisfatórios. As características das estruturas sedimentares são vistas a olho nu, no entanto, a vasta quantidade de feições pedológicas bem desenvolvidas, confirmou a sua relativa antiguidade. O resultado da lâmina delgada (QQ 3-3) provenientes da voçoroca da localidade do Quero-Quero (Palmeira, PR), foi igualmente satisfatório. Embora apresentem feições pedológicas, ao contrário da amostra anterior, o material analisado apresentou estruturas sedimentares que demonstram seqüência de eventos associados a processos deposicionais. Após a análise das amostras apresentadas, podemos concluir que a Micromorfologia de Solos pode ser aplicada à caracterização de estruturas sedimentares em ambiente de encosta. De fato, a Micromorfologia de Solos propiciou a individualização de unidades sedimentares, contribuiu para explicar a gênese das estruturas observadas, e favoreceu a formulação de hipóteses passíveis de serem aplicadas à interpretação paleoidrológica. 6. Agradecimentos Ao CNPq, pela bolsa de apoio técnico na modalidade de auxílio integrado à pesquisa.
7. Referências BULLOCK P, FEDOROFF N, JONGERIUS A, STOOPS G e TURSINA T, 1985. Handbook of soil thin section description. Waine Reserch, Albrington, United Kindon, 152p. CASTRO SS, 1985 Impregnação de amostras de solo para confecção de lâminas delgadas. Boletim informativo da Sociedade Brasileira de Ciências do Solo, Campinas, 87 p. OLIVEIRA MAT, 1999 - Processos erosivos e preservação de áreas de risco de erosão por voçorocas. In: Guerra A J T, Silva A S, Botelho R G M Erosão e Conservação dos Solos: Conceitos Temas e Aplicações. Ed. Bertrand Brasil 57-95. OLIVEIRA MAT, PAISANI JC, CAMARGO G e CAMARGO FM 2001 Análise macro e microscópica de estruturas sedimentares atuais e pretéritas: base para interpretação paleohidrológica de depósitos de baixa encosta. VII Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário ABEQUA, Imbé (RS), 2001, Boletim de Resumos: Mudanças Globais do Quaternário, pp. 273-275. Figura 1: Lâmina CCV 4-2 e feições analisadas
Figura 2: Lâmina QQ 3-3 e principais feições analisadas