FATORES ENVOLVIDOS NA DECISÃO E NO PROCESSO DO ALEITAMENTO MATERNO: UM ESTUDO DE CASO 1



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Transcrição:

FATORES ENVOLVIDOS NA DECISÃO E NO PROCESSO DO ALEITAMENTO MATERNO: UM ESTUDO DE CASO 1 BALBINOT, Edemar Luiz. 2 ; ABAID, Josiane Lieberknecht Wathier. 3 1 Trabalho realizado a partir da disciplina de Psicologia Aplicada à Saúde I, do Curso de Nutrição - UNIFRA 2 Curso de Nutrição do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil 3 Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: edemarlb@terra.com.br; josianelieb@unifra.br. RESUMO O presente trabalho objetivou explorar os aspectos envolvidos na decisão e no processo do aleitamento materno enfrentados por uma nutriz. Para isso realizou-se um estudo de caso com abordagem qualitativa. Utilizou-se uma entrevista semi-estruturada com a nutriz, desenvolvida em um trabalho realizado na disciplina de Psicologia Aplicada à Saúde I, do curso de Nutrição. Os principais resultados indicaram que houve dificuldades iniciais em executar a amamentação por parte da mãe, mas houve persistência e o bebê mamou por período superior a um ano. Esses resultados reforçam as evidências da literatura sobre os aspectos múltiplos que envolvem a decisão de amamentar: fatores fisiológicos, psicológicos, emocionais, físicos e socioculturais que, de forma integrada envolvem benefícios, vantagens, dúvidas e dificudades. Destaca-se a importância da amamentação por todas as vantgens e benefícios que ela proporciona ao recém-nascido, embora reconheça-se que o processo de adaptação possa ser difícil. Palavras-chave: Aleitamento materno; Alimentação; Benefícios; Lactente; Nutriz. 1. INTRODUÇÃO Está amplamente aceito e referendado pela literatura a importância da amamentação do recém-nascido, pelo maior prazo possível. Entre os aspectos positivos geralmente destacados aparecem a completabilidade do leite materno como alimento e os inúmeros benefícios que a alimentação ao seio transfere ao nenê (DOUGLAS, 2006; FREIBERG; FERREIRA, 2008; MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2005; SILVA; MURA, 2007; VITOLO, 2008). A amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida constitui prática indispensável para a saúde e o desenvolvimento da criança, de acordo com Parizoto et al. (2009), e é prática indicada pela Organização Muncial da Saúde (WHO, 2002). Nesse período, conforme os autores, a administração de outros alimentos além do leite materno interfere negativamente na absorção de nutrientes e em sua biodisponibilidade, além de aumentar o risco de infecções, podendo também diminuir a quantidade de leite materno ingerido e levar a menor ganho ponderal. Para Freiberg e Ferreira (2008), o aleitamento materno, ou seja, o leite de peito é o alimento natural, completo e ideal para o bebê, pois cada mãe produz o leite especial para o 1

filho que gerou. As mães dos recém-nascidos produzem o leite com todos os elementos necessários para este momento tão delicado. Esse posicionamento também é defendido por Pamplona (2005), ao declarar que, do ponto de vista biológico, a superioridade do leite materno sobre o leite de outra mulher ou sobre o leite de animais, natural ou em fórmulas modificadas, já está amplamente documentada na literatura sobre o assunto. O leite materno é inquestionavelmente o alimento de escolha para o lactente, tendo em vista que a sua composição é elaborada para fornecer energia e os nutrientes necessários nas quantidades apropriadas. Contém fatores imunológicos específicos e não específicos que sustentam e fortalecem o sistema imunológico imaturo do recém-nascido e, dessa forma, protegem o organismo, prevenindo-o contra inúmeros problemas de saúde, tais como alergias alimentares, desnutrição, obesidade, anemias, deficiências nutricionais, constipação e infecções (MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2005; SILVA; MURA, 2007; VITOLO, 2008). A esse respeito, Douglas (2006), esclarece que o leite leva ao crescimento da flora simbiótica, no trato digestivo, em particular no intestino e transmite imunidade passiva, tornando o bebê apto a sobreviver em um dos períodos mais críticos da vida. Esse período dos primeiros seis meses de vida é caracterizado por rápido crescimento e desenvolvimento de vários órgãos, como por exemplo, fígado, glândulas endócrinas, rim, que não estão totalmente formados ao nascimento e exercem influência decisiva no metabolismo e no próprio desenvolvimento (DOUGLAS, 2006). Em estudo realizado por Simon, Souza e Souza (2009), os autores enfatizam que, além de todos os benefícios já bastante estudados e conhecidos do aleitamento materno, agrega-se mais um que é a proteção contra o sobrepeso e a obesidade durante toda a infância. Freiberg e Ferreira (2008) acrescentam ainda que a amamentação é a forma mais natural de alimentar o bebê, pois ela apresenta inúmeras vantagens dentre as quais podem ser destacadas: a) o aleitamento natural é mais prático e mais econômico, além de ser superior a qualquer outro tipo de aleitamento; b) não precisa ser preparado, esquentar ou esterilizar: sai da mãe para a criança sem nenhum contato manual, portanto, é mais higiênico e sem risco de contaminação; c) não provoca desnutrição, nem obesidade, pois o leite apresenta nutrientes específicos, em proporções adequadas, atendendo às necessidades da criança; d) a quantidade de leite ingerida varia de criança para criança e sempre corresponde às necessidades próprias de cada bebê; e) fortalece a muscultura da face promovendo um bom desenvolvimento mandibular e dos dentes, prevenindo problemas na fala e na erupção dos dentes; f) é de fácil digestão e absorção e menos alergênico do que qualquer outro alimento infantil; g) a relação estabelecida entre mãe e filho, tão 2

importante quanto o valor nutritivo do leite, transmite à criança todo o carinho, tranqüilidade e segurança de que ela necessita. Recente levantamento do Ministério da Saúde - feito em todas as capitais, Distrito Federal e em outros 239 municípios, que somou informações de 34.366 crianças mostrou que o tempo médio do período de aleitamento materno no país aumentou um mês e meio: passou de 296 dias, em 1999, para 342 dias, em 2008 (BRASIL, 2009), o que pode indicar, conforme apontam Biesalski e Grimm (2007), que hoje é praticamente consensual a noção de que o leite materno é o melhor alimento inicial para o recém-nascido. Embora seja de conhecimento amplo da população, apenas cerca de 29% das crianças são amamentadas no peito durante os primeiros seis meses de vida, ainda que apenas cerca de 5% das mães apresentem condições clínicas determinantes de impedimento para o aleitamento materno (BIESALSKI; GRIMM, 2007). A UNICEF estima que o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida pode evitar, anualmente, 1,3 milhão de mortes de crianças menores de 5 anos. Esse órgão orienta que os bebês até os seis meses não precisam de chás, sucos, outros leites, nem mesmo de água. Após essa idade, deverá ser dada alimentação complementar apropriada, mas a amamentação deve continuar até o segundo ano de vida da criança ou mais (UNICEF BRAZIL, 2009). Estudos na área da psicologia e comportamento humano buscam compreender o que impede ou facilita o processo de amamentação. Segundo Pamplona (2005), a decisão sobre o aleitamento ou não e por quanto tempo dependerá de fatores socioculturais, físicos e psicológicos. Os referidos fatores podem ser tratados em separado, mas apenas por questões didáticas, uma vez que na prática eles estão profundamente entrelaçados. Na mesma linha de pensamento, Vitolo (2008) refere-se ao aleitamento materno como um processo e como tal envolve fatores fisiológicos, ambientais e emocionais. Os aspectos físicos referem-se às condições de saúde do bebê e da mãe. É o caso da mãe ou o bebê terem problemas anatômicos que impedem ou dificultam a mamada ou mesmo doenças transmissíveis a partir da mãe pelo leite Os aspectos socioculturais envolvidos em tal prática reportam-se a como a sociedade vê os papéis femininos e, mais especificamente, o materno, suas representações e condições concretas relacionados ao aleitamento (PAMPLONA, 2005). Um exemplo de fator social, destacado por Pamplona (2005), é que o sistema de saúde não possui soluções de apoio à mulher que quer amamentar seu filho. Sobre este tema, resumidamente pode-se dizer que a legislação brasileira determina a obrigatoriedade da existência de creche no local de trabalho ou de creche conveniada para as empresas que 3

tenham 30 ou mais empregadas com mais de 16 anos e regulamenta ainda duas pausas remuneradas de meia hora para que a mulher possa amamentar. No entanto, o que acontece na prática é que raras são as empresas que têm creche no local de trabalho. Às poucas que têm a creche no local de trabalho, muitas vezes nem são utilizadas pelas mulheres que moram longe, haja vista que elas não têm condições de levar o filho de ônibus, normalmente superlotados ou pela extenso tempo de duração das viagens. E as empresas que mantém convênio com creches, normalmente não estão próximas ao local de trabalho ou não oferecem nenhum tipo de condução que permita o deslocamento entre o local de trabalho e a creche, além de, quase sempre, limitarem-se a nem divulgar a existência do convênio (PAMPLONA, 2005). Quanto aos aspectos psicológicos, são contempladas a história pessoal da nutriz, suas relações familiares e suas vivências na gestação, no parto, e, principalmente, no puerpério, momento que antecede a amamentação e as interações mãe-bebê-pai (PAMPLONA, 2005). Embora seja difícil quantificar as vantagens imunológicas, neurais, orgânicas ou psicológicas do aleitamento natural, é certo, conforme Douglas (2006), que ele leva a contatos sui generis, como as interações entre mãe e criança, que dificilmente seriam obtidas através da mamadeira. O recém-nascido humano não sobrevive sem cuidados e, principalmente, não se desenvolve sem carinho e afeto, como já demonstraram estudos de diversos autores (PAMPLONA, 2005). E, como aponta Oliveira (1997), as atividades relacionadas à alimentação não se restringem, ao âmbito da nutrição física, mas dizem respeito diretamente à relação afetivo-emocional das pessoas envolvidas, no caso a mãe (nutriz) e ao filho (lactente). Dentre os problemas que dificultam a amamentação, a maioria é de origem psicogênica, gerada por ansiedade (ZIMMERMANN, et al., 2001). Referindo-se ao início da amamentação, Giugliani (2000) destaca que podem surgir também situações especiais, dentre as quais a mulher pode sentir dor nos mamilos, o que pode ser considerado normal. No entanto, mamilos excessivamente doloridos já pode ser um indício de investigação clínica (GIUGLIANI, 2000). Como a amamentação é uma vivência de um ciclo específico da vida da mulher - o ciclo gravídico-puerperal - é evidente que a forma como ela vive este momento influirá na sua disposição para amamentar. Fica patente também que as razões para a decisão sobre a amamentação e sua duração, seu êxito ou fracasso, são múltiplas, biopsicossociais e interrelacionadas de forma complexa (PAMPLONA, 2005). 4

Com base nesta literatura, objetivou-se explorar os aspectos que envolvem o processo de aleitamento materno, enfocando os vários fatores que recomendam a sua adoção, bem como os aspectos que a dificultam a partir de um caso relatado. 2. METODOLOGIA Este estudo teve delineamento qualitativo e transversal e utilizou-se o método de estudo de caso. O estudo de caso tem sido adotado quando os pesquisadores procuram responder às questões como e por que certos fenômenos ocorrem, quando há pouca possibilidade de controle sobre os eventos estudados e quando o foco de interesse é sobre fenômenos atuais, que só poderão ser analisados dentro de algum contexto de vida real (YIN, 2005). Em seu desenvolvimento podem ser empregadas observações e técnicas de entrevistas. Participou do estudo uma nutriz de 32 anos de idade, ensino superior (cirurgiãdentista). Ela é casada há sete anos e atualmente trabalha um turno de seis horas em uma empresa para-governamental. Na ocasião do estudo o primeiro filho do casal estava com 16 meses. O instrumento utilizado foi uma entrevista semi-estruturada com questões que exploravam a experiência da amamentação. A entrevista foi realizada no domicílio da nutriz, com prévio agendamento de horário, o que possibilitou que fossem bem explorados todos os itens do roteiro da pesquisa, com esclarecimento dos aspectos relacionados ao processo que envolveu a decisão e o propósito de amamentar o bebê. 3. RESULTADOS E DISCUSSÂO 3.1. Dificuldades sobre o início da amamentação e como superou No decurso da entrevista a nutriz relatou as dificuldades enfrentadas para iniciar a amamentação, período que se estendeu aos primeiros 40 dias - em decorrência de momentos de dor intensa pela sensibilidade dos mamilos - e o momento crucial que se encaminhava pela decisão de só amamentar o bebê por um período de 60 dias, embora plenamente consciente das vantagens que o bebê teria com um período mais prolongado de aleitamento materno. Este tópico abriga o referencial teórico exposto (MONTE; GIUGLIANI, 2004; PAMPLONA, 2005; VITOLO, 2008) quando se referem aos fatores que influenciam a decisão de amamentar ou não. No caso em referência os fatores envolvidos foram os fisiológicos e, implicitamente, os psicológicos e emocionais, evidenciando que efetivamente todos eles se encontram intimamente inter-relacionados de forma complexa. 5

A consciência da nutriz sobre as vantagens e os benefícios do aleitamento para o bebê e seu esforço de prolongá-lo por, pelo menos 60 dias e, após ter superado as dificuldades fisiológicas na amamentação do recém-nascido, a felicidade por ter sido possível amamentá-lo até um ano e três meses de idade, encontram respaldo nas argumentações defendidas por Freiberg e Ferreira (2008), Douglas (2006), Mahna e Escott- Stump, (2005), Silva e Mura (2007) e Vitolo (2008), que tratam destes aspectos positivos que o recém-nascido receberá ao ser amamentado. Também destaca-se a importância da formação profissional da participante que possivelmente influenciou em sua persistência. De outra parte, o fato das dificuldades de amamentação desaparecerem totalmente após o 43º dia, de acordo com o relato, sem um acontecimento marcante a respeito, encontram sustentação nos escritos de Pamplona (2005), Vitolo (2008) e Zimmermann et al. (2001), quando se referiram aos aspectos psicológicos, psicogênicos e emocionais, acompanhados por um estado elevado de ansiedade. Segundo a participante do estudo, o processo de desenvolvimento fisiológico da criança tem transcorrido normal e naturalmente dentro das fases esperadas pelos pais e pelo médico que faz seu acompanhamento. No que se refere à altura e peso sua classificação nutricional sempre esteve na faixa eutrófica, isto é, de normalidade para os respectivos estágios de idade. Este aspecto positivo para a saúde da criança encontra apoio nos dados do estudo realizado por Simon, Souza e Souza (2009), no qual enfatizam que o aleitamento materno é mais uma vantagem protetora agregada à vida do lactente, uma vez que, por conta das suas adequadas qualidades nutricionais, contribui para evitar o sobrepeso e as decorrentes implicações prejudiciais. 3.2. Outras dificuldades relatadas A mãe do bebê relatou que este dormiu no quarto dos pais até por volta de um ano de idade, devido à maior facilidade no atendimento do nenê, à noite, sem necessidade de se levantar e deslocar do quarto do casal para o quarto do bebê. Esse fato pode sugerir questões emocionais envolvidas na relação mãe-bebê-pai que podem ter dificultado o processo inicial da amamentação. WEBER (2007) destaca que deixar a criança dormir na cama dois pais pode acarretar em diversas dificuldades de manejo no comportamento da criança. Além disso, pode atrapalhar a intimidade dos pais e evidenciar conflitos a esse respeito (ZIMMERMANN, et al., 2001). Por outro lado tal fato poderia confirmar os dizeres de Pamplona (2005), quando destaca que o sistema de saúde não possui soluções de apoio à mulher que amamenta e 6

trabalha fora do lar, o que levaria os pais a sentirem-se culpados por ficarem tanto tempo longe da criança e, por isso, deixarem-na no quarto do casal. 4. CONCLUSÃO Este relato de caso explorou os aspectos envolvidos na amamentação de uma dupla mãe-bebê. Percebe-se que as dificuldades envolveram fatores físicos, psicológicos e emocionais cercados de razoável carga de ansiedade. O estudo também permite concluir que o fato da nutriz estar ciente dos aspectos positivos proporcionáveis pelo aleitamento materno, foram fundamentais para seu empenho em superar as dificuldades, não só de cunho fisiológico, como também revestidas de razoável carga piscológica e emocional. Além disso, a experiência prática de estudos de caso como este deve ser recomendada a estudantes de nutrição, uma vez que evidencia também a farta interligação dos inúmeros fatores que envolvem a decisão de materializar ou não o processo de amamentação, pelo maior espaço de tempo possível, cujos benefícios, no caso estudado, resultaram em aspectos positivos para a saúde do filho. Sugere-se que sejam realizadas mais estudos com essa finalidade de forma a auxiliar os futuros profisisionais da nutrição a compreender que a alimentação constitui uma área fundamental no desenolvimento infantil, com implicações físicas, fisiológicas, emocionais, socioculturais e psicológicas. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIESALSKI, H. K.; GRIMM, P. Nutrição: texto e atlas. Porto Alegre: Artmed, 2007. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. Brasília: Editora MS, 2009. DOUGLAS, C. R. Fisiologia aplicada à nutrição. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. FREIBERG, C. K.; FERREIRA, R. T. Alimentação da criança. In: GALISA, M. S.; ESPERANÇA, L. M. B.; SÁ, N. G. (Org.). Nutrição, conceitos e aplicações. São Paulo: M. Books do Brasil, 2008. GIUGLIANI, E. R. J. O aleitamento materno na prática clínica. Jornal de Pediatria, São Paulo, v. 76, Supl. 3, 2000. 7

MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S. Alimentos, nutrição & dietoterapia. 11. ed. São Paulo: Roca, 2005. MONTE, M. G. C.; GIUGLIANI, E. R. J. Recomendações para alimentação complementar da criança em aleitamento materno. Jornal de Pediatria, São Paulo, v. 80, n. 5 (Supl.), 2004. OLIVEIRA, V. B. Aspectos psicológicos envolvidos na alimentação. Revista de Pediatria Moderna, São Paulo, v. XXXIII, n. 11, nov-1997. PAMPLONA, V. Aspectos psicológicos na lactação. In: CARVALHO, M. R. Amamentação: bases científicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. PARIZOTO, G. M. Tendência e determinantes do aleitamento materno exclusive em crianças menores de 6 meses. Jornal de Pediatria, São Paulo, v. 85, n. 3, 2009. SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de alimentação, nutrição & dietoterapia. São Paulo: Roca, 2007. SIMON, V. G. N.; SOUZA, J. M. P.; SOUZA, S. B. Aleitamento materno, alimentação complementar, sobrepeso e obesidade em pré-escolares. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 43, n. 1, 2009. UNICEF BRAZIL. Aleitamento materno. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil>. Acesso em: 25 fev. 2009. VITOLO, M. R. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. Rio de Janeiro: Editora Rubio, 2008. WEBER, L. Eduque com carinho. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. WORLD HEALTH ORGANIAZATION - WHO. Global Strategy on Infant and Young Child Feeding. Genebra, 2002. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. ZIMMERMANN, H. ET AL. Gestação, parto e puerpério. In: EIZIRIK, C. L.; KAPCZINSKI, F.; BASSOLS, A. M. S. O ciclo da vida humana: uma perspectiva psicodinâmica. Porto Alegre: Artemed, 2001. 8