REGULAÇÃO DOS CURSOS SUPERIORES DE DIREITO BRASILEIRO: caminhos para a acreditação Ailton Bueno Scorsoline Prof. Dr. José Dias Sobrinho (orientação) Uniso/ Programa de Pós Graduação em Educação Eixo Temático 4 - Pesquisa, Políticas Públicas e Direito à Educação. Pôster Introdução O conceito de Avaliação está intimamente ligado à escola e principalmente à universidade, pois, constitui numa instituição social histórica que contribui para construção do processo evolutivo da sociedade, um lugar de tensões que agrega funções diversamente múltiplas e ao mesmo tempo convergentes, seja pelo papel imposto pela sociedade contemporânea: atender a certas demandas objetivas da sociedade (DIAS SOBRINHO, 2000). Essa Instituição de caráter complexo que possui como função prioritária a formação do indivíduo para a vida em sociedade, com valores de caráter ético, político e profissional, deve refletir sobre suas ações cotidianas, seus processos de formação, seus compromissos e seu papel na sociedade (SCORSOLINE, 2012). Por assumir esse caráter formativo, contribuindo para o desenvolvimento de instituições sociais e políticas, a universidade diferencia-se das demais. Há uma preocupação com o desenvolvimento da sociedade. Ao mesmo tempo em que há um movimento de dentro dessa instituição para fora, no sentido de socialização das descobertas, outro movimento inverso surge levando para dentro as discussões, ansiedades, necessidades (CHAUÍ, 2001). Entretanto, por ser uma instituição complexa, tensões surgem quanto ao direcionamento do papel da Universidade. Segundo Cavalet (1996), na perspectiva neoliberal, a educação superior está dividida em quatro funções: formar elites, formar profissionais, formar técnicos e
formar pessoas com uma educação geral especial, conforme o modelo e tipo de instituição. Os neoliberais vivem e pensam a universidade como uma instituição a serviço do mercado, tendo como função principal a formação entendida como capital humano, voltada para o atendimento das demandas imediatas postas pela nova ordem de amplitude global (DIAS SOBRINHO, 2000). Assim, caso sejam esses os anseios lançados sobre a Universidade, sob as diversas óticas e objetivos, a avaliação poderá adquirir um caráter diagnósticocontrolador, focalizando os resultados e os utilizando com fins economicistas, um somatório de serviços que direcionam para o eficientismo baseado no produto, no direcionamento para o mercado (SCORSOLINE, 2012). A avaliação adquire um caráter quantitativo, na medida em que estabelece parâmetros estatísticos e matemáticos para mensuração dos resultados que apontem para o direcionamento das ações. Na década de 1990 a avaliação e a autonomia passam a integrar os discursos estatais e do mercado como elementos essenciais ao desenvolvimento econômico e social. O Governo FHC (1995 2002) elege como pilares da educação superior a autonomia universitária, a avaliação e melhoria do ensino (RANIERI, 2000). Nesse contexto, o mercado pressiona o ente Estatal para que aja com severidade no sentido de regular a atuação das instituições educativas, de modo a exigir que a formação do futuro egresso-profissional ocorra nos moldes já alicerçados pela lógica do capital. Nesse período ocorrem mudanças no foco da avaliação das Instituições de Educação Superior, com uma participação mais ativa das faculdades e universidades no processo (autoavaliação), ao mesmo tempo em que se percebe uma tendência internacional no sentido de estabelecer padrões de qualidade que favoreçam um comprometimento com o mercado, com o conhecimento útil, com o eficientismo. O Estado, com a mesma naturalidade que incentivou a investida do capital privado no processo de expansão da educação superior nas décadas de 1970, 1980 e 1990, deixando ao mercado a regulação da sobrevivência das instituições particulares, agora, segundo critérios negociados pelo próprio mercado, sistematiza Padrões de Qualidade para determinar a concessão e renovação de concessão dessas IES.
Essas tensões quanto ao estabelecimento de padrões de qualidade são atualmente mais perceptíveis nos cursos de Bacharelado em Direito, os quais possuem um duplo crivo regulador: a) ESTATAL (Instrumentos de credenciamento, reconhecimento e recredenciamento de cursos baseados em normas que estabelecem padrões de qualidade e Exames Nacionais de Avaliação de Estudantes ENADE; b) Ordem dos Advogados do Brasil (órgão de classe profissional): participação nos processos de avaliação regulatória estatal (caráter consultivo); estabelecimento de critérios próprios de qualidade para ingresso do profissional do Direito na carreira de advogado (Exame de Ordem); e Instituição do selo de qualidade às IES OAB RECOMENDA, segundo critérios próprios da entidade, baseados nos resultados obtidos no Exame da Ordem. Assim, o fenômeno da regulação dos cursos superiores de Direito, cujo processo de avaliação tem se mostrado mais incisivo na criação de padrões que garantam a qualidade (associada à eficiência nos processos e à eficácia nos resultados) alinhada às expectativas do mercado conduzem à construção de um processo que regule o funcionamento desses cursos superiores certificando à sociedade e, principalmente ao mercado, a qualidade dos serviços educacionais prestados: Acreditacion da educação Superior. Acreditação na Educação Superior De forma geral, o termo acreditação no âmbito da educação superior, significa certificar a qualidade de um curso, instituição, sistema educacional. Esse processo de acreditação é entendido como: el proceso mediante el cual una agencia o asociación legalmente responsable otorga reconocimiento público a una escuela, instituto, colegio, universidad o programa especializado que alcanza ciertos estándares educativos y calificaciones previamente establecidas. La acreditación es determinada mediante una evaluación inicial, seguida de otras periódicas. El propósito del proceso de acreditación consiste
en proporcionar una evaluación profesional aceptable de la calidad de las instituciones educativas y de los programas y estimular el perfeccionamiento constante de dichos programas (MARQUES & MARQUINA, 1998). Essa tendência mundial de estabelecimento de padrões de qualidade construídos por agências ou organismos internacionais impõem modelos rígidos de acreditação e, consequentemente, paradigmas de qualidade válidos universalmente para diferentes países. Nesse sentido DIAS SOBRINHO (2009) afirma que a transnacionalização da educação superior segue a tendência da organização dos blocos econômicos regionais, ensejando a criação de organismos acreditadores internacionais, vários desses privados, a fim de certificar a qualidade, exigindo padrões mínimos que correspondam a parâmetros internacionais, constituindo em mecanismos que facilitem a mobilidade estudantil e os intercâmbios de pesquisadores. No atual cenário brasileiro dessa segunda década do século XXI, percebese que há uma convergência de interesses quanto à construção de instrumentos de regulação mercadológica, de modo a legitimar a qualidade como suscetível de valoração econômica, cujos critérios sejam referendados por agências ou institutos certificadores. Em outras áreas sociais, tais como telefonia (ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações), energia elétrica (ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica) e ANA (Agência Nacional de Águas) a regulação desses serviços delegados, em sua maioria, à iniciativa privada já obedece a essa do capital da regulação da qualidade através de agência externas desde o período de gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 2002). No caso da educação superior, esse processo construído sob as bases da avaliação vem ganhando força no cenário internacional, principalmente no continente europeu após a consolidação do Mercado Comum Europeu. Regulação dos Cursos Superiores de Direito no Brasil Em qualquer processo de averiguação da educação superior, a avaliação deve ser concebida como um instrumento necessário à instituição e ao sistema educacional para discutir o papel da Universidade na formação dos indivíduos para a sociedade. A regulação surge naturalmente como intuito de sedimentar os valores sociais necessários ao desenvolvimento da instituição educacional.
DIAS SOBRINHO (2009, p. 495) assim esclarece a respeito da internacionalização da educação superior e o processo de acreditacion: Critérios internacionais baseados em determinantes econômicos definem o que deve ser considerado qualidade, o que é uma boa prática, quais os níveis exigidos, o que deve ser feito. Para atestar aos clientes e interessados em geral que uma instituição cumpre adequadamente esses padrões e seguem corretamente a norma préestabelecida, agências multilaterais, com a colaboração de muitas outras regionais e locais, elaboram e põem em prática um arsenal de instrumentos supranacionais de controle e de certificação. No caso dos cursos de Direito no Brasil, o papel da agência reguladora de qualidade vem sendo realizado formalmente pelo Ministério da Educação, através de um Sistema Nacional de Avaliação SINAES, cujo processo conta com a autoavaliação institucional, avaliação externa (Comissão de Avaliadores), exame nacional de estudantes (ENADE) e a coleta de insumos realizada através de um censo educacional no setor universitário. Todavia é a Ordem dos Advogados do Brasil quem regula o ingresso do bacharel em direito no principal mercado de trabalho da área jurídica (a advocacia), interferindo na criação de critérios de qualidade não só para a formação de profissionais pertencentes a sua categoria, segundo a lógica desse mercado, como também na formação do bacharel de Direito em geral. Essa tensão de poderes entre o ente estatal e o órgão de classe tem convergido para a formação de um consórcio no projeto de restringir a abertura de novos cursos de bacharelado em Direito no país. A alegação para tal medida seria a saturação do número de bacharéis nessa área e advogados em determinadas localidades, devendo-se criar uma políticas de abertura de novos cursos somente em regiões desguarnecidas desse profissional (FERNANDES e MORAIS, 2013). Aliada a essa tensão pela dificuldade na abertura de novos cursos da área jurídica, o Ministério da Educação através à SERES Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior tem agido no sentido de controlar a oferta de vagas de bacharéis em direito. Conforme despacho n 01 do Secretário da SERES, publicado no Diário Oficial da União em 1º de junho de 2011, foi determinado a 136 cursos de direito a redução de 10.912 vagas de ingresso de estudantes, por vestibular ou outros processos seletivos. A justificativa para tal medida era que cursos apresentaram resultado insatisfatório no conceito preliminar de curso (CPC) de 2009, demonstrando conceito 1 ou 2 em uma escala que vai até 5.
Percebe-se que, da tensão de poderes na determinação da regulação dos cursos de Direito no País, há certa convergência de forças de modo a justificar a baixa qualidade dos cursos superiores. A aferição dessa má qualidade demonstrada pelos cursos é obtida oficialmente pelos SINAES, tendo no resultado do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes o principal insumo. Todavia, conforme afirmam FERNANDES e MORAIS (2013): Argumentou o MEC que a justificativa para interferir no curso de Direito é a expansão desordenada deste curso, aliada à má qualidade, expressada, sobretudo, pelo baixo desempenho dos egressos no exame da OAB, já que acima de 80% dos bacharéis vêm sendo reprovados continuamente na primeira fase do exame. Esse trajeto peculiar da regulação dos cursos superiores de Direito e a interferência da Ordem dos Advogados do Brasil na aprovação de novos cursos e renovação dos credenciamentos já concedidos demonstram uma preocupação que vai além da qualidade, mas também com o controle do mercado de profissionais da área advocatícia. Essa seletividade levou há alguns anos a OAB a instituir um selo de qualidade denominado OAB Recomenda : O Programa OAB Recomenda Selo OAB é um projeto que visa a refletir a qualidade de instituições de ensino superior (IES) em seus cursos de Direito e Ciências Jurídicas, medida por diversas variáveis qualitativas e quantitativas (GELLER et al, 2012. p.53) O selo OAB Recomenda, diferentemente dos processos de avaliação instituídos pelo órgão oficial estatal leva em conta tão somente o resultados obtidos pelos alunos das instituições de educação superior no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), realizado pelo INEP trienalmente, e os resultados nos três últimos Exames da OAB (GELLER et al, 2012), sob a seguinte justificativa: [...] enquanto o ENADE avalia o nível de conhecimento nas disciplinas do curso de Direito em relação a um padrão curricular, num contexto histórico nacional, avaliando inclusive a evolução do universitário desde o momento em que inicia o curso até o momento em que o conclui, o Exame da Ordem se preocupa em avaliar a capacitação profissional do bacharel na prática específica da atividade de advocacia, haja vista a existência de uma prova práticoprofissional com esse fim (GELLER et al, 2012. p.39).
Apesar de não possuir um caráter normativo quanto à regulação dos cursos superiores de Direito, a Ordem dos Advogados do Brasil assume para si a condição de agência certificadora da qualidade dos cursos, adotando metodologia própria para sinalizar ao mercado - independente dos resultados obtidos no complexo sistema de avaliação conduzido pelo SINAES - quais cursos de ensino jurídico oferecem qualidade na formação de estudantes. Apesar dessa aparente tensão entre o que é qualidade ao se referir aos cursos de Direito, sob o prisma do ente estatal Ministério da Educação e a Ordem dos Advogados do Brasil verifica-se que há mais convergências que distanciamentos de posições. Da mesma forma que a OAB é chamada para participar consultivamente nos processos de autorização novos cursos e renovação de autorização dos já existentes, interferindo na abertura e fechamento de vagas universitárias, o ENADE também constitui um dos quesitos de avaliação da qualidade dos cursos jurídicos pelo órgão de classe. Se dessa união de posicionamentos pode surgir uma agência acreditadora brasileira, há a chance de concretização dessa possibilidade. Entretanto, a preocupação reside na ponderação quanto à função social desse novo organismo certificador de qualidade: a) um instrumento a serviço do mercado, que tem como fundamento a formação tão somente para o mercado de trabalho, aliando eficiência na produtividade demonstrada nos indicadores de resultados de exames de alunos; b) ou o comprometimento com a formação para a cidadania, constituindo o sujeito para o exercício de direitos e deveres na vida social, incluindo a profissionalização como parte dos valores que devem ser agregados ao egresso. Referências Bibliográficas CAVALET, V. Inovação educativa no Ensino Superior. In: BUSCHIAZZO, Oscar; CONTERA, Cristina; GATTI, Elza (Comp.). Pedagogia Universitária: presente y perspectivas. Montevideo: UNESCO, 1996. p. 25 32.
CHAUÍ, M. A Universidade em Ruínas. In: TRINDADE, Hélgio (Org.). Universidade em Ruínas na República dos Professores. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 211 222. DIAS SOBRINHO, J. Acreditação da educação superior. Seminário Internacional de Avaliação da Educação Superior 2009. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=433 2&Itemid= > Acesso em: 12 novembro de 2011.. Avaliação da Educação Superior. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2000. FERNANDES, I. R.; MORAIS, D. P. O consórcio MEC-OAB e o curso de Direito no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3578, 18 abr. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24218>. GELER, R. H. et al. OAB Recomenda: indicador de educação jurídica de qualidade. 4. ed. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2012. MÁRQUEZ, A. D. MARQUINA, M. Evaluación, acreditación, reconocimiento de títulos, habilitación: enfoque comparado. Buenos Aires: Coneau. 1998. RANIERI, N. B. Educação Superior, Direito e Estado, São Paulo: EDUSP, 2000. SCORSOLINE, A B. Políticas Públicas Implementadas na Educação Superior Brasileira: Experiências Envolvendo a Avaliação na Década de 1990. In: IX Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil, 2012, João Pessoa: 2012.