O Serviço Social em regiões subdesenvolvidas



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Transcrição:

Maria Suzana de Almeida O Serviço Social em regiões subdesenvolvidas A necessidade de formar especialmente profissionais em ordem à actuação sobre os problemas que a vida social põe é relativamente recente na história da Humanidade. Se a exigência de resolver esses problemas coincide com o próprio aparecimento do homem que é aparecimento em sociedade à face da terra, os meios de o fazer têm variado com os tempos e com as culturas. A sociedade é um dado que responde a necessidades de vária ordem da própria continuidade da espécie, de carácter psicológico e espiritual, de carácter material. O homem não é livre de viver ou não em sociedade, de escolher a sociedade em que nasce, e é-o raras vezes de escolher aquela em que viverá. Como ser imperfeito, em constante construção, é na sociedade e na sua relação a ela que encontra uma parte importante dos elementos para essa construção. A vida social impõe-se-lhe assim obrigatoriamente, conferindo um determinado número de vantagens, mas impondo, paralelamente, sacrifícios e limitações. Entre estas conta-se a diminuição da liberdade, a sujeição a que o homem no grupo se encontra submetido quanto aos comportamentos e à expressão das suas ideias e opiniões. Nascida de determinadas necessidades inerentes à natureza humana, a sociedade vai organizar-se de modo a responder-lhes. A identidade de natureza determina certa comunidade das necessidades de base mas a pluralidade dos grupos e, consequentemente, das culturas, actua no sentido da diferenciação: diferenciação que se põe ao nível das própria necessidades criando para além das de carácter individual comuns a todos os homens, outras de carácter social, isto é, a que o próprio grupo dá origem. Diferenciação ainda nas modalidades de resposta às necessidades individuais: grupos diferentes responderão de maneira diferente a necessidades idênticas. É pois no interior do grupo que o ser humano encontra resposta para um grande número das suas necessidades, tanto individuais como sociais. E ao grupo cabe dar essa resposta. Ora a organização da resposta não se faz sem dificuldades e obstáculos. Umas vezes é a sociedade como tal que é atingida por crises de carácter 518

geral e cuja ordem lhe é ou pode ser de certo modo exterior: as pestes, as guerras, as fomes, etc. Outras vezes os problemas surgem no interior do próprio grupo: um indivíduo, uma família, uma classe que detém o poder e a riqueza em detrimento dos outros; indivíduos, família ou grupos que, por incapacidade própria ou por deficiência da organização social se encontram de facto em situações em que uma parte importante das suas necessidades materiais ou outras não é satisfeita. A forma por que tais problemas são resolvidos varia no tempo e no espaço. Nas sociedades mais elementares em que o jogo das solidariedades é mais forte são estas que asseguram a protecção do indivíduo em dificuldade. O grupo cria também uma série de regras não codificadas, de tabus, de obrigações, que, pesando fortemente sobre o indivíduo, lhe são salvaguarda e protecção. Ã medida que as sociedades evoluem e que os problemas a resolver se tornam mais frequentes e mais complexos, surgem sistemas de protecção organizados e, finalmente, codificados. Quando grupos muito vastos são atingidos por necessidade especial de protecção por parte da sociedade, esta não pode ser deixada já ao livre jogo da iniciativa individual e particular. Aparecem então instituições, privadas umas, de iniciativa oficial outras, cuja missão é debelar as crises. Prosseguindo na evolução social que tende a uma organização cada vez maior e a um reforço das interdependências entre indivíduos e grupos, a actuação em ordem a solução de crises e problemas sociais torna-se tanto mais urgente mas também sempre mais delicada e mais complexa. Não basta actuar num aspecto, porque todos estão interligados. Um população não é pobre porque vive num bairro de lata, vive num bairro de lata porque é pobre. De que servirá então dar-lhe casas se não se actuar simultaneamente nos outros sectores em que a pobreza se manifesta: da profissão, da saúde, da educação, etc? Não basta actuar ao nível da satisfação imediata das necessidades patentes. Há que criar nos indivíduos e nas populações as próprias capacidades de resposta. Se hoje damos de comer a alguém que tem fome por estar desempregado a situação repetir-se-á amanhã. No dia em que se empregar, porém, não necessitará já do nosso auxílio. Não basta ajudar uma pessoa, ou uma família, ou um pequeno grupo, há que ajudar a população no seu conjunto, sem o que o esforço de auxílio aos casos particulares aos diversos níveis que indicámos ficará perdido ou largamente diluído. Uma acção desta natureza global do ponto de vista dos níveis e sectores que visa, como da própria população a que se destina não se improvisa nem se cria espontaneamente. Exige planeamento e técnica de realização. Um e outro exigem preparação específica. Por isso, praticamente em todos os países do mundo se preparam 519

hoje profissionais de trabalho social. E isto tanto para as regiões económica e socialmente desenvolvidas como para aquelas e é o caso que directamente nos interessa que se encontram em vias de desenvolvimento. Os trabalhadores sociais terão aqui de participar no próprio processo de desenvolvimento, quer como agentes nas zonas onde ele existe já, quer provocando-o ou acelerando-o nas zonas onde não existe ou existe a ritmo demasiado lento. A especificidade da tarefa supõe que o Serviço Social e a Educação revistam nestas zonas formas especiais também. Nesse sentido serão formados os seus agentes, quer a nível escolar, quer, quando a nível escolar tal formação se não tenha feito, a nível já de actividade profissional, sob a forma de estágios, cursos de aperfeiçoamento ou outra. Englobando na designação de trabalho social o Serviço Social e a Educação diremos que nas regiões em vias de desenvolvimento as actividades de trabalho social devem, dum modo geral, desenvolver-se segundo uma linha que definiremos por nove grandes características. Elas não são, na sua totalidade, exclusivas do trabalho nestas regiões. Em alguns casos, mesmo, haverá grande vantagem em adoptá-las para regiões mais desenvolvidas. Mas não é esta neste momento a perspectiva que nos interessa. Na perspectiva, pois, das regiões a desenvolver rapidamente diremos que o trabalho social em zonas subevoluídas deve ser: um trabalho social adaptado um trabalho social pobre um trabalho social de dimensão um trabalho social polivalente um trabalho social visando a promoção global das populações um trabalho social utilizando técnicas de massa um trabalho social de carácter educativo um trabalho social planificado um trabalho social enquadrando voluntários Um trabalho social adaptado é aquele que parte dos valores locais e se serve de técnicas adequadas. Supõe conhecimento das populações e das técnicas. Supõe estudo e capacidade de se abrir a novos valores e a novas mentalidades, de reconhecer o que neles há de válido, de partir do dado e não do que, num contexto cultural e mental diferente, é corrente e aceite. Supõe processos e métodos eficientes na situação concreta e que estes sejam buscados, experimentados e adquiridos. Um trabalho social pobre, característica que é ainda uma forma de adaptação. A multiplicidade de necessidades por um lado, a escassez de recursos por outro em pessoas e dinheiro 520

postula um máximo aproveitamento de todos os recursos disponíveis e uma equilibrada distribuição por forma a que toda a comunidade por eles seja beneficiada. Uma opção diferente seria a de concentrar as disponibilidades em pequenos sectores por forma a promovê-los ao máximo, abandonando os outros até que a multiplicação das possibilidades permita atingi-los da mesma forma. Tal solução não parece desejável ao menos neste espírito do ponto de vista da justiça, nem do ponto de vista da utilidade. Criar locais de experimentação, pontos de partida onde os esforços se concentram, é uma necessidade. Tal concentração é, porém, provisória. O objectivo final é atingir a comunidade na sua total dimensão a partir de pólos de actuação previamente definidos. Visar apenas determinadas comunidades em prejuízo do conjunto seria inaceitável. E isto tanto directa privar a restante população de determinada assistência, meios, etc, para os atribuir só a uma parcela como indirectamente não lhe retirar propriamente meios materiais mas privá-la do interesse e atenção necessários ao seu desenvolvimento. Do ponto de vista da justiça a solução parece precária: qual o critério de preferência duns grupos em relação a outros? Também do ponto de vista da utilidade não pode ser justificada: o desenvolvimento acelerado de determinados grupos mantendo-se os restantes em acentuado estado de subdesenvolvimento é duplamente prejudicial ao conjunto. É-o do ponto de vista da paz social pelas desigualdades e consequentes perturbações que gera. É-o ainda do ponto de vista económico. A multiplicação das actividades necessita uma população capaz de absorver os produtos dessas actividades. Ora se a par de pequenos núcleos altamente produtivos, temos uma multidão subdesenvolvida e portanto pouco consumidora, quem constituirá o mercado para o sector da produção? O trabalho social terá pois de saber estender a sua acção com economia de materiais e de energias também. Esta característica leva-nos ao terceiro ponto definido: Um trabalho social de dimensão. Por esta expressão entende-se que o seu âmbito deve ser vasto: regional, provincial, nacional. Um pequeno sector não pode pagar-se o luxo de ter ao seu exclusivo serviço agentes muito qualificados. Ainda que materialmente tal situação fosse possível, as necessidades do conjunto exigem que não seja efectiva. Cada trabalhador ou equipa de trabalhadores sociais mais qualificados deverá, na zona que cobre, apoiar-se nas estruturas existentes, colaborar com elas Administração, Saúde, Instrução, Trabalho, Povoamento, autoridades locais, forças do meio, etc. e em trabalhadores sociais de qualificação menor, centrados sobretudo na execução, aos quais dará por seu turno apoio e orientação. A formação muito cuidada destes 521

trabalhadores surge assim como uma tarefa urgente do trabalho social a ser realizada sempre por ou em colaboração com os Institutos de Educação e Serviço Social. Por outras palavras, aos assistentes sociais e educadores de infância cabe essencialmente a planificação, orientação e dinamização do Serviço Social e da Educação. A execução aos vários níveis será assegurada por agentes de qualificação adaptada. Um trabalho social polivalente que permita agir no sentido da resposta ao conjunto das necessidades de base por resolver ainda nas populações em desenvolvimento rápido. Em qualquer campo que consideremos, as especializações só se justificam quando os aspectos gerais estão garantidos. Na medicina, por exemplo, a presença de especialistas supõe antes de mais que a clínica geral esteja assegurada. Esta pode no entanto sofrer uma certa especialização naqueles campos em que a saúde seja mais frequentemente deficitária. Idêntico deverá ser o processo do trabalho social. A trabalhar numa comunidade de base geográfica, empresarial ou outra, a trabalhar num serviço da Saúde ou do Povoamento, o trabalhador social encontrará sempre um certo número de problemas de base a que terá de fazer face. Em todos os casos terá perante si uma população de baixo nível sanitário, de fraca resistência económica, de deficiente qualificação profissional e capacidade produtiva. Em todos os casos terá de exerecer uma larga actuação educativa e de transformações de mentalidades. Portanto, o trabalho social não pode confinar-se no campo restrito duma especialização, mas terá de atender ao conjunto na sua complexidade. A actuação num determinado sector ignorando os restantes será necessariamente incapaz de resolver mesmo os problemas desse sector. Como conseguir, por exemplo, uma melhoria da saúde se não se criarem novas perspectivas e atitudes actuação ao nível mental, novos hábitos e modos de vida actuação ao nível educacional, possibilidades de produção e aquisição de novos bens actuação ao nível económico, etc.? Um trabalho social visando a promoção global das populações no sentido justamente indicado na alínea anterior: não se trata de promover um sector da vida humana em detrimento dos outros ou uma classe social em prejuízo das outras. Visa-se, no conjunto da população, o conjunto das necessidades. Um trabalho social utilizando técnicas de massa: para atingir os objectivos globais que visa, o trabalho social não pode, como é evidente, confinar-se em técnicas individuais ou de pequenos grupos, mas tem de recorrer àquelas que atingem as populações no 522

seu conjunto e que actualmente se designam sob o título de técnicas de comunidades. Não que em última análise a pessoa não seja o fim que todo o trabalho social pretende servir. Ê a comunidade que se ordena a ela e não a inversa. Mas precisamente para atingir a pessoa e, para atingir todas as pessoas, o trabalho social terá de recorrer aos processos capazes de atingir os conjuntos. Numa fase posterior, quando a população como tal tiver alcançado um nível de vida satisfatório, e puder continuar por si na sua prossecução, o recurso a técnicas de caso em escala mais vasta terá oportunidade. Como terá oportunidade o recurso a serviços sociais de carácter especializado. Um trabalho social de carácter educativo: a falta de recursos materiais, se é obstáculo poderoso ao desenvolvimento, não é no entanto único. Ainda que esses recursos sejam fornecidos onde eles escasseiam a impreparação das populações para deles saberem utilizar-se adequadamente, pode diminuir ou anular os resultados que a sua introdução fazia prever. Outros recursos porventura existentes permanecerão inaproveitados se a população não souber identificá-los e servir-se deles. Cabe aos profissionais da educação e serviço social exercer acção educativa que permita às populações o reconhecimento das necessidades e recursos existentes e o seu máximo aproveitamento. Só um trabalho deste tipo criará condições para de populações subevoluídas e com permanente necessidade de assistência externa, fazer populações capazes de responder às suas próprias necessidades. Elas tornar-se-ão assim factores de progresso para o conjunto nacional, deixando de ser, do ponto de vista económico e social, um peso para a comunidade. Parece de banir, nestas condições, qualquer forma de trabalho social predominantemente assistencial. Não que toda a forma de assistência seja de banir mas, quando nos encontramos perante este tipo de populações, todas as pessoas são, no seu conjunto, assistidos potenciais, porque todos sofrem, em maior ou menor grau, de carências materiais para cuja supressão não possuem aptidões. Nesta base, a organização dum serviço assistencial em moldes clássicos seria geradora mais de conflitos e tensões do que de satisfação. Isto porque a Assistência não disporia nunca de recursos para ocorrer a todas as necessidades. Mais ainda, tal forma de actuação arriscar-se-ia a desfazer ou enfraquecer consideravelmente o jogo de solidariedades, força particularmente importante neste tipo de sociedades e que permite aos mais desprotegidos subsistir apesar de tudo. Mas onde há um organismo oficial destinado a suprir as carências tendem a desaparecer os auxílios particulares... 528

Um trabalho social planificado: a urgência das tarefas a executar, do ponto de vista tempo, a escassez dos recursos disponíveis em face da vastidão das necessidades, não comportam desperdícios inúteis. Por isso o trabalho social tem de ser planificado e coordenado. Só a planificação e a coordenação garantem o melhor emprego das disponibilidades em função da maior urgência e da maior produtividade, eliminam os erros devidos à imprevisão, evitam as duplicações resultantes da intervenção descoordenada de entidades várias. Exigência de planificação que se põe a um duplo título: planificação do trabalho social em si mesmo, enquanto forma de actuação específica e planificação no sentido da sua integração no conjunto das disciplinas de carácter social: saúde, economia, etc. Por último, o trabalho social terá uma função de elo de ligação entre as comunidades restritas e as comunidades mais vastas em que estas sucessivamente se inserem: regional, provincial, nacional. O despertar dos membros duma comunidade restrita para o sentido da comunidade como tal, em ordem ao seu próprio progresso, não pode por muito tempo circunscrever-se a esse nível limitado: o progresso do grupo é tributário do progresso do conjunto. O produtor tem de encontrar mercados, o escoamento dos produtos postula a existência de meios de comunicação, os membros da comunidade que desejam prosseguir a sua formação escolar ou profissional necessitam de centros de ensino e assim por diante. O consciencializar das múltiplas interdependências com o exterior contribuirá para a passagem da consciência da comunidade local à consciência das comunidades mais vastas. É tarefa do trabalho social ajudar a despertar este alargamento da dimensão do campo da consciência no que se refere às interligações sociais. Jacques ATbe A regulamentação legal no domínio das convenções colectivas, em França 1. A convenção colectiva nasceu do desejo de estabelecer entre a colectividade dos patrões e a dos assalariados a igualdade que falta ao debate individual entre patrão e assalariado. «Toda