Sete desafios para o progresso sustentável

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Transcrição:

Tendência Market Analysis Sete desafios para o progresso sustentável Integrante da rede GlobeScan de institutos de pesquisas especializados em temas de sustentabilidade, a Market Analysis sintetiza as principais conclusões do diagnóstico feito em parceria com a consultoria britânica SustainAbility, a partir de estudo realizado em mais de 20 países O ano da Rio+20 está se encerrando. Com isso, o olhar volta-se para os próximos tempos e o natural balanço sobre as lições aprendidas, a agenda pendente e o caminho a se trilhar para chegar mais perto do modelo almejado de sustentabilidade. Para ma pear esse enorme terreno à frente, a referida pesquisa, rea li za da com mais de 1,6 mil experts no tema e cerca de mil cidadãos, em mais de 20 paí ses, fornece dados relevantes. Uma das evi dên cias dignas de destaque é o fato de que es pe cia lis tas e cidadãos re preen dem com ênfase os governos nacionais pelo desempenho pobre das últimas décadas na agenda da sustentabilidade. Contudo, essa visão crítica não evita que o público ainda veja as autoridades políticas de cada país como as lideranças naturais do processo. Até quando a percepção dos resultados poderá se dis tan ciar das expectativas, antes de desistir de responsabilizar os governos por um novo modelo ou cair no ceticismo? Quais decisões deverão tomar as lideranças que se vislumbram no setor privado e terceiro setor dian te do aparente vácuo de comando nos governos? Pode a crescente sinergia entre ONGs e corporações inimigas até 10 ou 20 anos atrás e hoje principais parceiras em vá rias ini cia ti vas pela sustentabilidade tornar-se uma força su fi cien te para moldar um novo modelo de progresso viá vel para todos? Sete grandes perspectivas se destacam nas consultas rea li za das. Não são respostas às perguntas an te rio res, mas servem para entender como fechar o ano da Rio+20 sem dar por encerrado o debate sobre o modelo desejável de sustentabilidade. Desafio 1: O progresso sustentável tem sido parcial, desigual e contraditório Es pe cia lis tas e o público geral encontram-se divididos quanto às conquistas alcançadas 20 anos depois de ini cia do o grande debate sobre desenvolvimento sustentável. Menos da metade deles enxerga um progresso sólido nos pilares am bien tal e econômico, e a grande maioria tem sé rias reservas quanto aos avanços ocorridos no so cial. De forma muito clara, a mensagem de muitos é que há uma grande dívida pendente por maior justiça so cial. As percepções de uma parcela importante dos pesquisados, contudo, Quadro 1 O progresso percebido ao longo dos últimos 20 anos (%) Proteger o meio ambiente Melhorar o bem estar econômico Criar sociedades mais saudáveis e justas 3 6 6 26 Muito melhor Experts em sustentabilidade 39 45 40 são favoráveis, e alguns passos objetivos tomados por empresas e governos, por exemplo, ajudam a compor essa leitura mais benevolente, es pecial men te no que tange às me lho rias no meio am bien te. A maior efi ciên cia energética, a am plia ção dos processos de reciclagem e reaproveitamento dos re sí duos e a menor pegada em termos de emissões de carbono ao longo da cadeia produtiva no mundo corporativo deixaram de ser exceção e se tornaram práticas mainstream do universo em pre sa rial ao redor do planeta. Im pulsio na dos por convicção ou por economia, essas modalidades amigáveis ao meio am bien te no âmbito do mercado con ta gia ram os consumidores, na sua respectiva escala, motivando por exemplo comportamentos de uso responsável dos recursos domésticos. Por sua vez, nações poluidoras viram seus governos assumirem compromissos inéditos: os EUA admitiram aderir às metas de redução de gases de efeito estufa em Copenhague, a China está mudando de forma importante sua matriz energética para fontes limpas e renováveis, o Brasil sinalizou uma política de redução do desmatamento para atingir os 80%, em 2020. É verdade que tais 46 Algo melhor Público geral 12 10 8 31 34 39 39 46 44 Ideia Sustentável DEZEMBRO 2012

medidas pre ci sa riam ser mais intensas e rápidas e que promessas costumam ficar a certa distância da rea li da de, mas elas acabam obrigando os políticos a se aproximarem dos acordos feitos. E só isso já impede uma leitura mais cética, quando não abertamente crítica. A evolução nos níveis de bem- estar econômico é o segundo aspecto melhor av al iad o em es pe cial entre os paí ses emergentes. O estabelecimento das oito Metas do Milênio no ano 2000 é identificado como incentivador de um esforço coletivo em favor da inclusão, erradicação da pobreza e acesso à educação, entre outros objetivos. Fruto de uma combinação de expansão econômica com esforços articulados para atingir tais metas, o per cen tual de pes soas vivendo abaixo da linha da pobreza no mundo caiu quase pela metade em duas décadas: de 43%, em 1990, para 24%, em 2008. Só na África Sub saa ria na, 31 milhões de meninas tiveram acesso à educação de primeiro grau, desde 1999. 1 Tais avanços, no entanto, têm sido ofuscados pelas disparidades sociais e crises de origem econômica e am biental, que resultaram em recessão e desemprego, quebra de safras e inflação nos preços dos alimentos. Tanto a opi nião pública mun dial quanto os experts em sustentabilidade acreditam que ainda há um longo caminho a ser percorrido até a consolidação de so cie da des mais saudáveis e equitativas. Poucos números sintetizam tão bem esse desafio quanto o resultado de um estudo do World Institute for Development Economics Research, das Nações Unidas, o qual aponta que 1% dos mais ricos entre a população adulta possui 40% da riqueza mun dial um per cen tual maior do que aqueles que detêm os 95% menos ricos do planeta! 2 1 UIS/UNESCO Fact Sheet, vol. 18, Junho 2012 2 Davies, James, Susanna Sandström, Anthony Shorrocks e Edward N. Wolff. The World Distribution of Household Wealth. Discussion Paper No. 2008/03. UNU- WIDER. Desafio 2: A falta de vontade política e outras barreiras O que impede a conquista de resultados mais sustentáveis? Os peritos consultados apontam principalmente uma falta de vontade política no enfrentamento de obstáculos para im pul sio nar a agenda global da sustentabilidade. Por que nossos representantes e autoridades políticas não se tornaram os líderes do tema nas so cie da des? Se é verdade que o ciclo eleitoral privilegia o curto prazo dian te do imperativo de longo prazo das metas sustentáveis, também é certo que as plataformas dos governos democraticamente eleitos refletem de uma forma ou outra as prio ri da des do eleitorado. Ou seja, a responsabilidade pela inação é, até certo ponto, consentida por parte dos eleitores. Por outro lado, as pró prias empresas vivem pautadas pelo curto prazo numa intensidade bem maior e, no entanto, muitas delas têm liderado o movimento pela economia verde. Por que os políticos não têm usado isso como inspiração para atua ções mais responsáveis? Na visão dos es pe cia lis tas, uma segunda barreira-chave são os interesses pessoais envolvidos na formulação de decisões (ou omissões) que lidem com temas da agenda da sustentabilidade. Existem alguns conflitos ób vios. Quadro 2 Barreiras percebidas para o avanço da Agenda 21 Falta de vontade política Interesses pessoais nas abordagens atuais Complexidade dos assuntos/soluções/responsabilidade Fracasso dos mercados em identificar riscos futuros Incentivos financeiros errados Brechas ou limitações regulatórias Crise econômica contemporânea Falta de conhecimentos Omissão do setor privado Limitações pelos acordos globais de comércio Tecnologias inadequadas Para o consumidor, que, após anos de consumo reprimido, passa a ter renda su fi cien te para esbanjar com a oferta do mercado, embora seu consumo possa ser ruim para a saú de, o habitat e até o próprio bolso. Para os partidos políticos, que devem decidir entre proteger reservas florestais sem eleitores ou ceder à pressão de corporações capazes de patrocinar suas futuras campanhas. Para as pequenas e mé dias empresas, que, para não sucumbirem dian te dos impostos e da concorrência, subfaturam ou descumprem a legislação trabalhista. Mas tudo pio ra quando diferentes interesses convergem em favor da inação e, naturalmente, agravam ainda mais a possibilidade de avançar rumo ao desenvolvimento sustentável. Exemplos abundam a partir da crise de 2008. Em momentos de recessão, governos e empresas buscam minimizar a perda de receitas ao ponto de lançar mão de planos de estímulo às compras, sem contrapartidas ambientais ou sociais. O caso do IPI zero no setor automotivo, desvinculado da exigência de motores menos po luen tes, investimentos em carros elétricos ou congelamento das demissões é emblemático. Fica claro que, quando um em cada dois adultos está sem emprego (como na Espanha), ou o modelo econômico gera fortes críticas e poucos 4 16 14 13 12 11 28 37 40 46 68 DEZEMBRO 2012 Ideia Sustentável 45

resultados (como nos EUA e Europa), e, ainda, quando os motores da economia mun dial desaceleram (China e Índia), persua dir os investidores a apostar numa agenda verde é uma tarefa ingrata. Muito além das agendas setoriais, os es pe cia lis tas reconhecem que a própria natureza complexa dos temas é um obstáculo. As questões de sustentabilidade apresentam uma característica sistêmica e, portanto, exigem uma com preen são profunda, ancorada em provas cien tífi cas. Da mesma forma, para o debate progredir, é preciso um conhecimento dos diferentes pontos de equilíbrio possíveis, seus custos e be ne fí cios, determinantes e implicações de curto e longo prazo. É o caso da política das mudanças climáticas. Com tantas dimensões, argumentos e evi dên cias em jogo, desestimula-se o engajamento de atores- chave. Se não, como entender que o aquecimento global tenha ficado de fora dos sete tópicos considerados como críticos nos documentos principais da Rio+20? O fracasso dos mercados em identificar os riscos futuros e os incentivos financeiros errados para construir uma economia verde e lidar com a atual crise completam os cinco principais obstáculos aos olhos dos es pe cia lis tas. Um artigo da revista Fast Company, de 2011, serve como ilustração: nele aponta-se que menos de 2% dos usuá rios da plataforma financeira Bloom berg procuraram por informação sobre práticas de governança am bien tal e so cial na hora de se le cio nar alvos de investimento. 3 Em síntese, a vasta maioria dos agentes de mercado ainda não entende (ou pouco se interessa em entender) a conexão entre o desempenho em sustentabilidade e o comportamento dos ne gó cios e sua lucratividade. Os resultados transparecem um contraponto importante: somente 4% dos entrevistados apontam de fi ciên cias da 3 Tullis, Paul. Bloomberg s Push for Corporate Sustainability. Fast Company. Abril 1, 2011. tecnologia como barreira para o sucesso do modelo sustentável. De igual forma, apenas uma minoria indica que o que esteja travando o progresso seja a falta de informação: só 13% culpam a ausência de conhecimentos. As limitações não têm sua origem, portanto, em déficits de capacidades técnicas, mas sim em déficits de liderança política. Pode-se afirmar, portanto, que, hoje, o recurso mais escasso rumo a um futuro sustentável é a liderança. Desafio 3: Quem lidera e quem deveria liderar? A pesquisa revela um claro vazio de lideranças institucionais. Uma explicação pode estar no caráter altamente técnico, blo quean do o florescer de um espírito de mobilização atrelado à consecução de um objetivo global, como o desenvolvimento sustentável embora re fe rências va ria das tenham surgido ao longo dos últimos anos: de Al Gore até o movimento Occupy Wall Street; de Marina Silva a Wangari Maathai e Muhammad Yunus. Seja como for, aqueles agentes de quem ha bi tual men te se espera a inicia ti va (governos nacionais, organismos Quadro 3 Contribuição ao progresso da agenda sustentável Desempenho bom ONGs Empreendedores sociais Entidades acadêmicas e de pesquisa Mídia Movimentos sociais de base Parcerias multissetoriais Governos locais/municipais Nações Unidas Organizações da sociedade civil e religiosas Setor privado Organismos multilaterais Instituições financeiras internacionais Governos nacionais Obs: O espaço branco representa respostas neutras, falta de informação ou do tipo depende. 6 19 17 multilaterais, setor privado, Nações Unidas) não parecem ter preen chi do as expectativas. De fato, para os experts consultados, os governos nacionais são os que pior se saí ram na tarefa de colocar em marcha uma proposta de sustentabilidade opi nião compartilhada pelo grande público. Quem aparece à frente como modelo inspirador de atua ção? As organizações não governamentais da so cie da de civil, os em preen de do res sociais e as ini cia tivas independentes de cidadãos mobilizando a população geral surgem claramente como exemplos de atua ção. É a consagração do modelo bottom-up, nascido das bases da so cie da de, partidário da inclusão e da inovação, e percebido como mais transparente e ágil para obter resultados sustentáveis. Em perspectiva, é chamativo o contraste entre a autoridade e os recursos que governos, organismos multilaterais e instituições financeiras têm e a baixa eficácia de ação por eles apresentada. A crítica a uma abordagem to p - d o wn não poderia ser mais nítida. Apesar da ava lia ção adversa, os governos nacionais con ti nuam concentrando 26 24 45 42 39 Desempenho ruim 51 56 59 50 47 30 21 11 15 14 46 Ideia Sustentável DEZEMBRO 2012

Quadro 4 Expectativas sobre o sistema econômico 22 78 as esperanças do público informado de se tornarem a vanguarda da transição rumo à sustentabilidade. Mais do que teimosia, o que emerge é um julgamento cívico de que o monopólio da representação e o exercício do poder político, que continua em mãos das instituições políticas, exige a obrigação por assimilar as grandes responsabilidades do momento. O atual sistema econômico requer mudanças substantivas de modo a que possamos progredir de forma significativa rumo ao desenvolvimento sustentável É possível progredir de forma significativa rumo ao desenvolvimento sustentável sem ter que fazer mudanças substantivas no atual sistema econômico que na venda de produtos. O comum a todas essas ini cia ti vas é a crença de que uma organização sustentável é mais lucrativa e melhor sucedida do que aquelas que não adotam essa postura. Quadro 5 Atores da agenda sustentável: liderança atribuída e desempenho percebido Opinião dos experts, 2012 Desafio 5: Colaboração como modelo de sucesso Um futuro favorável dependerá, em grande medida, das par ce rias multistakeholders, ferramenta vital para o desenho de soluções dian te dos complexos de sa fios do desenvolvimento sustentável. Vale lembrar a convocação feita pelo secretário- geral da ONU, Ban Ki- moon, em Davos, quase um ano atrás: Vamos juntos derrubar os muros. Os muros entre a agenda do desenvolvimento e a agenda do clima. Entre a segurança global e sustentabilidade mun dial. Essa é a base para os bons ne gó cios e para a boa política e é o que é bom para a so cie da de como um todo. A so cie da de civil, bem ava lia da no seu engajamento com a proposta de sustentabilidade, con ti nua rá tendo um papel crítico. A vasta maioria dos experts Desafio 4: Muito além da reforma do sistema Os es pe cia lis tas em sustentabilidade acreditam que nosso atual sistema econômico precisa de mudanças importantes para via bi li zar o progresso. Qua se oito em cada dez (78%) entendem que já não se trata de pequenos ajustes no modelo, e, sim, de transformações radicais. De fato, diversas opções foram discutidas na Rio+20, tais como monetizar a bio di ver si da de, atrelar a noção de desenvolvimento à conquista de bem- estar antes do que às va ria ções de acumulação de riquezas e eliminar sub sí dios aos combustíveis fósseis. Vá rias empresas já estão se antecipando a essas mudanças. Algumas, por exemplo, calculando o impacto relativo das suas emissões e seu consumo de água e energia ao longo da cadeia produtiva. Outras passaram a adotar metas que reformulam seu modelo de ne gó cios, apostando na locação e compartilhamento de serviços mais do Liderança Atribuída Em falta Governos nacionais Setor privado Instituições financeiras internacionais Nações Unidas Governos locais Desautorizados Organismos multilaterais Desempenho Ícones do modelo Parcerias multissetoriais Movimentos de base ONGs Entidades Empreendedores acadêmicas sociais e de pesquisa Promessas DEZEMBRO 2012 Ideia Sustentável 47

consultados (82%) concorda que as ONGs podem ser um dos agentes mais efi cientes e efetivos em mobilizar o conjunto da so cie da de nessa direção, se trabalharem em parceria com o mundo corporativo em vez da oposição. Por sua vez, o setor privado poderia rea li zar o máximo do seu po ten cial como agente da transição para uma economia verde e responsável se trabalhasse junto com os governos para definir regras do jogo favoráveis a um novo equilíbrio sustentável. As par ce rias multistakeholders surgem, portanto, como ícones do modelo a construir, já que a elas reputam-se um caráter de vanguarda indiscutível e uma eficácia bem su pe rior à de propostas alternativas. A chamada à colaboração é nítida. Não fica tão claro, entretanto, como essas par ce rias multissetoriais serão conduzidas. De fato, sem contar com uma liderança singular ou um mecanismo de regulação, a convergência dos vá rios setores pode perder força e propósito. Desafio 6: A revisão do conceito de sucesso empresarial O aumento de oportunidades e obrigações para o setor privado no futuro é consenso. Contudo, até pouco tempo atrás, a atitude predominante dian te da proposta de desenvolvimento sustentável passava pela apatia ou pela franca oposição. Na medida em que as Quadro 6 Abordagens corporativas mais eficazes em favor da sustentabilidade Contribuições à inovação e desenvolvimento tecnológico Cooperar com governos na formulação de um ambiente regulatório favorável Melhorar o desempenho interno em sustentabilidade Estimular os consumidores a adotar mudanças favoráveis Engajar-se em parcerias multissetoriais Mobilizar os fornecedores em iniciativas sustentáveis Engajar os colaboradores em iniciativas sustentáveis multinacionais ganharam maior peso, com cadeias produtivas globais e poder econômico su pe rior ao dos pró prios Estados, as exi gên cias se multiplicaram. Qual é a guia de atua ção mais favorável na visão dos experts? Para início de conversa, as grandes empresas po de riam forjar colaborações e par ce rias em vez de ficar esperando que a pressão da so cie da de ou a regulação do governo indiquem qual papel devem desempenhar. Não valem quaisquer par ce rias, mas sim aquelas que engajem as corporações de forma integral e estratégica nos grandes de sa fios da Agenda 21, ouvindo e incluindo os diferentes stakeholders. Oportunidades promissoras existem na cadeia de valor, com agentes que não amea cem a posição relativa da empresa ou como parte de ações programáticas do setor via entidades representativas de classe. Em segundo lugar, o mundo corporativo deveria aperfeiçoar seu desempenho em sustentabilidade com o mesmo rigor com o qual persegue a lucratividade ou a inovação. Não há dúvidas sobre os ganhos em ecoe fi ciên cia do setor privado nas últimas décadas, por meio da inovação tecnológica. De fato, essas ini cia ti vas costumam ser o passo ini cial de vá rias empresas rumo à sustentabilidade, mas precisam se tornar parte de objetivos absolutos e estratégicos. Os gestores do novo milênio devem 8 26 28 28 41 reconhecer as oportunidades hoje existentes no endereçamento das necessidades sociais e econômicas mal atendidas pelo mercado, do mesmo jeito que vêm fazendo com as ur gên cias ambientais. Desafio 7: O fim da era dos ganhos fáceis Quan do pedimos aos peritos que hierarquizem os principais de sa fios de sustentabilidade nos próximos cinco anos, o que surge como prio ri da de são ações de desenvolvimento so cial e am biental. Criar so cie da des mais justas, garantir condições de vida seguras, defender o meio am bien te e buscar mitigação das consequências de não tê-lo feito até agora aparecem como ur gên cias. A menção dessas prio ri da des é coe ren te com as impressões de resultados fracos obtidos pelas grandes instituições. Infelizmente, são também os temas percebidos como mais difíceis de avançar, o que faz deles o foco principal de qualquer ne go cia ção multistakeholder. Os temas com mais facilidade de progresso têm a ver com a inclusão ativa de novos atores (jovens e mulheres, por exemplo), a promoção de um engajamento mais amplo entre atores tradicionais (cidadãos em geral e corporações) e me lho rias pontuais (saú de, mobilidade e tec no lo gias ecoe fi cien tes). Entretanto, nem todos esses temas são percebidos como importantes. Pior ainda: há uma tendência a ava liar como menos importantes as questões mais fáceis de prosperar, correndo-se o risco de atrair as atuais lideranças para o conformismo com uma agenda compensatória antes que ancorada nas ur gên cias relevantes. As vi tó rias tranquilas simplesmente não existem. A atual rea li da de está repleta de de sa fios: os temas mais críticos justiças climática, so cial e am bien tal são os mais difíceis de lidar e construir consensos. O progresso sustentável, para ser efetivo, exigirá um esforço concentrado de compromissos multissetoriais para equacionar assuntos polêmicos. 48 Ideia Sustentável DEZEMBRO 2012

Na Cabeceira Quadro 7 A construção da agenda: importância dificuldade em progredir nos temas da sustentabilidade Opinião dos experts, 2012 Agenda de consenso Agenda de negociação Importância Mobilizar a juventude Melhorar ecoeficiência Mais participação cidadã Mais RSE Melhorar saúde Emponderar as mulheres Transporte sustentável de bens Transporte pessoal sustentável Agenda de compensação Próximos passos Há anos a boa ciên cia vem indicando a necessidade de agir com urgência, mas a política e a prática ins ti tu cio nal lidam com prazos bem mais alongados. A Rio+20 concluiu-se com metas de cla ra tó rias para daqui a 10 anos. Representações empresariais, como o World Business Council for Sustainable Development, cobram resultados até 2050. É claro que objetivos am bi cio sos de longo prazo são pertinentes, mas eles podem distrair-se da necessidade de ação ime dia ta, algo que de fato já aconteceu no passado recente com o Protocolo de Kyoto e outras inicia ti vas, gerando frustração. A missão é em definitivo a de encarar os anos turbulentos que vêm pela frente. Anos que irão se caracterizar por saltos tecnológicos formidáveis e também mais calamidades climáticas; ganhos em efi ciên cia Garantir segurança alimentar Garantir acesso à água Adaptação às mud. climáticas Criar sociedades mais justas Reduzir emissões GHG Proteger a biodiversidade Mais bem-estar econômico Garantir acesso à energia Educar sobre mudanças climáticas Dificuldade em progredir Agenda preterida e crescente colapso das megacidades, como São Paulo ou Rio de Janeiro; políticas bem- sucedidas de economia verde e contínua degradação am bien tal com desmatamento, mudanças radicais nos padrões de consumo e descarte de bens e boom da demanda pelos nove bilhões de seres humanos po voan do o planeta até 2050. Dian te desse quadro, a mensagem dos experts e do público geral pela ação proa ti va, em par ce rias e revisando-se os modelos de atua ção que hoje geram decepção com governos e outras entidades, precisa ser ouvida. A Market Analysis é um instituto de pesquisas especializado em sustentabilidade e responsabilidade social, parceiro de Ideia Sustentável na produção de conteúdos para os Dossiês e análises de tendências, bem como na realização de pesquisas customizadas e gestão de conhecimento para empresas clientes. EM DIA COM AS NORMAS Se, nos dias de hoje, uma empresa ainda deixa de, ao menos, discutir o tema da responsabilidade so cial corporativa e sua inserção na estratégia do negócio, já pode ser tarde para garantir um lugar no mercado em um futuro próximo. Quando se observa um movimento mun dial em torno do tema, ignorá-lo, então pode até ser uma ousadia, mas certamente irresponsável. Incontáveis são as ini cia ti vas de com panhias, institutos, ONGs e outras organizações no sentido de promover um melhor re la cio namen to entre sua atua ção e a so cie da de. Com ampla e completa cobertura sobre o assunto, Responsabilidade So cial Em pre sa rial e Empresa Sustentável da Teo ria à Prática, de José Carlos Bar bie ri e Jorge Ema nuel Reis Cajazeira, chega agora à segunda edição, revista e atua li za da. Em dia com as normas ISO 26000, IQNet 10, a última versão do PAS 99 (para sistemas de gestão integrada) e NBR 16001, aprovada na Rio+20, a obra detalha o conceito de responsabilidade social corporativa e discute sua aplicação com toda a profundidade e abrangência ne ces sá rias. Recomendações de leitura, portanto, não faltam. Os pre fá cios são assinados pelo empresário e recém- eleito ve rea dor por São Paulo, Ricardo Young, e pelo coor de na dor geral da Secretaria Executiva da Rede Nossa São Paulo, Oded Grajew. (Fábio Congiu) Responsabilidade So cial Em pre sa rial e Empresa Sustentável da Teo ria à Prática José Carlos Bar bie ri e Jorge Ema nuel Reis Cajazeira Editora Saraiva, 4 págs. R$ 64,00 DEZEMBRO 2012 Ideia Sustentável 49