KEYWORDS. Blue crab, abundance, Bayesian inference, hierarchical models, stochastic simulation.
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- Lavínia Gesser Schmidt
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1 Iheringia, Série Zoologia DOI: / Modelagem de ocorrência e densidade de juvenis de Callinectes sapidus (Decapoda, Portunidae) em dois estuários do Rio Grande do Sul, com dados zero-inflacionados Ana Carolina Braga Martins 1, Marcos Alaniz Rodrigues 2 & Paul Gerhard Kinas 1,3 1. Laboratório de Estatística Ambiental, Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Av. Itália Km 8, , Rio Grande, RS, Brasil. (ana.carolbm@hotmail.com) 2. Laboratório de Crustáceos Decápodes, Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Av. Itália Km 8, , Rio Grande, RS, Brasil. (alanizmarcos@gmail.com) 3. Instituto de Matemática, Estatística e Física, Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Av. Itália Km 8, , Rio Grande, RS, Brasil. (paulkinas@furg.br) ABSTRACT. Occurrence and density modeling of juvenile Callinectes sapidus (Decapoda, Portunidae) in two estuaries in Rio Grande do Sul state, with zero-inflated data. Zero-inflated counting data of juvenile blue crabs (Callinectes sapidus Rathbun, 1896) collected in two estuaries of Rio Grande do Sul are the object of the present study. These data led to the formulation of hierarchical models that quantify the effect of categorical covariates months and location on the probability of occurrence and density of these populations, taking imperfect detection into account. Nonhierarchical models were also developed for comparison. A Bayesian approach was adopted for estimating model parameters using the Markov Chain Monte Carlo (MCMC) simulation technique. Model comparison was performed according to the Deviance Information Criterion (DIC). Hierarchical models resulted in better fits than conventional ones, mitigated the problem of excess zeros and allowed for simultaneous analysis of the probability of occurrence and the density of juvenile blue crab. The probability of occurrence of Class 2 juveniles in the Lagoa dos Patos estuary increases at larger distance from the mouth while in Tramandaí the occurrence is more likely for intermediate distances. In both estuaries the occurrence is more likely in the summer and winter months. Regarding density of Class 2 juveniles, there is marked variation among the months of the year; and is overall higher in the Tramandaí estuary. KEYWORDS. Blue crab, abundance, Bayesian inference, hierarchical models, stochastic simulation. RESUMO. Dados de contagem de juvenis de siri-azul (Callinectes sapidus Rathbun, 1896) coletados em dois estuários do Rio Grande do Sul são objeto do presente estudo. Por se encontrarem zero-inflacionados, esses dados motivaram a formulação de modelos hierárquicos, que quantificam o efeito das covariáveis categóricas mês e local sobre a probabilidade de ocorrência e densidade dessas populações, levando em conta a detecção imperfeita. Foram também desenvolvidos modelos não-hierárquicos para comparação. Uma abordagem Bayesiana foi adotada para a estimação dos parâmetros dos modelos por simulação Monte Carlo com Cadeias de Markov (MCMC). A comparação entre modelos foi feita com o Critério de Informação da Deviância (DIC). Os modelos hierárquicos apresentaram ajustes melhores que os modelos convencionais, mitigaram o problema do excesso de zeros e permitiram analisar simultaneamente as probabilidades de ocorrência e a densidade de juvenis de siri-azul. No estuário da Lagoa dos Patos, a probabilidade de ocorrência de juvenis na Classe 2 aumenta com a distância da desembocadura, enquanto em Tramandaí os pontos intermediários apresentam as maiores probabilidades. Em ambos os estuários a ocorrência é mais provável nos meses de verão e de inverno. A densidade de juvenis da Classe 2 apresenta marcada variação em relação aos meses do ano sendo, em geral, maior no estuário de Tramandaí. PALAVRAS-CHAVE. Siri-azul, abundância, modelos hierárquicos, inferência Bayesiana, simulação estocástica. O siri-azul (Callinectes sapidus Rathbun, 1896) é a espécie mais abundante de Callinectes, e foi citada por Topin & Souza (1982) como a espécie de crustáceos mais numerosa na Lagoa dos Patos. Dentro do gênero também é a espécie mais bem sucedida em águas temperadas (norse, 1977). Ela ocorre no litoral do Atlântico Ocidental de forma disjunta e foi citada para duas áreas, sendo a primeira entre os Estados Unidos e a Venezuela, e a segunda entre o Brasil e a Argentina (SanToS & D incao, 2004). Callinectes sapidus habita desde a região entre marés até 90 m de profundidade, em baías, estuários e lagoas (Melo, 1996). É uma espécie eurialina hiperosmorreguladora que habita os estuários e regiões oceânicas adjacentes em fundos lamosos e arenosos, sendo mais frequentemente encontrados em até 35 m de profundidade (WilliamS, 1974). A longevidade do siri-azul na Lagoa dos Patos foi estimada em 3,45 anos (fêmeas) e 3,50 anos (machos) (rodrigues & D incao, 2008). De acordo com WilliamS (1984), os indivíduos realizam de 18 a 22 mudas durante a vida. Em regiões tropicais, se reproduz durante todo o ano, enquanto que em regiões temperadas, como é o caso do Rio Grande do Sul, a reprodução restringe-se à estação quente (WilliamS, 1974). A cópula geralmente ocorre em regiões do estuário com baixa salinidade (menor que 10); em seguida as fêmeas migram para áreas de maior salinidade, próximas à entrada do estuário, onde os ovos eclodem em larvas (millikin & WilliamS, 1984). Após o desenvolvimento larval, os juvenis migram para o interior de estuários à procura de águas de menores salinidades (WilliamS, 1984). No estuário da Lagoa dos Patos (RS), foi observado um período de cópula entre outubro e novembro e um período de desova de janeiro a fevereiro na área oceânica adjacente aos molhes da Barra de Rio Grande (Topin & Souza, 1982). Em levantamento efetuado nos estuários da Lagoa dos Patos-RS e de Tramandaí-RS por um dos autores com o objetivo de avaliar os efeitos de estação do ano e distância da desembocadura do estuário sobre a densidade de indivíduos resultou em um número elevado de zeros
2 126 Martins et al. (mais de 65 % das observações) nos dados de captura, sugerindo interferência de detecção imperfeita no processo de amostragem (Fig. 1), o que motivou este estudo. O Complexo Tramandaí-Armazém forma um corpo de água com características estuarinas, comunicando-se com o mar através de um canal de 1,5 km de extensão e 100 m de largura. A profundidade média do sistema é de 1,5 m (SchWarzbolD & Schafer, 1984). Em contraste, a Lagoa dos Patos é a maior laguna costeira estrangulada do mundo, e comunica-se com o Atlântico Sul pelo canal de entrada de 20 km de extensão e de 0.5 a 3 km de largura, com profundidade média de 15 m, que atenua os avanços da onda de maré para dentro do estuário. O vento é o principal fator controlador da circulação e dispersão na Lagoa dos Patos (Kjerfve, 1986). A modelagem das distribuições animal e vegetal é uma área importante e ativa nas pesquisas ecológicas e suas aplicações (kéry, 2010). No entanto, para obter um bom ajuste aos dados, modelos probabilísticos apropriados precisam ser utilizados. Um método frequentemente aplicado para determinar a ocorrência das espécies em determinada unidade de amostragem espacial é a regressão logística (ohlson, 1980), na qual a probabilidade de ocorrência é modelada sob a premissa de detecção perfeita, utilizando indicadores binários (presença-ausência) para saber se uma espécie foi encontrada (1) ou não (0) em cada unidade de amostragem (kéry, 2010). Uma questão fundamental, e frequentemente ignorada, nestes modelos convencionais de distribuição de espécies, é a probabilidade de detecção ou detectabilidade (p), que para a maioria das espécies é imperfeita (p < 1), isto é, uma espécie não será sempre detectada onde e quando ela ocorre (kéry, 2010). Por conta disso é comum em estudos de Ecologia dispor de dados de contagem zero-inflacionados. martin et al. Fig. 1. Frequência de animais na Classe 2, sugerindo dados zeroinflacionados. (2005) ressaltaram que um zero pode acontecer de forma verdadeira ou falsa. Um zero verdadeiro representa a não-ocorrência no local amostrado. Um zero falso (ou aleatório) ocorre quando o indivíduo, embora presente, não é detectado. Essa detecção imperfeita pode ser causada por falha do amostrador utilizado ou um víés visual do observador. Uma nova classe de modelos chamados siteoccupancy models é capaz de estimar a distribuição de espécies livre da distorção devido à detecção imperfeita. Trata-se de uma extensão da regressão logística, que estima a verdadeira probabilidade de ocorrência e os fatores que a afetam, corrigindo simultaneamente a detecção imperfeita (kéry, 2010). Apesar da sua importância em estudos de Ecologia, a ocorrência descreve pouco a respeito de estados demográficos, caracterizando de forma imprecisa e incompleta a dinâmica da população. Inferências mais concisas sobre mudanças na população podem ser feitas pela conexão entre ocorrência e abundância, já que altas densidades correspondem a áreas mais ocupadas e viceversa (Dorazio, 2007). Quando determinado local apresenta ao menos um indivíduo (N>0) há ocorrência; inferência para o número de indivíduos presente em uma área pré-definida, N, é determinar a abundância. Ocorrência é um processo que governa como os indivíduos estão distribuídos no espaço, enquanto, a abundância associada a outros parâmetros governam a dinâmica deste processo (royle & Dorazio, 2008). Segundo kéry (2010), assim como o modelo site-occupancy para ocorrência, um modelo hierárquico denominado modelo de mistura binomial é capaz de estimar a abundância sem o viés de detecção. O modelo é uma versão generalizada do modelo familiar de regressão de Poisson que acomoda sobre-dispersão com a inflação de zeros devido a detecção imperfeita. Modelos de regressão que levam em conta esse tipo de sobre-dispersão são chamados Binomial zero-inflacionados (ZIB) e Poisson zero-inflacionados (ZIP), respectivamente. O último representa um conjunto de dois Modelos Lineares Generalizados acoplados: uma regressão logística que estima ocorrência, e uma regressão de Poisson que descreve a variação na abundância condicionada a ocorrência (kéry, 2010). Esta estrutura acoplada é um tipo particular de modelo linear hierárquico que permite que cada um dos níveis de hierarquia seja especificado separadamente. Também permite a incorporação de covariáveis e de efeitos aleatórios associados especificamente a cada um dos níveis o que ajuda a explicar as diferentes fontes de variabilidade da variável resposta (natis, 2001). A estrutura hierárquica é uma ferramenta conceitual que enfatiza a construção de modelos probabilísticos que representem com mais realismo o processo que deu origem ao conjunto de dados, respeitando as particularidades inerentes a cada processo de amostragem (royle & Dorazio, 2008). Tal entendimento é fundamental para o desenvolvimento de
3 Modelagem de ocorrência e densidade de juvenis de Callinectes sapidus modelos inferenciais adaptados à amostragem específica e cenários ecológicos. O objetivo deste trabalho é desenvolver uma análise estatística com modelos hierárquicos para estudo simultâneo de ocorrência e abundância do siri-azul Callinectes sapidus a partir de dados zero-inflacionados. A abordagem proposta não é específica, sendo aplicável em estudos ecológicos sempre que dados de contagem se apresentem zero-inflacionados. MATERIAL E MÉTODOS Descrição dos dados de siri-azul. Entre novembro de 2008 e abril de 2010, nos estuários de Tramandaí (TD) e Lagoa dos Patos (LP), Rio Grande do Sul - RS, foram realizadas coletas mensais em quatro pontos prédeterminados em cada estuário, totalizando oito pontos (Fig. 2, Tab. I). Procurou-se encontrar pontos que pudessem caracterizar os estuários segundo sua proximidade com a desembocadura do canal. Seguindo este critério, na LP o ponto 1 foi considerado barra do estuário por ser o mais próximo da desembocadura, o ponto 2 foi considerado baixo estuário, o ponto 3 médio estuário e o ponto 4 interior do estuário. De maneira análoga foram caracterizados, respectivamente, os pontos 5, 6, 7 e 8 de TD. Foi utilizada uma rede do tipo Renfro (renfro, 1963) com malha do copo coletor de 500 µ e malha da rede de 5 mm entre nós opostos. A tralha inferior da rede é rígida, com 1,8 m. O cabo utilizado em TD possui 50 m, totalizando 90 m 2 de área varrida, enquanto o cabo utilizado na LP tem 36 m, totalizando 64 m 2 de área varrida. Em cada um dos oito pontos de coleta foram feitos até quatro arrastos. Os indivíduos coletados foram identificados segundo melo (1996) e kennedy & cronin (2007), e divididos em quatro diferentes classes segundo a largura de carapaça, medida na maior largura entre os espinhos ântero-laterais (orth & van montfrans, 1987; millikin & WilliamS, 1984): Classe 1 (menores de 4,25 mm de carapaça, considerados recém assentados e 1º e 2º juvenis), Classe 2 (de 4,25 a 11,00 mm, 3º até 7º juvenis), Classe 3 (de 11,00 a 24,90 mm, 8º até 12º juvenis) e Classe 4 (acima de 25,00 mm, pré-adultos); a Classe 2 foi o primeiro segmento recrutado da população. Foram utilizados na biometria somente animais que tivessem os espinhos laterais íntegros, e que não apresentassem deformidades. Devido à importância da Classe 2 e ao fato de que as classes de tamanho têm dinâmicas diferentes (orth & van Tab. I. Coordenadas geográficas dos oito pontos de coleta nos estuários da Lagoa dos Patos e de Tramandaí, Rio Grande do Sul, Brasil. Estuário Lagoa dos Patos Estuário Tramandaí Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Barra do estuário (Praia do Graxa): S O Baixo Estuário (Saco da Mangueira): S O Médio Estuário (Ponta da Marambaia): S 52º O Interior do estuário (Saco do Mendanha): S 52º O Ponto 5 Ponto 6 Ponto 7 Ponto 8 Barra do estuário: S O Baixo Estuário (Ponta do Mosquito): S O Médio Estuário (Fundos do Estuário): S O Interior do estuário (Saco do Armazém): S O Fig. 2. Locais de amostragem no estuário da Lagoa dos Patos e no estuário de Tramandaí, Rio Grande do Sul, Brasil.
4 128 Martins et al. montfrans, 1987), este trabalho considerou unicamente a Classe 2 como forma de ilustrar as possibilidades do método de análise aqui proposto. Análise Estatística. As análises estatísticas foram executadas com abordagem Bayesiana (kinas & andrade, 2010), que se caracteriza pela construção de uma distribuição de probabilidade posterior para os parâmetros desconhecidos do modelo via Teorema de Bayes. Esta distribuição resulta da combinação de informações prévias (quando disponíveis), sumarizadas em uma distribuição denominada priori, com os dados coletados e descritos por algum modelo estatístico resumido na função de verossimilhança. Toda inferência é conduzida a partir da distribuição posterior que, em princípio, é a descrição completa e atualizada das incertezas remanescentes. Modelos lineares generalizados para ocorrência e abundância. Para a função de verossimilhança considerouse que as contagens de indivíduos y [i para a observação i = (0, 1, 2,...n), onde n é o número total de unidades amostrais, seguem uma distribuição de Poisson com média λ [i = μ [i. a [i, com μ [i = abundância média por unidade de área (= densidade) associada à observação i e a [i = área varrida na observação i. Assim, o modelo global para abundância é descrito pelos componentes: y [i ~ Poisson (λ [i ) log (λ [i ) = log(μ [i ) + (log(a [i )) log(μ [i ) = β 1 [mês [i log(μ [i ) = β 2 [local [i log(μ [i ) = β 1 [mês [i + β 2 [local [i Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Sendo mês [i um número em {1, 2,..., 12} conforme os meses de janeiro a dezembro; e local [i um número em {1, 2,..., 8} de acordo com o ponto em que a amostragem foi efetuada. A inserção do log(a [i ) no modelo é necessária, visto que a área varrida foi diferente entre observações em função do tamanho da rede em cada estuário e do número de arrastos efetuados. O logaritmo da densidade sofre incremento ou decréscimo, de acordo com a covariável inserida. Esses efeitos estão caracterizados pelos 12 parâmetros constituindo o vetor β 1 e os 8 parâmetros do vetor β 2. Diferentes combinações das covariáveis mês e local foram utilizadas na elaboração dos modelos 1, 2 e 3. Estes modelos não incorporaram a estrutura hierárquica. Para incorporar detecção imperfeita, definiuse a variável descritora de ocorrência (z [i = 1) ou nãoocorrência (z [i = 0) do siri-azul durante o período de estudo. Para descrevê-la utilizou-se uma distribuição de Bernoulli (bussab & morettin, 2002), governada pelo parâmetro ψ [i (probabilidade de ocorrência). O número observado de indivíduos y [i continua sendo descrito como uma distribuição de Poisson, porém agora condicionado a z [i = 1. Quando z [i = 0, a abundância y [i é igual a 0 por dedução (isto é, com probabilidade 1). Os modelos 4 e 5 que incorporam ocorrência tem o intuito de separar a abundância da probabilidade de ocorrência, e são descritos pelos seguintes componentes: 1 Nível Hieráquico: z [i ~ Bernoulli (ψ [i ) logit (ψ [i ) = log (ψ [i (1 - ψ [i ) -1 ) logit (ψ [i ) = β 1 [mês [i logit (ψ [i ) = β 2 [local [i 2 Nível Hierárquico: y [i ~ Poisson (λ [i. z [i ) log (λ [i ) = log(μ [i ) + log(a [i ) log(μ [i ) = β 2 [local [i log(μ [i ) = β 1 [mês [i Modelo 4 Modelo 5 Quando z [i = 1 Modelo 4 Modelo 5 No Modelo 4 pressupõe-se que os meses do ano influenciam predominantemente a ocorrência enquanto abundância é predominantemente afetada pelo local. No Modelo 5 essa hipótese é revertida. A fim de avaliar o impacto do modelo hierárquico sobre as estimativas de densidade, as médias posteriores dos coeficientes dos Modelos 1 e 4 foram plotadas no mesmo gráfico (Fig. 6) e similarmente para os Modelos 2 e 5 (Fig. 7). Na abordagem Bayesiana uma distribuição de probabilidade para os efeitos β 1 e β 2 devem ser especificadas a priori, levando-se em conta toda a informação externa aos dados coletados e que tem relevância para o fenômeno em estudo. Estas informações podem provir tanto de trabalhos observacionais e experimentais pretéritos, quanto de informações científicas mais gerais (e.g., teorias ecológicas, biogeografia, etc.) (andrade & kinas, 2008). Alternativamente, prioris de referência, ou nãoinformativas, são apropriadas quando não há, ou não se deseja incorporar, outros conhecimentos relevantes. Neste estudo, as prioris utilizadas para os componentes de β 1 e β 2 foram não-informativas e descritas como tendo distribuição normal, com média 0, variância extremamente grande (1000) e covariâncias 0. A distribuição posterior conjunta dos vetores β 1 e β 2 foi obtida pelo método de simulação estocástica de Monte Carlo com Cadeias de Markov (MCMC) (kinas & andrade, 2010), obtidas com uma Cadeia de Markov de valores. Foi feito um descarte dos valores iniciais ( burn-in ) para eliminar a dependência do valor inicial, e a retenção de 1 valor a cada 2 ( thinning ) para garantir uma independência entre os valores, totalizando uma distribuição posterior de valores. Análises de diagnóstico efetuadas preliminarmente e não mostradas aqui, verificaram que esta configuração das simulações era satisfatória para indicar estacionariedade da Cadeia de Markov. Para a implementação do algoritmo MCMC foi utilizado o programa OpenBugs (ThomaS et al., 2006) através das bibliotecas BRUGS (ThomaS et al., 2006) e
5 Modelagem de ocorrência e densidade de juvenis de Callinectes sapidus R2WinBUGS (STurTz et al., 2005). Os demais cálculos estatísticos e a geração das figuras foram efetuados com o Software R (R DevelopmenT core Team, 2008) versão A escolha do modelo com o melhor ajuste foi feita com base no critério do mínimo valor de Critério de Informação de Deviância (DIC) (SpiegehalTer et al., 2002). Um modelo cujo DIC está ao menos 10 unidades abaixo do valor seguinte pode ser considerado como sendo superior ao seu concorrente em qualidade de ajuste (royle & Dorazio, 2008). RESULTADOS Modelos Lineares Generalizados para Ocorrência e Densidade. A Tabela II contém as médias posteriores dos parâmetros β 1 e β 2 nos diferentes modelos. Os modelos estão ordenados do pior DIC (mais alto) ao melhor DIC (mais baixo). Observa-se que as covariáveis mês e local quando utilizadas isoladamente (Modelos 1 e 2) apresentam um DIC mais alto em comparação com o modelo em que as duas são incorporadas (Modelo 3), indicando que ambas são úteis na descrição da densidade. As distribuições posteriores marginais dos efeitos de local e do mês sobre a densidade para o Modelo 3 estão sumarizados com diagramas de caixa na Fig. 3. Os Modelos 4 e 5 (Figs 4, 5) apresentaram os menores DIC, indicando que as estruturas hierárquicas que incorporam a probabilidade de ocorrência melhoraram os ajustes aos dados. A diferença entre os Modelos 4 e 5 está na covariável utilizada para explicar a probabilidade de ocorrência. No Modelo 4 esta covariável foi o mês, enquanto no Modelo 5 foi o local. Conforme o critério de menor DIC, a formulação mais adequada é modelar a probabilidade de ocorrência em função do local e a densidade em função de mês do ano (Modelo 5). As Figuras 6 e 7 mostram uma comparação entre as médias posteriores dos coeficientes dos Modelos 1 e 4, e Modelos 2 e 5 (melhor modelo), respectivamente. Nos dois casos as estimativas de densidade por m 2 apresentam padrão semelhante; mas evidenciam densidades consistentemente maiores nos modelos hierárquicos. Ou seja, ao modelar parte dos zeros como provável não-ocorrência de indivíduos da Classe 2, suas densidades (quando ocorrem) são mais elevadas que aquelas estimadas nos modelos nãohierárquicos. As estimativas de densidade dos Modelos 4 e 5 também foram comparadas com as estimativas do Modelo 3 (Tab. III). As médias posteriores das densidades por m 2 são igualmente maiores nos modelos hierárquicos. Os dois estuários apresentam diferenças entre si quanto à relação da probabilidade de ocorrência e o local de coleta; enquanto na LP a probabilidade de ocorrência aumenta desde a boca do estuário até o seu interior, em TD esta probabilidade é maior no baixo e médio estuário. Por outro lado, associando a ocorrência aos meses, vemos que em ambos os estuários a classe de tamanho 2 pode ocorrer nos 12 meses do ano; porém a probabilidade de encontrá-lo é muito pequena de setembro a dezembro, alta nos meses de verão (janeiro, fevereiro e março) tendo um decréscimo no início do outono e voltando a subir novamente no inverno (junho, julho e agosto). Em relação à densidade, os locais na LP e em TD apresentaram maiores distinções. Na LP, a densidade aumentou de acordo com o afastamento da barra em direção ao interior do estuário, sendo as menores densidades na boca e baixo estuário. Já em TD as maiores densidades são nos dois pontos definidos como boca e baixo estuário (pontos 5 e 6). Ao analisarmos a variação temporal da densidade, esta se mostrou alta nos meses de verão, tendo um decréscimo a partir de abril; voltando a subir logo após, sendo os maiores valores estimados no inverno, e um importante decréscimo no final do ano, exceto no mês de outubro. DISCUSSÃO Modelos lineares generalizados com variáveis explanatórias exclusivamente categóricas são extensões de análise de variância. Esta generalização também possibilita modelar variáveis com respostas discretas; no caso, a contagem de indivíduos, utilizando a distribuição de Poisson (kinas & andrade, 2010). Apesar de os princípios conceituais da estatística Bayesiana serem conhecidos há bastante tempo entre estatísticos, seu uso e divulgação entre profissionais de outras áreas da ciência é mais recente. A estatística Bayesiana tem despertado um interesse crescente, particularmente em Ecologia (kinas & andrade, 2010). Ela permite, por exemplo, a incorporação da estrutura hierárquica; o que seria de implementação extremamente difícil com a estatística Frequentista (convencional). Este trabalho é o primeiro a utilizar Modelos Hierárquicos, como descrito por kéry (2010); para estudo de populações de C. sapidus. Muitos zeros do banco de dados possivelmente são devidos a não-ocorrência da espécie no momento da coleta. Ao incorporar a estrutura hierárquica, foi possível separar os zeros devido a dificuldade de captura quando há baixa densidade, dos zeros devido a não-ocorrência. Assim, os modelos hierárquicos acabaram por estimar maiores densidades médias em comparação com os modelos que estimam a densidade sem distinguir os vários tipos de zeros. Como a grande maioria dos modelos utilizados em estudos ecológicos convencionais se enquadram entre estes últimos, fica a advertência sobre a provável subestimativa de densidade produzida nestas condições. O que parecia ser mais plausível ecologicamente seria a ocorrência explicada pelos meses, e a densidade pelos locais. Porém, o modelo hierárquico que resultou em um melhor ajuste pelo critério DIC nos informa que, ao menos no que diz respeito aos dados analisados neste estudo, a ocorrência dos juvenis de siri-azul na Classe 2 é melhor explicada pelas diferenças entre locais, e a variação de densidade pelos meses do ano.
6 130 Martins et al. Tab. II. Modelos com as respectivas covariáveis. As médias dos coeficientes estão no corpo da tabela. Por último, os respectivos valores de DIC (Critério de Informação da Deviância). Covariáveis Meses Locais Modelos DIC Tab. III. Médias das densidades por m 2 da distribuição posterior para os Modelos 3, 4 e 5 com o respectivo desvio padrão entre parênteses. Covariáveis Meses Locais Modelos (0.0008) (0.0024) (0.0016) (0.0023) (0.0010) (0.0024) (0.0005) (0.0017) (0.0007) (0.0052) (0.0009) (0.0026) (0.0032) (0.0073) (0.0026) (0.0039) (0.0005) (0.0115) (0.0007) (0.0147) (0.0001) (0.0006) (0.0002) (0.0010) (0.0008) (0.0033) (0.0007) (0.0026) (0.0013) (0.0020) (0.0020) (0.0022) (0.0013) (0.0036) (0.0024) (0.0032) (0.0013) (0.0023) (0.0016) (0.0047) -- A covariável mês permitiu analisar o efeito sazonal sobre a densidade de indivíduos. Tanto o Modelo 3 quanto o Modelo 5 indicam um pico de densidade da Classe 2 em julho. No entanto, apenas o modelo hierárquico identifica um segundo pico em outubro. Ao incorporar probabilidade de ocorrência na análise, aquilo que no Modelo 3 era entendido simplesmente como baixa densidade em outubro, passou a ser uma combinação entre alta densidade quando a Classe 2 ocorre associado a uma baixa probabilidade de ocorrência desta classe no mês de outubro. RoDrigueS et al. (2011), em um estudo sobre a fecundidade do siri-azul na LP, encontraram fêmeas ovígeras de novembro de 2008 a maio de Isso pode explicar uma maior densidade e ocorrência desses juvenis nos meses de verão. Porém ainda há o pico de abundância no inverno. De acordo com BliSS (1982), se o acasalamento
7 Modelagem de ocorrência e densidade de juvenis de Callinectes sapidus Fig. 3. Intervalos Bayesianos de Credibilidades de 50% (caixa) para as densidades por Locais (esquerda) e por Meses (direita) de indivíduos da Classe 2 para o Modelo 3. As linhas horizontais centrais (caixa) indicam as medianas dos valores, os limites superiores e inferiores (caixa) representam o 1 e 3 quartil, respectivamente, e as linhas superiores e inferiores (fora da caixa) os maiores e menores valores, respectivamente. Os locais referentes à LP estão em azul, e os referentes à TD estão em verde. Fig. 4. Intervalos Bayesianos de Credibilidades de 50% (caixa) para probabilidade de ocorrência por Meses (esquerda) e densidade por Locais (direita) de indivíduos da Classe 2 para o Modelo 4. As linhas horizontais centrais (caixa) indicam as medianas dos valores, os limites superiores e inferiores (caixa) representam o 1 e 3 quartil, respectivamente, e as linhas superiores e inferiores (fora da caixa) os maiores e menores valores, respectivamente. Os locais referentes à LP estão em azul, e os referentes à TD estão em verde. ocorrer no final do verão, a fêmea pode realizar uma postura nesse período e ainda reter espermatozóides suficientes para posterior utilização. Além dos fatores bióticos supracitados, sabe-se que, embora a espécie tenha plasticidade perante fatores ambientais (SanToS et al., 2000), fatores abióticos como salinidade, temperatura e sedimentologia podem influir na densidade e na distribuição de indivíduos de C. sapidus (van montfrans et al., 1990). A covariável local nos indica como a espécie se distribui espacialmente nos pontos dos estuários. O modelo hierárquico com melhor ajuste mostrou que na Lagoa dos Patos a probabilidade de ocorrência da Classe 2 é duas vezes maior no médio e alto estuário, em comparação com a boca e baixo estuário. Em contraste, no estuário Tramandaí-Armazém, os pontos na boca do estuário e no baixo estuário apresentam as maiores probabilidades de ocorrência desta classe de tamanho. Um provável motivo para estas distinções são as diferenças hidrodinâmicas entre os dois estuários, onde Tramandaí-Armazém tem sua dinâmica controlada pela maré (ramos & vieira, 2001), ao contrário do estuário da Lagoa dos Patos, onde a intensidade e direção dos ventos são determinantes dos períodos de enchente/vazante (möller et al., 1991).
8 132 Martins et al. Fig. 5. Intervalos Bayesianos de Credibilidades de 50% (caixa) para probabilidade de ocorrência por Locais (esquerda) e densidade por Meses (direita) de indivíduos da Classe 2 para o Modelo 5. As linhas horizontais centrais (caixa) indicam as medianas dos valores, os limites superiores e inferiores (caixa) representam o 1 e 3 quartil, respectivamente, e as linhas superiores e inferiores (fora da caixa) os maiores e menores valores, respectivamente. Os locais referentes à LP estão em azul, e os referentes à TD estão em verde. Fig. 6. Comparação entre as médias posteriores dos coeficientes do Modelo 1 (linha inteira) e do Modelo 4 (linha pontilhada) indicando o efeito da probabilidade de ocorrência sobre o logaritmo da densidade de indivíduos da Classe 2. SanToS et al. (2000), em estudo sobre a composição e distribuição de crustáceos decápodos na Lagoa do Peixe - RS, encontraram o siri-azul em todos os pontos amostrados. O presente estudo mostra que, para os estuários da Lagoa dos Patos e Tramandaí-Armazém, há também a probabilidade de coletar a espécie em todos os pontos amostrados, apesar de esta probabilidade ser maior em determinados pontos, como mostram os resultados aqui obtidos. Embora C. sapidus seja uma das espécies estuarinas mais estudadas (epifanio, 1995), ainda existem lacunas a serem preenchidas no entendimento do ciclo de vida para as populações dos estuários Lagoa dos Patos e Tramandaí- Armazém. Pode se destacar os trabalhos de oliveira et Fig. 7. Comparação entre as médias posteriores dos coeficientes do Modelo 2 (linha inteira) e do Modelo 5 (linha pontilhada) indicando o efeito da probabilidade de ocorrência sobre o logaritmo da densidade de indivíduos da Classe 2. al. (2006), sobre a dieta da espécie, rodrigues & D incao (2008) e ferreira & D incao (2008) sobre crescimento e RoDrigueS et al. (2011) sobre fecundidade, todos na Lagoa dos Patos. O presente estudo é o primeiro a ser realizado com populações de juvenis no estuário de Tramandaí- Armazém e expande o conhecimento a respeito da espécie nesses dois estuários estudados. CONCLUSÕES O melhor modelo hierárquico desenvolvido (Modelo 5) se adequou aos dados de distribuição, sendo superior aos não-hierárquicos em qualidade de ajuste; e possibilitou a modelagem de ocorrência e abundância da classe de
9 Modelagem de ocorrência e densidade de juvenis de Callinectes sapidus tamanho 2 da espécie nos dois estuários. Ao separarmos apenas uma classe dos juvenis para análise (Classe 2) foi possível observar seus padrões de distribuição. Esta distribuição se dá de forma heterogênea nos estuários, com o estuário de Tramandaí-Armazém apresentando um aumento da probabilidade de ocorrência nos pontos próximos da desembocadura, e no estuário da Lagoa dos Patos ocorrendo o contrário, com um aumento de ocorrência em regiões mais internas. A densidade de indivíduos é alta nos meses de verão, tendo um decréscimo a partir de abril; voltando a subir logo após; com os maiores valores estimados no inverno, e um importante decréscimo no final do ano, exceto no mês de outubro. Estudos futuros que analisem separadamente os parâmetros relativos a cada classe de tamanho dos juvenis podem fornecer informações valiosas e um entendimento mais completo sobre a dinâmica da população e biologia da espécie. Agradecimentos. Ao CNPq pela bolsa de iniciação científica cedida durante o desenvolvimento do estudo, e aos Laboratórios de Estatística Ambiental e de Crustáceos Decápodos (FURG), por disponibilizarem as instalações onde o trabalho foi conduzido. O trabalho faz parte das atividades desenvolvidas no âmbito do Grupo de Pesquisa Estatística Ambiental do CNPq e foi desenvolvido pela primeira autora como trabalho de conclusão do Bacharelado em Biologia, sob a orientação do último autor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS andrade, h. a. & kinas, p. G Inferência em Ecologia: Comentários e um exemplo. Atlântica 30(2): BliSS, D. E Shrimps, Lobsters and Crabs, their fascinating life story. New Jersey, New Century Publishers. 242p. bussab, W. o. & morettin, p. a Estatística Básica. São Paulo, Saraiva. 526p. Dorazio, r. m On the choice of statistical models for estimating occurrence and extinction from animal surveys. 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