Resenha Teatro, performance
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- Aurora Zagalo Peixoto
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3 Resenha Teatro, performance e p e d a g o g i a p r o f a n a 1 TRANSE Laboratório Transdisciplinar de Estudos sobre a Performance (UFMG) 2 Teatro, performance e pedagogia profana João Gabriel Lima Cruz Teixeira Brasília: Editora UnB ISBN: O Autor: Docente Pesquisador Sênior do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, desde Especializou-se em Sociologia da Arte e desenvolve seus projetos de pesquisa prática e teórico-prática a partir do Transe - Laboratório Transdisciplinar de Estudos sobre a Performance, que congrega pesquisador@s de Brasília, São Paulo (em parceria com o Napedra- Núcleo de Antropologia, Performance e Drama do Departamento de Antropologia da USP/ SP), Goiás, Minas Gerais e Bahia. Seu trabalho gerou publicações diversas, espetáculos cênicos e performáticos, seminários, dissertações de Mestrado e teses de Doutorado. Atualmente colabora com o Programa Avançado em Cultura Contemporânea- PACC, da Faculdade de Letras da UFRJ. Este livro tem um caráter performático desde o seu projeto gráfico... Construído como um álbum e como um livro de artista, mostra o desenvolvimento de uma pesquisa e das diversas fases que a compuseram. Trata-se de um composto de experiência pedagógica e inovação de metodologia de pesquisa, realizando a transversalidade entre Pedagogia, Sociologia e Arte, gerando 83 1 Resenha aprovada em 19/03/2017. Homenagem póstuma ao Prof. Dr. João Gabriel Lima Cruz Teixeira, falecido no último dia 17/04/ O Laboratório de Estudos Transdisciplinares sobre a Performance TRANSE, foi criado na Universidade de Brasília em janeiro de 1995, com o intuito de desenvolver pesquisa acadêmica e estética no campo da performance arte. A partir de várias concepções contemporâneas de performance, agrega pesquisadores do Brasil em linhas de trabalho que enfocam simultaneamente a sociologia da arte, a antropologia da cultura, artes da cena, música, história das ideias e culturas tradicionais populares e urbanas. Atualmente está em fase de reorganização após o falecimento de seu fundador e coordenador Prof. João Gabriel L.C. Teixeira.
4 uma composição entre as fronteiras destes campos. A sua leitura é, a um só tempo, acadêmica e burlesca, séria e fragmentada. O pensamento sobre a vida sendo relatado em notas e reflexões, fazendo rever a perspectiva da pesquisa científica e oferecendo novos modelos para sua realização no campo das ciências humanas e da arte. A organização da narrativa de pesquisa se dá sob a perspectiva de um conjunto de quatro fases: a Primeira, O Teatro como tema sociológico e trama de vivência e ensino ; a Segunda, A introdução à Performance ; a Terceira, Experimentos em Sociologia da Arte ; e por fim, o capítulo Em busca de uma Abordagem Teórica, à guisa de conclusão. Fartamente ilustrado, o livro evoca memórias e contextos com imagens teatrais de várias épocas e estilos, remetendo a leitura a um processo educativo imagético sobre uma cena brasileira cuja história ainda não foi completamente contada: anos 1950, 60 e 70, nos quais artistas e produtores culturais desbravavam um caminho árido, onde profissionalização, liberdade de expressão e respeitabilidade pública eram metas distantes, cabe aqui ressaltar; alcança os anos 80 e 90, na inserção da pesquisa em arte na universidade a partir da interface com outras áreas de conhecimento e dos estudos da Performance; ao final, espelha os anos 2000, como perspectiva de uma poiesis para a construção do conhecimento científico. Na Introdução, o autor monta um caderno de campo de suas inserções no circo, no teatro e na vida artística de Salvador/BA, até sua saída para o EUA para realizar seu mestrado em Sociologia do Desenvolvimento. Em seguida, na narrativa sobre a Primeira Fase da experiência, é descrita e analisada a interface que se buscou criar entre sociologia e teatro, como método de ensino e pesquisa para a sociologia. Neste movimento, a montagem de peças cumpria dois papéis distintos e complementares: um de buscar motivar alunos de graduação em sociologia a se envolverem emotivamente com os temas e autores dos cursos do professor João Gabriel e, outro de questionar para um público mais amplo a ideologia destes temas e sua influência na formação do caráter do brasileiro. Na sequência da experiência de uma cena curta no âmbito da própria disciplina, se elaborou um projeto de extensão e atores e atrizes profissionais vieram trabalhar com alunos universitários de sociologia e de outros cursos de ciências sociais, sob a direção de um artista da cidade de Brasília, o diretor e professor Murilo Eckhardt (Faculdade De Artes Dulcina de Morais DF). É interessante observar a metodologia de escolha dos temas: a busca de como espelhar a conjuntura política do país e da Universidade e suas relações com a formação de profissionais de nível universitário. Antes de tudo, nas palavras do autor, a transposição da persona, o outro, o personagem idealizado intelectual e sensorialmente com o objetivo de transcender o senso 84
5 85 comum na compreensão das temáticas e suas interpretações superficiais. À escolha do tema do curso em si se sucedia a escolha do texto dramatúrgico que seria veículo da dimensão estética da produção de conhecimento. A análise do texto científico de autores vinculados ao tema se complementava com a análise dramatúrgica, visando a percepção cultural do tema na realidade brasileira, expressa nas personagens e nas peripécias de autores como Ariano Suassuna e Mário de Andrade. Durante este processo não houve parceria com a graduação em teatro da UnB. As montagens se desenvolviam à custa de pequenos aportes da Extensão Universitária e do próprio autor. Os profissionais de artes cênicas envolvidos eram de fora da universidade. Foram oito encenações que responderam a este sistema de trabalho: estudar a teoria sociológica e gerar interfaces com a criação de personagens, levando a público a enunciação de questões importantes para o cidadão, para o estudante, para o professor e para o fruidor de artes da cena; criar personagens a partir das percepções pessoais de como o tema influencia e determina o aspecto sociocultural de sua vivência no cotidiano; apresentar diversas vezes o espetáculo construído para público externo ao cotidiano de estudo dos participantes; enfim, como diz o autor, possibilitar que os alunos aprendam a lidar e a usufruir de sua sensibilização estética, conquistando novos espaços de sublimação. Se pode aqui salientar que a interface entre os campos de conhecimento ciência e arte corporifica a informação, contribuindo para um conhecimento mais profundo sobre cada tema de trabalho pedagógico, e que forma além do raciocínio aplicado à vida real, a emotividade acerca do envolvimento de cada profissional com seu entorno convivencial, ou no dizer do autor, os alunos percebiam que a autonomia de cada um era relativa, funcionando de acordo com um sistema de interdependência no cumprimento de suas tarefas e de seus respectivos papéis. As montagens eram precedidas de oficinas de preparação corporal e vocal, visando os elementos da encenação escolhida, possibilitando o conhecimento e o reconhecimento dos elementos da linguagem do teatro como contrapartida aos elementos da linguagem sociológica. Estes procedimentos se mantiveram em todas as fases do processo de construção desta pedagogia, chamada dionisíaca. A Segunda Fase da experiência se iniciou com a formalização do TRANSE- Núcleo Transdisciplinar de Estudos sobre a Performance, em Embora não seja prudente datar de modo tão incisivo os começos, de fato a criação deste núcleo deu início a uma transformação em termos da metodologia e da própria pesquisa pedagógica que se desenvolvia até então. Foram eleitas, no dizer do autor, três concepções do campo da performance para nortear a perspectiva de pesquisa ora em diante: performance como linguagem artística; performance como manifestação cultural; e performance do cotidiano, uma proposta de Erwing Goffman. A perspectiva
6 freudiana também foi agregada ao processo de pesquisa. Foram realizados dois espetáculos performáticos com influência teatral muito grande neste início, e os aspectos de uma pedagogia dionisíaca foram se tornando visíveis no decorrer destas experimentações. Se por um lado a teoria [contemporânea] da performance influenciou quase todas as outras tentativas de entendimento da condição e das atividades do ser humano, repercutindo-se em quase todos os ramos das ciências humanas, por outro as afinidades existentes entre arte e ciência, ou mais precisamente entre arte e sociologia, [colaboram] na criação de uma estética cognitiva que propicia o desenvolvimento de uma poética para a sociologia, além de arejar as suas lógicas de investigação, e foram estes pensamentos que deram nascimento ao que, nos parece, seja um primeiro pilar da pedagogia dionisíaca: a expansão das possibilidades da lógica da descoberta, por oposição à lógica da demonstração, nas palavras do autor. Na Terceira Fase o autor já não fazia muita distinção entre a sociologia da arte ou os estudos da performance, nas suas palavras sobre a transição da segunda para esta. As experiências se condensaram na sala de aula, onde textos acadêmicos sobre estudos da performance e da psicanálise foram reinterpretados pelos alunos por meio de encenações e manifestações estéticas variadas. Apoiando-se em Vera Zolberg, chama atenção para o fato de que os componentes estéticos dos [objetos artísticos] devem sempre ser considerados e explicitados, mesmo quando importados de procedimentos de outras disciplinas, o que o levou ao conceito de artificação para compor outras possibilidades de experimentação em seu método de ensino. Para o autor, este conceito inicialmente constituído pela socióloga francesa Roberta Shapiro, veio somar em sua metodologia a perspectiva de que a transformação de objetos não artísticos em manifestações artísticas contribui para uma percepção do quanto é coerente e consistente desenvolver processos comunicativos das emoções e dos sentidos subjetivos dos textos acadêmicos, libertando o caráter alternativo e seminal do processo de ensino e aprendizagem. Durante todo o percurso de leitura a palavra convivência é companheira dos olhos leitores... Ouso afirmar que o segundo pilar desta que foi chamada de pedagogia dionisíaca é a convivência. Todos os aspectos específicos do trabalho de ensino e de pesquisa do professor João Gabriel convergem para a proximidade humanista e o pertencimento afetuoso que a cena ao vivo provocou em seus experimentos. O teatro, a performance e a dança foram sendo veículos prazerosos de [incentivo] ao respeito ao corpo, refletindo nele um universo simbólico garantido pela alteridade e espetacularidade desenvolvidas entre sujeitos que usam uma linguagem em que se afetam mutuamente. Ao assumir o risco permanente de estimular o corpo dos pensadores e de lhes permitir pensar corporalmente sobre suas temáticas sociológicas, a pedagogia dionisíaca se 86
7 mostrou, pode-se inferir da leitura deste livro, como sendo capaz de estabelecer estados emocionais e reflexivos de longa duração, nos quais os estudantes podem reativar a cada momento seus questionamentos e rever seus entendimentos racionais. A presença da brasilidade nos experimentos pode também ser ressaltada aqui como veículo pedagógico de grande importância para formação de profissionais íntegros e inteiros, permeáveis à realidade à sua volta e capazes de ver e escutar o outro. Atualmente o Núcleo Transe intitula seu processo de pesquisa como de promoção da educação por meio do corpo, no qual as possibilidades relativas a processos de educação estética e de maturação psicológica contribuem sobremaneira para uma eficaz transmissão de conteúdos, que se solidificam no entendimento dos problemas e questões sociológicas suscitados pela experiência. A interface da arte com a ciência pode assumir diversos procedimentos e corpos, e o que se pretendeu aqui foi estimular os pesquisadores a ampliar seu repertório de métodos, considerando que o rigor científico e o rigor artístico tem muito a se acrescentar mutuamente. As instituições estão ainda endurecidas e tradicionalistas, contudo, nós, os pesquisadores, podemos optar por profanar pedagogicamente seus cânones e ampliar o próprio espaço de diálogo em busca de um ethos menos árido e mais persuasivo para a educação contemporânea. Não se [trata] mais apenas do uso da expressão cênica como método pedagógico e investigativo para as Ciências Sociais, mas da realização de análises e das interpretações canônicas e não canônicas de questões sociológicas candentes e relevantes, proporcionadas por um universo empírico compartilhado (elaborado a partir de informações documentais) e pelas experimentações artísticas que se coadunavam com a sua própria criação. É a isso que se denomina aqui de pedagogia dionisíaca ou vitalista. (TEIXEIRA, 2014, p. 190) 87
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