ESPAÇO-TEMPO DA VIDA COTIDIANA NA METRÓPOLE

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1 ESPAÇO-TEMPO DA VIDA COTIDIANA NA METRÓPOLE Ana Fani Alessandri Carlos FFLCH /USP São Paulo Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole

2 Ana Fani Alessandri Carlos ESPAÇO-TEMPO DA VIDA COTIDIANA NA METRÓPOLE FFLCH/USP São Paulo 2017

3 3 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Copyright Ana Fani Alessandri Carlos Direitos desta edição reservados à FFCH Av. Prof. Lineu Prestes, 338 Cidade Universitária Butantã São Paulo Brasil Telefone: (11) gesp@usp.br Editado no Brasil Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei nº5988) 1ª edição ª edição revisada 2017 Projeto Editorial: Comissão Editorial FFLCH Edições Diagramação: Rebeca Borges Porto Capa: Foto da Av. Faria Lima, Ana Fani Alessandri Carlos Logo Labur Edições: Caio Spósito Logo GESP: Mayra Pereira Barbosa Ficha Catalográfica CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole. São Paulo: Labur Edições, 2017, 2ª edição revisada, 317p. Bibliografia. ISBN: Cidades 2. Metrópole; 3. Reprodução do Espaço 4. Geografia Urbana Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme a ficha catalográfica. Disponibilizado em:

4 Para José Antônio, sempre Mario e Adileta, meus pais 4 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole

5 5 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s je croissais, et la ville avec moi changeait, apprfondissait ses perspectives, et sur cette lance fome complaisante à toutes les poussées de I avenir, seule façon qu elle ait d être vraiment elle-même elle nén finit pas de changer. Julian Gracq

6 6 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole AGRADECIMENTOS Uma tese é sempre um momento difícil, apesar de escrito a duas mãos tem na sua retaguarda um número muito grande de pessoas que o tornaram possível. A pesquisa que ora apresento deve ser vista no contexto do processo do conhecimento, como um processo cumulativo e, portanto, coletivo, o que significa que se configura como um pequeno fragmento para o entendimento da análise geográfica da metrópole apoiado em muitos trabalhos, sem os quais estes não seria possível. Por outro lado, essa pesquisa só pode se realiza graças ao suporte intelectual, técnico e efetivo de várias pessoas. Em primeiro lugar quero lembram as pessoas que, gentilmente, me acolheram em suas casas abrindo-me a possibilidade de realização da pesquisa de campo, Inicialmente Sérgio e Bia, entrevistas, arquivos, indicações foram o inicio de tudo. Sandra, sempre gentil e afável, colocou a minha disposição seu tempo precioso. Na pesquisa ganhei amigos e uma tia que não posso esquecer, foi maravilhoso, Ada. Com os entrevistados aprendi sobre o modo como o processo de renovação urbana na metrópole afeta suas vidas. Amélia e Odette, pelas longas e acaloradas discussões (elas sempre são acaloradas, de outro jeito não existiriam). Ao professor Milton Santos, pelo estímulo contínuo e pelas conversas. Para Silvana, nossas contas telefônicas tem sido testemunhas de nossas angústias repartidas. Carreras pelo incentivo contínuo. Ao apoio indispensável do Ariovaldo e da Rita (que tocou a GEOUSP, sem reclamar). O carinho que me foi dispensado por meus amigos ao longo deste processo, Carminha, Dona Lea (ela detesta que eu a chame assim), Adelaide, Silvânia, Rosa, Isabel. Aos alunos do departamento (graduação e pós-graduação) que trabalharam comigo e aguentaram minha ansiedade, Paulo Scarin, Andréa, Daniela, Mariana, Anselmo (que perdeu um sábado tirando fotografias para o trabalho), Rosalina, Peter, César. A paciência infindável da Monica, Sávio e Cláudio. Não posso deixar, aqui, de me desculpar com meus orientandos, pela correria dos últimos meses, por minha ausência neste período. A Márcia, minha irmã, Fran, meu irmão, indispensáveis em todos os momentos. Ana Maria, minha cunhada, pelos palpites finais e a outra Ana Maria que segura minha barra, em casa.

7 7 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 8 O espaço como condição/produto da acumulação O espaço da reprodução da vida CAPÍTULO I A FORMA DA CIDADE Metamorfoses urbanas Havia uma pedra no meio do caminho A Operação Urbana Faria Lima CAPÍTULO II SÃO PAULO: O ESPAÇO COMO NOVA RARIDADE A reprodução dos lugares da metrópole: o eixo empresarial - comercial Cicatrizes Urbanas A OUFL: o discurso institucional Relatório de Impacto Ambiental: o discurso que legitima a ação do Estado Vendendo o Ar A construção dos escritórios A mancha terciária Os bairros da Operação Urbana Faria Lima A centralidade móvel CAPÍTULO III POSSIBILIDADES E LIMITES DO USO A Operação Urbana Faria Lima e o plano do imediato Habitar é deixar rastros O bairro O depois : a implosão dos bairros O direito à cidade Os históricos X Os Intrépidos O movimento aponta o possível? plano diretor do bairro CAPÍTULO IV AS NOVAS RELAÇÕES ESPACO-TEMPO A dialética do estranhamento - reconhecimento Baudelaire: O cisne e a metáfora do estranhamento Espaço amnésico e Tempo efêmero O sentido da cidade como lugar do possível BIBLIOGRAFIA...314

8 8 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole INTRODUÇÃO... seria, na verdade surpreendente que o som não pudesse sugerir a cor, que as cores não pudessem dar a ideia de uma melodia, e que o som e a cor fossem impróprios para traduzir ideia s... Vasta como a noite e como a claridade Os perfumes, as cores e os sons se correspondem Baudelaire

9 9 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Há poucos eventos que não deixam ao menos um traço escrito, escreve Georges Perec 1. Os diversos elementos que compõem a existência comum, dos homens inscrevem-se num espaço; deixam aí suas marcas. Lugar aonde se manifesta a vida, o espaço é condição, meio, e produto da realização da sociedade humana em toda sua multiplicidade. Duvignaud 2, chama atenção para o fato de que o espaço nos remete aos conjuntos vivos, nascidos da prática e compostos pelo dinamismo de cada nova geração, seja em sua dimensão da imensidade nômade ou daquela da cidade ou ainda das toponímias, o espaço se compõe de experiência além de permitir a vida, lugar onde gerações sucessivas deixaram marcas, projetaram suas utopias, seu imaginário. A sociedade constrói um mundo objetivo; na prática socioespacial, esse mundo se revela em suas contradições num movimento que aponta um processo em curso, que tem sua base no processo de reprodução das relações sociais (que se realiza enquanto relação espaço-temporal). É por isso que podemos afirmar que no espaço se pode ler as possibilidades concretas de realização da sociedade. A análise geográfica do mundo é aquela que caminha no desvendamento dos processos constitutivos do espaço social. O trabalho tem como pressuposto fundamental o entendimento do espaço geográfico enquanto produto, condição e meio de realização da sociedade, reproduzido ao longo de um processo histórico ininterrupto de constituição da humanidade do homem; este é também o plano da reprodução. Ao produzir sua existência a sociedade reproduz, continuamente, o espaço. Se de um lado, o espaço é um conceito abstrato, de outro tem uma dimensão real e concreta enquanto lugar de realização da vida humana que ocorre diferencialmente, no tempo e no lugar e que ganha materialidade através do território. No caso analisado esse processo se realiza reproduzindo continuamente a cidade que assume, neste momento, histórico a forma da metrópole. A meu ver o termo metrópole revela um momento histórico do processo de reprodução da cidade, portanto não estamos diante de um novo processo, mas de transformações históricas no processo de constituição do urbano. Assim a noção de cidade ganha uma nova amplitude revelando-se em sua historicidade, aparecendo como categoria central da análise revelando a materialização do processo histórico de produção do espaço geográfico. Assim do mesmo modo que em cada momento da história se produz um espaço, este revela, em cada momento histórico, uma cidade. A análise do processo de produção do espaço urbano requer a justaposição de vários níveis da realidade, enquanto momentos diferenciados da reprodução geral da sociedade; como aquele da dominação política, do capital, da vida humana. Esse movimento é o ponto de partida e chegada deste trabalho. Assim se o espaço corresponde a uma realidade global, revelando-se no plano do abstrato, e diz respeito ao plano do conhecimento, sua produção social, a prática socioespacial ligase ao plano do concreto. A materialização do processo é dada pela concretização das relações sociais produtoras dos lugares esta é a dimensão, da produção/reprodução do espaço. Nesse sentido, o espaço contempla uma dupla dimensão, de um lado é localização; de outro, encerra em sua natureza, um conteúdo social dado pelas relações sociais que se realizam num espaço tempo determinado, aquele da sua reprodução. Assim se desloca o enfoque da localização das atividades, 1 Georges Perec, Éspèces d espace. Paris, Galilée, 1974, p.20. Nas citações, sempre traduções livres da autora, salvo indicação contrária. 2 Duvignaud, Jean. Lieux et non lieux. Paris, Ed. Galilée, 1977.

10 10 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole no espaço, para a análise do conteúdo da prática socioespacial, enquanto processo de produção/apropriação/reprodução. A análise envolve, de modo articulado, três níveis escalares; no plano do espaço mundial, aponta a virtualidade do seu processo de reprodução contínuo; o plano do lugar expõe a realização da vida humana nos atos da vida cotidiana, enquanto modo de apropriação que se realiza através do uso, pelo corpo; no plano da metrópole ilumina a perspectiva do entendimento das cidade enquanto obra humana, materialidade produzida ao longo da história revelando-se enquanto mediação entre os outros dois níveis. A articulação-justaposição destes três níveis ganha configuração e articulação através da noção de reprodução da sociedade. Como aponta Lefebvre 3 - as relações sociais têm uma existência real enquanto existência espacial concreta na medida em que produzem, efetivamente, um espaço, aí se inscrevendo e se realizando. As relações sociais ocorrem num lugar determinado sem a qual não se concretizariam, num tempo fixado ou determinado que marcaria a duração da ação. Espaço e tempo aparecem através da ação humana em sua indissociabilidade - uma ação que se realiza enquanto modo de apropriação. Assim a ação que se volta para o fim de concretizar, ou melhor viabilizar a existência humana se realizaria enquanto processo de reprodução da vida, pela mediação do processo de apropriação do mundo. Isto é, as relações sociais que constroem o mundo concretamente se realizam enquanto modos de apropriação do espaço para a reprodução da vida em todas as suas dimensões e estas fogem apesar de englobar o mundo do trabalho; envolvendo e ultrapassando a produção de objetos, produtos e mercadorias. Referem-se a modos de apropriação que constroem o ser humano e criam a identidade que se realiza pela mediação do outro (sujeito da relação). Trata-se de um processo que ocorre revelando persistências / preservação; rupturas / transformações. Nesse caso o espaço aparece enquanto condição meio e produto da reprodução social revelando uma prática que é socioespacial. O processo tem uma materialidade passível de ser vista, é percebida com todos os sentidos humanos, nos lugares. O homem se apropria do mundo, enquanto apropriação do espaço - com todos os seus sentidos, isto é, com todo o seu corpo. Mas no processo de reprodução do espaço da metrópole, hoje, o processo de apropriação tende a se reduzir, aprisionando o corpo. A noção de produção se vincula a produção do homem, às condições de vida da sociedade em sua multiplicidade de aspectos, e como é por ela determinado. Aponta, por sua vez, para a reprodução e, evidencia a perspectiva de compreensão de uma totalidade que não se restringe apenas ao plano do econômico, abrindo-se para o entendimento da sociedade em seu movimento mais amplo, o que pressupõe uma totalidade. Portanto, a noção de produção esta articulada, inexoravelmente, àquela de reprodução das relações sociais lato senso - num determinado tempo e lugar. Termo amplo envolve a produção e suas relações mais abrangentes, significa, neste contexto, o que se passa fora da esfera específica da produção de mercadorias, e do mundo do trabalho (sem, todavia, deixar de incorporá-lo) para estender-se ao plano do habitar, ao lazer à vida privada, guardando o sentido do dinamismo das necessidades e dos desejos que marcam a reprodução da vida. Nessa direção a noção de reprodução abre como perspectiva analítica o desvendamento da 3 Lefebvre, Henri La production de l'espace. 3ª ed. Paris, Anthropos, 1986.

11 11 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s realidade urbana, a análise da vida cotidiana enquanto lugar da reprodução no seu sentido amplo. É nesse plano que pode ser detectado uma tendência; aquela da instauração do cotidiano como elemento constitutivo da reprodução no mundo moderno da metrópole. Esta tendência vai se estabelecendo através do conflito entre a imposição de novos modelos culturais e de comportamento, agora invadidos pelo mundo mercadoria estabelecida no plano do mundial, e as especificidades da vida no lugar. As novas condições de existência se realizam a partir de uma rotina organizada (no espaço e no tempo) da vida cotidiana que transforma radicalmente a sociabilidade empobrecendo-a a medida em que as relações entre as pessoas passam a ser substituídas por relações profissionais ou institucionais. Por sua vez o tempo se acelera em função do desenvolvimento da técnica - que requer a construção de novos espaços - que vai redefinindo as relações dos habitantes com o lugar e no lugar. A gestação da sociedade urbana vai determinando novos padrões que se impõem de fora para dentro, pelo poder da constituição da sociedade de consumo (criando modelos de comportamento e valores que se pretendem universais, pelo desenvolvimento da mídia que ajuda a impor os padrões e parâmetros, pela rede de comunicação que aproxima os homens e lugares), um espaço-tempo diferenciado e desigual. O choque entre o que existe e o que se impõe como novo está na base das transformações da metrópole onde os lugares vão se integrando de modo sucessivo e simultâneo a uma nova lógica, aprofundando as contradições. A constituição da sociedade urbana é consequência do desenvolvimento do processo de reprodução da sociedade que produz um novo espaço e novas formas de relação entre os membros da sociedade. Dentro dessas condições, a sociedade produz o espaço e passa a ter dele uma determinada consciência; o que se refere ao fato de que os homens, ao produzirem seus bens materiais e se reproduzirem como espécie, produzem o espaço geográfico. Entretanto, dependendo do momento histórico, o fazem de modo específico, diferenciado, de acordo com o estágio de desenvolvimento das forças produtivas. O espaço passa a ser produzido em função do processo produtivo geral da sociedade 4. A produção da vida não envolve apenas a reprodução de bens para satisfação das necessidades materiais, é também a produção da humanidade do homem; assim o plano da produção articula a produção voltada para o desenvolvimento das relações de produção de mercadorias e da produção da vida e de suas possibilidades, num sentido mais amplo e profundo - o que envolve a relação apropriação - dominação. No plano da reprodução de mercadorias, o processo envolve o reprodutível e o repetitivo, referindo-se, diretamente, a atividade produtiva (bens materiais e imateriais) que produz coisas no espaço (criando as condições para a realização das atividades) ao mesmo tempo que produz o espaço, enquanto mercadoria. Nesse nível a cidade é condição geral da produção, o que impõe uma determinada configuração espacial que aparece como justaposição de unidades produtivas formando uma cadeia interligada (em função da articulação e necessidades do processo produtivo, através da correlação entre os capitais individuais e a circulação geral) integrando os diversos processos produtivos, os centros de intercâmbio, os serviços e o mercado; além da mão-de-obra. 4 Carlos, Ana Fani A. A (re)produção do espaço urbano. São Paulo, Edusp, 1994, p. 22.

12 12 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Este desenvolvimento tem potencializado a aglomeração enquanto exigência técnica decorrente ora do gigantismo das unidades produtivas, ora da constituição de unidades complexas; pela formação do capital financeiro que comanda as operações e pelo processo crescente de internacionalização do capital e mundialização das trocas. Parece não haver dúvida que a cidade se reproduz, continuamente, enquanto condição geral do processo de valorização gerada no capitalismo no sentido de viabilizar os processos de produção, distribuição, circulação, troca e consumo e, com isto, permitir que o ciclo do capital se desenvolva possibilitando a continuidade da produção, logo sua reprodução. Há dois aspectos interdependentes do crescimento capitalista que estão na base da análise da aglomeração espacial: a necessidade de reprodução ampliada do capital e a crescente especialização decorrente do aprofundamento da divisão social, técnica e espacial do trabalho que exige novas condições espaciais para sua realização. Neste plano, há uma lógica que tende a se impor enquanto ordem estabelecida que define o modo como a cidade vai se reproduzindo a partir da reprodução que se realiza pela ação dos promotores imobiliários, das estratégias do sistema financeiro e aquelas da gestão política, as vezes de modo conflitante, em outros momentos de forma convergente (como é o caso analisado neste trabalho), mas em ambos os casos orientando e reorganizando o processo de reprodução espacial através da realização da divisão socioespacial do trabalho, da hierarquização dos lugares e da fragmentação dos espaços vendidos e comprados no mercado. A ação do estado através do poder local - intervindo no processo de produção da cidade reforça a hierarquia de lugares, criando novas centralidades expulsando para a periferia os antigos habitantes criando um espaço de dominação e, com isto, impondo sua presença em todos os lugares, agora sob controle e vigilância (seja direta ou indireta). Neste nível de realidade o espaço produzido assume a característica de fragmentado (como decorrência da ação dos empreendedores imobiliários e da generalização do processo de mercantilização do espaço), homogêneo (pela dominação imposta pelo estado ao espaço) e hierarquizado (pela divisão espacial do trabalho). 5 A contradição entre o processo de produção social do espaço e sua apropriação privada está na base do entendimento da reprodução espacial. Isto porque numa sociedade fundada sobre a troca a apropriação do espaço, ele próprio produzido, enquanto mercadoria, liga-se, cada vez mais à forma mercadoria servindo as necessidades da acumulação através das mudanças / readaptações de usos e funções dos lugares que também se reproduzem sob a lei do reprodutível, a partir de estratégias da reprodução num determinado momento da história do capitalismo que se estende cada vez mais ao espaço global, criando novos setores de atividade como extensão das atividades produtivas. Cada vez mais o espaço, produzido enquanto mercadoria, entra no circuito da troca atraindo capitais que migram de um setor da economia para outro de modo a viabilizar a reprodução. Nesse as possibilidades de ocupar o espaço são sempre crescentes, o que explica a emergência de uma nova lógica associada a uma nova forma de dominação do espaço que se reproduz ordenando e direcionando a ocupação, fragmentando e tornando os espaços trocáveis a 5 Caracterização desenvolvida por Henri Lefebvre na obra de De L Etat, 4 volumes, Paris, Union Générale D' Éditions,

13 13 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s partir de operações que se realizam no mercado. Deste modo o espaço é produzido e reproduzido enquanto mercadoria reprodutível. A presente pesquisa articula dois planos de análise que se constituem criando, a nosso ver, um movimento capaz de explicitar o processo de reprodução do espaço da metrópole, hoje. De um lado o modo como o desenvolvimento do capitalismo gera contradições, no seu próprio processo de realização. Nesse caso específico, as transformações, no processo da metrópole, enquanto condição da realização do ciclo do capital, revela a necessidade de uma aliança entre o estado e os setores modernos da economia no sentido de contornar a barreira que o processo de urbanização elevou ao plano desenvolvimento de uma área de expansão do eixo empresarial-comercial de São Paulo voltado construção de edifícios de escritórios e de infraestrutura compatível. A realização da operação urbana Faria Lima (OUFL), na metrópole de São Paulo, acabou representando a conquista de uma importante parcela do espaço, antes ocupado por residências, que ao se libertar das amarras imposta pela propriedade privada, pode ser lançado novamente no mercado imobiliário impelido pelas mudanças da função da área como decorrência das desapropriações, da construção do sistema viário, das mudanças no uso do solo e da lei de zoneamento que permitiu a verticalização da área. Nesse contexto os promotores imobiliários se servem do espaço como meio voltado à realização da reprodução. A mobilização do espaço tornou frenético o fluxo de capital produzindo a destruição dos antigos lugares em função da realização de interesses imediatos em nome de um presente programado e lucrativo, trazendo, como consequência, a mudança nos usos e funções de áreas que passam a fazer parte, novamente, do fluxo do valor de troca. O espaço reproduzido na perspectiva do eminentemente reprodutível é o campo onde triunfa o homogêneo, consequência da repetição indefinida de um modelo, que vai limitando os usos e reduzindo o modo de vida aos atos e gestos sempre repetitivos, comportamentos orientados e vigiados. Deste modo a organização do processo de reprodução do capital em escala cada vez mais ampliada, impõe seus efeitos sobre a estrutura urbana que se apresenta como uma expressão do estágio de desenvolvimento das forças produtivas onde a concentração espacial dos recursos corresponde a uma necessidade ditada pela exigência da acumulação. Bairros inteiros foram descaracterizados ou mesmo destruídos pelas necessidades de expansão desenfreada proveniente da acumulação de capital que reproduz o espaço metropolitano no seu processo de explosão - implosão. A criação desse espaço como prolongamento do eixo empresarial e de lazer a partir de novas estratégias interfere na produção de novas centralidades, no sentido em que produzem polos de atração que redimensionam o fluxo das pessoas no espaço, através de mudanças no uso. De outro lado, o processo de transformação espacial promovido pela realização da Operação Urbana Faria Lima (OUFL) traz profundas metamorfoses no plano de realização da vida cotidiana dos habitantes das áreas atingidas. Neste plano, impõe-se a análise do modo como as relações sociais se reproduzem concretamente, reproduzindo o espaço. Aqui a cidade aparece como o lugar da reprodução da vida (tendo por base, a forma desigual de apropriação do espaço urbano assentado na propriedade privada) isto porque se de um lado, a cidade é expressão do movimento cadenciado da reprodução do capital, trabalho social concreto, materialização de relações sociais, econômicas, políticas jurídicas que produzem o espaço é também, forma de apropriação, modo de

14 14 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole pensar e de sentir, constituindo-se enquanto prática sócia espacial. Logo é expressão também de um modo de vida; modo como as necessidades da reprodução invadem, conflituosamente, a esfera da reprodução da vida, redefinindo-a. As transformações provocadas no espaço paulistano pela Operação Urbana, que aparece como extensão da então Avenida Brigadeiro Faria Lima atingindo três bairros da capital, não se limitam a ampliação do sistema viário aparecendo no plano da prática socioespacial enquanto alteração da morfologia urbana pela transformação dos usos e funções das áreas afetadas provocando o fenômeno da implosão dos bairros. Nessa direção o fio condutor do processo de reprodução do espaço, na metrópole de São Paulo, aqui analisado, baseia-se de um lado, nas possibilidades da articulação entre apropriação - uso dos lugares da metrópole (ligado aos modos através do qual o habitante se apropria do espaço da vida) e, de outro, como a ação do estado através do poder local - que age estrategicamente, no espaço, objetivando a reprodução das relações sociais capazes de permitir a continuidade do processo de acumulação no momento atual. Assim ganha contorno a contradição entre as estratégias do estado - (visando a reprodução do capital e a produção de um espaço dominado) - e os usos do espaço (objetivando a reprodução da vida). Assim a análise baseia-se na articulação entre três níveis o político, o econômico e o social que compõem o quadro capaz de revelar as contradições no mundo moderno, presentes no processo de reprodução espacial na metrópole, a partir da análise de um de seus fragmentos. Não se trata, portanto, de reduzir a reprodução espacial àquela da intervenção do Estado no sentido de superar a contradição gerada pelo fenômeno da raridade do espaço e os entraves que a existência da propriedade privada cria para a reprodução do capital. Se de um lado se aproximam as estratégias do mercado imobiliário, da indústria da construção civil e do setor financeiro, de outro a explicação ganha sentido articulada ao fato de que o processo de reprodução do espaço envolve, também e de modo articulado, outro plano de análise, aquele do indivíduo, do habitante (aqui o habitante aparece como categoria de análise). No mundo moderno a prática socioespacial revela a contradição entre a produção de um espaço em função das necessidades econômicas e políticas e de outro a reprodução do espaço da vida social. No primeiro caso a reprodução do espaço se dá pela imposição de uma racionalidade técnica assentada nas necessidades impostas pelo desenvolvimento da acumulação que produz o espaço enquanto condição da produção, revelando as contradições que o capitalismo suscita em seu desenvolvimento o que impõe limites e barreiras a sua reprodução. No segundo caso a reprodução da vida na metrópole se realiza na relação contraditória entre necessidade e desejo; uso e troca; identidade e não-identidade; estranhamento / reconhecimento que permeiam a prática socioespacial. Neste momento o aprofundamento da divisão social e espacial do trabalho se baseia numa nova racionalidade apoiada pelo emprego do saber e da técnica aplicada a produção e a gestão e da supremacia de um poder político que tende a homogeneizar o espaço através do controle e da vigilância. O entendimento da metrópole se revela no desvendamento do modo como se realiza, concretamente, o processo de reprodução da sociedade urbana em sua totalidade, como tendência inexorável. E se realiza, hoje, enquanto processo de reprodução da sociedade a partir da reprodução do espaço; onde ganha sentido uma nova relação espaço-tempo.

15 15 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s A acumulação tende a produzir uma racionalidade homogeneizante inerente ao processo que não se realiza apenas produzindo objetos / mercadorias, mas a divisão e organização do trabalho, modelos de comportamento e valores que induzem ao consumo revelando-se como norteadores da vida cotidiana. Deste modo a vida cotidiana se apresenta, tendencialmente, invadida por um sistema regulador, em todos os níveis, que formaliza e fixa as relações sociais reduzindo-a a formas abstratas. Esse fato tende a dissipar a consciência urbana na medida em que o habitar hoje a metrópole apresenta um sentido diverso, em função do processo de implosão que impõe mudanças nos hábitos e comportamentos, dissolve antigos modos de vida, transformando as relações entre as pessoas; reduzindo e redefinindo as formas de apropriação do espaço. Os aparelhos de tv, por exemplo, substituíram as cadeiras nas calçadas de antigos bairros de São Paulo, assim como, os videogames substituem o outro nas brincadeiras infantis, colocando cada criança sentada numa mesa diante de uma tela, aqui o corpo, tornado inerte, se reduz aos olhos e mãos. As mercadorias substituem as relações diretas entre as pessoas; até as relações de troca modificam-se formalmente distanciando os agentes da relação, as antigas vendas e mercearias, por exemplo, foram substituídas pelos supermercados onde as cadernetas que marcavam uma relação próxima entre vendedor-comprador foram substituídas pelo ticket da máquina registradora e as lojas de armarinho desapareceram junto com o pequeno serviço, que no plano do bairro, além de permitirem uma relação próxima e personalizada entre comprador/vendedor, serviam enquanto locais de possíveis encontros dos habitantes. Como consequência deste processo, a normatização das relações sociais, da rarefação dos lugares de encontros decorrentes das mudanças na morfologia da metrópole, se estabelece o estranhamento do indivíduo na metrópole. Nesse sentido à vida urbana impõe conflitos e confrontos e aponta para a instauração do cotidiano 6 onde a atomização, ao mesmo tempo que superorganização da vida impõe-se sem resistência. Campo da auto regulação voluntária e planificada, o cotidiano aparece enquanto construção da sociedade, que se organiza segundo uma ordem fortemente burocratizada; preenchido por repressões e coações imperceptíveis. Esse processo que se realiza no lugar, revela articulações espaciais mais amplas. Esses dois planos revelam, como em cada dimensão da realidade, o espaço vai adquirindo uma configuração sentido e finalidade diferenciados. O sentido que a metamorfose do espaço da metrópole assume, baseado na mercantilização do solo urbano que provoca o fenômeno de implosão explosão. Nesse processo se delineia a tendência da submissão dos modos de apropriação do espaço ao mundo da mercadoria; consequentemente, o esvaziamento das relações sociais, pela redução do conteúdo da prática socioespacial, neste plano da realidade o lugar da vida, transformado adquire a característica de um espaço amnésico em sua relação direta com o espaço efêmero - esta nova relação espaço-tempo redefine as relações sociais, na metrópole, hoje, caracterizando, a meu ver, o momento atual. Entretanto, a produção do espaço deve ser entendida sob uma dupla perspectiva, ao mesmo tempo que se processa um movimento que constitui o processo de mundialização da sociedade urbana acentua-se o processo de fragmentação tanto do espaço quanto do indivíduo. 6 Nos termos desenvolvidos por Henri Lefebvre na sua obra em 3 volumes: Critique de la vie quotidienne. Paris, L Arche éditeur, 1958, 1961 e 1981.

16 16 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Esta produção espacial realiza-se no plano da vida cotidiana e aparece como forma de ocupação e uso de determinado lugar, num momento específico. Como aponta Milton Santos, a globalização é uma metáfora que ganha existência no plano do lugar 7.. É o lugar que oferece ao movimento do mundo a possibilidade de sua realização mais eficaz. Para se tornar espaço o Mundo depende de virtualidades do lugar. A sociedade urbana tende a generalizar-se pelo processo de mundialização; o que significa que mundialização dá um novo sentido á produção lato senso significa que um novo espaço tende a se criar na escala mundial. O aprofundamento da divisão social e espacial do trabalho busca uma nova racionalidade, uma lógica subjacente pelo emprego do saber e da técnica, da supremacia de um poder político que tende a homogeneizar o espaço através do controle, da vigilância, derrubando fronteiras administrativas, colocando em cheque os limites definidos entre espaços, subjulgando formas culturais, transformando valores e comportamentos na medida em que todas as pessoas entram ou tem possibilidade de entrar em contato com o mundo todo, uma vez que todos os pontos do planeta estão virtualmente ligados. Este processo produz profundas mudanças, criando uma nova identidade que escapa ao nacional, apontando para o mundial como horizonte e tendência pois, o processo não diz mais respeito a um lugar ou a uma nação somente, estas tendem a explodir em realidades supranacionais, apoiados nos grandes desenvolvimentos científicos, basicamente o desenvolvimento e transmissão da informação, e no esmagador crescimento da mídia, com seu papel, na imposição da sociedade de consumo. Assim, o estágio atual da urbanização coloca problemas novos, produzidos em função das exigências em matéria de comunicação, de deslocamentos os mais variados e complexos criando ou acentuando uma hierarquia desigual de lugares onde a união destes pontos dá-se através de nós de articulação que redefinem as funções da metrópole, sede da gestão e da organização das estratégias que articulam espaços constituindo-se enquanto realidade complexa e contraditória. Os problemas postos pela urbanização ocorrem no âmbito do processo de reprodução geral da sociedade. Por isso mesmo a mundialização também produz modelos éticos, estéticos, gostos, valores, moda, constituindo-se como elemento orientador, fundamental da reprodução das relações sociais. Esse processo, se de um lado, ocorre em lugares determinados do espaço, manifesta-se, concretamente, no plano da vida cotidiana. A reprodução tem o sentido da constante produção das relações sociais estabelecidas a partir de práticas espaciais enquanto acumulação, preservação, renovação. A reprodução do espaço urbano é um fenômeno contínuo, em movimento o que significa que a cidade vai se transformando à medida em que a sociedade vai se metamorfoseando. As mudanças dependem de uma articulação daquilo que Lefebvre chama de ordem próxima e ordem distante. De um lado transformações que se estabelecem no plano do vivido, o lugar enquanto momento da reprodução da vida e, de outro, a mundialidade que se constitui determinando padrões, concretizando-se na ordem próxima. Por isso o processo de reprodução do espaço e da vida tem uma dimensão que foge àquela da história da técnica. É no plano do processo de reprodução que a análise da realidade urbana envolve o cotidiano que aparece enquanto produto histórico. Assim a noção de cotidiano liga-se àquele de reprodução (a um 7 Santos, Milton. A natureza do espaço. São Paulo, Hucitec, p. 271.

17 17 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s momento histórico deste processo) que compreende uma multiplicidade de aspectos, sentidos, valores. Daí analisarmos as relações entre a reprodução do espaço e a reprodução da vida na metrópole a partir da análise da vida cotidiana. Nesse contexto, o desenvolvimento do processo de reprodução da sociedade produz um novo espaço e novas formas de relação na sociedade e, entre as pessoas a partir das trocas em todos os sentidos e da modificação dos modos de apropriação e de uso do espaço que, normatizado, redelimita ações e atos redefinindo as relações das pessoas entre si e com o lugar. A análise do urbano engloba, portanto, um universo complexo de relações em constituição da qual não se exclui a ideia de projeto que, para Lefebvre, 8 deve ser capaz de pensar a cidade como lugar onde grupos podem se reencontrar, onde eles tenham conflitos, mas também alianças, onde eles concorram à uma obra coletiva. Onde o direito à cidade se coloque como participação de todos no controle e gestão da cidade e plena participação social, onde a diferença se realize na obra enquanto atividade criadora. Para efeitos de análise separamos os dois planos acima apontados 9. O espaço como condição/produto da acumulação A metrópole, marcada por construções arquitetônicas arrojadas - se bem que semelhantes - largas avenidas, pontes, viadutos e túneis, aparece, enquanto expressão simbólica da modernidade, sinaliza a hegemonia do automóvel que está na base da orientação que o planejamento do espaço assume. Nessa direção usos e funções dos lugares vem apresentando mudanças constantes impondo o automóvel como único meio de deslocamento possível, razão das imensas cirurgias urbanas que se realizam, na metrópole, reproduzindo uma morfologia que esvazia a vida das possibilidades que o uso do espaço contém. Nesse uso o sujeito se sujeita ao - objeto carro. Ruas resumidas a sua expressão última de passagem, como consequência da constituição de um sistema de circulação que privilegia o transporte individual e reduz as formas de apropriação dos espaços públicos. Nesse contexto o espaço da metrópole, tornado espaço de circulação, vai se impondo enquanto sinal, código que comanda, imperativamente, o uso dos lugares infundindo no espaço, o repetitivo que se revela em formas homogêneas e assépticas conferindo um modo determinado de relações entre os habitantes da metrópole. Resta lembrar que os sinais, autônomos, funcionam segundo uma frequência mecânica que ao mesmo tempo permite/interdita ações que incluem/excluem os usos, logo os habitantes. Nesse contexto a visão do moderno impõe a efemeridade das formas morfológicas como condição da modernidade. A reprodução do ciclo do capital exige, em cada momento histórico, determinadas condições especiais para sua realização; a dinâmica da economia metropolitana, antes baseada no setor produtivo industrial, vem se apoiando, agora, no amplo crescimento do setor terciário moderno - serviços, comércio, setor financeiro - como condição de desenvolvimento, numa economia globalizada. Tal transformação requer a produção de um outro espaço, como condição 8 Lefebvre, Henri. La production de l espace, op.cit. 9 A pesquisa de campo envolve estes dois planos como aparece nos capítulos II e III.

18 18 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole da acumulação, que se realiza a partir da expansão da área central da metrópole (até então lugar precípuo de realização desta atividade) em direção a região sudoeste da metrópole. As áreas tradicionais se encontram densamente ocupadas e no sistema viário congestionado além do que os novos padrões de competitividade da economia, apoiada num profundo desenvolvimento técnico vai impor novos parâmetros para o desenvolvimento desta atividade. A superação desta situação requer a construção de um novo espaço, como área de expansão, porque a centralidade é fundamental neste tipo de atividade, não podendo se instalar em qualquer lugar do espaço metropolitano. Todavia, na metrópole capitalista, densamente edificada, a expansão desta área não se fará sem problemas. Em primeiro lugar porque a ocupação do espaço se realizou sob a égide da propriedade privada do solo urbano; onde o espaço fragmentado é vendido em pedaços tornando-se intercambiável a partir de operações que se realizam através e no mercado; tendencialmente produzido enquanto mercadoria, o espaço entra no circuito da troca, generalizando-se na sua dimensão de mercadoria. Por outro lado, o espaço se reproduz enquanto condição da produção atraindo capitais que migram de um setor da economia para outro de modo a viabilizar a reprodução. Nesse contexto o espaço é banalizado, explorado, e as possibilidades de ocupa-lo se redefine constantemente em função da contradição crescente entre a abundância e escassez, o que explica a emergência de uma nova lógica associada e uma nova forma de dominação do espaço que se reproduz ordenando e direcionando a ocupação a partir da interferência do Estado. Deste modo o espaço é produzido e reproduzido de um lado enquanto espaço de dominação e de outro enquanto mercadoria reprodutível. No momento atual do processo histórico, o processo de reprodução espacial, com a generalização da urbanização, produz, uma nova contradição: aquela que se refere a diferença entre a antiga possibilidade de ocupar áreas como lugares de expansão da mancha urbana (com o parcelamento de antigas chácaras ou fazendas, como o caso de muitos bairros na metrópole) e sua presente impossibilidade diante da escassez. Neste processo, o espaço, enquanto valor, entra no circuito da troca geral da sociedade (produção/repartição/distribuição) fazendo parte da reprodução da riqueza, constituindo-se em raridade. Vivemos, hoje, um momento do processo de reprodução em que a propriedade privada do solo urbano condição da reprodução da cidade sob a égide do capitalismo passa a ser um limite a expansão econômica capitalista. Isto é, diante das necessidades impostas pela reprodução do capital, o espaço produzido socialmente - e tornado mercadoria, no processo histórico - é apropriado privativamente, criando limites a sua própria reprodução (em função da produção de sua própria escassez). Nesse momento, o espaço, produto da reprodução da sociedade, entra em contradição com as necessidades do desenvolvimento do próprio capital. O que significa dizer que a raridade é produto do próprio processo de produção do espaço ao mesmo tempo que sua limitação. Na pesquisa em tela o processo de reprodução do espaço urbano em São Paulo - a propriedade privada do solo urbano é um dos elementos geradores da raridade do espaço em lugares específicos da metrópole paulista que entram em choque com as necessidades da reprodução do espaço para a realização do capital - mas não é uma condição suficiente, a raridade não ocorre em qualquer lugar da metrópole, mas em determinados pontos associada a centralidade,

19 19 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s no contexto determinado do processo de urbanização. Esta situação coloca como horizonte as necessidades de superar as contradições emergentes no processo de reprodução do espaço. Em primeiro lugar a escassez do espaço, nas proximidades do centro, requer a liberação de amplas parcelas do espaço ocupadas visando a criação de uma área livre para novos usos necessárias a expansão da atividade econômica, bem como a supressão dos direitos que é conferido aos proprietários urbanos, pela existência do estatuto da propriedade privada. Nesse contexto o desenvolvimento do ciclo do capital necessita de uma aliança com o poder político, na medida em que só ele pode atuar em grandes parcelas do espaço produzir infraestrutura e colocar em suspensão o estatuto da propriedade privada do solo urbano, liberando as áreas ocupadas, para novas atividades; o que significa a criação de novas estratégias entre as várias formas de capital e o Estado. Essa necessidade que aparece como condição de realização da reprodução é produto do fato de que determinada atividade econômica só pode se realizar em determinados lugares do espaço da metrópole, enquanto o uso para moradia é mais flexível. É exatamente, nesses lugares, que o espaço se torna raro, entrando em contradição com as necessidades de reprodução. É assim que as particularidades dos lugares se reafirmam, constantemente, potencializadas pela produção, isto porque o uso só pode se realizar num determinado lugar referindo-se, portanto, a escala local (apesar de articulados cada vez mais ao global). Neste processo a necessidade de expansão das áreas construídas voltadas ao setor de serviços na metrópole, em direção ao sudoeste, tropeça com a existência de dois bairros residenciais consolidados que se elevam como barreira (Itaim e Vila Olímpia), que neste trecho apresentavam uma ocupação residencial horizontal, com casas construídas em terrenos pequenos, muitas delas em vilas (fragmentados a partir de uma chácara nos anos 20, deste século), ocupadas por antigos moradores, havendo uma certa estabilidade no mercado imobiliário, o que significa que a propriedade mudava pouco de mãos, pois a dinâmica do mercado estava na dependência dos pequenos proprietários. A consolidação da mancha urbana, através da generalização da mercantilização do solo urbano associada a necessidade de reestruturação da malha viária da região impõe como única solução a interferência do estado para redefinir os limites da propriedade do solo urbano não anulando-o, mas fazendo a propriedade trocar de mãos, e possibilitando através de incentivos - o remembramento dos pequenos terrenos, e, com isso permitindo as mudanças de usos e de função necessárias a continuidade da reprodução do capital. Neste contexto a Operação Urbana Faria Lima aparece enquanto estratégia de intervenção espacial sinalizando as novas relações do processo de reprodução espacial, onde uma parcela significativa de solo urbano ocupado é liberado para outro uso com a destruição de imóveis e o deslocamento (e/ou expulsão) de seus habitantes. O processo de reprodução espacial envolve segmentos diferenciados da sociedade com interesses e desejos conflituosos, todavia o processo de reprodução espacial revela que os interesses divergentes podem se entrecruzar sob a unidade do estado - que tem um inquestionável poder de comando; é assim que empreendedores imobiliários e estado, na origem segmentos de interesses e ações espaciais divergentes, se unem na realização da Operação Urbana Faria Lima (OUFL). No caso em questão o Estado utiliza-se de seu poder de

20 20 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole planejador, para em nome do interesse público, desapropriar áreas imensas da metrópole (fazendo a terra mudar de mãos) instalando, na sequência, infraestrutura necessária ao desenvolvimento da nova atividade, e, com isso, mudando o uso, a função e o sentido dos lugares. Esse processo permite não só o estabelecimento de uma nova atividade no lugar o que gera a transformação da função residencial (substituída pela de serviços) mas sobretudo desencadeia um processo de valorização do solo urbano através dos investimentos em infraestrutura e o aumento do potencial construtivo da área (até então interditado pela lei de zoneamento vigente na cidade). A essa situação ainda deve-se acrescentar o fato de que as mudanças na área obrigam antigos proprietários a vender suas pequenas propriedades criando um aquecimento no mercado imobiliário e, com isso, novas áreas readquirem valor de troca, redefinidos pela sua trocabilidade. Nesse contexto as parcelas do espaço, sob a forma de mercadoria, se encadeiam ao longo dos circuitos da troca - a partir de uma estratégia e de uma lógica que transcende o livre jogo do mercado. A possibilidade de remembramento de lotes, antes ocupados por pequenas casas, sinalizam os processos atuais que transformam a metrópole, em meio de realização da acumulação através das transformações na propriedade privada do solo urbano. Assim, com estratégias bem definidas, o solo urbano muda de proprietários, o que garante a reprodução espacial segundo as necessidades da reprodução do capital. Nesse processo se constitui, em São Paulo, um novo eixo empresarial contornando a contradição provocada pelo fenômeno da raridade do espaço, pela da interferência do estado no livre jogo do mercado imobiliário, através de mecanismos de gestão capazes de criar novos espaços. A extensão do processo de mercantilização do espaço produz uma mobilização frenética do capital no espaço desencadeada pelos promotores imobiliários que leva a deterioração ou mesmo destruição de antigos lugares (que passam a fazer parte do fluxo de realização do valor de troca) como decorrência da realização de interesses imediatos, em nome de um presente programado e lucrativo. Produz com isso a especialização dos lugares, determina e redireciona fluxos, produzindo centralidades novas. Deste modo o espaço dominado, controlado, impõe novos modos de apropriação, pelo estabelecimento de novos usos que excluem/incluem os habitantes. Partimos assim, da tese de que a Operação Urbana é um mecanismo encontrado para contornar o problema da raridade do espaço e superar os limites impostos pela propriedade privada, num determinado momento do processo de reprodução espacial da metrópole, e que ao fazê-lo redefinese os modos de apropriação passíveis de serem lidos na vida cotidiana, que com a intervenção do Estado, ganha novas matizes, uma vez que as possibilidades de uso do espaço - que repousa na propriedade privada do solo se alimenta - numa metrópole super edificada - de transformações do plano diretor, sob a tutela do estado. Por sua vez esse processo aprofunda uma outra contradição do espaço qual seja, a passagem do espaço produzido enquanto valor de uso para um espaço que se reproduz visando a realização do valor de troca. Em São Paulo o executivo vem recorrendo às operações urbanas e / ou operações interligadas (atualmente suspensas) para permitir transformações no uso do solo da metrópole em lugares proibidos pelo plano diretor (que disciplina o uso do solo urbano) o que causa mudanças pontuais, mas profundas, no uso do espaço metropolitano. Nesse contexto, torna-se necessário contornar, não apenas a existência da propriedade privada, como também as limitações existentes no Plano Diretor da cidade.

21 21 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Nessa perspectiva a Operação Urbana, que aparece como um instrumento de gestão, revela uma estratégia através da qual o estado se estende à sociedade através do nível da produção do espaço, revelando o fato de que a compra e venda do solo urbano não é deixado somente ao livre jogo do mercado imobiliário, o que significa dizer que a reprodução espacial, na metrópole, reflete um pensamento institucionalizado posto que o espaço aparece como instrumento político intencionalmente manipulado, como estratégico nas mãos do poder. Nesse sentido a intervenção do estado é imperativa à reprodução ampliada do capital; é onde a Operação Urbana revela uma aliança de compromissos entre: promotores imobiliários (aliados a indústria da construção), setor financeiro (que tem no imóvel um elemento de investimento) e o poder de dominação do estado que ao reorientar o processo de produção do espaço permite a reprodução das relações sociais, num outro patamar. Deste modo a Operação Urbana Faria Lima aparece como estratégia espacial imposta pelos imperativos da reprodução, aparece na paisagem com a extensão da avenida Faria Lima nos seus dois extremos; bem como na nova arquitetura. Com a extensão da Avenida Brigadeiro Faria Lima se instala em São Paulo um eixo viário que aparece como possibilidade de um amplo campo de investimento, produzido enquanto condição da realização da atividade econômica que se expande. Novo modo através do qual a propriedade privada vai se realizar enquanto investimento, numa economia globalizada. Aqui o espaço aparece como espaço objetivo e neutro dos planejadores encobrindo-o numa névoa de racionalidade, como exigência de uma economia que ruma para o próximo século. Com isso encobre se a contradição que existe a partir dos interesses diferenciados de classes conflitantes ideia s e interesses - alojados em níveis diferenciados da reprodução, dissimulando as contradições no interior do processo de reprodução do espaço urbano. Lefebvre adverte que as contradições do espaço não vêm de sua forma racional tal qual se depreende nos matemáticos; elas vêm do conteúdo prático e social, especificamente, do conteúdo capitalista. Com efeito, esse espaço da sociedade capitalista se quer racional enquanto que na prática ele é comercializado, fragmentado, vendido em parcelas. É assim que ele é, ao mesmo tempo, global e pulverizado. Ele parece lógico e ele é absurdamente recortado. Essas contradições explodem no plano institucional. Nesse plano se descobre que a burguesia tem um duplo poder sobre o espaço: inicialmente a propriedade privada do solo, que se generaliza no espaço inteiro, a exceção dos direitos das coletividades e do estado e secundariamente, pela globalidade; a saber, o conhecimento, a estratégia, a ação do Estado. Há conflitos inevitáveis entre esses dois aspectos, e notadamente, entre o espaço abstrato (concebido ou conceitual, global ou estratégico) e o espaço imediato, percebido, vivido, fragmentado e vendido. No plano institucional, essas contradições aparecem entre os planos gerais do planejamento e os projetos parciais dos mercadores do espaço 10. Essas contradições explodem no nível da vida cotidiana no plano da apropriação do espaço onde os usos se deparam com a questão da raridade dos lugares no espaço, com isso o choque é eminente. A localização dos modernos escritórios na cidade de São Paulo revela uma atividade que requer a concentração o que gera uma centralidade efetiva. As exigências de um novo eixo empresarial na metrópole, em virtude das transformações do processo de produção, criam a

22 22 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole necessidade de um espaço determinado com características que permitam não só a o adensamento da região com a construção em altura, mas com moderna tecnologia apoiada numa densa rede viária ligando pontos chaves da metrópole; como a proximidade com o aeroporto, e serviços novos. O eixo empresarial que vinha se esboçando ainda de forma interrompida no espaço, ganha com a Operação Urbana Faria Lima o que lhe faltava: contiguidade espacial e, com isso, a articulação entre pontos de concentração dos serviços; e assim, realizam uma nova centralidade a partir da concentração do setor financeiro, serviços, sedes de indústrias em escritórios construídos para este fim específico com uma tecnologia definida para esse tipo de atividade num mercado globalizado, em decorrência de novas demandas do setor produtivo. Esse espaço inicialmente se constitui enquanto centro que entra em disputa com os centros tradicionais caso do centro Histórico da cidade e da região da Avenida Paulista, mas trata-se efetivamente, de um movimento de expansão e deslocamento e não de criação de outra coisa. Na realidade a extensão da avenida liga dois sub centros de escritórios em São Paulo criando uma área de expansão que se constitui no eixo empresarial o que significa dizer que, o fenômeno da raridade se associa àquele da centralidade e das necessidades de sua área de expansão. Essa centralidade da atividade econômica faz com que importantes transformações espaciais ocorrem iluminando o jogo estratégico de classe diferenciadas da sociedade urbana. Algumas hipóteses norteiam a análise do projeto que embasou a Operação Urbana Faria Lima, e a sua efetiva realização na região sudoeste de metrópole de São Paulo. 1. Podemos inicialmente afirmar que as mudanças decorrentes da Operação Faria Lima se articulam às necessidades de consolidação do novo eixo empresarial comercial de alto padrão na metrópole marcando uma direção na localização do desenvolvimento de uma nova função econômica a partir do estabelecimento dos grandes empreendimentos multifuncionais que reúnem vários projetos altamente sofisticados num mesmo terreno, com auxílio de alta tecnologia, transformando profundamente a área abrangida por ela que passa a concentrar a maioria dos investimentos em construção civil do momento, atraindo grandes empresas nacionais e internacionais. Esse processo deve ser analisado a partir de uma tendência que despontava, já nos anos 70, diante da impossibilidade crescente de construção de edifícios de escritórios na região da Avenida Paulista com terrenos escassos e preços altos e do centro histórico da cidade com a impossibilidade de áreas incorporáveis para essa atividade. 2. O estado, com seus instrumentos legais, produz grandes transformações nos usos e funções dos lugares da cidade reproduzindo uma hierarquia destes lugares no conjunto do espaço metropolitano. Mas, ao direcionar os investimentos em infraestrutura aprofundam as desigualdades na metrópole, interferindo de modo profundo nas formas de apropriação do espaço a medida em que produzem, com sua intervenção um processo de valorização diferencial do solo urbano. 3. A Operação Urbana Faria Lima ao permitir a extensão da Avenida Brigadeiro Faria Lima proporciona um processo concreto de valorização de áreas inteiras na esteira da abertura da Avenida tanto no seu perímetro imediato, quanto indireto. Com isso uma nova frente de investimentos imobiliários vem a reboque do projeto em função das facilidades proporcionada pela construção de infraestrutura que valoriza o solo, fixando um novo uso. Cria-se assim, um núcleo na

23 23 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s metrópole, com forte poder de atração, com pesados investimentos públicos e privados gerando um deslocamento de atividades que passam a competir com antigos polos econômicos como aquele formado pela região da Avenida Paulista e do centro histórico da metrópole. 4. O processo de valorização aliado às estratégias dos empreendedores imobiliários reproduz um espaço cada vez mais voltado aos interesses particulares do grande capital que, ao intervirem no urbano, interferem na prática socioespacial e, com isso, nos modos de apropriação do espaço da vida. O adensamento da metrópole associado ao desenvolvimento da mancha urbana, como decorrência do planejamento estatal, vem pontuando a metrópole de vias expressas, túneis e viadutos, rasgando o tecido urbano, destruindo a fisionomia de bairros inteiros, eclipsando a rua, separando vizinhos, quebrando relações sociais de vizinhança, esvaziando os centros de comércio de bairro, revelando um modo institucional de ver e gerir metrópole alimentando o processo de implosão-explosão. 5. Com essas transformações especializa-se espacialmente as funções, aprofundando a divisão espacial do trabalho na metrópole, implodindo a antiga centralidade que havia no bairro - no contexto da produção espacial de novas centralidades, que constituem a metrópole polinucleada. O novo polo que vai se produzindo, reproduz um duplo fenômeno de um lado a extensão do eixo empresarial da metrópole, de outro a constituição de um polo de lazer que definirá aquilo que chamo de centralidade móvel. Este fenômeno se refere, na metrópole, ao centro institucional de lazer delimitado/definido pela mono funcionalidade, no caso específico, pela localização de equipamentos de lazer como bares e restaurantes ligados a um consumo organizado, programado, produzido e povoado de signos. A novidade dos bares temáticos, são na realidade, os novos lugares da reprodução do capital aliado a reprodução de relações sociais bem definidas em torno de um padrão de comportamento e de um modo de usar o espaço. Esse processo reforça a ideia de um centro único que se esfacela em função da polinucleação da metrópole, que se constituem enquanto novos espaços do consumo. Aqui ao espaço do consumo se associa também a ideia de consumo do espaço - a produção de lugares articulados a expansão do mundo da mercadoria. 6. É conveniente insistir que o espaço geográfico articula duas dimensões, aquela da localização (de um ponto no mapa) e aquela que dá conteúdo a esta localização, que qualifica e singulariza o lugar, dando-lhe conteúdo. Este conteúdo é determinado pelas relações sociais que aí se estabelecem o que confere ao espaço a característica de produto social e histórico. Mas por ter uma materialidade indiscutível, o processo espacial, tem uma dimensão aparente, visível que se materializa na morfologia marcada pela heterogeneidade própria dos lugares, mas que também aponta o reprodutível. Nesse caso o mundo de imagens, formas e aparências apontam para a tendência à homogeneização de nossa sociedade que podem ser melhor apreciadas na paisagem urbana da grande metrópole. 7. Mudanças especiais na metrópole sempre ocorrem de forma violenta, num ritmo acelerado como tendência da mudança constante das direções de fluxos, do traçado ou do alargamento de ruas e avenidas, como uma necessidade imposta pelo escoamento do trânsito, das tendências do mercado imobiliário, das mudanças da lei de zoneamento, notadamente como decorrência das mudanças dos usos funções dos lugares e, espaço com isso, redefinem-se constantemente, os lugares dentro da metrópole. As transformações, produtos de renovações

24 24 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole urbanas não transformam uniformemente toda a cidade, mas parte dela; a chamada Operação Urbana Faria Lima, pode iluminar como essas transformações ocorrem no seio da metrópole e o que acontece aos usos e ao sentido do espaço para a reprodução da vida, já que com a mudança da morfologia há também uma mudança das formas de apropriação do espaço da vida. As hipóteses, aqui, apontadas embasam a necessidade de análise de um contexto mais amplo a partir do qual se pode apreender o sentido, dimensão e abrangência da Operação Urbana Faria Lima no espaço da metrópole. Se de um lado o processo de reprodução espacial na grande metrópole é influenciado, hoje, pelo desenvolvimento de uma nova atividade produtiva (novas atividades econômicas dentre elas o lazer 11 ), de outro lado, o processo de raridade impõe a necessidade de transformação de usos e funções de áreas consolidadas da metrópole impondo sua renovação através de intervenções do poder público através de mecanismos estratégicos. Assim a pesquisa se realiza na perspectiva do entendimento do espaço geográfico como categoria de análise de desvendamento do processo de reprodução da sociedade, neste fim de século. Na realidade, convém, inicialmente, explicitar que não está em cheque a natureza do espaço (ele próprio produto histórico e social), mas a dinâmica que explica, hoje, a sua reprodução, através da análise das metamorfoses da metrópole - enquanto momento da reprodução histórica da cidade - iluminado o fato de que seu processo de produção / reprodução envolve sempre novas estratégias, criando novas contradições. O espaço revela em seu processo de produção interesses divergentes que encontram uma unidade no estado que revela um comando, posto que tem a seu cargo a produção de grandes conjuntos e obras de infraestrutura para além de nomear e qualificar espaços redefinem o seu sentido. Por outro lado, o estado tem a seu cargo, a orientação e definição de metas que planificam o espaço (tanto no plano geral da sociedade quanto no plano micro do bairro dentro da cidade) e com isso interfere e delimita os umbrais da vida cotidiana, através de estratégias de atuação, que exerce seu poder através do espaço. É no espaço que o poder ganha visibilidade através de intervenções concretas; é por isso que as contradições no processo eclodem no plano institucional. No contexto do espaço planejado, manipulado que aparece como objetivo e neutro, esconde-se seu sentido político enquanto meio de dominação. Nesse sentido, através do Estado, o espaço é um elemento de dominação em contradição ao espaço da apropriação revelado, claramente, nas lutas que se realizam no espaço questionando as contradições geradas no processo. Convém sublinhar que as estratégias que percorrem o processo de reprodução espacial são estratégias de classe, referem-se a grupos sociais diferenciados, com objetivos desejos e necessidades diferenciadas, o que tornam as estratégias conflitantes. O estado, por sua vez, desenvolve estratégias que orientam e asseguram a reprodução das relações no espaço inteiro (elemento que se encontra na base da construção de sua racionalidade). Assim o espaço se revela enquanto instrumento político intencionalmente organizado, e manipulado pelo estado; é, portanto, um meio e um poder nas mãos de uma classe dominante que diz representar a sociedade, sem abdicar de objetivos próprios de dominação. Nessa perspectiva, o estado, através da OUFL, reorganiza as relações sociais e de produção. A socialização da sociedade, que tem por essência a 11 Essa atividade que se articula à tendência da transformação do espaço, em mercadoria, traz profundas mudanças visto que é uma atividade que redefine singularidades espaciais e reorienta o uso com novos modos de acesso.

25 25 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s urbanização, se revela na planificação racional do espaço, na organização do território, no processo de industrialização global; enquanto aspectos essenciais. Deste modo as contradições entre apropriação para a realização da vida humana entram em conflito com aquelas dos grupos sociais que exploram o espaço como condição da reprodução do capital. A Operação Urbana Faria Lima (OUFL) se inscreve, assim, num conjunto de estratégias políticas, imobiliárias e financeiras, com orientação significativa no processo de reprodução espacial que converge para a segregação e hierarquização no espaço a partir da destruição da morfologia de uma área da metrópole que ameaça/transforma a vida urbana reorientando usos e funções dos lugares da cidade. Isto porque, cada projeto de renovação urbana não realça somente a questão das estruturas existentes na sociedade, as relações imediatas (individuais) e cotidianas, mas também aquela que se pretende impor pela via da coação e institucional ao resto da realidade urbana. 12 Não é por acaso que a consolidação do eixo empresarial se realiza através do poder político, enquanto estratégia de gestão, que assegura a reprodução das relações sociais de produção. Na realidade tanto o estado quanto os empresários apesar de suas diferenças - através de estratégias espaciais diferenciadas, convergem, neste caso específico, no sentido de superar a questão da raridade do espaço na metrópole. Deste modo a Operação urbana estabelece uma estratégia espacial de dominação em aliança com setores econômicos que de um lado revela a imposição do setor imobiliário como elemento dinâmico da economia tornando patente a mobilização da riqueza fundiária e imobiliária, compreendida com extensão do capitalismo financeiro; e de outro, as transformações recentes da economia capitalista, a entrada do setor da construção civil no circuito industrial moderno, associado ao desenvolvimento maciço da tecnologia em função da imposição dos novos padrões de realização da atividade econômica nas cidades mundiais. No momento em que a construção de escritórios passa a figurar como bens o que efetivamente ocorre é que o setor de locação de escritórios em São Paulo é substancialmente mais aquecido e importante que aquele de compra e venda de imóveis, ratificando a tendência de mobilidade do capital financeiro (que se volta para o segmento imobiliário que se tornou importante setor de investimento). Os capitais encontram aí um tipo de refúgio para uma aplicação de rendimento seguro num pais de economia instável em relação ao conjunto dos ativos passíveis de aplicação financeira. Tal investimento pode compensar dificuldades no circuito normal de produção-consumo, apontando uma estratégia de aplicação de capital. Nesse caso o capital financeiro associado ao capital industrial, atendendo a uma nova demanda da economia - o crescimento do setor de serviços - precisa, para se desenvolver, da aliança dos empreendedores imobiliários com o poder municipal garantido a gestão da cidade dentro dos padrões necessário a reprodução continuada do capital. Ocorre que a intervenção do estado produz ou reproduz desigualdades no que se refere aos investimentos no espaço que uma Operação urbana reforça através do processo de valorização da área atingida em detrimento de outras áreas e de outros setores sociais da cidade. Essa é uma das discussões básicas envolvendo o questionamento do 12 Lefebvre, H. Le droit à la ville. Paris, Anthropos, 1974, p.116.

26 26 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole projeto pelos habitantes dos bairros atingidos pela OUFL; a priorização dos recursos públicos da prefeitura sua hierarquia de gastos destinados a gestão da cidade. A Operação interfere no mercado de solo urbano na medida que cria para o mercado imobiliário a possibilidade de reocupar o espaço com outro uso com outro padrão de construção e com outra densidade de ocupação. No mercado imobiliário urbano, o solo urbano, tornado mercadoria se generaliza assumindo, aqui, uma expressão especulativa, através do desenvolvimento do mercado de locação de escritórios produto do desenvolvimento da troca e da intercambialidade de parcelas do espaço antes nas mãos de pequenos proprietários urbanos gerando conflito entre os usos e o sentido que cada grupo social confere ao espaço. O desenvolvimento desse mercado de imóveis de escritório tem na raridade do espaço (o segmento de escritórios que não pode se localizar em qualquer lugar do espaço metropolitano) um ponto importante definidor de suas estratégias e alianças. A construção de escritórios destinados ao mercado de locação, visando a reprodução do capital industrial ligado ao setor da construção ou financeiro, têm como pressuposto fundamental a possibilidade de realização do valor de uso e com isso realizar o valor de troca (objetivo último daqueles que compram espaços de escritórios construídos com finalidade de investimento). Todavia o valor de troca tende a se impor à sociedade num espaço onde os lugares de apropriação diminuem até quase desaparecerem caso dos espaços públicos como decorrência da construção, em São Paulo, dos grandes complexos viários. O uso está em estado latente nesse tipo de investimento. Há um caráter especulativo em jogo (como algo novo) ele pressupõe o uso, mas seu objetivo no ato de compra é o valor de troca que a operação intermediária de locação vai realizar. O que se deve ressaltar, então é que o uso pode vir a ter sentidos diversos, uma diferença substancial entre a compra de uma moradia e a compra de um escritório para ser alugado. Significa que há interesses diversos envolvendo o uso do espaço como básico em ambas operações imobiliárias o habitante compra a moradia para seu uso, enquanto o investidor compra um imóvel para alugar porque representa um uso para outrem. O espaço da reprodução da vida A metrópole em sua grandiosidade esmagadora, exuberante e ensurdecedora; aparece como o lugar profundas transformações, um processo inebriante de mudanças ainda em curso. As profundas e rápidas transformações nas suas formas morfológicas ocorrem concomitantemente a uma profunda transformação da vida cotidiana que, agora, constitui-se numa paisagem em metamorfose. Neste contexto pode-se dizer que a metrópole aparece, hoje, como manifestação espacial concreta do processo de constituição da sociedade urbana apoiado no aprofundamento da divisão espacial do trabalho, na ampliação do mercado mundial, na eliminação das fronteiras entre os estados, na expansão do mundo da mercadoria e da instauração 13 do cotidiano. Tal fato é potencializado pela generalização no espaço dos fluxos de informação e mercadorias pois o processo capitalista se, num primeiro momento, realiza-se contornando fronteiras nacionais para se 13 Termo traduzido diretamente do francês, tal qual utilizado por Henri Lefebvre em De L Etat, volume IV, Paris, Union Générale d Èditions, 1978.

27 27 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s reproduzir, hoje sua tendência é de unir os mercados, constituindo-se num espaço mundial e hierarquizado, comandado por centros múltiplos. Deste modo o processo de metropolização, diz respeito a hierarquização do espaço a partir da dominação de centros que exercem sua função administrativa, jurídica, fiscal, financeira, policial e de gestão onde a metrópole guarda uma centralidade em relação ao resto do território, dominando e articulando áreas imensas. Assim a metrópole constitui-se enquanto espaço mundial. O que torna um lugar mundial, segundo Milton Santos são os componentes que fazem de uma determinada parcela do território o locos da produção e troca de alto nível, consequência da hierarquização que regulariza a ação em outros lugares 14. A metrópole reproduz-se de forma incessante e ininterruptamente. Por sua vez ela não se refere mais ao lugar único, primeiro porque ela contém o mundial, a constituição de valores, de uma estética, de comportamentos e hábitos que são comuns a uma sociedade urbana em constituição; segundo porque aí temos a articulação de todos os lugares, na medida em que os aproxima; terceiro a metrópole caracteriza-se enquanto forma da simultaneidade. Na realidade a co-presença e a simultaneidade marcam substancialmente o urbano e iluminam as relações espaçotempo. Nesse contexto, a metrópole aparece como o lugar de uma superposição de eventos acontecendo ao mesmo tempo em lugares diferentes além de uma simultaneidade de eventos acontecendo no mesmo espaço. Tal fato associa-se à ideia de que a metrópole estaria em todo o lugar, ou ainda segundo Cannevacci, de que a metrópole está em nós. Talvez não se possa sair nunca de São Paulo pois ela está em toda parte, escreve o Autor 15. Por sua vez, podemos dizer que cada momento da vida na metrópole traz consigo um acúmulo de fatos novos dos quais cada um cria uma série de consequências o que permite pensar a sociedade urbana em sua complexidade a partir da vida cotidiana na metrópole. Esses processos aludem uma nova ordem espaço - temporal que se vislumbra a partir do processo de constituição e mundialização da sociedade urbana que é passível de ser analisado a partir da metrópole pois é aqui que em todos os lugares misturam-se os sinais de uma modernização imposta na morfologia urbana (através de novas formas arquitetônicas, novas e largas avenidas destinadas ao tráfego cada vez mais denso, que se apresentam como imensas cicatrizes no tecido urbano), se revelam plenamente. Se de um lado, o espaço urbano se afirma enquanto forma, de outro lado, revela na especificidade de sua produção espacial, um conteúdo social, o espaço como fio condutor para o entendimento do mundo moderno aparece através da análise da metrópole como forma material das relações de reprodução no seu sentido amplo; elemento de mediação entre o lugar e o mundial. Durante muito tempo a problemática urbana vinculou-se, ora à relação entre processo de produção de mercadorias e o espaço; ora à reprodução da força de trabalho, circunscrita ao espaço da fábrica, ou ainda a análise da reprodução da força de trabalho enfocada a partir da moradia. Na realidade o que coloco como perspectiva analítica é a construção da problemática a partir do entendimento da reprodução da sociedade enquanto reprodução espacial. No momento atual a realidade urbana se generaliza num processo conflituoso e contraditório englobando as esferas da reprodução social, isto porque o fenômeno urbano tem o sentido da produção humana como 14 Santos, Milton. "A aceleração contemporânea: tempo mundo, espaço mundo" (Conferência de abertura do Simpósio "O novo mapa do mundo") in: Santos et alli.(orgs.) Fim de século e globalização. São Paulo, Hucitec, pp Cannevacci, M. A cidade polifônica. São Paulo, Studio Nobel, 1993, p.129.

28 28 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole processo em realização, tecendo-se como produto da reprodução da sociedade, enquanto reprodução da vida, isto é, as relações sociais se realizam e ganham concretude, materializando-se, no espaço. A primeira observação que podemos fazer é o fato de que se realizam através dos modos de apropriação específicos nesse contexto a reprodução social alude condições espaçotemporais objetivas. O sentido do urbano transcende a cidade sem, todavia, deixar de engloba-la, a sociedade urbana se anuncia e se projeta na vida recriando-a, compondo não só uma totalidade mais ampla, mas como aponta Henri Lefebvre, mas transformando-se também num objeto virtual. O processo de constituição da sociedade urbana produz transformações radicais nas relações espaço-tempo que se dão no plano do vivido enquanto a paisagem urbana aponta para a existência de formas sempre cambiantes. A sensação do tempo se acelera, as transformações nos referenciais urbanos, de como as pessoas se identificam com o lugar onde moram, se alteram como decorrência das mudanças nas possibilidades do uso do lugar, nos modos de vida neste lugar. Nesse plano, tomamos como ponto de partida da pesquisa a contradição entre o tempo da vida - que se expressa na vida cotidiana (num tempo e espaço que mede e determina as relações sociais) e o tempo das transformações na morfologia urbana que produz no mundo moderno, particularmente na metrópole, formas sempre fluidas e sempre cambiantes. O tempo diz respeito a um espaço - ao uso do espaço. No mundo moderno uma nova relação espaço-tempo se instaura na sociedade urbana que pode ser entendida, em toda sua extensão, no lugar, nos atos da vida cotidiana. Essa contradição produz o que chamo de estranhamento. Diante de uma metrópole onde as formas mudam e se transformam de modo cada vez mais rápido, os referenciais dos habitantes da metrópole se modificam, produzindo a sensação do desconhecido, do não identificado. Aqui as marcas da vida de relações e dos referencias da vida se esfumem, ou se perdem para sempre - o estranhamento provocado pelas mudanças do uso do espaço e de uma nova organização do tempo na vida cotidiana coloca o indivíduo diante de situações mutantes inesperadas. A constante renovação - transformação do espaço urbano através das mudanças morfológicas da metrópole produz constantes transformações nos tempos urbanos da vida, dos modos e tempos de apropriação/uso dos espaços públicos, como por exemplo, aquele da rua. Como o processo da produção da vida se dá através dos modos de apropriação do espaço, para o uso, o ponto de partida para o desenvolvimento desta pesquisa assenta-se no fato de que, no caso específico da metrópole de São Paulo, há uma profunda e rápida transformação no espaço urbano, passível de ser apreendido no plano da morfologia que aponta mudanças radicais nas formas de vida porque normatiza/impede o uso do lugar. A construção da metrópole torna visível os usos e as formas de apropriação do espaço que se associa diretamente as formas de propriedade privado do solo urbano apontando para uma hierarquização socioespacial. A análise do processo de produção do espaço urbano coloca-nos diante de enormes transformações passíveis de serem apreendidas no plano do vivido. Numa metrópole superedificada, como São Paulo onde o ritmo do que se chama progresso destrói constante e ininterruptamente áreas da cidade pelo ato incessante de construção de novas formas; esse movimento, provoca o desaparecimento das marcas e referenciais do passado histórico, presente nas construções, nas fachadas, nas ruas e praças, destruindo bairros inteiros. A

29 29 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s construção das vias rápidas, pontes, viadutos, linhas de metrô, fragmentam o espaço urbano mudando a relação entre os cidadãos com a cidade. Aqui as transformações do espaço vivido pela destruição da memória social, dá-se em virtude da liquidação dos referenciais individuais e coletivos produzindo a fragmentação da identidade, a perda da memória social, pois os elementos conhecidos e reconhecidos impressos na paisagem da metrópole, se esfumam. Os guindastes, motosserras, as britadeiras, os caminhões de concreto são metáforas da criação de formas fluídas, efêmeras; isto se reflete nos pontos de referência da vida cotidiana através dos usos. No espetáculo da multidão o indivíduo se perde e para ele a cidade se torna ora passagem ora vitrine, escreve Olgária Matos 16. Lugar de expressão dos conflitos, afrontamentos-confrontações; lugar do desejo ou onde os desejos se manifestam, na metrópole, se circunscrevem as ações e atos do sujeito; aí se encontram os vestígios do que podemos chamar harmonia dissonante que permite recuperar a memória que marca a identidade da vida metropolitana, através das marcas da história de tempos distantes impressas no presente. É nessa harmonia dissonante de vestígios de tempos históricos diferenciais que o indivíduo se acha ou se perde, pois, o espaço é o ponto de convergência entre o passado e o presente. É também o lugar da manifestação do individual e da experiência socializante, (empobrecida ou não), produto de uma multiplicidade de trocas de todos os tipos que produz a sociabilidade na cidade. Reproduz-se na contradição entre a eliminação substancial e manutenção persistente dos lugares de encontros e reencontros, da festa, da apropriação do público para a vida. Partimos da premissa de que no lugar encontramos as mesmas determinações da totalidade sem com isso eliminar-se as particularidades, pois cada sociedade produz seu espaço, expressando sua função social, determinando os ritmos da vida, os modos de apropriação seus projetos e desejos. O lugar guarda uma dimensão prático sensível, real e concreta que a análise, aos poucos, vai revelando. Assim à medida em que a cidade de São Paulo se transforma, o processo se faz modificando e transformando a configuração e a morfologia espaciais e, com isso o sentido dos lugares e os modos de uso, revelando uma nova relação espaço-tempo. A tese central se apoia na ideia de que o lugar tem uma dimensão explicativa e permite entender como se realiza, hoje, o processo de reprodução da sociedade, vista a partir da reprodução espacial de um fragmento da metrópole paulista. Isto porque o lugar aparece como condição de realização da vida cotidiana o que envolve uma articulação espaço tempo através dos usos do lugar. A relação entre habitante e a cidade através da vida cotidiana se realiza enquanto ação relacionada as possibilidades e os limites do uso do lugar, num determinado momento histórico. Nesta perspectiva as relações sociais existem se realizando e produzindo, na sua prática, o espaço da vida. É assim que se coloca, a nosso ver, a questão da prática socioespacial e da produção social do espaço - as relações sociais ganham existência inscrevendo-se no espaço, produzindo-o, constantemente, em seus limites e possibilidades. A construção da cidade, hoje, revela a dupla tendência entre a imposição de um espaço que se quer moderno, logo homogêneo e monumental, definido, ou melhor desenhado como espaço que abriga construções em altura 16 Matos, Olgária. "A cidade e o tempo: algumas reflexões sobre a função social das lembranças". Espaço & Debates, São Paulo, nº 8.

30 30 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole associadas a uma rede de comunicação densa e rápida e de outro as condições de possibilidade, que se referem a realização da vida (que se acham à espreita, de modo contestatório) revelando uma luta intensa em torno dos modos de apropriação do espaço e do tempo na metrópole - um processo que ocorre de modo, profundamente, desigual revelando-se em seus fragmentos. A análise se baseia no fato de que as relações sociais tem sua realização ligada a necessidade de um espaço aonde ganha concretude a casa enquanto universo do homem privado; a rua enquanto acessibilidade possível aos espaços públicos aonde se realizam os encontros e se dão os percursos, bem como as possibilidades de uma miríade de trocas (onde o comércio local ganha significado especial); os lugares de trabalho; os pontos de lazer, etc. - lugares aonde se realizam a vida humana num determinado tempo. Bref les espaces se sont multipliés, morcelés et diversifiés. Il y en a aujourd hui de toutes tailles et de toutes sortes, pour toutes usages et pour toutes fonctions. Vivre, c est passer d un espace a un autre, en essayant le plus possible de ne pas se cogner. 17 É neste nível que espaço e tempo se articulam de modo indissociável como prática socioespacial. Esta é a implicação mais profunda da análise da produção em seu sentido lato (a realização da vida enquanto produção / apropriação dos lugares). Assim as relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso, nas condições mais banais e acidentais, na vida cotidiana. Revela-se como um espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido, pelo indivíduo através do corpo pois é com todos os seus sentidos que o habitante usa o espaço, cria/percebe os referenciais, sente os odores dos lugares dando-lhe sentido. Significa dizer que o uso do espaço envolve o indivíduo e seus sentidos, o seu corpo; é através dele que marca sua presença, é através dele que constrói e se apropria do espaço e do mundo no plano do; no modo como usa o espaço e emprega o tempo da vida cotidiana. A nossa existência tem uma corporeidade pois agimos através do corpo, ele nos dá acesso ao mundo, é o nó vital, imediato visto, pela sociedade como fonte e suporte de toda cultura 18. Portanto, um modo de aproximação da realidade, produto modificado pela experiência do espaço, da relação com o mundo, relação múltipla de sensação e de ação, mas também de desejo e, por consequência de identificação com a projeção sobre o outro. Nesta direção a prática socioespacial tomada globalmente supõe o uso do corpo, emprego das mãos, dos membros, dos órgãos sensoriais, gestos do trabalho e das atividades fora do trabalho, isto porque o próprio corpo aparece como um elemento espacial. Assim o lugar é a porção do espaço apropriável para a vida, revelando o plano da microescala; o bairro a praça, a rua, o pequeno e restrito comércio que pipoca na metrópole aproximando seus moradores, que podem ser mais do que pontos de troca de mercadorias, pois criam possibilidades de encontro e guardam uma significação como elementos de sociabilidade. A análise da vida cotidiana envolve o uso do espaço, pelo corpo, o espaço imediato da vida das relações cotidianas mais finas: as relações de vizinhança o ato de ir as compras, o caminhar, o encontro, os jogos, as brincadeiras, o percurso reconhecido de uma prática vivida / reconhecida em 17 Perec, George. Espèces des espaces. op.cit., p Cf. Id.Ibid.

31 31 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s pequenos atos corriqueiros e, aparentemente, sem sentido que criam laços profundos de identidade, habitante - habitante e habitante lugar, marcada pela presença. São, portanto, os lugares que o homem habita dentro da cidade e que dizem respeito a sua vida cotidiana lugares como condição da vida, que vão ganhando o significado dado pelo uso (em suas possibilidades e limites). Trata-se, portanto, de um espaço palpável, real e concreto - a extensão exterior, o que é exterior a nós, ao mesmo tempo, interior. São as relações que criam o sentido dos lugares da metrópole. Isto porque o lugar só pode ser compreendido em suas referências, que não são específicas de uma função ou de uma forma, mas produzidos por um conjunto de sentidos, impressos pelo uso. É assim que os percursos realizados pelos habitantes ligam o lugar de domicílio aos lugares de lazer, do trabalho, de comunicação ordenadas segundo as propriedades do tempo vivido. Nesse processo se desvenda a base da reprodução da vida passível de ser analisada pela relação habitante - lugar; como produtora de identidade do indivíduo. Assim, no uso do espaço, é possível apreender o imprevisto, a improvisação, o espontâneo que criam os pontos de referência da cidade, onde a multidão improvisa onde ocorre a festa, a reunião, superpondo-se à rotina do igual e do repetitivo. Desta feita as ruas, praças e avenidas com suas marcas particulares e identificadoras marcam o convívio e apresentam modos diferenciados de apropriação. As ruas podem ser um elemento importante a partir do qual se pode pensar o lugar da experiência, da rotina, dos confrontos, conflitos e dissonâncias. No panorama das ruas lê-se a vida cotidiana - seu ritmo, suas contradições, sentimentos de estranhamento, formas como se trocam mercadorias, modo como a solidão desponta, a arte da sobrevivência; suas delimitações. Mas ao lado dos espaços públicos há, na metrópole, os espaços semi-públicos que tendem a substituir o público como os espaços comerciais, como galerias, shopping centers, por exemplo onde os encontros, organizados e normatizados, são locais de exclusão. Tem horário de funcionamento, abrem e fecham, são vigiados, não são acessíveis a qualquer hora ou mesmo dia, nem a qualquer um, contém códigos e normas de uso, (muitos deles são espaços abertos a encontros organizado em torno de signos, como aquele do ritual da mercadoria onde o habitante se transforma, potencialmente, em consumidor). Isto porque o tempo tende a se restringir ao universo do trabalho produtivo desaparecendo no espaço, inscrevendo-se apenas enquanto quantitativo, aquele dos aparelhos de medida; o único tempo que se impõe é aquele do trabalho o que significa que o uso se restringirá, marcado pelos ritmos da vida urbana 19. Nesse contexto esses espaços se tornam o domínio por excelência de relações sociais entre estranhos, locos de sociabilidades polidas, frias e distantes. Portanto, o uso refere-se também às maneiras de frequentar determinado lugar e permite desvendar a relação espaço - indivíduo no mundo moderno onde os referenciais vindos de um passado distante, tendem a desaparecer. Na metrópole a noite que costumava representar o desconhecido, aqui se revela em uma multiplicidade de formas luminosas expondo um mundo de atividades que fervilham sem mistérios aparentes, numa rotina submersa composta de ritmos lineares impostos; mas também de solidão, 19 Para Henri Lefebvre (La production de l'espace, op.cit., p.452) o tempo se reduz rapidamente ao emprego obrigatório de espaço: percursos e caminhos, trajetos, transportes. Os deslocamentos cotidianos pelas ruas, no bairro, espaço habitado, se caracteriza como emprego de tempo - um tempo produtivista que captura o uso, normatizando-o e esvaziando-o de conteúdo. Um tempo que se liga à esfera específica da necessidade.

32 32 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole incertezas e possibilidades. A metrópole também se transforma num mundo de imagens superpostas que se transfigura num vertiginoso e contínuo jogo de impressões brevíssimas, num mundo sem espessura, e sem memória. A fluidez do tempo elimina a sensação do que dura e persiste criando um vazio preenchido por coações. O poder controla o fluxo, o uso e o tempo do uso dos lugares. Assiste-se, assim, a constituição da identidade abstrata produzida como consequência da extensão do mundo da mercadoria que invade e transfigura a vida cotidiana, onde os signos proporcionam o modelo para manipular pessoas e consciências organizando as relações sociais direcionada pelo consumo do espetáculo. Uma ideia apresentada por Henri Lefebvre, em muitos dos seus trabalhos 20, segundo a qual uma das características da sociedade moderna é a vitória do valor de troca sobre o valor de uso, acrescenta outro elemento à análise da reprodução do espaço. Pudemos constatar que as transformações ocorridas na metrópole paulista, apontam uma tendência, manifesta na prática socioespacial, segundo a qual os espaços se reproduzem, cada vez mais, em função das estratégias imobiliárias, e com isso limitam as condições e as possibilidade do uso do espaço pelos habitantes; isto é, cada vez mais os espaços urbanos, transformados em mercadoria, são destinados à troca o que significa que a apropriação e os modos de uso tendem a se subordinar (cada vez mais) ao mercado. Em última instância, significa que existe uma tendência à diminuição dos espaços, onde o uso não se reduz à esfera da mercadoria e o acesso não se associe à compra e venda de um direito de uso temporário. Este fato pode ser constatado através dos limites impostos ao lazer e ao flanar; o corpo e os passos estão cada vez mais restritos a lugares vigiados, normatizados, privatizados ou privados. Esse fato é consequência da tendência que se esboça no mundo moderno, que transforma o espaço em mercadoria ou área de circulação, o que, tendencialmente, limitaria seu uso às formas de apropriação privada. Na realidade, uma advertência se faz necessária, com essa ideia Henri Lefebvre não quer dizer que o valor de uso tende a desaparecer em nossa sociedade, nem tão pouco que a homogeneização de fragmentos dispersos e comercializados do espaço impliquem na prioridade absoluta do valor de troca sobre o valor de uso 21, trata-se de uma tendência que não destrói a relação dialética entre valor de uso e valor de troca, mas aponta para o modo como as contradições do processo de produção do espaço, entre uso e troca, se realizam no mundo moderno. O uso invadido e submetido ao mercado, ao valor de troca se torna residual. O comprador de um terreno ou de uma casa na cidade, continua comprando um valor de uso; apesar da casa ser mercantilizada o valor de uso e valor de troca se encontram numa relação dialética, onde nenhum dos polos desaparece e ambos se situam no espaço diferencialmente 22. A predominância do valor de troca, como extensão do mundo da mercadoria se revela enquanto produto de lutas surgindo a partir de relações sociais contraditórias criadas e aprofundadas pelo desenvolvimento do processo de reprodução lato senso onde as batalhas se resolvem pelo jogo político das forças sociais e, nesse sentido, o espaço aparece como obra 20 Por exemplo em Le droit à la ville. Paris, Anthropos, 1974; e em: De l État, op.cit. 21 Advertência que consta do livro: Espace et politique. Paris, Anthropos, 1972, p O movimento dos capítulos II e III revelam que esta tendência pode ser assinalada no processo de reprodução do espaço da metrópole de São Paulo, não de modo homogêneo, mas presente em seus fragmentos.

33 33 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s histórica que se produz, continuamente, a partir das contradições inerentes à sociedade, produzidas a partir de relações sociais assentadas em relações de dominação-subordinação / uso-apropriação, que produzem conflitos inevitáveis que tendem a questionar o entendimento da cidade exclusivamente, enquanto valor de troca 23 e, consequentemente, as formas de parcelamento e mercantilização do solo urbano. Por outro lado, a reprodução das relações sociais se processa agora, pela lógica de ações políticas e pelo controle sobre a técnica e o saber. A presença contraditória do estado no espaço, fundada numa estratégia, que se quer hegemônica, organiza as relações sociais e de produção através da reprodução do espaço, enquanto ação planificadora onde o espaço do habitar aparece como algo secundário. O uso do solo urbano será disputado pelos vários segmentos da sociedade de forma diferenciada, gerando conflitos entre indivíduos e usos, pois o processo de reprodução espacial envolve uma sociedade hierarquizada, dividida em classes produzindo de forma socializada; deste modo a cidade enquanto trabalho social materializado é apropriada de forma diferenciada pelo cidadão. Na sociedade capitalista o acesso ao solo urbano, orientado pelo mercado, mediador fundamental das relações que se estabelecem nesta sociedade, produz um conjunto limitado de escolhas e condições de vida. Portanto, a localização de uma atividade só poderá ser entendida no contexto urbano como um todo, na articulação da situação relativa dos lugares, na metrópole. Nesse sentido, o uso nos remete à análise das relações sociais estabelecidas à partir da produção do espaço onde os mecanismos do mercado determinarão o acesso à propriedade privada, pela possibilidade de pagamento do preço do solo urbano. Os fatores que determinarão a formação do preço vinculam-se, principalmente, à inserção de determinada área no espaço urbano global tendo como ponto de partida a localização do terreno (por exemplo, no bairro e, deste na metrópole), a acessibilidade em relação aos lugares ditos privilegiados (escolas, shopping, centros de saúde, de serviços, lazer, áreas verdes, etc.), acesso à infraestrutura existente (água, luz, esgoto, asfalto, telefone, vias de circulação, transporte), a privacidade e os fatores vinculados ao relevo que se refletem nas possibilidades e custos de construção 24. A evolução dos preços, todavia, interrelacionam-se com as condições de reprodução do espaço urbano, no que se refere ao modo como se desenvolve a produção das condições gerais de reprodução; dos custos gerados pela concentração no solo urbano, bem como pelas políticas de zoneamento ou de reservas territoriais além das modificações do poder aquisitivo dos habitantes. Assim, no embate entre o que é necessário ao processo de reprodução do capital e o que a sociedade exige, deseja e sonha, a metrópole se estrutura, a paisagem ganha sua configuração, novos conflitos eclodem. Finalmente, a análise da metrópole, feita a partir de um fragmento, nos indicou a presença de uma tendência: a instauração do cotidiano na metrópole, ainda de modo desigual e contraditório, mas presente nos interstícios da vida, enquanto condição da reprodução das relações sociais, hoje que se dá ainda de forma diferenciada nos lugares e em determinados estratos da sociedade 23 Ideia também desenvolvida em nossa tese de doutorado [A (re)produção do espaço urbano, op.cit.] e retomada em nosso livro: A cidade, São Paulo, Contexto, Já expusemos em nossa tese de doutorado apresentada em 1987, a ideia de que não existe renda da terra urbana. Na cidade o solo urbano, produzido, tem seu preço assentado no valor e não numa renda. Convém esclarecer que enquanto no campo a natureza é meio de produção, na cidade a natureza é condição para a produção da cidade o que lhe confere o valor definido no processo de produção da cidade (no processo de trabalho). Vide: A (re)produção do espaço urbano, op.cit. cap.2.

34 34 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole revelando-se enquanto processo contraditório indicando os, limites e possibilidades da reprodução das relações sociais em nossa sociedade. A noção de cotidiano se eleva no plano da explicação da realidade (não sem dificuldades) permeando/definindo, as relações sociais na metrópole, em constituição de modo contraditório, fragmentário, em função das possibilidades que o processo de reprodução assume no Brasil. É assim que se pode dizer, com certeza, que o cotidiano não se instaura em todos os níveis da sociedade brasileira, como condição da reprodução, mas também não se pode afirmar que ele não está em germe se estabelecendo, com suas particularidades específicas, na sociedade brasileira. Assim o cotidiano em constituição vai revelando seu processo num fragmento do espaço metropolitano, - não se revela enquanto totalidade mas aponta um momento do processo desigual e contraditório - ilumina uma tendência irreversível, enquanto um processo histórico; produto determinado de uma época. Deste modo, o movimento dos capítulos, II e III revelam, a articulação entre os planos econômico, político e social a passagem do processo de reprodução espacial assentada no uso, para aquela invadida pelo valor de troca, no processo que constitui a metrópole pós-industrial. Há indícios, que revela que essa tendência se realiza na metrópole; no movimento de passagem do habitante de usador 25 em usuário, e da tendência da transformação do espaço produzido enquanto valor de uso para aquele reproduzido enquanto valor de troca que gera a implosão dos bairros da metrópole. Aqui se delineia uma nova relação espaço-tempo (que defino como constituída de um tempo efêmero e por um espaço amnésico) que redefine a prática socioespacial, colocando a reprodução num outro patamar. É nesse duplo movimento do processo de reprodução - no nível do espaço e daquele do indivíduo que estaria a gênese do processo de constituição do cotidiano que aparece, num determinado momento da história, como condição e lugar da reprodução das relações sociais, nos termos definidos por Henri Lefebvre 26. Esses elementos caracterizam um momento específico da reprodução; nessa direção a análise da metrópole aparece como um grande desafio. Ultrapassar o limite estreito da produção do espaço enquanto mercadoria e do cidadão enquanto força de trabalho, torna necessário, refletir o espaço urbano em seu sentido mais amplo, o espaço geográfico como uma produção social que se materializa formal e concretamente em algo passível de ser apreendido, entendido e apropriado pelo homem, como condição da reprodução da vida. Significa pensar os limites e as possibilidades da noção de cidade, que aparece, para nós, como a expressão mais contundente do processo de produção da humanidade sob o desenvolvimento da reprodução da vida humana, ao longo da história. Como obra nasce da história e como tal, criação da civilização, se assemelha a uma obra de arte, tanto no seu processo de produção, quanto na necessidade de seu aprendizado. Significa que é 25 Esse termo foi "inventado" num seminário de pós-graduação coordenado pelo professor José de Souza Martins como necessidade de entender uma ideia de Henri Lefebvre e para a qual acreditávamos não existiria uma palavra em português capaz de traduzi-la em seu sentido mais amplo. "Lefebvre propõe usager e "usager". Assumimos por "usager" o usador. Vejase a propósito. Que se considere agora o espaço daqueles que se nomeia com palavras desajustadoas e hostis (les "usager") os usadores. Não existe palavra bem definida e possuindo uma forte conotação para as designar. A prática espacial os marginaliza até na linguagem. A palavra usage " tem alguma coisa de vago, de suspeito... chega mal a expressar, enquanto signos de sua situação se multiplicam e por vezes saltam aos olhos - Henri Lefebvre, La production de l espace, op.cit., p.418. De modo que para o usuário estão os modos de consumo, como o que se forja a identidade do consumidor, enquanto para o usador estão as relações de qualidade que implicam fluxos de sentidos ligados à realização de energias vitais : o espaço do corpo, os alimentos, o sono...", Odette Carvalho de Lima Seabra, "A insurreição do uso" in: Martins, J.S. (org.) O retorno da dialética, São Paulo, Hucitec, página Basicamente na sua obra em 3 volumes: Critique de la vie quotidienne, op.cit.

35 35 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s preciso apreendê-la em sua multiplicidade. Sua análise constitui de um universo imbricado de situações, contempla necessidades aspirações e desejos; (que se realizam enquanto possibilidades). A relação entre o habitante e cidade é atravessada por modos de apropriação e usos envolvendo uma multiplicidade. A análise do fenômeno urbano sublinha o que se passa fora do âmbito do trabalho, mas ligado a ele, com isso acentua a esfera da vida cotidiana, de modo que a reprodução do espaço urbano articulado e determinado pelo processo de reprodução das relações sociais se apresenta de modo mais amplo do que relações de produção estrito senso (a da produção de mercadorias), envolvendo momentos dependentes e articulados. A vida cotidiana se definiria como uma totalidade e nesse sentido guardaria relações profundas com todas as atividades do humano em seus conflitos, em suas diferenças. É, para Henri Lefebvre, na vida cotidiana que ganha sentido, forma e se constitui o conjunto de relações que faz do humano e de cada ser humano, um todo. A cidade, enquanto materialidade, produto social e histórico, produzido no decurso da constituição do processo civilizatório como produto do processo de constituição da humanidade do homem contempla um mundo objetivo que só tem existência e sentido a partir e pelo sujeito. Enquanto produto histórico traz as marcas da construção passada, revelando uma multiplicidade de tempos e, com isso, revelando as possibilidades futuras do processo de reprodução. Assim a cidade, em sua pluralidade e multiplicidade, revela o destino do homem. Nessa perspectiva a cidade é antes vida, ação, construída na dialética entre produção / apropriação / reprodução. Mais do que uma forma material, uma morfologia, a problemática sobre a cidade se revela enquanto problemática urbana, isto é, transcende a cidade para enfocar o homem e a sociedade urbana. Enquanto tal, a sociedade urbana se revelaria enquanto possibilidade de compreensão do mundo moderno. Nessa direção o sentido da cidade é aquele conferido pelo uso, isto é, os modos de apropriação do ser humano para a produção da sua vida (e no que isto implica). É um lugar que se reproduz enquanto referência e, nesse sentido, lugar de constituição da identidade e da memória, nessa dimensão revelaria a condição do homem, enquanto construção e obra. Essa perspectiva torna imperativo a análise do processo de reprodução, cuja noção envolve a produção e suas relações mais amplas ligando-se às relações que ocorrem no lugar do morar, nas horas de lazer na vida privada guardando o sentido do dinamismo das relações entre necessidades e desejos, englobando, também, as ações que fogem ou se rebelam ao poder estabelecido. Assim a cidade suscita o sonho e a imaginerie (que explora o possível e o impossível, os efeitos da riqueza e da potência) as relações consideradas são logo por sua vez formais e reais, práticas e simbólicas. A cidade e o espaço têm múltiplas funções, mas estas funções não esgotam o real de sorte que a cidade e o espaço são ao mesmo tempo ser poético e pressão duramente positiva. Os comportamentos se descrevem, os desejos são ditos, se exprimem: a cidade e o urbano suscitam ao mesmo tempo um saber e um lirismo. O urbano, a cidade e seus entornos, o espaço ele próprio forma uma totalidade parcial e aberta, ela mesmo nível de totalidades mais vastas (a nação, o território nacional, o estado) com que direito mutilar esta totalidade? Lefebvre, Henri. De l État, tome IV. Op.cit., p.270/271.

36 36 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole * * * O caminho da construção do pensamento geográfico se encontra na possibilidade de elaboração de um pensamento crítico que permita pensar o seu papel no desvendamento do mundo moderno, a partir do momento em que não se reduzida, deliberadamente, a dimensão empírica. Ao contrário, deve vislumbrar a possibilidade de pensar o homem por inteiro em sua dimensão humana e social que se abre também para o imprevisto, criando cada vez mais novas possibilidades de resistir/intervir no mundo de hoje. O ser humano guarda múltiplas dimensões, seu processo de constituição é sempre aquele da criação, da recriação da superação, logo de possibilidades. A análise direciona-se ao entendimento da realidade urbana que se generaliza no mundo moderno, impondo a constituição de uma nova problemática espacial - aquela que diz respeito ao processo de construção do humano, nas condições atuais. O debate em torno do processo de globalização remete-nos a uma discussão sobre o mercado mundial e, traz na sua esteira, como fundamento da análise, as considerações sobre as novas relações espaço-tempo. Alguns autores veem nesse novo processo a desterritorialização do homem e de suas atividades. Aqui nosso caminho é radicalmente oposto. O espaço que se constitui numa articulação entre o local e o mundial, visto que, hoje, o processo de reprodução das relações sociais que se dá fora das fronteiras do lugar específico, antes de anular o espaço, se realiza produzindo o espaço enquanto elemento estratégico à reprodução da sociedade. Novas atividades criam-se no seio de profundas transformações do processo produtivo, onde o tempo se transforma, comprimindo-se. O tempo do percurso é outro, compactou-se de modo impressionante, mas as distâncias continuam, necessariamente, a serem percorridas - por mercadorias, fluxos de capitais, informações etc. - não importa se em uma hora ou em frações de minutos; se nas estradas de circulação terrestres convencionais - autoestradas que cortam visivelmente o espaço marcando profundamente a paisagem - ou se nas super highways, os cabos de fibra ótica, satélites etc. O que presenciamos, hoje, é a tendência a eliminação do tempo. Na realidade, não se trata de sua abolição total, mas de sua substancial diminuição, como consequência do espantoso desenvolvimento da ciência e da tecnologia aplicados ao processo produtivo. Nesse processo constata-se, hoje, profundas e amplas transformações espaciais, mas ao invés da anulação, do espaço, o que se revela, é a sua reafirmação, posto que é cada vez mais importante dentro da estratégia da reprodução. Por outro lado, no espaço se encontram a brecha objetiva (sócio econômica) e a brecha subjetiva (poética) No espaço se inscrevem e ainda mais, se realizam as diferenças, da menor à extrema. Desigualmente iluminado, desigualmente acessível, cheio de obstáculos, obstáculo ele mesmo diante de iniciativas, modelado por eles, o espaço tornase o lugar e o meio das diferenças ( ). Obra e produto da espécie humana, o espaço sai da sombra, como um planeta de um eclipse 28. Esse é o desafio que entendimento da metrópole paulista nos coloca, hoje. Entendê-la em sua complexidade e em seu movimento significa entender os horizontes nos quais se realiza a reprodução. Portanto o trabalho aqui apresentado revela um modo possível de construir um 28 Lefebvre, Henri. Hegel, Marx, Nietzsche. Paris, Casterman, 1975, p.223.

37 37 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s pensamento geográfico sobre a cidade e o urbano, no mundo moderno a partir da análise da metrópole de São Paulo.

38 38 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole CAPÍTULO I A FORMA DA CIDADE... A permanência é uma ilusão e somente a mudança é real Heráclito

39 39 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Habitar a cidade é tecer por suas idas e vindas diárias uma rede de fios entrelaçados de percursos geralmente articulados em torno de alguns eixos diretores. Se deixamos de lado os deslocamentos ligados ao ritmo do trabalho, os movimentos de ida e vinda que levam da periferia ao centro, depois do centro a periferia, fica claro que o fio de Ariadne, idealmente desenrolado atrás do verdadeiro cidadão, toma nestas circunstâncias o caráter de um aconchego irregular. 29 O fio de Ariadne - que nos conduz pelos labirintos da análise, e que desvenda as dimensões e o sentido do habitar a cidade - é a noção de reprodução da vida humana - que se realiza nos atos mais simples e banais da vida cotidiana através do uso de determinados lugares a partir de uma determinada organização temporal; nesse processo se funda a identidade em relação ao espaço que sustenta e dá sentido aos usos. A duração se liga àquela das práticas, que por sua vez, se vincula a um uso limitado - geralmente expresso pelo construído - no traçado e largura das ruas e avenidas, pelo fluxo, tipos e densidade da frequência, pela relação entre construído e não-construído. O movimento se descobre como forma da cidade, onde nos deparamos com a ordem próxima, localizável e pontual, uma forma que se metamorfoseia e, nesse movimento, ganha o sentido de um processo em realização, conteúdos que se transformam e se inserem em novas formas. Cada lugar, se bem que interligado a uma totalidade que se auto - constrói ao longo da história, tem sua especificidade ligada ao entrecruzamento dos tempos diferenciados. Nosso ponto de partida aqui é o tempo presente impresso na forma da metrópole enquanto morfologia que revela o entrecruzamento de tempos impressos nas formas, presentes nos hábitos, e com isso, diz respeito a uma história humana enquanto realização da vida no espaço e através dele. Por outro lado, a morfologia urbana não revela a gênese do espaço, mas aparece como um caminho para a análise do modo como passado e presente se fundem, num determinado momento, nas formas, revelando as possibilidades e os limites do uso do espaço pelo habitante. A forma da cidade que se depreende enquanto morfologia permite apreender estabilidades provisórias, equilíbrios momentâneos; nos coloca diante da duração, daquilo que persiste e daquilo que se rompe; assim expondo a dialética da continuidade/descontinuidade. A tese norteadora do trabalho se estrutura a partir da contradição entre o tempo de duração da vida e o tempo de duração da morfologia urbana; o ritmo desta transformação como decorrência do processo de metamorfose da metrópole. Portanto, o ponto de partida é a morfologia urbana - situada no plano da estrutura do espaço constituindo-se enquanto quadro inicial e referencial da análise em sua continuidade/descontinuidade. A morfologia liga-se, neste plano, aos espaços construídos aos usos (modo como o habitante vive na cidade) e a percepção que os habitantes tem dos lugares da constituição da vida. Aqui, o uso revela a indissociabilidade espaço-tempo, e as mudanças na morfologia se assentam nas necessidades de reprodução do espaço urbano enquanto condição e produto da reprodução ampliada. No livro Formes des villes, Roncayolo afirma que a forma não pode ser definida fora de suas determinações, de seus componentes e suas referências ligadas à sociedade, ela também tem uma relação com a história, em particular, com a formação dos sistemas de pensamento, das 29 Julien Gracq. Le forme d une ville. Paris, Ed. José Corti, 1985, p.2. Esse romance nos foi indicado pelo professor Roncayolo em entrevista realizada no Institut de Sciences de l Homme.

40 40 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole representações, sensibilidade e gosto que inspiram os arquitetos. De outro lado, as formas não são gratuitas, são lugares e suportes de funções, vistas e percebidas como signos, imagens, símbolos, por uma população cujas características se ligam ao social e não a uma simples adição de comportamentos individuais. As formas não se inscrevem como prolongamento mecânico da sociedade, sua criação faz parte do jogo social. Também se modelam a maneira como um grupo social imagina sua inscrição no solo. O que está em jogo, não é para Roncayolo, só a produção das formas, mas a invenção, a escolha, a composição dessas formas, posto que elas têm um sentido na sociedade. 30 O autor adverte, no que se refere à questão da forma, que é preciso decompô-la. Durante muito tempo a ideia de forma se referia ao desenho da cidade, esquema de circulação, mal reconhecida como efeito combinado, arbitrário de modalidades diferenciadas de crescimento - velocidade, conteúdo social, modos de apropriação e utilização do solo - mal percebidas como resultantes de fenômenos à margem, que não revelam necessariamente as estruturas e as tendências profundas do desenvolvimento da cidade: ela foi finalmente lida como evanescente em certos casos de urbanização generalizada. 31 Assim para Roncayolo, a forma não é o simples desenho que explicaria o conteúdo da cidade. O interesse é mais geral: numa forma relativamente simples, ilustra a definição dos conjuntos como princípios de organização, agindo em níveis diferentes; ela ilustra como muitas ou duas entre elas podem se substituir ou se superpor umas às outras, cobrindo ou melhor constituindo o espaço urbano por tramas sucessivas; em um sentido preciso do termo, as formas materiais da cidade se hierarquizam e se encadeiam ou se recortam Com efeito, esses conjuntos não pertencem, exclusivamente ao domínio das formas, eles não constituem somente a trama material na qual as funções ocorrem e se distribuem. Eles se referem sobretudo, aos mecanismos que contribuem para criar o espaço urbano. As descontinuidades da morfologia (é também a maneira de como as formas se ligam efetivamente entre si, se opõem ou se prolongam em descontinuidades ou encadeamentos) não explicam a inscrição espacial das rupturas no tempo urbano, do ocasional, mas são seu efeito; as formas também constituem quadros de referência da ação e delimitam, impedem, permitem o uso. Se quisermos encontrar alguma relação explicativa entre as formas materiais da cidade e a história, é aos conjuntos históricos que é preciso pensar inicialmente, a estrutura da sociedade, as manifestações ideológicas dessa sociedade que afloram através da concepção de cidade ou das criações dos urbanistas. 32 Aqui, está posta, a meu ver, a questão da duração e da herança, o que significa também que forma e movimento estão indissociavelmente ligadas. Criadas, as formas tem o poder de durar; história cristalizada mais do que imóvel, envolvendo a história móvel de conteúdo Assim, podemos quase definir os tempos de evolução próprias a cada tipo de espaço: tempo de coerência entre formas e o conteúdo funcional e social; tempo de ajustamento; tempo de reinterpretações e, evocando essa sucessão de tempos revela a dialética sublinhada por Jean 30 Roncayolo, Marcel. Formes des villes. Nantes: Université de Nantes (Ville, recherche, difusión), mimeo, s.d. pp.183/ Roncayolo, Marcel. Les Grammaire d une ville. (Essai sur la genèse des structures urbaines à Marseille). Paris, EHESS, 1996, p Id. Ibid., p.68.

41 41 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Gottmann entre a obsolescência dos imóveis e aquela dos espaços, este que é a manifestação da relação entre o individual e o coletivo. 33 A forma também está carregada de um valor social; fazendo parte do quadro de referências da vida e por isso, entra no plano da memória, pois os ritmos da vida cotidiana se ligam à duração das formas e de suas funções; nesta direção, dois tempos se justapõe, aquele da história e do contexto de sua construção e aquele do contexto e do tempo do seu uso, o primeiro tempo se refere aquele do tempo da morfologia urbana ou da história da cidade e o segundo se refere ao tempo e ritmo da vida na cidade, um tempo cíclico do calendário das festas e manifestações que marca o tempo das formas e a construção das referências da vida urbana que apela ao tempo da vida. Para Roncayolo 34, a vitalidade ou resistência dos traços vem da força social, mais ainda as pedras são indissociáveis das formas de memorização e das representações da cidade. Recorre a Halbwalchs para quem a memória coletiva se aproxima e liga-se a espaços e símbolos físicos o que assegura a perenidade relativa das fragmentações, a escolha da valorização, as clivagens sociais projetadas no tecido urbano. É na realidade está constância (relativa) das representações e dos usos que contribui ao jogo das aprendizagens das gerações para articular o tecido social e tecido material da cidade; o aprendizado da cidade é outra coisa que a leitura neutra de um plano ou de uma paisagem, pois mais do que o percebido, o território é apreendido pelo indivíduo e construído por práticas e crenças que são de natureza social. 35 As mudanças do uso comandam a vida. Mas, o uso do solo e o construído, não mudam de um dia para o outro, é essa duração que apoia a memória. Para Roncayolo, essa memória objetiva, traçada à maneira de uma impressão se duplica em uma memória subjetiva, durável: aquela dos homens que construíram lugares desenvolveram estabelecimentos, apresentando um valor, uma tonalidade, um sentido. Verdadeira linguagem urbana, que numa certa medida, comporta também suas temporalidades e suas redes. É porque ela é feita de aprendizagens e de imagens de uma geração a outra, que a cidade resiste por um certo tempo as mudanças sociais que as transcendem. Assim se estabelece para além dos indivíduos uma continuidade, os encadeamentos sociais ou paisagísticos, além de uma vontade de planificação. 36 O que existe de apaixonante numa cidade é que ela faz coexistir e imbricar idades sociais e idade das formas diferentes. A sincronia permite apreender uma lógica de período, mas nenhuma cidade é perfeitamente sincrônica em todos os seus elementos - a relação entre estratos - aquele das formas e aquele das práticas - os contatos que se estabelecem entre si, as mudanças que podemos perceber dá outra dimensão ao debate sobre a forma da cidade. Deste modo, as formas urbanas da cidade revelam conservação/persistência. 37 Por outro lado, há uma mobilidade na morfologia que os influencia e determina as relações sociais que estão associadas à função que faz com que lugares se diferencie no conjunto da metrópole. O ritmo da mudança que marca a duração das formas da cidade (sua morfologia), como consequência do desenvolvimento da técnica, deve ser relativizado. A técnica em si não explica a 33 Id. Ibid. p Roncayolo, M. Formes des villes, op.cit., p Roncayolo, Marcel. La ville et ses territoitres. Paris, Gallimard, 1990, p Roncayolo, Marcel. Formes des Villes, op.cit., p Id. Ibid. p. 185.

42 42 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole duração das formas, a duração deve ser analisada em função do ritmo do processo de reprodução do espaço urbano preso as dimensões sociais de persistências, resistências e mudanças promovidas pelo processo de reprodução da cidade, pelas mudanças nas funções, pelas mudanças nos modos de apropriação vinculadas à divisão social, e ao movimento das estratégias dos agentes produtores do espaço. O que está na base da contradição dos tempos é a questão dos ritmos, variações ligadas a conjuntura mais ampla. A produção espacial realiza-se na articulação de vários planos da realidade; no plano da vida cotidiana aparece nos modos de apropriação, utilização e ocupação de um determinado lugar, num momento específico e, revela-se pelo uso. O plano da divisão social e técnica do trabalho produz uma morfologia espacial fragmentada (assentada na propriedade privada do solo urbano) e hierarquizada (pela função de cada lugar na totalidade do espaço). Já as estratégias do Estado tendem a criar um espaço homogêneo estabelecendo e impondo limites ao uso através de normas e leis que definem, impedem e inibem a apropriação da cidade pelo habitante. Mas ao considerarmos a cidade como obra de certos agentes históricos e sociais, devemos distinguir a ação e o resultado o grupo (ou os grupos) e seu produto. Sem separações. Não há obra sem uma sucessão regulada de atos e ações, de decisões e de condutas sem mensagens e códigos. Não há obras sem coisas, sem uma matéria a modelar, sem uma realidade prático-sensível, sem um sítio, sem uma natureza, um campo e um entorno. As relações sociais se atingem a partir do sensível; não se reduz a esse mundo sensível e, todavia não flutuam no ar, não escapam da transcendência. Se a realidade social implica formas e relações, se não pode ser concebida de forma homóloga a de um objeto isolado, sensível ou técnico, ela não subsiste sem âncoras a objetos e coisas. Insistimos sobre esse ponto, metodologicamente e teoricamente importante. Há lugar e razão de distinguir a morfologia material e a morfologia social. Talvez se deva aqui introduzir uma distinção entre a cidade - realidade presente, imediata, dado prático-sensível, arquitetural - e de outro lado o urbano, realidade social composta de relações a conceber, a construir ou reconstruir pelo pensamento. Todavia essa distinção se revela perigosa e a denominação proposta não se manipula sem riscos Nesse sentido, a cidade aparece como nível específico da realidade social. Os processos gerais (...) não de desenvolvem acima desta mediação específica. Por outro lado, o nível das relações imediatas pessoais e interpessoais (família, vizinhança, profissões e corporações, a divisão das profissões, etc.) só se separa da realidade urbana por intermédio de uma abstração; o caminho correto do conhecimento não pode mudar esta abstração em separações. A reflexão coloca acento sobre as articulações para que os cortes sigam as articulações e não para desarticular o real. Evitar a confusão numa continuidade ilusória tanto quanto as separações ou descontinuidades absolutas, tal é a regra metodológica. 39 A análise do processo de reprodução do espaço urbano nos coloca diante de transformações profundas passíveis de serem apreendidas no plano da vida cotidiana, uma vez que cada sujeito se situa num espaço, o lugar permite pensar os atos da vida, o habitar, o trabalho, o lazer enquanto situações vividas, revelando, no nível da vida cotidiana, os conflitos do mundo 38 Lefebvre, Henri. Le droit a la ville. Paris, Anthropos, 1972, p Id. Ibid. p.59.

43 43 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s moderno. Deste modo, a análise da metrópole se revela - em sua simultaneidade e multiplicidade de lugares que se justapõem e interpõem, situações de conflito revelando em seus fragmentos, o mundo do vivido [que] é onde se formulam os problemas da produção no sentido amplo, isto é, onde é produzida a existência social dos seres humanos 40. As novas formas que a metrópole vai assumindo em sua metamorfose e as transformações nos modos de apropriação do lugar da vida, aparecem no miúdo, no banal, no familiar, refletindo e explicando as transformações da sociedade que aparece como um desafio à análise do mundo moderno, exigindo um esforço analítico, que tente abordá-lo em sua multiplicidade de formas e conteúdo, em sua dinâmica histórica. Nos fragmentos como um caleidoscópio de figuras em movimento se articulam formando um quadro sempre cambiante, móvel que vai ganhando sentido, exatamente, porque se movem. Na intersecção de fragmentos, na profunda riqueza de sua união se vislumbra o entendimento da metrópole recortado por um modo de vida que se concretiza no imediato nos modos de apropriação e uso do espaço, na vida nos bairros, bem como nos espaços mais amplos da grande metrópole. O recorte do bairro é fundamental na análise, porque o habitante da metrópole não a habita na sua totalidade; a vida urbana está delimitada, cortada em fragmentos tanto espaciais quanto temporais; espaço-tempo do trabalho, do lazer e da vida privada. Convém lembrar que, o espaço - noção abstrata - ganha materialidade através da prática social que se realiza num determinado lugar, enquanto modo de apropriação do lugar. Apela para um momento de exterioridade-interioridade; é assim que a forma a que pode ser o mais exterior aparece, também, como o mais interior. A existência concreta liga vivido e percebido àquilo que permite/impede atos e ações pela existência das normas como parte integrante da prática social, povoando o mundo das representações que as pessoas, que habitam o espaço criam dele. Todavia, as formas da cidade têm um código para os habitantes que se estabelece acima das normas. Aqui, a forma está intimamente ligada ao uso, a identidade e memória. Enquanto ação voltada para a realização da vida, a apropriação se realiza num tempo determinado, num movimento constante e ininterrupto. Os atos da vida, enquanto modo de apropriação, se realizam num espaço de referências concreto usados para determinada finalidade. Assim, os lugares ganham a dimensão que lhe é dada pela vida de relações, real, materializada numa forma passível de ser apreendida pelos sentidos. Aqui a forma da cidade, que se produz como produto do trabalho da sociedade, (um trabalho criador de formas) se associa ao uso do espaço numa relação que ganha concretude nos atos da vida cotidiana realizadas através do corpo e dos sentidos que dão aos atos mais banais um conteúdo, criando uma referência, produzindo uma identidade, que é o suporte da memória; isto porque, há um sentido indelével na superfície das coisas marcando momentos e ações diferenciados. O lugar se constitui num movimento que alia passado-presente além de conter as possibilidades futuras - todas impressas nas formas revelando um conteúdo dado pela prática social assim, forma é imediatamente conteúdo. Há neste cenário de fim de século continuidades, descontinuidades que se combinam como consequência do espaço/tempo urbanos e se traduzem na divisão do espaço urbano nos lugares da metrópole, onde se pode ler as rupturas de ritmo, os poderes desiguais e a estrutura de classes diferenciadas. Movimentos, 40 Carlos, Ana Fani A. O lugar no / do mundo. São Paulo, Hucitec, 1996.

44 44 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole construções, transformações; uma história que do ponto de vista espacial produz uma morfologia, que realiza-se em continuidades - enquanto justaposição de formas históricas, de momentos diversos - e descontinuidades - momentos de transformações e/ou rupturas. É aí que a presença da acumulação de tempos diferenciados na metrópole enquanto suporte material justapõe tempos, marcando uma temporalidade diferenciada e desigual dos processos reprodutores da metrópole. As mudanças espaciais na metrópole ocorrem, hoje, de forma violenta, num ritmo acelerado como decorrência da mudança constante das direções de fluxo, do traçado ou do alagamento de ruas e avenidas, como uma necessidade imposta pelo escoamento do trânsito, das estratégias do mercado imobiliário, pelas mudanças da lei de zoneamento, revelando rupturas que não transformam uniformemente toda a metrópole, mas partes dela. Com isso redefinemse, constantemente, os lugares dentro da cidade. É assim, que os processos de renovação urbana acontecem de modo descontínuo e diferencialmente nos fragmentos espaciais da metrópole de São Paulo e não em sua totalidade, mas podem ser entendidas como momentos do processo de reprodução do espaço que revelam processos gerais. Aqui estamos analisando um destes processos - a Operação Urbana Faria Lima - que aparece, num primeiro momento, como extensão da então Avenida Brigadeiro Faria Lima, cortando três bairros da metrópole. A mera construção de uma avenida não basta para dar a dimensão do processo de transformação operado no espaço, pois as transformações provocadas são mais profundas que aquela da ampliação do sistema viário, o que nos leva considerar dois elementos fundamentais. De um lado o processo de valorização da área atingida com a implantação de infraestrutura e a consequente produção de uma área para abrigar um novo setor da economia metropolitana: serviços e comércios modernos. De outro lado, no plano da prática socioespacial, a alteração da morfologia dos bairros afetados pela transformação dos usos e de suas funções provoca mudanças radicais na vida dos habitantes. Através das formas as estruturas se veem ameaçadas; ao ameaçar as estruturas, a operação urbana, muda a sucessão e as combinações no plano das representações dos habitantes; quando abalam-se os referenciais da vida, na metrópole, muda-se o plano da apropriação. No limite último, a Operação Urbana Faria Lima (OUFL) é uma prova de que, em nossa metrópole, as formas duram se modificando. Na morfologia, encontramos as marcas daquilo que resiste, e daquilo que traz a marca da transformação, marcas da mudança radical feitas pelas operações cirúrgicas impostas pelo planejamento funcionalista, uma sincronia quebrada por rupturas que aparecem nas formas da cidade, revelando as estratégias as mais diversas dos agentes que produzem a metrópole. Nesse patamar se vislumbram as articulações entre os tempos lentos e o tempo rápido/efêmero, que mediam as relações na metrópole; enquanto no espaço se leem a continuidade/ descontinuidade, revelam-se as rupturas. Como decorrência da mudança das formas, o cidadão se readapta, resiste ou produz novas estratégias para os usos dos lugares. O processo de mudança vivido na metrópole, desponta pelas metamorfoses do espaço. Que a cidade mudou, basta olhar. Avenidas foram abertas, modificou-se a silhueta da baía com

45 45 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s aterros, demoliram-se quarteirões, puseram-se abaixo morros, construiu-se muito sem parar. Às vezes, na noite, vê-se ainda a necrose patética de edifícios que nunca puderam ser. Gerações novas e desencantadas conglomeram-se em colmeias de cimento, sem ar e sem amor, e partiram para a vida de olhar cínico e punhos duros, cheias de ritmo e violência, mas angustiadas como pássaros em busca de espaço onde voar. Não, não há dúvida, a cidade mudou. 41 O significado mais profundo dessa mudança é que, no plano do espaço, a constante transformação dos referenciais da vida urbana produz o desaparecimento das marcas do passado histórico (que ocorre com a destruição dos bairros, com a construção das vias de trânsito rápido, com a produção dos espaços construídos), remetendo os habitantes a uma prática social atomizada, acentuando os sentimentos de estranhamento, angústia e solidão presentes na grande cidade, onde o tempo, irreversível, que mescla passado e presente, traz a nítida sensação de que este se impõe de modo inexorável. O presente domina e na sua predominância parece fazer pouco do passado que apenas resiste aqui e ali, produzindo novos referenciais, servindo de marco às lembranças. A cidade comeu colinas, comeu templos, comeu mar. Fez-se empreiteiras de pombais, cresceu em miséria, tornou-se sórdida, continua o poeta. Seu olhar descortina as mudanças das formas do passado da arquitetura que parece ruir diante da perspectiva do futuro. A imposição do construído produz-se pelo planejado, planejando a vida, onde o processo de fragmentação dá-se em duas dimensões: na produção espacial e no nível da vida cotidiana. A cidade e o homem se submetem ao poder do progresso que impõe novas formas para a metrópole e um novo modo de ver e vivê-la, onde as transformações explodem as relações sociais tradicionais pela mudança nas funções do lugar dentro da metrópole, bem como da transformação do lugar em si. A articulação destes dois elementos influencia o valor do solo urbano, na medida em que provoca a valorização/desvalorização dos bairros, ao mesmo tempo em que deteriora o uso, muda a função do construído, redimensiona o fluxo. Os lugares transformados da cidade produzem uma nova dinâmica, as ruas redimensionam-se e ganham outro conteúdo que tende a eliminar o lúdico, transformando- se em lugar de passagem. O processo de reprodução do espaço urbano vai se constituindo eliminado antigas formas que traziam a marca da sociabilidade, pontos de encontro, o lugar da festa, tragando os rituais e seus mistérios, eliminando referências, com isso destruindo as bases de apoio da memória social. Aqui, a fragmentação do espaço imposta pela propriedade privada do solo urbano, se realiza também como fragmentação da vida social. O novo engole, incessantemente, as formas onde se inscreve o passado; sem referencial, a busca incessante do novo, transforma a metrópole no instantâneo porque não havia tempo a perder, mesmo de noite a cidade trabalhava fortificando-se e de manhã novas trincheiras estavam de pé. 42 O efêmero pelo efêmero, a imagem pela imagem aparece enquanto reino do espetáculo e como simulacro. A reprodução da metrópole revela o fato de que a medida em que cresce vai incorporando novas áreas, descaracteriza-as na medida em que transforma-as completamente seja pelo processo de adensamento de antigas áreas, incorporação de novas, ou pelas modificações na morfologia, 41 Moraes, Vinícius de. Roteiro lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro. São Paulo, Cia. das letras, 1996, p Lispector, Clarice. A cidade sitiada. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1975, p.22.

46 46 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole todos eles imbricados num processo ininterrupto. Pode-se dizer que la ville s écrit sur ses murs, dans ses rues. Mais jamais s achève cette écriture. 43 A constatação de que a cidade não está pronta e acabada, que é um objeto em constituição, apesar de ser também real e concreta coloca-nos diante da necessidade da consideração de um devir, o que impede quaisquer transposições mecânicas entre morfologia social e morfologia espacial sem considerar as possibilidades contidas na vida cotidiana, pois o que a análise pressupõe é que a reprodução das relações sociais no e através do espaço tem um sentido amplo. Neste contexto, a metrópole pode ser entendida enquanto objeto virtual, uma realidade concreta e real, mas também utópica e possível. Na articulação entre o real e o possível, a metrópole ganha novos contornos. É nesse contexto que pensamos a forma da cidade (enquanto morfologia urbana), ligada diretamente, aos modos, limites e possibilidades do uso, definido no espaço-tempo da vida. É o que é mais exterior ao habitante, aparecendo como quadro artificial; mas na contrapartida, nos lugares se realizam os encontros, a reunião, os atos espontâneos, que marcam a sociabilidade na vida cotidiana passíveis de se realizarem em locais apropriados (as ruas, as praças) marcando a articulação espacial entre o público e o privado, construído e não- construído, o cheio e o vazio, em suas funções diferenciadas, em seu sentido profundo, enquanto articulação de momentos específicos da reprodução da cidade/reprodução da vida. Aqui a trama das ruas, moldando um arranjo espacial impõe-se à vida enquanto possibilidade de usos e enquanto ritmo. Aqui, as referências construídas são a base da ação, tanto quanto o corpo, o espaço também contempla uma materialidade, base para a realização da apropriação. Assim se chega àquilo que há de mais interior na morfologia; um sentido que a forma vai adquirindo no e pelo uso gerando a identidade que sustenta a memória - marcando e dando conteúdo a vida. Assim, o movimento da análise caminha, na direção da relação entre morfologia urbana - uso e função 44, onde as formas materiais, em movimento, tem uma dupla dimensão: material e social. Esse movimento ilumina, no plano da vida cotidiana, a dialética entre estranhamento/reconhecimento como momento da reprodução do espaço da metrópole, como produto do processo de implosão-explosão da cidade que se constrói numa relação entre um tempo efêmero e um espaço amnésico. Assim, na relação entre o tempo de durabilidade e de continuidades das formas, que marcam os modos de apropriação dos espaços da sociabilidade e, aquele das rupturas, ganha sentido a dialética do reconhecimento - estranhamento. O habitante se reconhece nos espaços habitados pelo seu corpo, percebidos através de seus sentidos, numa organização do tempo determinado pela vida cotidiana, onde durabilidade e estabilidade das formas vai construindo uma identidade com os espaços da realização vida; a identidade é construída a partir dos elementos de continuidade, pela duração, ao mesmo tempo em que se refere ao plano subjetivo. 45 Por sua vez, o movimento da reprodução econômica provoca uma transformação radical na continuidade e duração das formas pela introdução de um novo 43 Lefebvre, Henri. La revolution urbaine. Paris, Gallimard, 1970, p Que é o movimento desenvolvido nos capítulos que se seguem, a morfologia é um ponto de partida, ela não revela e não esconde as relações sociais, apenas aponta as possibilidades e os limites ao uso do espaço. 45 Certas coisas nada têm a ver com medidas e raciocínios. São puramente questão de sentimentos", diz um personagem de Thomas Mann, em Montanha mágica. O passado oferece na narrativa um sentido que pertence a memória, é o tempo do ontem que; ao mesmo tempo, esclarece, elucida, no presente.

47 47 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s tempo que entra na prática socioespacial determinando novas relações dos habitantes com os espaços circundantes no sentido de qualificá-lo diferencialmente, onde continuidade/descontinuidade compõem o mesmo universo. É a duração e a possibilidade de realização das situações da vida cotidiana que é o elemento revelador. A velocidade das transformações provocadas pelas renovações urbanas cria, constantemente, novas formas espaciais destinadas a outros fins - que não os originais - é assim que, cada vez mais, os espaços do uso se transformam.

48 48 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Metamorfoses urbanas A forma de uma cidade muda mais depressa que o coração de um mortal... Paris muda, mas nada na minha melancolia se moveu. Palácios, tapumes, blocos, velhos bairros, Tudo para mim virou alegoria. E minhas lembranças são mais pesadas que rochas 46 Qual a natureza e os limites da continuidade das formas? As formas revelam a história da civilização na acumulação, no espaço, dos tempos. O suporte material justapõe tempos, do mesmo modo em que aponta uma temporalidade diferenciada na metrópole; todavia não se pode separar, nem identificar totalmente a materialidade dotada de duração, modos de vida e práticas. Se o funcionamento tenta harmonizar o todo, o suporte mistura etapas e distingue os espaços, cada estrato de vida, tem um ritmo, seu tempo. 47 A relação entre obsolescência dos lugares e evolução do conteúdo social obedece a esquemas variados que precedem frequentemente o material. O que significa também pensar nas lógicas que agem na curta e longa duração, bem como nas tensões entre formas herdadas e sua função atual ou ainda entre, formas e práticas sociais; tema de nossa pesquisa. Como a duração se liga àquela das práticas, o uso dos lugares é, geralmente, expresso pelas ações em relação ao construído/não-construído; público e privado. A rua é um elemento revelador a partir do qual se pode pensar o lugar da experiência, da rotina, dos conflitos, das dissonâncias, bem como desvendar a dimensão do urbano, das estratégias de subsistência, além de marcar a simultaneidade do cheio e do vazio, dos sons e ruídos; apontando para usos e tempos diferenciados. No panorama das ruas pode-se ler a vida cotidiana: seu ritmo, seus conflitos, os sentimentos de estranhamento, o modo como a solidão desponta, a arte da sobrevivência, as vitrines onde o ritual da mercadoria inebria comandando os passos, o contraste das construções, das suas fachadas, os usos e as cores. Para Baudelaire, o bulevar e a rua aparecem como lugares da experiência, dos passos enquanto apropriação, que ganham o mundo, e por isso, o descobrem e o revelam. É o lugar onde individual e coletivo se mesclam num jogo de impressões e significados múltiplos, reveladores do conteúdo da vida na grande cidade. Se a cidade não se confunde com a vida, ambas não são completamente distintas; se opõem numa certa relação, formando um todo dialético. Mas a rua não é só o lugar do passeio do flâneur. É por esse motivo que a rua não é só o lugar do espetáculo urbano, trajetos se recobrem de sentido, a rua se transforma em testemunho coletivo das formas de apropriação - um modo e um movimento de apropriação. A forma aqui vai ganhando sentido no ritmo da vida cotidiana, do tempo determinando o uso pelos estratos da sociedade. Para muitos, nas ruas os homens não fazem mais do que passar, principalmente numa metrópole super edificada, onde efetivamente redefine-se os sentidos dos espaços públicos que faz da rua, um local de passagem; todavia essa situação é contraditória. Saramago nos adverte que há, na rua, mais do que 46 Charles Baudelaire, O cisne, As flores do mal, Nova fronteira, Rio de Janeiro, 1985, tradução Ivan Junqueira página Roncayolo, Marcel. Formes des villes, op.cit. p.213.

49 49 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s uma simples pressa; portanto, há um mundo que se revela nas ruas da metrópole, pois aí o presente nos assedia, trazendo a marca dos itinerários as vezes dispersos, difusos ou mesmo concentrados, definidos pela vida cotidiana. O poema de Baudelaire nos coloca diante da ideia de continuidade/ ruptura, diacrônicas e sincrônicas das formas da cidade definidas pelos ciclos e ritmos da reprodução do espaço. O que significa, que mais do que valorizar e centrar a discussão no processo de reprodução da cidade do ponto de vista da condição da reprodução do capital, privilegia o modo como os habitantes os usadores se apropriam da cidade em transformação, revelando um sentido novo do uso como imposição de uma modernidade excludente, segregadora que cria as imagens das ruínas modernas. A morfologia urbana revela um movimento incessante, que tende a aniquilar o que está produzido, criando sempre novas formas, base do processo do estranhamento na grande cidade. Os habitantes dos bairros atingidos pela OUFL, por exemplo, percebem a mudança morfológica como ruína - ela aparece como operação arrasa quarteirão. Aqui, a ruína significa que a metrópole implodida-explodida, perde em seu movimento de reprodução, os traços e marcas do passado que criaram os referenciais que dão sustentação à prática humana enquanto possibilidades de realização do uso dos lugares da vida cotidiana. Em Les Grammaire d une ville, Roncayolo afirma que a cidade, hoje, parece se diluir em sua própria extensão, se decompor, dissolvendo-se em espaços urbanos mais ou menos nítidos no seu desenho monótono, em suas funções, enfim paralisados pela acumulação mesma dos movimentos e das cargas. As formas mais características da cidade parecem sofrer de um duplo mal: congestão e degradação (principalmente o centro), enquanto que renovação e remodelagem de um lado e tentativas para criar novos nós urbanos, de outro, suscitam mais críticas que satisfação, como se nossa sociedade tivesse perdido o sentido da cidade. 48 A eliminação substancial das formas sustentam e referenciam a vida, produzindo o que chamo de estranhamento (que se revela no plano da relação do indivíduo com os lugares onde se realiza a vida cotidiana) coloca-nos diante de um novo patamar da reprodução da reprodução do espaço urbano, que aponta para o fato de que há um novo sentido de tempo na sociedade moderna, agora determinado de forma cada vez mais marcante pela técnica (imersa no processo produtivo e articulada ao processo de realização da mercadoria), nesse sentido produz-se constantemente uma defasagem - que se aprofunda cada vez mais - entre o tempo humano e o tempo da sociedade produtivista. Hoje a aceleração contemporânea, produz uma morfologia sempre cambiante. As ruas, praças, o centro ou o mercado, que são referências da cidade marcado por formas de uso que se engendram na prática social produz uma certa ordem que se liga à capacidade técnica e científica de transformação da natureza que transforma radicalmente espaço - tempo e, com isso redefine o uso. Nesse contexto é que não há mais sentido o passo lento do flâneur de Baudelaire. O que queremos reforçar é que é possível entender as metamorfoses urbanas tendo como ponto de partida as mudanças morfológicas em função do fato de que há uma relação profunda, hoje, entre a duração das formas e o conteúdo da vida cotidiana. 48 Roncayolo, M. Les Grammaire d une ville, op.cit., p.25.

50 50 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole A forma de uma cidade muda mais rápido que o coração de um mortal essa frase de Baudelaire, nomeia um romance de Julien Gracq 49, em ambos (poema e no livro) a forma da cidade revela-se plena de conteúdos, ou melhor dele não se dissocia (desenvolvendo o seu sentido interior ). A cidade é mais que um desenho geométrico, um plano, forma construída ou pano de fundo da ação. Para Gracq, as formas de apropriação, da cidade, passam, por exemplo, pelo desvendar da cidade pelo entrevisto, se mistura à forma real e concreta da cidade, com a forma que ela ganha nos seus devaneios, é assim que, das janelas do dormitório de onde imagina a animação das ruas ao entardecer através de sua atividade mais insólita do que de trabalho. A cidade entrevista a partir do Jardin des Plantes, mal definida, inexplorada, a partir de uma morfologia sem rigidez, era permeada pela ficção, pelos sonhos, pelos sentidos, meio fictícia, meio real, portanto meia proibida acabando por simbolizar o espaço da liberdade e de sonho. Gracq mistura ao sopro corrente de ar que invade as ruas da cidade de Nantes a leveza mental que se apodera das pessoas em todos os semáforos onde para nossa imaginação o imprevisível esta emboscado. Gracq não procura fazer um quadro de uma cidade, mas, mostrar com toda inexatidão da ficção, que comporta uma volta ao passado, como a cidade o formou e como nesse processo ele próprio se instruiu. Em parte, incitada, em parte obrigado a ver o mundo imaginário (onde se misturam imagens, sonhos e leituras), em sua reclusão no colégio interno podia tomar distância das referências materiais através do contorno de seus sonhos. A forma material da cidade vai revelando uma interioridade. Assim, Gracq empresta carne e vida à cidade segundo a lei do desejo e não segundo a lei da objetividade. A cidade impõe sua marca ao pensamento 50 - unidade base e produto de uma prática. Aqui, a relação necessidade/desejo tem um sentido importante para a análise da cidade, emerge nos espaços do habitar, num espaço concreto que é aquele dos gestos, dos percursos, do corpo, posto que o habitar envolve ou se realiza no processo de apropriação do ser humano onde, nas brechas e nos vazios, se encontram os lugares do possível. Anuncia a possibilidade de uma outra apropriação do tempo que não aquele do tempo abstrato, quantificado, produtivo. O vivido se reafirma contra as regras impostas pela produção do espaço pelo nível do econômico ou político. O homem aparece criando sentido e valor, isto porque, a cidade não é uma simples condição objetiva, ela é também objeto virtual. Passado, presente e possível se entrelaçam, caminhando juntos. A cidade em sua vertigem metamórfica submete o coração impondo aos devaneios, uma trama de ruas, bulevares e parques. Nesse sentido, o complexo traçado das ruas e bulevares se encontram imbricados numa rede de idas e vindas, frequentações. O sentido da cidade é dado pelas andanças que faz parte e/ou determina a vida. É elucidativo a observação de Gracq: não existe nenhuma coincidência entre o plano da cidade que nós consultamos desdobrando o mapa e a imagem mental que surge, ao apelo de seu nome do sedimento depositado na memória por vagabundagens cotidianas. Por outro lado, a cidade em vertiginosa metamorfose, neste final de século muda o coração do indivíduo, submete-o impondo a seus sonhos, a fluidez de sua morfologia. 49 Gracq, J. La forme d une ville, op.cit. 50 Lefebvre, Henri. La revolution urbaine, op.cit. p.140.

51 51 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Para Gracq tanto para Baudelaire, a tônica é o processo de transformação da cidade, a mudança radical na sua morfologia provocando mudanças nos modos de perceber sentir e viver na cidade. Ocorre que para Gracq a cidade vai ganhando, por suas recordações, novos contornos ao mesmo tempo que a vida ela própria se transforma - em função de seus ciclos próprios (aqui se associam os ciclos da vida da cidade àqueles da vida do poeta) que cimentava por suas transformações este conjunto fechado de lembranças. Aqui, é que a continuidade que se revela no lugar, na vida, ao invés de produzir a vertigem do distanciamento, ilumina as reminiscências do passado que constrói a cidade de Nantes. A realidade urbana se impõe entre o poeta e o mundo. O mundo é urbano e se entende enquanto modo de vida urbano. Em Baudelaire 51, o movimento se descobre como forma da cidade e nos joga diante da ordem próxima, localizável e pontual e da ordem distante; uma forma que se metamorfoseia e, nesse movimento ganha o sentido de um processo em realização; dos conteúdos que se transformam e se inserem em novas formas. Baudelaire não está tratando a cidade do presente para o passado, ele está enfocando / refletindo / analisando/ pensando a cidade hoje, do presente - o fenômeno urbano se manifestando enquanto movimento, mostrando que o efêmero se apodera da vida através das metamorfoses do espaço apontando a construção futura e o sentimento presente diante desse processo, enquanto Gracq analisa a cidade como incubadora que permitiu seu desenvolvimento enquanto homem (aqui, pensa a cidade do passado). Walter Benjamin acrescenta, a meu ver, um elemento interessante à análise, para ele as formas da cidade contêm porosidade. Na cidade de Nápoles a arquitetura é porosa como essas rochas. Construção e a ação se entrelaçam uma a outra em pátios, escadas e arcadas. Em todos os lugares se preservam espaços capazes de se tornarem cenários de novas e inéditas constelação de eventos. Evita-se cunhar o definitivo. Nenhuma situação aparece como é destinada para todo o sempre, nenhuma forma se declara desta maneira e não daquela, escreve. 52 Pois nada está acabado, nada está concluído. A porosidade se encontra não só com a indolência do artífice meridional, mas sobretudo pela paixão da improvisação. 53 A vida narrada marca a possibilidade do viver para fora, onde espaços públicos e privados vão se misturando, sem limites, nos mais variados modos de apropriação. A rua aparece enquanto lugar do mercado e da troca, enquanto lugar da festa, do ato religioso, na revelação da pobreza, da identificação, dos encontros e reencontros. De um lado, a massacrante tendência à homogeneização, de outro a cidade, essencialmente, como algo não definido, pronto e acabado, palco das mais ricas improvisações; as formas e configurações da cidade ganham sentidos múltiplos e dinamismo através da vida que aí se descortina dando sentido à cidade, produzindo um movimento cambiante. Nenhuma situação aparece como é destinada, para todo o sempre, nenhuma forma declara ser desta maneira e não de outra. As relações com o lugar se determinam na vida cotidiana, para além do convencional. O espaço é o lugar do encontro e o produto do 51 O que Baudelaire anuncia com os Tableaux Parisiens (In: Les fleurs du mal): o possível - impossível; a descoberta do urbano em transformação. Para o autor, o urbano aparece em sua plenitude como movimento (a cidade é o lugar de um outro tempo, de um outro ritmo), modo de vida, uma cultura. Mostra o efêmero que se apodera do espaço e da vida, daí sua contemporaneidade, e sua importância no desvendar o fenômeno urbano hoje. 52 Benjamin, Walter. Rua de Mão Única. São Paulo, Brasiliense, 1987, p Id. Ibid. p.148.

52 52 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole próprio encontro, a cidade ganha teatralidade e não existe dissociada da sociedade que lhe dá conteúdo e determina a natureza. Para Benjamin, o espaço da cidade de Nápoles conserva o ar de festa do encontro em meio a uma rotina de trabalho e pobreza. Assim toda a alegria é transportável: música, brinquedo, sorvete, se alastram pelas ruas. 54 Não há separações, as casas ganham a dimensão dos referenciais da vida urbana no lugar ninguém se orienta pela numeração das casas. São lojas, fontes e igrejas que dão os pontos de referência. 55 Como não se separam os lugares da cidade também a organização do tempo guarda um sentido diferente a porosidade é a lei inesgotável dessa vida; a ser redescoberta. Um grão de domingo se esconde em todo dia de semana, e quantos dias de semana neste domingo! 56 Assim, a porosidade marca o espaço, o tempo e a vida: a vida doméstica é repartida, porosa entremeada. (...). Por isso, mesmo a casa é muito menos o asilo, no qual as pessoas ingressam do que o reservatório, do qual efluem. Não apenas de portas irrompe a vida. Não apenas para os átrios, onde, as pessoas executam seus afazeres (pois têm a facilidade de transformar o corpo em mesa). Lides domésticas pendem das sacadas como plantas em vasos. Das janelas dos andares mais altos vêm cestas em cordas para correio, frutas e couve. 57 A ideia de que nada é definitivo coloca a necessidade de se pensar o urbano dentro da perspectiva de um objeto em constituição - como processo global - enfocando as contradições que se renovam. A reprodução do espaço (urbano) recria constantemente as condições gerais a partir das quais se realiza o processo de reprodução do capital e de vida humana em todas as suas dimensões. A reprodução do espaço urbano, enquanto produto social é produto histórico, apresenta-se, ao mesmo tempo, como realidade presente e imediata o que significa pensar o urbano enquanto reprodução da vida em todas as suas dimensões onde nada pode ser definido por uma morfologia material, nem tão pouco como essência atemporal, ou ainda como um sistema entre sistemas. Assim, a cidade é antes o aprendizado, a mediação para o entendimento do mundo moderno. Uma sociedade apreendida pela diferenciação marcada pelo uso no tempo e pelas formas da cidade. Assim revela uma sociedade diferenciada; um uso do espaço em tempos diferenciados. A cidade que aparece enquanto dimensão concreta, mas compondo o imaginário, aparece, na consciência e no conhecimento. A realidade urbana vai ganhando forma em cada gesto ou ação vai se transformando, ganhando outro sentido marcado pelas metamorfoses da sociedade urbana impondo-se como modo de vida. A forma vai ganhando conteúdo através da vida que se desenrola na cidade. A forma é reveladora e se contrapõe, ou antes, se articula a uma análise sincrônica/diacrônica da cidade. Nesse sentido, o complexo traçado das ruas encontra-se imbricados numa rede de idas e vindas mas, antes de tudo, revelam um modo de apropriação para a vida, frequentações, acabando por simbolizar o espaço da liberdade. No horizonte um desafio tão bem colocado por Calvino... é inevitável determinar se Zenóbia deve ser classificada entre as cidades felizes ou infelizes. Não faz sentido dividir as cidades nestas duas categorias, mas em outras duas; aquelas que continuam ao 54 Id. Ibid. p id. Ibid. p Id. Ibid. p Id. Ibid. p.152/153.

53 53 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s longo dos anos e das mutações a dar forma aos desejos e aquelas em que os desejos conseguem cancelar a cidade ou são por elas canceladas. 58 A cidade se impõe ou mesmo determina os sonhos, comanda a vida, determina passos, induz direções. Nosso sonho se liga a cidade indissoluvelmente. Mas a cidade não está nunca totalmente dominada, mas apesar disto contem a luz, e as possibilidades dos sonhos. Nessa perspectiva, a cidade não é apenas e tão somente a trama de ruas e bulevares imbricados que o passo do habitante e a flanêrie tentam conhecer / reconhecer em idas e vindas. a u-topia não é o lisível nem o visível, e todavia ela aí (no plano de Paris) se encontra magnificamente; é o lugar do olhar que domina a grande cidade, lugar mal determinado, mas bem concebido e bem imaginado, (imagé) lugar da consciência, quer dizer de uma consciência da totalidade. Geralmente, este lugar imaginado e real se situa nas fronteiras da verticalidade, dimensão do desejo, do poder, do pensamento. Às vezes, ele se situa em profundidade quando o romancista ou o poeta imagina a cidade subterrânea, ou o avesso da cidade dedicada as conspirações e aos crimes. A u-topia reúne a ordem próxima e a distante. Na sua relação com o conteúdo urbano, a forma urbana suscita uma contradição dialética. No espaço urbano, podemos dizer, passa-se sempre alguma coisa. O vazio, a negação da ação só pode ser aparente; a neutralidade é apenas um caso limite; o vazio (um lugar) atrai; ele tem o sentido deste fim. Virtualmente não importa o que pode se passar ou onde. Aqui ou lá uma multidão pode se reunir objetos se amontoarem, uma festa acontecer, um evento sobrevir, terrificante ou agradável. Daí o caráter fascinante do espaço urbano: a centralidade sempre possível. 59 O que me parece fundamental no recurso a estes Autores é que a cidade vista a partir do que chamam de forma, entrevista, pressentida, vivida, se situa para além do plano material, iluminando o fato de que a forma da cidade enquanto morfologia revela uma estrutura da cidade, articulando-se de modo indissociável aos usos e funções dos lugares, inseparáveis das formas da vida, da construção da memória e da existência da utopia. Assim a cidade se revelaria e ganharia sentido na articulação entre o real e o possível, a necessidade e o desejo, o entrevisto e o visto, o pensado e o sonhado, da vida e da morte. Assim, o sentido da forma transcende a forma em si. Deste modo, o urbano aparece como campo virtualmente complexo de articulações múltiplas e de tensões sempre renovadas, mas também de virtualidades, do que Lefebvre chama de um possível - impossível, de presenças e ausências. Neste sentido, a literatura empresta um novo sentido à análise da forma, envolve um universo de significações que a ultrapassam. Simultaneidade, convergências, encontros e possibilidades guardadas no processo de apropriação. Uma apropriação do espaço da cidade que envolve, além de todos os sentidos, os desejos. Permite pensar a dimensão do processo de construção da humanidade do homem e presente no processo de reprodução do espaço. Revela o fato de que a tendência do mundo moderno, descrita por Henri Lefebvre, como aquela da vitória 58 Calvino, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo, Cia. das Letras, 1991, pp.36/ Lefebvre, Henri, La revolution urbaine, op.cit. p.174. Para o Autor, a utopia não tem nada de imaginário, ela está no seio do real, a realidade urbana "não é a mesma sem esse fermento (p.30).

54 54 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole do valor de troca sobre o valor de uso se confronta com a construção do urbano e da urbanidade fundada no uso, ou nas suas possibilidades. Nesses autores, as formas da cidade ganham um sentido outro que uma leitura meramente, formal. Reclamam aspectos subjetivos que determinam e dão sentido e uma outra dimensão da vida que aquele ligado à produção material e ao uso instrumental do espaço. O homem é uma figura que transgride, que cria constantemente novas possibilidades de encontro, de reunião, que não desaparece integralmente na metrópole tragada pelas renovações urbanas, posto que a realidade urbana se densifica, persiste e os habitantes constroem, sem cessar, os lugares para resistir, onde os usos tendem a escapar das exigências da troca. A satisfação das necessidades não chega a matar a insatisfação dos desejos fundamentais. Ao mesmo tempo, os lugares do encontro, de convergência de comunicações e de informações, tornam-se o que sempre foram: lugar do desejo, desequilíbrio permanente, sede da dissolução de normalidades e coações, momento do lúdico e do imprevisível. 60 Dessa situação, nasce a contradição entre a tendência à destruição da urbanidade e a tendência à intensificação da vida urbana. No percurso da cidade as ideias tomam forma, o contato com a cidade é o reconhecimento da vida e das práticas urbanas, ao mesmo tempo em que é uma prática urbana. A morfologia, ela própria, revela um espaço-tempo e um ritmo, bem como a possibilidade da realização da sociabilidade. Ela também enquanto possibilidade revela uma arte, aquela da possibilidade da criação, do extravasamento/ realização da espontaneidade, abrindo-se para o imprevisto enquanto possibilidade de construção de um cotidiano cheio de substancialidade. Assim, a reprodução da cidade contém, em si, um projeto de humano. 60 Lefebvre, Henri. Le droit a la ville, op.cit. p.86.

55 55 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s 1.2 Havia uma pedra no meio do caminho 61 A análise da Operação Urbana Faria Lima (OUFL) envolve vários planos, de análise; inicialmente ela deve ser entendida no contexto do modo como se realiza a reprodução do espaço urbano, hoje na metrópole paulista. O que pressupõe, de um lado uma nova dinâmica econômica apoiada no desenvolvimento do setor terciário baseado numa nova divisão espacial do trabalho a partir de uma relação estreita com o poder político; e, de outro o modo como a reprodução das relações sociais se impõe na vida cotidiana. Esse processo se revela, inicialmente, enquanto metamorfose da morfologia da metrópole, na medida em que aparece, inicialmente, como modificação no sistema viário a partir da extensão da Avenida Brigadeiro Faria Lima. É assim que inicialmente a transformação dos bairros de Pinheiros, Itaim e Vila Olímpia ocorre como decorrência de uma Operação Urbana. Estes bairros apareciam como barreira impeditiva na ligação de importantes áreas da metrópole; de um lado, a região da antiga Avenida Brigadeiro Faria Lima - polo importante de localização dos escritórios em São Paulo - e de outro, a avenida Luís Carlos Berrini, no Brooklin - que desponta desde o final dos anos 70 como polo econômico em formação com seus modernos edifícios abrigando o setor financeiro, escritórios de empresas, flats, hotéis. Na realidade a Operação urbana, ao prolongar a avenida Brigadeiro Faria Lima, viria viabilizar a extensão da mancha terciária da metrópole com a criação de áreas passíveis de serem incorporadas pelo mercado imobiliário com a finalidade de construção de edifícios de escritórios modernos destinados aos serviços. O prolongamento da Avenida Brigadeiro Faria Lima aparece, no discurso institucional, como uma obra viária fundamental que viria completar os pontos de articulação necessários à constituição de um eixo viário formando o corredor sudoeste - centro da metrópole, articulandose a outras obras realizadas nesta região da metrópole, facilitando o acesso de automóveis e articulando mais facilmente bairros onde a ocupação urbana poderia, em tese, sofrer adensamento. Enquanto projeto viário a Operação Urbana Faria Lima nasce no bojo de uma necessidade que se refere àquela de abolição das distâncias entre regiões da metrópole, pelo controle da velocidade, através da construção de vias de trânsito rápido - semi-expressas. A velha Avenida Brigadeiro Faria Lima, até então um corredor de metros construído entre 1969/71 62, se firmou, desde a sua construção, como um importante corredor comercial e de serviços da metrópole com a construção de prédios arrojados destinados a escritórios de serviços, bancos e shoppings centers. As obras de extensão desta avenida rasgando o tecido urbano; impôs-se como produto da planificação, mudando a função das áreas que cortou, dando-lhes limites fluídos, entrecortado pelo tempo da metrópole, imersos tanto o espaço quanto o tempo no processo de homogeneização presente na construção da cidade. A nova Avenida Brigadeiro Faria Lima tem seu traçado paralelo a Avenida Nações Unidas, na várzea do Rio Pinheiros (onde passa a via expressa da Marginal de Pinheiros) e construída com custo estimado em 150 milhões de dólares permitindo 61 Esse item vem acompanhado no final de um conjunto de mapas e fotos sobre a área atingida pela Operação urbana Faria Lima (OUFL), bem como sua localização no Município de São Paulo, e mais detalhadamente na região sudoeste. 62 Na primeira gestão do prefeito Paulo Maluf, na prefeitura da cidade de São Paulo.

56 56 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole a interligação de importantes corredores de trânsito na cidade - voltado, quase que exclusivamente, para o transporte individual. 63 Enquanto necessidade do desenvolvimento do sistema viário na cidade, incorpora a Avenida Luís Carlos Berrini à malha viária de trânsito rápido da cidade, ajudando, em tese, a dividir o trânsito com as vias expressas da Marginal do Rio Pinheiros. Uma das justificativas utilizadas para reafirmar a importância da obra, pelo Autor do projeto de extensão da avenida, arquiteto Júlio Neves, era de que em 1993 um montante de veículos trafegava pela Marginal enquanto, apenas, trafegavam na antiga Avenida Brigadeiro Faria Lima e que sua extensão - a obra da Nova Faria Lima - era preciso corrigir essa distorção. 64 Esperava-se com a obra desafogar o fluxo da Marginal permitindo um aumento de velocidade. Nesse raciocínio o sistema viário da cidade ganharia uma importante via, paralela às marginais do Rio Pinheiros que se estenderia do bairro de Pinheiros até o shopping Center Morumbi, descongestionando o tráfego da região, oferecendo uma alternativa às Marginais do Rio Pinheiros. Criava-se, assim, uma nova articulação no sistema viário ligando, de forma imediata, a área da Avenida Luís Carlos Berrini àquela dos bairros dos Jardins (Paulista, América) e Avenida Brigadeiro Faria Lima (leito da antiga avenida) melhorando, sensivelmente, o acesso entre ambas as áreas que antes se fazia através das ruas estreitas e tortuosas dos bairros da Vila Olímpia e do Itaim, bairros que estavam no meio do caminho entre os dois polos econômicos importantes: regiões da Avenidas Faria Lima de um lado e região da Avenida Luís Carlos Berrini de outro - ambas voltadas para a atividade bancária e de serviços. Por sua vez, a Nova Faria Lima também se articularia, através da Avenida Juscelino Kubitschek, à saída do túnel construído sob o leito do Rio Pinheiros que, ao sul se liga a outra margem do Rio Pinheiros, com os Bairros do Morumbi; ao norte a ligação se faz através da avenida Uberaba até a Avenida República do Líbano e com o novo complexo de túneis Ayrton Senna que permitiria a ligação com o Ibirapuera, Vila Mariana e aeroporto de Congonhas. Com isso se desenharia o corredor viário sudoeste - centro. A ligação parece ganhar mais importância no contexto viário, refletindo-se no aumento dos preços do metro quadrado útil da área abrangida pela Operação Urbana em função do aumento da acessibilidade e da articulação da região da Avenida Luís Carlos Berrini à cidade, como dizem os técnicos. Na realidade, mais do que um sistema viário a extensão da avenida permitiu a ligação de antigas áreas econômicas (voltada ao setor terciário) consolidadas da metrópole, criando novas áreas de expansão do novo eixo empresarial dando-lhe a contiguidade espacial necessária. Assim a região, diretamente envolvida na Operação, é um elo fundamental da consolidação de um eixo empresarial - comercial da metrópole. Com isto assiste-se a abertura de vias de circulação que propiciam a criação de terrenos passíveis de serem incorporados (no 63 Essa política voltada para a construção da cidade do automóvel pode ser corroborada não só com o aumento do número de carros que transitam em São Paulo (quase 5 milhões) como com a diminuição substantiva do número de ônibus: em março de 1994, por exemplo, na gestão do prefeito Paulo Maluf a frota de ônibus em São Paulo diminui; entre fevereiro de 93 e fevereiro de 94 caiu de para (-10),enquanto o número de passageiros aumenta; no mesmo período passando de 142 milhões para 158 milhões (+11%) os números são da planilha de custo da CMTC; Companhia Metropolitana de Transportes Coletivo em Folha de São Paulo, 02/03/94. Já em 1999 o mesmo jornal noticiava que prefeitura de São Paulo quer que os empresários retirem de circulação 12% da frota de veículos que atende a cidade. O objetivo é reduzir os custos com o sistema de transporte coletivo que criou uma crise financeira crônica na administração Celso Pitta Folha de São Paulo, 24/08/ Revista Veja, São Paulo, Abril Cultural, 3/02/1993.

57 57 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s mercado imobiliário) através da mudança de zoneamento e do consequente aumento do potencial construtivo na região (decorrente da Operação Urbana) produzindo um novo polo econômico na metrópole, capaz de permitir a expansão necessária da atividade ligada aos setores mais modernos da economia paulistana no contexto da economia globalizada. Deste modo, uma nova articulação de áreas da metrópole cria uma nova centralidade, de um lado a atividade financeira e de serviços modernos; e de outro, um centro de lazer com a instalação de bares, choperias e casas noturnas que inclui a área, formada pelos bairros de Vila Olímpia e Itaim, no circuito de lazer mais agitado da cidade. O prolongamento da Avenida Faria Lima, na perspectiva de ampliação do sistema viário, deve ser analisado no contexto de um conjunto de transformações que vem acontecendo na metrópole, a qual a Nova Avenida vem se somar (e que se localizam na área oeste/sudoeste de São Paulo) àquela que acentua a construção da metrópole enquanto espaço de circulação, no quadro de realização da função econômica da cidade. São elas: A) A formação do complexo Eusébio Matoso com obras de duplicação da avenida permitindo a ligação das rodovias Raposo Tavares e Regis Bittencourt com a Avenida Consolação e o centro da cidade através do eixo Rebouças. A construção de ponte Godfarb junto a esta avenida 65, a construção da passagem subterrânea liga as Avenidas Lineu de Paula Machado e Waldemar Ferreira da Silva (cidade universitária), conectando os bairros do Morumbi e Butantã até a Avenida Cidade Jardim atingindo, depois, o centro da Cidade. B) A construção do túnel sob o rio Pinheiros ligando as duas margens. Na margem direita do rio temos as pontes/túneis do complexo Ayrton Senna (formado pelo túnel sob a Avenida Santo Amaro e o parque do Ibirapuera formando um complexo importante). Deste lado, ligando Avenida Juscelino Kubitschek (JK) e Avenida Joaquim Moura Andrade, (com 2 pistas de cada lado, cria a ligação com a Avenida Sena Madureira na Vila Mariana e com a Avenida 23 de maio (ligando o centro ao aeroporto de Congonhas). C) Estação ferroviária da FEPASA que corre paralela à Avenida das Nações Unidas, (tem seu traçado paralelo à Marginal do Rio Pinheiros) que deverá ser proximamente ligada à 4 a linha do metrô. 66 D) Realização da operação urbana Água Espraiada com a canalização do córrego, remoção da favela e construção da nova avenida perpendicular à Avenida Luís Carlos Berrini, 65 Construída ao lado da antiga ponte Eusébio Matoso é considerado o local onde se apresenta o maior gargalo de tráfego da América Latina com uma circulação diária de automóveis e 500 ônibus/hora nos momentos de pico (dados de 1993). 66 A linha sul tem hoje em funcionamento oito estações: Osasco, Presidente Altino, Ceasa, Jaguaré, Cidade Universitária, Pinheiros, Largo Treze e Jurubatuba. As sete novas estações, em construção, ficam ao longo de 14,8 Km entre Pinheiros e Santo Amaro. São elas: Eusébio Matoso, Cidade Jardim, Vila Olímpia, Berrini, Morumbi, Granja Julieta e Socorro. Na estação Socorro, também está sendo inaugurado um terminal de integração com um sistema de ônibus. As novas estações atenderão aos polos comerciais e de serviços mais dinâmicos de São Paulo, como Berrini, Itaim, Vila Olímpia, Verbo Divino e Marginal Pinheiros. A Berrini, por exemplo, tem hoje cerca de 32 mil pessoas trabalhando em seus escritórios. Até o ano 2000, a população trabalhadora dessa região deverá chegar a 50 mil pessoas. Paralelamente a Vila Olímpia, que atualmente abriga aproximadamente 200 mil m 2 úteis de escritórios, terá 400 mil m 2 em edificações. Esses polos têm crescido numa velocidade muito rápida e sem a contrapartida em investimentos em infraestrutura de transporte público. Hoje essas regiões são atendidas majoritariamente pelo sistema de ônibus, que opera com grande dificuldade devido à reduzida capacidade de tráfego da cidade de São Paulo. O trem já passa por elas, mas não há os pontos de parada necessários. Boletim Data Bolsa, nº22, São Paulo, 1998.

58 58 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole criando uma área de expansão, com criação de terrenos passíveis de serem incorporados pelo setor imobiliário. E) Alargamento da pista da Marginal Pinheiros nas proximidades da Usina da Traição na região de Santo Amaro - (próximo a Berrini), em terrenos da Eletropaulo. Esse conjunto de infraestrutura viária construída pela prefeitura, que muda significativamente a morfologia da área, tornando uma nova fonte de investimento imobiliário, que vem na esteira do processo de valorização do solo urbano causado pela constituição de infraestrutura na área Nesse processo já temos a construção de dois shoppings na área próxima à Berrini: o São Paulo Market Place - em frente ao shopping Morumbi - e o D&D (shopping que inaugura uma nova tendência, aquela do shopping temático). A realização da Operação Urbana aliada às transformações acima citadas, gera um processo significativo de transformação de uma área delimitada pelo quadrilátero formada pelo traçado da linha de trânsito Marginal ao Rio Pinheiros entre as Pontes do Morumbi e Avenida Bandeirantes e a Avenida Brigadeiro Faria Lima. A este espaço se acrescenta a área que circunda a Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, também, está paralela à Avenida Marginal Expressa do Rio Pinheiros - e que é uma continuação do quadrilátero acima mencionado, que se consolida nos anos 80 como o centro de atração dos escritórios de São Paulo com uma alta concentração de edifícios de mesmo estilo arquitetônico saídos da prancheta do escritório de arquitetura de Carlos Bratke, em função da tendência à saturação de terrenos passíveis de serem incorporados pelo setor imobiliário no centro da metrópole para essa atividade. A extensão da Avenida Brigadeiro Faria Lima em seu novo traçado corta ao meio os três bairros por que passa, redefinindo suas características, e com isso, fazendo implodir a antiga unidade existente em cada um deste bairros (entre os habitantes e o lugar da vida). O que se observa às margens do novo trecho da Faria Lima é a emergência de um novo uso e padrão de ocupação do solo, numa área, antes ocupada por casas térreas em pequenos terrenos, muitos dos quais com exíguos e idílicos jardins. Agora, remembrados, os terrenos apresentam imensas placas de incorporadoras que anunciam os novos lançamentos, (prédios, flats). Em alguns terrenos já construídos, ou mesmo reformados, os luminosos apontam a chegada maciça dos bares e casas noturnas. Junto à Avenida um novo tipo de empreendimento - um centro planejado sob um novo formato, os centros de serviço de conveniência. 67 Assim, a Operação Urbana Faria Lima ocorre trazendo profundas mudanças espaciais de forma diferenciada, em graus diferentes, na região sudoeste da metrópole em função da proximidade destas com a nova avenida e dos eixos de ligação que ela permite articular, gerando um novo fluxo, novos usos, e com isso, novas funções. A análise da Operação Urbana Faria Lima envolve no plano morfológico, portanto, dois elementos articulados: 67 Marcos Muller Romiti assim define esse novo empreendimento em entrevista ao Boletim Data Bolsa, nº 14 de janeiro de 1997, p.3: Os centros de serviço de conveniência parecem em São Paulo há pouco mais de um ano e se constituem na combinação de duas ou mais atividades em um único terreno por volta de dois a três mil metros quadrados, em localizações de alto tráfego e grande visibilidade (...) um mix bem montado cria sinergia entre diferentes atividades, enquanto aumenta a venda de cada um além do que seria viável caso estivessem em localização isolada. Exemplos desse tipo têm aparecido em toda Grande São Paulo, muitas vezes combinando posto de serviço automotivos, bancos, locadoras de fitas, mercados de conveniência, fast food, e outros serviços.

59 59 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s a) O sistema viário que coloca a região numa nova relação na hierarquização do espaço metropolitano implicando numa mudança de função em relação a outros lugares. b) Mudança na lei de zoneamento permitindo o adensamento da área através de mudança da lei vigente, propiciando o aumento do coeficiente de edificação (de um para 4 vezes o tamanho do terreno). Esse fato traz, como consequência, a mudança no uso do solo, bem como da função da área na divisão social do trabalho. Evidentemente isso só poderia acontecer com a desapropriação das construções que estavam no caminho do traçado da avenida, os bairros: Vila Olímpia, Itaim e Pinheiros. Essa intervenção cria, imediatamente, um processo de valorização do solo, isto porque as intervenções do poder público, através de obras públicas, valorizam o solo urbano nas áreas do empreendimento e próximas a ele provocando um aumento do preço do m 2 e com isso possibilitando que os proprietários privados se apropriam, privativamente, de um processo financiado pelo dinheiro público. Caso típico de um processo de socialização de custos e privatização dos benefícios. Raciocínio corroborado pelo parecer da promotora de justiça de Habitação e urbanismo do Ministério Público (Iolanda Moreira Leite) que para justificar sua posição contraria a realização do projeto de prolongamento da Avenida Faria Lima afirma que o projeto só será benefício de empreiteiros, muitos interessados em adquirir lotes na Avenida. É inquestionável que um efeito econômico perverso (da lei de zoneamento) se traduz na supervalorização fundiária criada através da escassez de terra edificável. Somente em 10% da área da metrópole pode ser utilizado o coeficiente 4. Em 90% só se pode construir até no máximo 2 vezes a área do terreno. O zoneamento além de reforçar a desigualdade dos preços na metrópole provoca uma formação artificial na medida em que define a segregação de zonas de uso favorecendo a formação de preços fundiários diferenciados. Uma área residencial custa menos do que uma área, onde são permitidos usos comerciais ou de serviços, isto é, usos mais rentáveis tem preços majorados. A segregação de usos na cidade além de inflacionar os preços fundiários, reforça os problemas urbanos através da sobrecarga da infraestrutura e do sistema viário Não se trata, efetivamente, de um efeito perverso, mas de efeitos de um processo que se realiza de modo contraditório e desigual. São Paulo é uma metrópole, onde a terra incorporável para determinado tipo de atividade econômica tende a escassez e, como consequência, requer estratégias mais sofisticadas por parte dos empreendedores imobiliários, envolvendo articulações e alianças com o poder público. O espaço revela sua dimensão política enquanto instrumento, intencionalmente organizado e manipulado, aparecendo enquanto meio e poder nas mãos de uma classe dominante que diz representar a sociedade, sem abdicar de objetivos próprios. Como hipótese podemos inicialmente apontar o fato de que a Operação Urbana apresenta ou, antes, revela uma estratégia espacial de dominação a partir da qual se impõe a consolidação de um eixo empresarial comercial na metrópole, em constituição, de modo descontínuo desde final dos anos 70, realçando dois aspectos da produção espacial hoje: de um lado a imposição do setor imobiliário como elemento dinâmico da economia (que revela a mobilização da riqueza fundiária e imobiliária compreendida com 68 Dos cadernos de Planejamento, Zoneamento e mercado imobiliário, SEMPLA. Diário Oficial 24/12/92, p.20.

60 60 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole extensão do capitalismo financeiro) e de outro as transformações recentes da economia capitalista (dentre elas a entrada do setor da construção civil no circuito industrial associado ao desenvolvimento maciço da tecnologia em função da imposição dos novos padrões de realização da atividade econômica nas chamadas cidades mundiais), estruturando a mancha de atividades terciárias modernas da metrópole. Como consequência, a Operação Urbana Faria Lima se inscreve num conjunto de estratégias com orientação significativa que converge para o aprofundamento da segregação no espaço a partir da destruição da morfologia da cidade que ameaça/transforma a vida urbana - isto porque as reestruturações/renovações ocorrem no espaço da metrópole e se inscrevem na prática social. Não é por acaso que se realiza através do poder político (só o Estado tem o poder, através da gestão, de atuar em grandes parcelas do espaço) assegurando a reprodução das relações de produção, no espaço. Na realidade tanto o Estado quanto os empresários - apesar de suas diferenças - através de suas estratégias espaciais, conduzem à segregação dos espaços (através da dominação do Estado ou da fragmentação do mercado imobiliário). Assim cada projeto de renovação urbana coloca em questão as estruturas existentes na sociedade, as relações imediatas (individuais) e cotidianas, mas também aquela que se pretende impor pela via da coação do institucional ao resto da realidade urbana. 69 São Paulo, nossa cidade, está ameaçada. Mais uma vez em nome de uma duvidosa modernidade, que atualmente mal esconde intuitos de especulação imobiliária, está se articulando um plano de arrasamento de áreas inteiras, especificamente, por meio do prolongamento da Avenida Faria Lima e de sua operação correlata denominada de bulevar sul. A destruição aconteceria para que fossem criados espaços assemelhados a nenhum lugar, paródias de cosmopolitismo, meras vias de circulação em alta velocidade, rodeadas de torres espalhando a vaidade de seus construtores. 70 A existência da vida se realiza nos modos como os habitantes se apropriam dos lugares produzidos com fins específicos. Nesse contexto, a morfologia revela uma prática que penetra na vida cotidiana, campo de significações; decorrendo daí as lutas em torno da produção/reprodução da metrópole. Para os habitantes dos bairros atingidos pela Operação Urbana, esta aparece como ruptura que implode a continuidade (aqui a ruptura substitui a ideia de continuidade, de aprendizado, de memória que refere-se a um tempo e numa duração 71 ) A Operação Urbana Faria Lima A operação urbana é um mecanismo de parceria entre o poder público e a iniciativa privada, através da qual os interessados podem aumentar a área construída de seu imóvel, a ocupação de seu terreno, implantar usos e atividades não previstos pelo zoneamento, anexar área 69 Lefebvre, H. Le droit a la ville, op.cit., p "Manifesto em defesa da cidade de São Paulo", assinado pela Associação Vila Olímpia VIVA e Movimento Pinheiros VIVO. O documento não contém data, todavia ele se refere ainda ao projeto bulevar Sul que foi apresentado no início da gestão na prefeitura do prefeito Paulo Maluf, em fevereiro de O projeto foi mudado ao longo da luta entre a prefeitura e os habitantes, distanciando-se de seu plano original nomeado de Bulevar Sul. 71 Roncayolo, M. La Ville et ses territoires, op.cit. p.250.

61 61 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s remanescente de desapropriação e até obter a cessão do espaço público aéreo ou subterrâneo, no perímetro definido como de influência da nova Avenida Faria Lima. 72 No caso aqui analisado, a operação urbana se compõe de três trechos: de um lado da antiga avenida se encontra o bairro de Pinheiros e do outro Itaim (trecho 2) e Vila Olímpia (trecho 3) que compõe a extensão da avenida Brigadeiro Faria Lima nos seus dois extremos. O traçado viário no bairro de Pinheiros é proposto pela lei 7104 / 68 (votada por decurso de prazo em 1968). Portanto, na Operação Urbana Faria Lima estava embutido uma polêmica antiga visto que o projeto de lei é de 1968, o que significa que ao longo dos anos o projeto de ampliação da avenida foi sofrendo modificações por parte da prefeitura e pressões por parte dos habitantes. Na administração Jânio Quadros, (1984 a 1988) o arquiteto Júlio Neves encaminha o ousado projeto bulevar Sul, modificando profundamente o projeto votado em 1968 e movimentando a população envolvida que reivindica a não realização do projeto (na qual foi atendida). 72 Cf. Operação Urbana Faria Lima - Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria Municipal de Planejamento, 1995, p.3.

62 Mapa 1 - Operação Urbana Faria Lima. Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole

63 63 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Na administração seguinte, da prefeita Luíza Erundina (1988 a 1992) a Operação Urbana aparece como parte integrante do plano diretor, mas a reivindicação do movimento de moradores é atendida, novamente. Na administração do prefeito Paulo Maluf o projeto de Júlio Neves é encaminhado, novamente, logo no início da gestão sob a forma de uma Operação Urbana, o que acabou sendo implantada, mas com modificações em função de acordos realizados entre o arquiteto, autor do projeto (representando a prefeitura) e os habitantes da área envolvida. O trecho mais polêmico foi aquele que pretendia ligar a Avenida Juscelino Kubitschek à Avenida dos Bandeirantes - cortando os bairros de Vila Olímpia e Vila Funchal o que permitiria a ligação direta entre as Avenidas Faria Lima e a Luís Carlos Berrini no corredor sul, fato que não ocorreu como previsto, a extensão da avenida chegou apenas até a Avenida Hélio Pelegrino. O prolongamento da avenida se dá nos dois lados do antigo traçado, com a destruição de 380 casas: o trecho Pinheiros se inicia no largo da Batata até a praça Roquete Pinto na intersecção da avenida Pedroso de Morais cortando o bairro de Pinheiros, derrubando 104 casas e destruindo algumas ruas. O novo trecho da avenida passou pelas ruas Coropé, Miguel Isasa e Belchior Coqueiro incorporando o leito das mesmas. Neste trecho consta a desapropriação parcial do terreno do Colégio Palmares, e de um dos edifícios da Igreja Episcopal, da escola Cuca, além de restaurantes, lojas e residências. Na outra vertente o trecho Itaim 73 /Vila Olímpia, cujo início é na Avenida Cidade Jardim até a Avenida Hélio Pelegrino, cortando os bairros de Itaim e Vila Olímpia destruiu casas no Itaim e 109 casas na Vila Olímpia. A rua Sertãozinho foi absorvida pelo trecho da avenida, desaparecendo também uma viela situada à Rua Leopoldo Couto Magalhães e a Rua Ubaldo Ferreira de Oliveira, incorporadas pelo traçado da avenida. As desapropriações neste trecho se referem em sua maioria ao uso residencial (70%). Nota-se ainda, que uma via particular sem saída, localizada à Rua José Gonçalves de Oliveira, terá os imóveis situados em um de seus lados totalmente desapropriados, perdendo suas características originais, uma vez que o lado remanescente integrará um novo espaço, dando frente para a nova Avenida. Neste trecho foi demolido o colégio Ceciliano Enes e uma unidade do Correio. 73 No Bairro do Itaim o traçado da Avenida Faria Lima também diz respeito ao proposto pela lei 7104/68, com início na Antiga Avenida Faria Lima na confluência com a rua Amauri indo até a Avenida Juscelino Kubitschek.

64 Mapa 2 - Operação Faria Lima: Traçado definitivo. Fonte PMSP, Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole

65 65 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Mapa 3 - Operação Urbana Faria Lima: Trecho Pinheiros. Fonte: EIA-RIMA, TETRAPLAN, 1993.

66 66 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole O trecho da Vila Olímpia, o traçado da nova avenida, faz a ligação entre as Avenidas Juscelino Kubitschek e Hélio Pelegrino (na altura da rua Nova Cidade). Nesse trecho duas vilas perderam suas características tendo um dos lados totalmente demolidos, uma ficou completamente de frente para a Avenida e suas pequenas casas residenciais se transformaram em lojas (ainda resta uma ou duas destas casinhas com placa da vende-se) e na outra foi erguido um muro que ostenta vários out doors separando as pequenas casas da movimentada avenida. Nesse trecho o prolongamento da avenida absorve uma área de zoneamento Z-9 da Avenida Juscelino Kubitschek até Rua Santa Justina. Nas áreas lindeiras à avenida, a Operação mudou o zoneamento urbano permitindo a mudança do potencial construtivo. É aí que está em construção um flat do Caesar Tower e uma imensa área vazia que vem servindo de estacionamento. O Instituto Nossa Senhora do Carmo perdeu uma parte do terreno e foi obrigado a construir um prédio vertical para abrigar os alunos. A praça Dílson Funaro, junto a Avenida Juscelino Kubitschek, onde anteriormente se localizava parte de favela JK foi totalmente absorvida pelo novo traçado e a população favelada expulsa da área.

67 67 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Figura 1 - O Traçado da Nova Faria Lima. Autoria das imagens: Anselmo Alfredo

68 68 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Mapa 4 - Localização da Avenida Faria Lima. Fonte: Mapa Oficial da Cidade de São Paulo, PMSP, Escala Aproximada 1:

69 69 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Figura 2 - Nova Faria Lima - Trecho Pinheiros. Autoria das imagens: Anselmo Alfredo.

70 Figura 3 - Nova Faria Lima - Trecho Itaim. Autoria das imagens: Anselmo Alfredo. 70 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole

71 71 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Figura 4 - Nova Faria Lima - Trecho Vila Olímpia. Autoria das imagens: Anselmo Alfredo.

72 72 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole CAPÍTULO II SÃO PAULO: O ESPAÇO COMO NOVA RARIDADE Os reflexos do sol vermelho Incendeiam as multidões Felizes Que construirão a outra São Paulo Mario de Andrade

73 73 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s A reprodução dos lugares da metrópole: o eixo empresarial - comercial A hipótese que embasa o raciocínio apresentado, neste capítulo é que a OUFL aparece como uma necessidade imposta pelo processo de transformação da economia da metrópole associada ao fenômeno que transforma o espaço em raridade, em função da existência da propriedade privada do solo urbano. Nesse contexto, a OUFL revela a importância estratégica do espaço para a reprodução do capital, numa economia globalizada. Os dados que se apresentarão em seguida (sem a intenção de um levantamento exaustivo) tem o objetivo de apontar as mudanças econômicas através de indicadores referentes ao número de escritórios construídos, bem como sua localização na metrópole. Tal distribuição revela uma concentração dos setores modernos da economia concretizando um eixo- empresarial na metrópole. O espaço urbano da metrópole de São Paulo, em seu processo reprodutivo apresenta-se através de profundas mudanças, algumas muito bruscas, outras mais lentas redefinindo usos e funções dos lugares, que se traduzem através da divisão das atividades no espaço urbano, produzindo rupturas. Esse ganha materialidade, inicialmente, através da morfologia urbana. Todavia, o adensamento da área construída, as mudanças nos usos e a redefinição das funções dos lugares da cidade de São Paulo que se gestam no bojo das transformações revelam novas práticas socioespaciais, produzindo novas contradições. As transformações da metrópole, a partir da redefinição do processo produtivo, impostas pelo estágio atual da acumulação do capital impõem um novo momento para a realização do desenvolvimento do ciclo do capital redefinindo estruturas produtivas, impondo um novo padrão de competitividade, flexibilizando os processos produtivos (e contratos de trabalho), reestruturando espaços de produção e, com isso, produz um novo padrão espacial, sem contar que, em sua redefinição, o processo impõe novos padrões para a realização da vida urbana. Nesse contexto, vem se criando, nas duas últimas décadas, um novo polo econômico voltado para o comércio e serviços, articulando as estratégias imobiliárias e do capital financeiro, bem como aquelas do Estado que fazem com que a Operação Urbana Faria Lima apareça como uma ação absolutamente necessária ao desenvolvimento da metrópole. As pesquisas sobre as mudanças na metrópole paulista vêm indicando uma tendência, que é mundial, a diminuição do número dos estabelecimentos industriais com uma reconversão do parque industrial (em movimentos diferenciados para cada setor industrial), indicando que, para além do deslocamento dos estabelecimentos, há uma mudança no perfil produtivo. A década de 90 mostra, por exemplo, segundo Pedro Hughes 74 transformações estruturais, com consequências substantivas como redução do papel representado pelo setor industrial na economia e a diminuição líquida do mercado de trabalho formal no município. O Autor cita, em seu trabalho, três levantamentos sobre o comportamento dos estabelecimentos industriais na metrópole, em três momentos diferentes e constatou que no período 1976/80 havia no município de São Paulo pouco mais de estabelecimentos (com mais de 5 operários) empregando cerca de Hughes, Pedro Javier Aguerre. Mercado de trabalho industrial no município de São Paulo São Paulo, SENAI/DOP/DPPA, Maio de 1997 (mimeo).

74 74 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole trabalhadores; já no período 1980/1981 o número de estabelecimentos apresenta uma queda de 13,5% passando para estabelecimentos que empregavam pessoas; e no período 1993/1994 São Paulo o número caía para estabelecimentos (com 10 ou mais empregados) empregando pessoas. Entretanto, convém lembrar que o processo de desconcentração industrial não é acompanhado pela descentralização do capital. Dos dados se pode apenas apreender, a meu ver, que existe na metrópole uma tendência a diminuição do número de estabelecimentos industriais, bem como do número de trabalhadores neste setor. Todavia só se pode falar em tendência, posto que os dados não se referem a todo o universo de estabelecimentos industriais, (entre os dois primeiros períodos e o último foi mudado, por exemplo, o parâmetro de coleta de dados), enquanto nos dois primeiros o autor levou em conta um conjunto de estabelecimentos industriais, no último período considerado, apenas aqueles com mais de 10 trabalhadores. Pode ter havido um aumento de estabelecimentos indústrias no segmento de menos de 10 empregados - o que não é insignificante num momento em que novos padrões de competitividade se impõem como decorrência da globalização da economia e dos mercados em função do incremento de novas tecnologias, instituindo novos padrões produtivos e permitindo a eliminação de postos de emprego. A pesquisa também não revela se há um novo conteúdo para o setor produtivo industrial; é sabido que setores modernos ainda se localizam na metrópole como é o caso dos bens de consumo nãoduráveis (indústria do vestuário e viagens, indústria alimentícia, indústrias editorial e gráfica). Na Grande São Paulo a reestruturação parcial de setores industriais tradicionais e a introdução de alguns segmentos produtivos mais modernos (microeletrônica, aeronáutica, química etc.) não só propiciaram ocupações mais qualificadas na própria indústria como rebateram no setor terciário, exigindo-lhe ampliação e modernização, especialmente de serviços auxiliares à produção e, em menor medida, de outros serviços. Por outro lado, o avanço da urbanização, depois de converter a cidade de São Paulo na primeira metrópole nacional nos anos 70 dar-lhe-ia, na década de 80, alguns padrões terciários semelhantes aos das grandes metrópoles internacionais. 75 Segundo dados da SEMPLA 76, o município de São Paulo sediava, no ano de 1995, estabelecimentos industriais (indústria de transformação com empregados. Destes estabelecimentos, 9,3% (852) eram locais que abrigavam apenas os escritórios das empresas (sem o setor produtivo). A maioria destes escritórios referem-se a indústria química (153), material elétrico, eletrônico e de comunicação (116) seguido pelas indústrias mecânica (93) e têxtil (70). No que diz respeito à localização dos estabelecimentos 10,56% (90) concentravam-se no distrito do Itaim - indústria mecânica (11), material elétrico (14), química (18) e produtos alimentares (10) - (que engloba os bairros do Itaim, Vila Olímpia, Vila Funchal) e 5,8% no distrito de Pinheiros 50 (dentre elas 11 químicas, 6 materiais elétrico e 5 têxteis). O adensamento urbano, as transformações no processo produtivo bem como suas implicações na vida cotidiana vêm colocando novas necessidades e exigências no setor de serviços e 75 Wilson Cano & Ulysses Semeghini. "Diagnóstico do setor serviços" in: SEADE, São Paulo no limiar do século XXI, diagnósticos setoriais da economia Paulista. São Paulo, Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Planejamento e Gestão, Fundação SEADE, 1992, p Base de dados para planejamento, 1999 mimeo., Senai - Serviço nacional de aprendizagem industrial - caderno 1995.

75 75 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s também exigindo sua acelerada modernização, onde a metrópole assume a posição de centralização, não mais do setor produtivo, mas dos de administração e financeiro. Se de um lado os trabalhos sobre o comportamento do setor industrial metropolitano vêm apontando um decréscimo de sua participação no PIB em decorrência do desenvolvimento da indústria em outras regiões do Brasil, o setor de serviços vem crescendo de forma substancial. Por sua vez, se o Estado de São Paulo vem perdendo seu peso no PIB nacional; (em 1970 sua participação era de 58,2% e em 1989 caia para 50,4 %) 77, ainda é significativa a participação da metrópole no conjunto do território nacional; em 1993 o PIB metropolitano era quase metade daquele produzido no Estado de São Paulo, e um sexto do gerado no país. 78 Em síntese, as alterações na composição do PIB setorial paulista nos anos 80 manifestam a inversão da tendência em curso na década anterior: representam novo aumento no peso do setor terciário em detrimento do predomínio dos setores industrial e agropecuário. Se em 1980 o setor terciário responsabilizara-se por 47 % do PIB paulista (contra 49% do setor secundário), em 1987 essa proporção ascendera a 58% (contra 39% do secundário). Em nível nacional, a ponderação do terciário de São Paulo sobre o total, também aumentou, passando de 34,2% em 1980 para 37,8% em 1988, tendência que ganha relevo quando se constata que, no produto global, tanto quanto nos setores primário e secundário, observou-se perda da posição relativa do estado. Convém lembrar que o conteúdo do setor terciário que se desenvolve é o financeiro e de serviços sofisticados e com ele uma série de outras atividades de apoio como aqueles de informática, serviços de telecomunicações. A expansão verificada no terciário metropolitano deve ser entendida em três níveis distintos: de um lado, a expansão e diversificação do terciário que decorreu do considerável crescimento e diversificação da base industrial, cujo aprofundamento requer também criação e especialização de uma considerável gama de serviços auxiliares a produção. Por outro lado, essa expansão incorpora também uma grande massa de trabalhadores, dentre os quais grande parte é ligada as ocupações mais qualificadas, demandantes, portanto, de importantes serviços pessoais. Em terceiro lugar, e não menos importante, o fato dessa aglomeração urbana converter-se na primeira metrópole nacional faz com que a mesma desenvolva e centralize uma gama de serviços mais especializados e com alto grau de sofisticação 79. A isso se associa o fato de que, a metrópole de São Paulo assume papel de maior centro cultural e artístico do país, o que pode ser constado pelo desenvolvimento da indústria cultural; hotelaria e de lazer. Os dados do SEADE sobre a distribuição relativa da população economicamente ativa no setor terciário indicam uma transformação significativa, que pode ser lida através das rubricas 80 acima consideradas, pois estas podem nos revelar o conteúdo destas atividades. O que há de 77 SEADE, op.cit. p e EMPLASA Por dentro da Grande São Paulo. São Paulo, Governo do Estado de São Paulo., 1993 p Wilson Cano, Ulisses Semeghini e Alda Araújo, Análise regional do setor de serviços no Estado de São Paulo. SEADE vol. III, p É assim que os Serviços Distributivos significam: comércio e armazenagem, transporte e comunicações; Serviços produtivos se refere a serviços técnicos, de crédito, capitalização, comércio de valores, e administração, e comércio de imóveis; serviços pessoais englobam: hotelaria, alojamento, e higiene pessoal, confecção e conservação de vestuário, recuperação e conservação de aparelhos e veículos, manutenção e conservação de edifícios, outros serviços pessoais e esportes, cultura, diversão rádio e TV. Já os serviços sociais englobam serviços comunitários e sociais, saúde pública e particular, previdência, ensino público e particular e administração pública. Restaria a rubrica Outros que engloba: segurança pública, defesa nacional, e outras ocupações.

76 76 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole significativo é que estes dados apontam para a diminuição radical das atividades ligadas ao comércio, armazenagem e distribuição como decorrência da diminuição das atividades de produção na metrópole, portanto uma inversão da tendência, o que aponta para o desenvolvimento da atividade de serviços de uma outra qualidade voltada para uma outra gama de atividades que o setor tradicional. Assim, processo de transformação da metrópole paulista não se reduz, apenas, ao deslocamento dos estabelecimentos industriais para outras regiões do Estado, o que criou, de forma inadvertida, a ideia de que se processava em São Paulo a descentralização da indústria ao invés de sua desconcentração (uma diferença conceituai significativa). Tabela 1: Distribuição relativa da PEA Grande São Paulo Setor distributivo 42,1 29,5 Serviços produtivos 8 13,3 Serviços pessoais 14,6 19,4 Serviços sociais 13,8 16 Empr. Dom 13,3 13,7 Outros 8,2 8,1 Total 100% Fonte: SEADE, Análise Regional do setor de serviços no estado de São Paulo. (Volume III, p. 209). Há um movimento incontestável de deslocamento dos estabelecimentos industriais em direção a outras regiões do Estado de São Paulo e, mesmo para outros municípios da região metropolitana, sem, contudo, esvaziar a metrópole e sua importância como polo fundamental, no território nacional, de centralização do capital e da sua gestão, comprovado pela concentração dos escritórios administrativos das empresas surgida pela concentração do setor financeiro e do setor de serviços. Assistimos a uma significativa transformação do setor produtivo exigindo uma nova configuração espacial para atender às necessidades impostas pelo desenvolvimento destas novas atividades. Isto porque o adensamento da área construída, nas áreas centrais da metrópole, leva o capital a migrar de uma região a outra da metrópole em busca de terrenos passíveis de serem incorporados com lucro. Como há um deslocamento espacial da indústria, assiste-se a uma transformação no uso dos galpões industriais cede lugar aos empreendimentos imobiliários visando outros usos e altos lucros. Podemos citar, como exemplo, a obra da Encol na Chácara Santo Antônio onde foram erguidos prédios residenciais no terreno da antiga fábrica da Pial Legrand - que se mudou para a Marginal do Rio Pinheiros. Nas regiões tradicionais de indústria em São Paulo observamos, por exemplo, que na Mooca a indústria Piagentini cedeu espaço para a construção de dois edifícios residenciais; na Vila Mariana o Multishopping tomou o lugar da indústria AVISA; na Lapa o Centro Cultural - SESC Pompéia - funciona nas antigas estruturas de um antigo galpão industrial - renovadas com o projeto de Lina Bo Bardi; no Ipiranga vilas operárias são destruídas para a

77 77 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s construção de torres de escritórios e residências. Na Água Branca, a famosa região das indústrias Matarazzo, as antigas chaminés despontam solitárias num amplo e vazio terreno preparado para receber novos usos, isto é, a exemplo do que se fez em Pinheiros Vila Olímpia e Itaim com a Operação Faria Lima; está em debate para esta área a Operação Urbana Água Branca, um projeto que inclui um mini pacote de obras viárias (avaliado em 21,2 milhões de reais), a mudança de zoneamento onde a construtora Ricci Engenharia pretende construir 13 edifícios comerciais, uma avenida paralela à Avenida Francisco Matarazzo e uma passagem subterrânea para liga-la à Avenida Santa Marina, na zona oeste como contrapartida da mudança de zoneamento, numa parceria entre os poderes público e privado. Indústrias importantes permanecem na metrópole; a localização destes estabelecimentos pode ser detectada a partir do mercado de compra e locação de galpões industriais que mostra, claramente, que as vias de comunicação - as estradas que saem de São Paulo, continuam apresentando uma localização privilegiada. No caso do espaço intra-urbano, o mercado imobiliário aponta, para os anos 90, como alternativa os amplos terrenos localizados na Marginal do Rio Pinheiros, via de fácil e rápido acesso capaz de acelerar o escoamento de mercadorias; são extensas áreas providas de infraestrutura onde se localizam importantes indústrias, muitas delas multinacionais como a Avon, Amway, Semp Toshiba, Rhodia, Stanley Home, Walita, Plavinil, Pial Legrand, Alfa Lavai, dentre outras. Não é sem motivo que esta área também vem se transformando num polo de escritórios de grandes empresas industriais como veremos adiante. Na esteira desse processo, produz-se uma nova hierarquização dos lugares em função do papel que as novas áreas vão ocupar na divisão espacial do trabalho. Assim, São Paulo vai apresentando as tendências globais que apontam para o deslocamento das indústrias e o crescimento do setor de serviços em seu lugar com acelerado grau de modernização. A transformação na metrópole pode ser constatada, como já afirmei, no plano da morfologia. Aqui vamos nos referir ao plano do espaço construído; e nesse ponto, especificamente, à ampliação da área construída na metrópole de São Paulo delineia a tendência que apontamos acima em relação as mudanças no uso do solo. O processo de construção/adensamento e ou crescimento na extensão área urbana construída da cidade é muito rápido no período 80/90 - período em que a área construída cresceu em m 2, o equivalente a 10,6% da área total. 81 O processo de urbanização prossegue na região metropolitana, unindo amplos espaços que somavam aproximadamente km 2, algo em torno de quarteirões - um aumento de 327 km 2 na mancha urbana nos últimos 10 anos e com uma população que atinge a cifra de 16 milhões (desta, 61%, 9,8 milhões mora na capital) No que se refere a área do município de São Paulo, pode-se notar duas tendências; uma que diz respeito ao processo e adensamento que se realiza através do processo de verticalização, seja para uso residencial ou de escritórios (o que ocorre fundamentalmente na região sudoeste) e o adensamento através do aumento da área construída principalmente nas regiões leste e sul. Um comportamento chama atenção, por sua magnitude, nesse processo de crescimento urbano revelando diretamente as mudanças nas atividades econômicas na metrópole; o crescimento do número de edifícios de escritórios. Para o conjunto da 81 SEMPLA, DEPLANO, TPCL, 1980 e EMPLASA. Por dentro da Grande São Paulo, op.cit. 83 Segundo dados publicados pela SEMPLA no Diário Oficial do Município de São Paulo, 24 de dezembro de 1992.

78 78 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole cidade a área construída não-residencial aponta um aumento percentual quase equivalente ao aumento da área residencial, isto é, no período 80/90 a área construída residencial aumentou de m 2 para m 2 enquanto a área destinada a construção não-residencial passou de m 2 para m 210, assim, enquanto a área residencial construída apresentava um aumento de 36,11% a área não-residencial crescia 35,3 % no mesmo período. No contexto do município a região sudoeste teve um comportamento mais nítido de mudança de uso através da acentuação de seu processo de verticalização, a qual, juntamente com a região sul, apresentou 50% da área verticalizada construída da década de 80. O maior acréscimo de área construída da década o equivalente a 17% do total construído na cidade, ocorreu na região oeste, seguida pela região sul com 10,5 % do total. Se analisarmos apenas a área construída nãoresidencial atestamos o seguinte comportamento: em 1980 a região sudoeste era responsável por 9,10 % da área total destinada ao uso não residencial construída em São Paulo aparecendo em 4 o lugar, depois do centro da cidade, que concentrava 24,56%, da região Leste com 15,84%, e do sudeste com 10,37%. Em 1990 o sudoeste apresenta o terceiro volume de área construída destinada ao uso nãoresidencial. A tendência para a localização dessa atividade, nesta área, se delineia como decorrência da inexistência, no centro da cidade, de áreas com possibilidade de construção para este fim, em função da escassez de terrenos incorporáveis. Apesar da região central da cidade ser a área onde a concentração do uso não-residencial é a mais expressiva na cidade, há uma tendência nítida de declínio de sua participação no conjunto da cidade no que se refere a produção de prédios de escritórios com moderna tecnologia como demanda o mercado. É assim que sua participação no conjunto da cidade passa de 24 % para 21,44%, o leste diminui a participação de 15,84% para 14,22%; enquanto o sudoeste aumenta sua participação para 10,60 % - a única região que apresenta uma taxa ascendente para este tipo de uso. A área construída de uso não residencial que era de m 2 soma m 2 em um aumento percentual significativo de 55,62%, (principalmente, escritórios de serviços e shopping centers. 84 ), consolidando uma nova função da região no contexto da cidade de São Paulo. Mas o processo de verticalização também inclui o setor residencial com uma área construída de m 2 em 1990 enquanto em 1980, esta área era de um acréscimo de 24,53 %, enquanto que a área de construção residencial horizontal, diminui em 3%, apontando para um processo de adensamento do solo urbano pela diminuição da área de ocupação horizontal. Esse dado é ainda mais significativo quando observamos que o sudoeste engloba apenas 5,15% da área do município de São Paulo enquanto o leste tem 10,53 % e o sudeste 6,61%. O que se constata na metrópole é que o uso do solo urbano é profundamente desigual diferenciado por áreas; enquanto na zona leste, o crescimento da área construída se refere, preponderantemente, ao aumento da área residencial horizontal, (o maior volume da cidade), as regiões sul e sudoeste apresentam um aumento significativo da área destinada ao uso nãoresidencial, que se consolida nos anos 90. No período 86/90 85 o maior número de lançamentos de 84 Os dados se referem ao acréscimo da área construída. 85 Segundo dados da EMBRAESP publicados no Diário Oficial do Município de São Paulo de 24 de dezembro de 1992.

79 79 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s prédios comerciais e de serviços se encontra nos seguintes bairros por ordem de importância: Vila Olímpia, Itaim, Brooklin, Moema e Higienópolis - os quatro primeiros localizados na região sudoeste, que concentra 73% da área construída para esse tipo de uso. No período a Vila Olímpia reúne sozinha, 50% dos lançamentos de edifícios de escritórios. É, no entanto, na década de 90 que o processo se consolida (reforçado pela realização da OUFL) recriando uma área importante para o investimento, tanto imobiliário, quanto do setor financeiro, já que os novos edifícios destinados ao setor de escritórios; são construídos como investimento, usando o setor de locação dos imóveis (como veremos adiante). Para o primeiro quinquênio da década de 90 os bairros de Pinheiros, Itaim, Vila Olímpia e Vila Funchal - todos envolvidos pela Operação Urbana Faria Lima - apresentavam um aumento significativo do processo de adensamento da área construída como decorrência do processo de verticalização e uma mudança significativa quanto ao uso do solo com construções de edifícios destinados ao setor de comércio e serviços em maior número que aqueles voltados para o uso residencial. Os Dados da EMBRAESP, 86 referentes ao ranking de construção para os anos 96 e 97 apontam a consolidação da tendência esboçada nos anos 86/90 qual seja, os bairros aonde mais ocorreram lançamentos de imóveis não-residenciais destinados à escritórios foram o Itaim, e os Jardins (com 5 edifícios construídos em cada um) seguidos pelos bairros de Vila Olímpia, Paraíso e Pinheiros com 4 edifícios cada. No ano de 1997, a Vila Olímpia aparece em primeiro lugar com 7 edifícios construídos seguido pelos bairros do Itaim e do Morumbi com 4 edifícios cada um. Para o conjunto da cidade 87 (aqui a coleta de dados se refere ao município de São Paulo) os anos 90 apresentam um crescimento significativo do número de lançamentos de edifícios comerciais verticais atestando as mudanças de função metropolitana. Em 1990 são 10 os lançamentos; em 1992, já são 16, em 1993 sobem para 18, em 1994 são lançados 26 edifícios, em 1995 esse número sobe para 32, em 1996 são 47 edifícios lançados e em 1997 chega a 57 o número de lançamentos de edifícios comerciais; representando neste período um aumento de 356%. O movimento de localização dos escritórios segue, de certa maneira, o deslocamento da indústria: esta vai liberando áreas que são ocupadas por outras atividades, como vimos acima. Esse é o caso específico dos bairros da Vila Olímpia/Vila Funchal 88 principalmente na área de contato com a várzea do rio Pinheiros (paralela à Avenida semi-expressa Nações Unidas que corre paralela as pistas expressas da marginal do Rio Pinheiros), local onde se localizava um conjunto de indústrias que foram cedendo espaços para outras atividades. Também se observa na paisagem que alguns galpões deixaram de alojar a atividade industrial e passam a abrigar bares, casas noturnas, 86 Publicado no Informativo Imobiliário EMBRAESP - Relatório Anual Aqui a coleta de dados se refere ao município de São Paulo. 88 Os dados coletados apresentam agrupamentos diferenciados segundo a fonte. A Bolsa de Imóveis e a EMBRAESP consideram a Vila Olímpia juntamente com a Vila Funchal formando uma única região. A SEMPLA em alguns momentos apresenta os dois bairros unidos e em outros momentos os traz como área do subdistrito do Itaim. Em nossa pesquisa de campo os dados foram agrupados em três áreas: Pinheiros, Itaim e Vila Olímpia-Vila Funchal, posto que têm a mesma história de ocupação e estão sofrendo o mesmo processo de forma articulada e complementar - com o mesmo padrão urbano e com as mesmas modificações. Na fase final da pesquisa de campo os bairros da Vila Olímpia e Vila Funchal foram separados para detectar as mudanças de uso. Enquanto a Vila Funchal se transforma num paliteiro de prédios de escritórios a Vila Olímpia tem seu uso modificado sem a demolição das casas - impedido pela lei de zoneamento.

80 80 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole choperias, escritórios, lojas de automóveis importados, em meio aos quais se estabelecem como uma dezena de pequenos restaurantes que servem comidas por quilo e todo tipo de novos serviços (copiadoras, revelação de fotos, lavanderia, etc. Nesse processo muitas casas vão sendo demolidas para dar lugar aos altos prédios de escritórios. Com isso vai se reestruturando toda a área, isto porque a mudança da atividade econômica, ao se transformar, transforma seu entorno como decorrência das mudanças nos usos do espaço e da função desta área na metrópole. Configura-se assim, em São Paulo, áreas que vão se consolidando ou surgindo como novos focos de instalação de prédios de escritórios modernos com novo padrão arquitetônico e de construção, apresentando novos serviços baseados numa nova tecnologia de última geração tanto no que se refere ao processo construtivo tanto no que se refere, depois de pronto, às atividades de gerenciamento e administração dos edifícios. O movimento de construção dos edifícios de escritórios para o sudoeste se refere à possibilidade de se encontrar nessa área terrenos incorporáveis visto tratar- se de uma área de ocupação urbana de baixa densidade, (pouco edificada e com ocupação horizontal de uso residencial) ou ocupada por galpões industriais, portanto, trata-se ou de terrenos amplos passíveis de abrigar a construção de prédios ou de pequenas casas com possibilidade de remembramento dos terrenos, com baixo custo de demolição e preços baixos do m 2 se comparados com as áreas já consolidadas. Na realidade é uma área que ainda conserva uma ocupação industrial importante com a presença de galpões utilizados tanto para fins de armazenagem como para uso produtivo. Essas transformações são acompanhas por estratégias imobiliárias bem precisas de modo a direcionar os investimentos no espaço num momento em que, segundo os analistas, no Brasil o imóvel deixa de ser hedge 89, para virar investimento. Significa dizer que há o setor financeiro que opera na construção de edifícios de escritórios - enquanto negócio, visando seu valor de troca - em seguida aluga-o, o que vem proporcionando alto retorno. Já os empresários preferem alugar um imóvel a imobilizar seu capital, o que muda o perfil do mercado refletindo-se nos preços. Isto é, enquanto o preço do m 2 útil para a venda apresenta uma curva descendente, aumenta o preço do aluguel do m 2 útil, o que tem atraído investidores para o mercado imobiliário influenciando o comportamento do mercado locativo de imóveis com a construção para locação de edifícios comerciais. Essa tendência de migração dos escritórios do centro histórico da cidade vem consolidando a região da Avenida Luís Carlos Berrini como a área que mais cresceu nas décadas de 80 e 90, concentrando o maior volume de investimento na construção civil e com isso atraindo grandes e novos projetos. A contiguidade da área de concentração dos edifícios de escritórios - potencializada pela realização da Operação Urbana Faria Lima - constitui o que chamamos de eixo empresarial - comercial da metrópole, que pode ser visualizado na carta n 1. A localização dos escritórios em São Paulo se acha altamente concentrada, hoje, em 9 regiões, que compõem o eixo empresarial, onde se fixam aproximadamente 90% de todos os escritórios instalados em São Paulo. São áreas novas como Vila Olímpia, Itaim, Verbo Divino, 89 Com a estabilização o imóvel perde o papel de hedge para os compradores e, por isso, começa a haver uma tendência de demanda por espaço de locação. Aí entra o investidor de longo prazo". Cf. Boletim da Bolsa de Imóveis de São Paulo: Boletim Data Bolsa n 20, São Paulo, 1998 (entrevista com Hermàn Martinez).

81 81 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Marginal, Berrini, e tradicionais como o Centro da cidade e região da Avenida Paulista. Como podemos observar no Mapa 5 a seguir, trata-se de uma área contígua que se desenvolve a partir do centro de São Paulo em direção a sudoeste. Em função da escassez de áreas edificáveis nas áreas tradicionais já verticalizadas, essa atividade vem migrando, nas últimas décadas, para novas áreas que vão se diferenciando da antiga por uma ocupação de alto padrão com empreendimentos multifuncionais apoiados, cada vez mais, numa tecnologia de última geração voltada para clientes diferenciados. Os dados coletados pela Bolsa de Imóveis de São Paulo para as nove regiões acima especificadas, nos permitem entender a distribuição das atividades ligadas ao setor comercial e de serviços verticalizados, a partir de seu estoque, isto é, do montante da área construída para esse fim (exceção feita ao centro da cidade). A tabela abaixo demonstra o movimento da instalação dos edifícios de escritórios tanto espacial (em regiões delimitadas com tendência de reversão da importância das antigas áreas) quanto temporal (o grande acréscimo de áreas construídas para uso de escritórios se dá de forma significativa na última década, revelando uma tendência na transformação das atividades econômicas em São Paulo).

82 Mapa 5 - Bolsa de Imóveis do Estado de São Paulo - desenvolvimento Imobiliário. Fonte: Bolsa de Imóveis do Estado de São Paulo, 1995 by Sírio J. B. Cançado. 82 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole

83 83 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Tabela 2 - Área construída de edifícios para serviços e comércio Ano Bairro Paulista Vila Olímpia Jardins Berrini Faria Lima Verbo Divino Itaim Marginal Fonte: Bolsa de Imóveis de São Paulo. Se compararmos a área construída - para cada uma das regiões no período - podemos inicialmente concluir que, no ano de 1990 na região da Paulista localizavam-se 39,96 % de toda a área construída referente ao uso de escritórios em São Paulo (soma das 8 regiões). Já em 1996 o percentual decresce para 33,3%. A região da Faria Lima 90 e a região da Marginal do Rio Pinheiros também apresentam o mesmo comportamento, passando, respectivamente, de 10,6% para 9,2%, e de 11,2 % para 10,9%. A Paulista é a região que apresenta a maior queda e os Jardins a menor queda (de 8,8 para 8,7%). Já as demais áreas apresentam tendência inversa, no período, apontando uma nova direção na localização dos escritórios verticais em São Paulo como decorrência direta do fenômeno da raridade do espaço nas áreas tradicionais. É neste contexto que o bairro da Vila Olímpia aparece como uma nova opção para a instalação dos escritórios, passando no período de 4,5 para 7,5%, apresentando o maior crescimento da área edificável, para este uso, passando de m 2 em 1991 para m 2 úteis em 1996 com um aumento de mais de 100% 91 ; como decorrência direta da abertura da Nova Faria Lima. A região da Avenida Luís Carlos Berrini aumenta sua participação passando de 8% para 11,9 %; a região da Verbo Divino tem seu percentual aumentado de 7,4% para 7,7% e o bairro do Itaim de 9,3 p/10,5%. Evidentemente a região da Avenida Paulista continua mantendo primazia na concentração dos escritórios em São Paulo. No entanto, é inegável a escassez de áreas incorporáveis com preços compatíveis; (nas áreas ainda remanescentes, o preço do m 2 de solo urbano é muito elevado inviabilizando a construção dos edifícios de escritórios, numa fase altamente competitiva do 90 Esta área se refere ao traçado da avenida Brigadeiro Faria Lima antiga (os primeiros 1900m construídos início dos anos 70). 91 O Boletim Data Bolsa n 2 (São Paulo, maio de 1995) traz um gráfico sobre evolução dos estoques nas 9 regiões. No período de 91 a 96 (este último projetado) Itaim, Vila Olímpia e Berrini são os que mais cresceram; estima-se que: da produção total de escritórios em 1996 a Olímpia apresenta 40,8% do estoque de m 2 úteis, Berrini, 22 %, Itaim 19,7%, Verbo Divino11,7% e Paulista 5,6%; as outras áreas - Jardins, Marginal e Faria Lima - apresentam 0 %.

84 84 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole mercado). Deste modo, as tendências do setor de investimento da economia vem consolidando uma área restrita para a localização dos escritórios em São Paulo, apontando para uma mancha que vai do centro da cidade em direção a Marginal do rio Pinheiros e daí se expandindo em direção sudoeste até Avenida Guarapiranga numa faixa estreita e contínua, apontando uma tendência de valorização das áreas decorrente do movimento de transformação no uso, enquanto expansão da nova atividade que tende a se tornar, predominante, na metrópole (e que pode ser lida através do comportamento da indústria da construção civil voltada à construção dos escritórios verticais). Assim se consolida em São Paulo uma das tendências da economia mundial implicando, necessariamente, numa transformação nas áreas onde se estabelecem, direcionando os investimentos e atuando de forma inexorável na transformação da morfologia da metrópole tanto no traçado das ruas, na altura dos edifícios, quanto na arquitetura arrojada, que se implanta enquanto padrão homogêneo onde o concreto e vidro produzem uma nova imagem para o moderno. Todavia esta transformação que consolida o novo eixo empresarial - comercial, não se realiza apenas através do livre jogo do mercado imobiliário e dos investimentos do mercado financeiro. Ela precisa, para se constituir, do Estado que através de mecanismos e estratégias de gestão, direciona o processo de produção espacial. É com seu poder que define leis de normatização/disciplinamento dos usos, criando funções que modificam os lugares da cidade; isto porque o desenvolvimento do processo de produção se depara, aqui, com uma contradição do espaço: aquela que produz o espaço como nova raridade ; onde os interesses do capital se deparam com a propriedade privada do solo urbano impedindo a expansão da atividade econômica. A escassez dos espaços disponíveis na metrópole paulista obriga as empresas a optarem por novas localizações dentro da metrópole gerando um movimento espacial onde o processo de reprodução espacial gera novas centralidades. No caso específico estamos diante de um processo em que as transformações no processo produtivo, ligadas às novas formas de acumulação do capital, ocorrem com uma tendência de deslocamento das atividades no espaço. Esta região de expansão da atividade de serviços modernos vai se constituindo num polo de atração de investimentos imobiliários capaz de sediar as novas funções que se desenvolvem, hoje, onde o tratamento arquitetônico dos edifícios atrai uma ocupação diferenciada de alto padrão como decorrência da aplicação de novas tecnologias. Na esteira dos grandes investimentos públicos dirigidos para esta área da cidade muitos são megaprojetos imobiliários tocados pela iniciativa privada, que chegam a combinar em um só empreendimento edifícios de escritório de alto padrão, shopping center, hotéis / centro de convenções e garagens subterrâneas, caso do World Trade Center (que engloba o shopping de Decoração D&D, o Hotel Meliá e torres de escritórios). A consolidação dessa nova tendência imobiliária assentada nos megaprojetos se expande, principalmente, nas áreas lindeiras à Marginal do Rio Pinheiros - na Avenida Nações Unidas - como uma nova área de expansão da metrópole com a ocupação de amplos terrenos nas mãos da iniciativa privada, posto que aí se encontram terrenos passíveis de serem incorporados com custos mais baixos do que nas áreas consolidadas (para esta atividade). Um dado interessante a ser observado é que já nos finais dos anos 70 se entrevia a

85 85 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s tendência à escassez das áreas passíveis de construções de escritórios em São Paulo, e, dentro desse quadro foi acontecendo a ocupação da região em torno da recém-aberta Avenida Luís Carlos Berrini pela existência de terrenos incorporáveis e baratos onde passaram a ser erguidos edifícios que uniam arquitetura arrojada e acabamento despojado, para um novo tipo de consumidor. Assim um novo padrão arquitetônico, perceptível na paisagem vai revelando novas necessidades do mercado que o setor imobiliário tende a suprir na esteira de um amplo movimento de renovação urbana permitido pelos instrumentos das Operações Urbanas e Operações Interligadas. Para o arquiteto e incorporador Carlos Bratke - os terrenos eram muito baratos e os prédios tinham acabamento simples e estrutura flexível o que os tornava excelente opção para os investidores. A construção dos edifícios de escritórios vai provocar uma transformação significativa, na área, pois atraem outras atividades como agências bancárias, serviços e comércio de apoio que interferem profundamente nos espaços residenciais. O acesso fácil vai criando as condições de estruturação de um polo econômico importante, acentuando ainda mais seu caráter de serviços - uma tendência mundial cujo fundamento é a busca do maior valor agregado pelo capital e pela mão de obra num novo quadro de competitividade 92. Durante os anos 80/90 a região da Avenida Luís Carlos Berrini aparece como a região mais importante de desenvolvimento da nova atividade terciária superior. Mas ocorre que entre esta área, em franco desenvolvimento, e aquela já consolidada pelo polo formado pelo antigo traçado Avenida Faria Lima, o bairro dos Jardins e a região da Paulista havia um obstáculo, os bairros da Vila Olímpia e do Itaim, impedindo o pleno desenvolvimento do eixo empresarial. Nesse sentido, a ligação das Avenidas Brigadeiro Faria Lima e Luís Carlos Berrini se impunha como estrategicamente fundamental, o que criou um movimento de pressão para a realização da Avenida Brigadeiro Faria Lima. Portanto, o que ocorre, hoje, é a consolidação de uma tendência que já se esboçava na década de 70 na região sudoeste e que agora se concretiza com a realização do OUFL, o que permitiu que se colocasse no mercado imobiliário terrenos amplos e baratos, numa região plana, articulada pelo sistema viário construído nas áreas antigas de escritórios, circundada por bairros residenciais e apenas há 10 minutos do aeroporto de Congonhas. A nova atividade econômica que se desenvolve na metrópole alia-se as necessidades da reprodução dos investimentos, é a ideia de que se produz uma mercadoria para o desenvolvimento de uma atividade econômica e ao mesmo tempo para o mercado financeiro enquanto investimento, desenvolvendo o mercado de locação de escritórios através do desenvolvimento da indústria da construção civil. As placas de vende-se e aluga-se tendem a desaparecer rapidamente da porta dos imóveis comerciais 93, pois o edifício tecnologicamente avançado raramente dispõe de unidades vagas; as multinacionais e empresas de ponta disputam as áreas nobres. É o chamado desafio da modernização, como atualização, numa economia competitiva. Para que ela se realize é necessário outro tipo de espaço: diferente do tradicional, circundado por uma rede ampla de circulação viária, terrenos amplos onde a tecnologia aplicada a construção civil, acabará por produzir o prédio inteligente. 92 Boletim Data Bolsa n 1, São Paulo, abril de 1995 (objetivo: ajudar o investidor a identificar as tendências imobiliárias). 93 Op.cit.

86 86 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Tal fato significa que as linhas arquitetônicas e a beleza das fachadas dos edifícios, em si, não bastam (apesar de causar boa impressão o que não deixa de ser um elemento de peso, nesse mundo de aparências) mas outros elementos ganham importância para o negócio: a localização, a planta que precisa ter garagens amplas e, fundamentalmente, uma administração para reduzir custos de gerenciamento do imóvel e permitir o aumento da produtividade -baseada num conhecimento técnico especifico. Assim dentre os quesitos básicos para o desenvolvimento da atividade econômica baseada nos serviços aparece o que se chama - no setor imobiliário - de qualidade do espaço. Isto é, com a crescente necessidade de reduzir custos, as empresas estão cada vez mais preocupadas com a eficiência das áreas que ocupam, onde cada m 2 tem custo significativo. Assim, um edifício bem planejado deve ter flexibilidade para poder ser utilizado por várias atividades sucessivamente, e cada andar deverá acomodar, simultaneamente, vários ambientes; 94 um prédio deve satisfazer uma empresa tanto no presente como em seus desenvolvimentos futuros. 95 A Bolsa de Imóveis de São Paulo apresenta um roteiro, tanto para investidores quanto para empresários, auxiliando-os na escolha de áreas para escritórios, elencando os seguintes atributos como fundamentais na compra ou aluguel de um imóvel de escritório sob a égide de novos requisitos técnicos. O primeiro item se refere a capacidade de gerar energia com baixos preços. Essa necessidade está associada ao uso intensivo de tecnologia que induziu o aumento da demanda por energia elétrica seja o ar condicionado, qualidade e tamanho dos elevadores, seja pelo aumento na transmissão de informação, e o uso da informática. Já os níveis de qualidade ideais ao trabalho exigem, como por exemplo, os dimmers e reatores eletrônicos que compatibilizam as exigências de iluminação com a redução dos custos, bem como controlando as diferenças térmicas entre áreas. Com isso exige-se a manutenção das instalações. O GTC - sistema de controle por intermédio de computadores e softwares específicos - coordena todos os equipamentos do edifício reduzindo os custos de operação do equipamento facilitando sua manutenção, e com isto, reduzindo os custos do condomínio 96. A segurança aparece como grande exigência, tanto a segurança contra incêndio - (equipamentos como os sprinklers inteligentes), bem como o controle no acesso das pessoas aos prédios com um aparato, terceirizado de alto controle, com sofisticadas portarias munidas de computadores e monitores de vigilância controlando todos os andares. 97 Outro quesito diz respeito às necessidades impostas pelas telecomunicações, antenas parabólicas, pré-cablagem, linhas digitais, TV a cabo, etc. A construção dos edifícios com nova tecnologia permite a quantificação mais racional dos dutos verticais (que flexibilizam a passagem de cabeamento entre andares) e horizontalmente com a construção do piso elevado que oferece maior flexibilidade no caso de mudanças de layout). A atividade exige, ainda, complementação de outros serviços como a infraestrutura adicional como depósitos no subsolo, auditórios bem equipados, áreas para centro de convenções e até restaurantes e estacionamentos - com boa proporção de vagas em relação ao 94 Isto é, um andar bem dimensionado diminuirá a circulação na área de carpete, evitando áreas desperdiçadas. 95 Op.cit. 96 Os serviços controlados são: ar, energia elétrica, hidráulica, segurança contra incêndio, controle de acessos, sonorização ambiental etc. 97 O controle geralmente é feito pelo cartão magnético que controla a entrada e saída das pessoas através de circuito interno de TV e sensores de impacto / contato nos vidros.

87 87 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s volume do m 2 útil, inclusive, com a facilidade de entrada de caminhões. E finalmente o acabamento, pois reflete a imagem do edifício e seus ocupantes. Portanto estamos diante de uma crescente exigência não solicitada no passado e que vinculadas às preocupações com a produtividade nos escritórios, o que explica o surgimento de novos setores de serviços, na metrópole com o objetivo de prover o setor globalizado da economia. Esse comportamento aponta para o fato de que está em curso uma revolução nos serviços oferecidos; a preferência por escritórios de qualidade aponta para a busca de escritórios tecnologicamente, mais avançados, com equipamentos de última geração (além da garantia de atualização tecnológica permanente e sem custos de infraestrutura com exceção dos serviços fornecidos) 98, feitos a partir de processos construtivos com alta tecnologia, com o objetivo de barateamento da construção, como por exemplo, o uso de fachadas totalmente industrializadas que seguem prontas para o canteiro de obras, em peças que são apenas montadas; onde o drywall substituiu a alvenaria convencional. A nova tecnologia desenvolvida com o objetivo de substanciais reduções nos custos tratam o imóvel como uma indústria e o gerenciamento do edifício como tema central. A administração dos edifícios de escritórios, são feitos por empresas especializadas que substituem a figura do zelador por aquela do gerente altamente qualificado, transformado quase, num executivo. O gerenciamento profissional é muito importante porque esse tipo de prédio exigiu altos investimentos e é preciso preservar o capital aplicado. O gerenciamento eleva o padrão de funcionamento do edifício, impede sua deterioração e valoriza ainda mais o imóvel. O gerenciamento é a saída mais moderna e mais funcional para a manutenção de edificações industriais, comerciais ou de serviços, como shoppings centers. (...) a exigência de custos baixos justifica ainda mais a contratação de uma empresa que domina tecnologia de administração profissional (...). Algumas posições chaves ou estratégicas de gestão precisam ser indicadas pelo administrador como, por exemplo, o gerente de condomínio (...) os supervisores de segurança e de manutenção são peças importantes na busca de excelência de gerenciamento e também devem ser contratados pela administradora. Os demais serviços 99 podem ser terceirizados, desde que bem administrados ou com contratos de performance. 100 Esses novos quesitos impõem a necessidade de construção de novos edifícios, antes do que a reforma dos antigos nas áreas tradicionais deste tipo de ocupação (que associada à existência da propriedade privada do solo urbano explicitam o fenômeno da raridade) portanto, a esse cenário produtivo corresponde um novo padrão construtivo. Logo, novas áreas para instalação destes edifícios. Desde 1985 as transformações espaciais relacionadas ao uso do solo urbano voltado à construção de escritórios vai se consolidando através da construção de novos edifícios em novas áreas - e é evidente que as novas regiões vão ganhando novo perfil condicionadas por um novo padrão. É assim que ocorre 101 o processo de ocupação da região da Marginal do Rio Pinheiros principalmente com a instalação de sedes de empresas que ocupam mais de 50% da área ocupada 98 Boletim Data Bolsa n 21, São Paulo, Os itens principais são: limpeza, segurança, mão de obra, contratos de manutenção e consumo de energia. 100 Entrevista de Eric Scaff, diretor executivo da Compass Birmann Asset Services para Boletim Data Bolsa n 19, São Paulo, dezembro de Segundo dados de Richard Ellis. O Estado São Paulo, 11/04/93

88 88 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole por escritórios na Marginal 102. Aqui se encontram os escritórios de primeira linha com ar condicionado central, grandes áreas úteis por andar, livres de pilares que facilitam a ocupação do prédio e dão maior flexibilidade ao layout das empresas, estacionamentos, sistema de supervisão predial, hidrantes e portas corta fogo. Também se encontram escritórios com lajes em tomo de 1.000m 2 úteis confirmando a tendência do deslocamento para a Marginal de empresas que necessitam de amplas áreas, o que requer ocupação de terrenos grandes, preços mais baixos e fácil acesso a outros bairros. Os edifícios contemplando todas as características acima elencadas compõem o que se chama, no mercado imobiliário, de segmento AA, cuja demanda, em São Paulo, é ainda, no momento, superior à oferta e é onde se localizam os investimentos altamente lucrativos que apresentam o maior retorno de investimento. Segundo a Bolsa de Imóveis os valores iniciais de locação de escritórios de padrão AA são os que mais têm aumentado no mercado paulistano - só entre junho de 95 e março de 98, cresceram 198%. A valorização pode também ser atribuída a falta de equilíbrio entre oferta e procura; há apenas 24 edifícios deste padrão (AA) em São Paulo, insuficientes para atender as multinacionais - essas empresas quando chegam no Brasil querem o mesmo padrão dos EUA ou Europa. 103 É evidente que nesse quadro algumas regiões tiveram especial destaque como aquelas da Berrini, e dos bairros do Itaim e Vila Olímpia. Na Berrini encontram- se em agosto de 1997, m 2 de área construída de escritórios, abrigando edifícios de alta qualidade; em segundo lugar vem o Itaim - com predominância de salas para profissionais liberais. Na Vila Olímpia o segmento de escritórios expandiu-se com um crescimento de 26% de área construída ( a Vila Olímpia começou a beneficiar-se com a Operação Urbana Faria Lima, os investimentos em infraestrutura estão se ampliando e o acesso à região tornou-se fácil 104 ). O que se observa é que a abertura da Nova Faria Lima se consolida com a ocupação dos espaços liberados pela Operação Urbana com empreendimentos de alto padrão. Um ano depois de inaugurado o novo trecho da Avenida Faria Lima, o mercado imobiliário viveu um boom de investimento na região que chegou a 125 milhões de reais somente em lançamentos recentes. Vários terrenos vagos, na avenida começam a dar lugar a empreendimentos imobiliários de grande porte, principalmente na parte nova entre as avenidas Cidade Jardim e Hélio Pelegrino... é um bom negócio construir ali, diz Paulo Kauffman. 105 Outras características podem ser notadas na região sudoeste, por exemplo a nova tendência no mercado de escritórios do pool de locação sistema de administração comum para unidades alugadas. Os escritórios com pool de locação oferecem serviços como secretária bilíngue, Office boy, serviço de recado e agendamento, fax, etc. 106 Outro segmento é o de escritórios temporários que servem executivos que vem de outras cidades para tratar de negócios, ao lado das construções de edifícios de escritórios. Outra mudança significativa é a presença da atividade hoteleira na região. 102 Entre os anos 70/90 se instalaram, por exemplo, Bayer, ICI, Hoestht, Ciba Geigy, Atlantis / Kodak / IBM/ Shell. Em segundo lugar vem o setor financeiro representado pelo Deutsche Bank, Banco do Brasil, Chase Manhattan, Multiplic, Banco Varig etc. 103 Boletim Data Bolsa n 19, São Paulo, Op.cit. 105 "Mega Investimento na Faria Lima". Folha de São Paulo, 24 de agosto de 19\7)7, 7 o caderno, p Cf. Boletim Data Bolsa n 17, São Paulo, agosto de 1997.

89 89 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Em 1995, a Bolsa de Imóveis estimava que a hotelaria cresceria 200% na região da Berrini. 107 Hoje os principais hotéis da cidade se localizam na região da Avenida Paulista e na região dos Jardins além do Centro da cidade, enquanto a região da Avenida Luís Carlos Berrini concentra apenas 7%, de todos os hotéis de São Paulo, mas apresenta segundo analistas do mercado imobiliário atributos para o desenvolvimento acelerado desta atividade desbancando as áreas tradicionais com sua ocupação diversificada, e com vários edifícios de escritórios, a concentração de shoppings centers (D&D, Morumbi, SP Market Place, e a 15 minutos do Iguatemi, Eldorado e Ibirapuera); além de imóveis residenciais e comerciais. A combinação de todos esses fatores está atraindo para a região redes internacionais interessadas em administrar hotéis de primeira categoria (hoje a diária é em média 6% mais alta que no resto da cidade) e seus usuários podem ser enquadrados em três grupos: a) participantes de congressos, seminários, palestras; b)funcionários de empresas que vem a São Paulo a negócios e cujos escritórios estão na região da Berrini ou proximidades c) pessoas que moram em cidades menores e veem à capital fazer compras ou em busca de Lazer. Os dois primeiros grupos se hospedam durante a semana (com ocupação de 100%) os do terceiro grupo nos finais de semana, um comportamento que se observa nas grandes cidades do mundo. O segmento de hotelaria é uma opção de investimento com retorno maior que aquele de escritórios 108, e a expectativa do mercado é que a procura por hotéis deve crescer na mesma proporção do aumento da área construída de escritórios 109 O comportamento do mercado imobiliário voltado ao setor de escritórios e hotelaria revela dois fatores: a) grande parte do interesse de investidores e ocupantes centra- se na Marginal de Pinheiros onde se encontram as possibilidades reais de valorização a médio prazo. São áreas que apresentam maior alta nos valores praticados pois conjugam a existência de terrenos disponíveis para incorporações a preços competitivos com locais onde estão surgindo os projetos mais modernos e que melhor atendem as expectativas da economia atual se comparadas às áreas centrais que indicam relativa decadência (em função do tipo de instalação). 110 Em segundo lugar o mercado de escritórios mostrou uma das mudanças mais importantes de sua história, segundo analistas da Bolsa de Imóveis a estabilização da economia alterou radicalmente os investimentos no setor. 111 Pequenos investidores voltaram a aplicar em imóveis.- onde a remuneração real ultrapassa a caderneta de poupança. Após o Plano real a construção de escritórios no mercado evolui significativamente com um crescimento de m 2 no 1 o ano (uma média 40% superior a média dos últimos 4 anos) e em 1996 as edificações aumentaram m 2 Deste modo, a consolidação do uso empresarial-comercial na metrópole aponta os limites e as possibilidades de superação das barreiras à acumulação pelo próprio desenvolvimento do 107 A hotelaria está em franca expansão na Berrini que já possui m 2 úteis e atingirá m 2 até inicio da próxima década " 108Os Flats - os lançamentos em São Paulo do final de 95 promoveram uma retomada dos negócios com aumento de 50% dos estoques. Bairros: Moema Berrini, Itaim, V.Olímpia, Consolação, Pinheiros e Jardins. Hoje 2% para moradia; 90% para investimento (maio de 97). Boletim Data Bolsa, n.º 17, A construção de empreendimentos como World Trade Center (com centro de convenções para 2000 pessoas) são fortes indutores da demanda da Região da Berrini e áreas próximas com a região da Verbo Divino, com m2 úteis de área construída atualmente e aumento programado para m2. Os analistas do mercado imobiliário, mais otimistas, prognosticam que em breve as regiões da Berrini e Verbo Divino terá área hoteleira superior àquela da Avenida Paulista. 110 Investidores - Boletim Data Bolsa n 11, São Paulo, agosto de Em 3 anos o valor médio dos aluguéis nas 9 regiões evoluiu 82,62% em termos nominais, superando inflação de 68,98%. Os preços de venda acima 30,55%.

90 90 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole capitalismo em sua necessidade renovada de produzir o espaço como condição e produto de sua realização. O quadro que se desenha para esta região no mercado imobiliário aponta para um otimismo crescente que envolveu o momento de estabilidade econômica decorrente do Plano Real. Isto porque o investimento imobiliário fundamenta-se em características individuais que avançam ou recuam em função das perspectivas da economia nacional bem como a sua inserção internacional. A Marginal de Pinheiros vinha se tornando atraente para os empresários em função dos altos preços por m 2 das Avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima associados à escassez de terrenos passíveis de serem incorporadas, com preços baixos (comparativamente) aliada a existência de infraestrutura viária. No discurso do mercado imobiliário a avaliação é de que a cristalização dessas tendências se dá como decorrência da economia assentada na produção dos serviços. Convém lembrar que a construção do eixo se associa ao setor imobiliário em busca de lugares rentáveis de investimento e que no processo de mercantilização do solo urbano, que se generaliza na metrópole, cria contradições internas ao desenvolvimento deste setor, obrigando-o a invenção de novas estratégias. Por outro lado, o capital para se deslocar, no espaço, necessita de infraestrutura e de espaços propícios ao desenvolvimento de sua atividade e proximidade de outras atividades que lhe são complementares - é aqui que o Estado intervém. No caso específico da Operação Faria Lima, ela permitiu a liberação de um espaço para a cristalização desta nova atividade econômica em associação com os setores imobiliário e financeiro. É assim que o Estado, através do poder local, criou uma série de obras públicas que melhoraram as condições de infraestrutura, principalmente de trânsito e transportes da região da Marginal do Pinheiros, entre eles a abertura da Avenida Água Espraiada, através da operação urbana Água Espraiada, a ligação entre Faria Lima - Berrini (promovendo uma extensão da avenida) bem como a integração do metro e a linha da FEPASA que acompanha o eixo da Marginal, mas fundamentalmente liberando áreas imensas através de desapropriações e de mudanças de zoneamento. O mercado de capitais e o estabelecimento de políticas espaciais redefinem o direcionamento dos investimentos no espaço; são estratégias que se projetam no código de obras, nos projetos urbanísticos, e inclusive no não-construído: a organização do tráfego, abertura de avenidas tendo como apoio o urbanismo institucional enquanto conjunto de ações sistematizadas sob o comando da instância política. Aqui as exigências do desenvolvimento do capitalismo, sob a égide do estado intervém na prática socioespacial, através da gestão do espaço.

91 91 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Cicatrizes Urbanas As transformações na metrópole, como produtos de renovações urbanas, não a transformam integralmente, nem uniformemente, pois se tratam de intervenções pontuais (como a construção do metrô, a criação de pontes e viadutos, terminais de transportes, ou as operações urbanas e interligadas 112, etc.). Todavia, apesar de se realizarem de modo fragmentário, cada uma destas intervenções se encontra articuladas a uma totalidade espacial mais ampla - aquela que diz respeito ao movimento da reprodução do espaço da metrópole, e que só tem sentido, nesta dimensão, envolvendo os planos das articulações entre as frações do capital e as políticas de gestão do espaço. Por outro lado, elas interferem de modo decisivo nos usos e funções dos lugares e, nesse sentido, transformam o plano da prática espacial interferindo na vida cotidiana. É assim que a análise da Operação Urbana Faria Lima se contextualiza no conjunto de metamorfoses da metrópole paulista - caracterizada pela passagem de uma economia, predominantemente, industrial para pós-industrial que se esclarece através das relações entre estado/espaço no mundo moderno. A operação Urbana Faria Lima impõe-se de forma violenta na morfologia urbana, como decorrência da mudança do traçado de ruas e da própria avenida, revelando duas escalas de transformação. No plano macro, diz respeito aos processos que produzem, na metrópole, o eixo empresarial como decorrência da consolidação de novos padrões produtivos articulados à economia global; e no plano micro, aquele dos bairros diretamente afetados pela Operação Urbana, cria interferências profundas na vida cotidiana. Assim, análise do projeto de prolongamento da Avenida Faria Lima na metrópole de São Paulo - contida na Operação Urbana - traz, a meu ver, uma importante contribuição para o entendimento do processo de constituição atual da metrópole, ao resumir, sinteticamente, as novas contradições impostas pela nova relação espaço - tempo no mundo moderno. A operação urbana envolve, no plano morfológico, o prolongamento da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em seus dois extremos (acrescentando 3,6 Km aos antigos 1,9 da avenida) rasgando três bairros da metrópole e aparece com o objetivo de adequar o uso e ocupação da área ao novo perfil de corredor comercial. 113 O que aparece de novo no discurso é que com a Operação se cria condições efetivas para que os investidores e proprietários imobiliários, beneficiados com a implantação dos melhoramentos viários, forneçam recursos necessários a sua viabilização, sem qualquer ônus para a Municipalidade ; promovendo a valorização da paisagem urbana e a melhoria da infraestrutura e da qualidade ambiental, estimulando o melhor aproveitamento dos imóveis, ampliando os espaços de uso público, em particular os arborizados, e os destinados a circulação e bem-estar de pedestres. 114 Sob diferentes discursos, seja da necessidade de escoamento do trânsito ou vinculadas as necessidades de expansão dos setores modernos da atividade econômica a operação urbana se impõe como necessária à toda sociedade. 1 Operação interligada Lei nº /86 de 9/12/1996, pela qual a iniciativa privada doa à prefeitura um certo número de habitações de interesse social para a população moradora em favela em troca de modificações de índice e características de uso e ocupação do solo em terrenos de sua propriedade. 113 Boletim Data Bolsa, nº20, São Paulo, 1998, p.3 (Tendências Urbanas). 114 Prefeitura do Município de São Paulo. Dossiê São Paulo. São Paulo, SEMPLA, 1996.

92 92 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Na realidade, a realização da OUFL está embasada pela ideia da cidade organizada como atividade rentável, um organismo econômico gerando lucro, através da otimização de seu uso. A cidade vista enquanto relação custo-benefício se vê esvaziada de seu sentido humano. A única possível preocupação com a vida na metrópole se traveste do discurso ecológico, que aparece como preocupação ambiental. A leitura redutora da cidade encerra, deste modo, o espaço numa dimensão euclidiana e, nessa perspectiva, o espaço se transforma em distância, passagem, que se anularia pelo tempo imposto enquanto velocidade (também ele esvaziado de sentido). Deste modo, o espaço da realização da vida se reduz ao espaço de circulação, do deslocamento; enquanto fluxo, adquire as mesmas características do tempo reduzindo-se, ele próprio em quantidade de tempo. Na outra vertente e, como consequência desse entendimento, o espaço valorizado, pelas obras de infraestrutura aufere lucros extras aos proprietários do solo urbano, aprofundando a fragmentação e sua consequente segregação espacial. O processo de reprodução espacial se realiza na articulação de três níveis: o político (que se revela na gestão política do espaço), o econômico (que produz o espaço enquanto da acumulação) e o social (que nos coloca diante das questões pertencentes ao plano da reprodução da vida na metrópole), A articulação destes níveis, se realiza pela mediação do Estado que organiza as relações sociais (e de produção) através da reprodução do espaço. A estratégia política aparece enquanto ação planificadora do espaço, que intervêm no sentido de restabelecer, através da reprodução do espaço, a reprodução das relações sociais. O modo de produção capitalista se reproduz superando as barreiras ao seu desenvolvimento, resolvendo impasses e, nesse processo, o Estado aparece como instituição capaz de criar mecanismos que permitam resolver as contradições à realização da acumulação. Isto porque, em seu contínuo processo de reprodução, o capital se depara com as contradições que emergem da produção do espaço como aquele da sua raridade presente associada aqui, aos obstáculos criados pela existência da propriedade privada do solo urbano; só o Estado detém os instrumentos capazes de superar as barreiras impostas pela existência da propriedade privada do solo urbano ao desenvolvimento da produção capitalista. As relações de propriedade de parcelas do espaço apontam para uma contradição no processo de produção do espaço, na medida em que a propriedade privada aparece como obstáculo à concretização da reprodução ampliada - nesse caso só o Estado pode, com suas estratégias, agir no sentido de eliminar ou atenuar as barreiras ao desenvolvimento da reprodução do capital. Aqui, os promotores imobiliários ganham importância na medida em que com sua ação, junto ao Estado, propõem, concretamente, formas capazes de permitir a continuidade do processo. O que ocorre é que o espaço se reproduz no capitalismo enquanto mercadoria, que se generaliza; nessa condição ele é fragmentado e comercializado em parcelas no mercado, um processo que se apoia numa relação de troca baseado no uso, mas que tem como condição a existência da propriedade privada do solo urbano. O espaço vai se subdividindo até sua pulverização - em pequenas propriedades - que se num primeiro momento, aparece como condição necessária à reprodução, em outro momento aparece como barreira à acumulação. Nesse momento, a condição da propriedade privada de parcelas significativas do espaço entra em conflito com as necessidades de reprodução do capital em função da raridade do espaço nas áreas centrais da metrópole - nesse caso o Estado intervém no processo de modo a liberar as áreas necessárias ao

93 93 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s crescimento e o faz através de mecanismos legais que transformam a propriedade privada em propriedade de interesse público. Com isso retira o direito, antes conferido pela propriedade privada aos seus proprietários, restituindo o espaço para novos usos e expulsando os habitantes para outras áreas hierarquicamente menos importantes à realização da reprodução. Aqui o princípio da telescopage choque produzido por estratégias diferenciadas, no espaço, entre o Estado e aquela dos promotores imobiliários - é atenuado em função de um acordo momentâneo e localizado entre os dois segmentos diferenciados e com interesses divergentes da sociedade. Nesse caso, os interesses em conflito se unem no restabelecimento do espaço enquanto condição de reprodução, necessária à continuidade da produção. Aqui, o Estado exerce sua capacidade de intervir no espaço sem que os setores produtivos da economia obstaculizem sua ação. A gestão política impõe ao espaço uma racionalidade que se quer homogênea e que através de grandes investimentos muda superfícies imensas só passíveis de serem modificadas pela interferência do Estado. Não falta eficácia às medidas tomadas pelas instituições e administração especializadas; em lugar de resolver as contradições do espaço, a ação do Estado as agrava, ela não engendra um novo espaço, mas um produto específico da telescopage público-privado. A capacidade racional e organizadora do Estado se exerce no fato de que os fluxos continuam passando ao invés de se perder no caos dos espaços liberados - o estado produz um espaço dominante. Nos países ditos capitalistas a contradição pode se acentuar entre os objetivos particulares dos promotores, especuladores, investidores (agentes da produção do espaço) e os objetivos gerais (estratégicos) do estado, representados pela tecnoestrutura estatista. 116 Assim, se o Estado intervém no sentido de eliminar as barreiras ao desenvolvimento continuado do capital, não elimina as contradições do processo de reprodução espacial: homogêneo como imposição de sua ação e fragmentado pelas estratégias imobiliárias. Não menos importante é a produção do fenômeno da raridade como consequência do processo de reprodução espacial requerendo novas estratégias, no sentido de garantir a reprodução ampliada. No caso de São Paulo - uma cidade super-edificada - o fenômeno da raridade é contornado através de algumas alianças que associam o Estado e setores econômicos no processo de reprodução espacial; isto ocorre, por exemplo, através do mecanismo da realização das operações interligadas 117 (suspensas no momento) e das operações urbanas, sob a tutela do Estado. 115 Expressão de Henri Lefebvre para explicar o conflito que ocorre no espaço entre os interesses do Estado e aqueles dos empreendedores imobiliários que aparece em várias de suas obras como Le droit a la ville (op.cit.) e De l État, tome IV. Les contradictions de l état moderne. Paris, U.G.E., 1978, (capítulo V). 116 Lefebvre, Henri. De l état, tome IV, op.cit. p A operação interligada, atualmente suspensa, é um mecanismo criado pela lei nº /86 (e alterada pela lei nº11.773/95), e tem o objetivo de promover habitação popular como contrapartida de permissão para realização de empreendimentos imobiliários. Pela lei a iniciativa privada doa à prefeitura um certo número de habitações de Interesse social HIS para a população moradora em habitação subnormal em troca de modificações de índices e características de uso e de ocupação do solo em terrenos de sua propriedade. Cada pedido de Operação interligada precisa ser aprovada pela Comissão Normativa de legislação urbanística CNLU da Secretaria do Planejamento. Até setembro de 1992, as propostas aprovadas de Operações interligadas totalizavam m 2 de área adicional de construção referentes a 92 projetos sendo que 63 ( 68,5%) dentro da área de uso Z2 áreas predominantemente residenciais de densidade baixa e média com diversos tipos de uso 117, o que reforça nosso raciocínio sobre a escassez do espaço e a necessidade de, em consequência, redefinir usos e funções. Essa estratégia aparece sob o discurso de que é preciso aproveitar o dinamismo da iniciativa privada para ajudar a resolver o problema das habitações subnormais. A Operação interligada que permitiu a construção do edifício L Arche na Avenida Faria Lima se referia ao aumento do potencial construtivo do lote, através da modificação do coeficiente de aproveitamento do terreno, em troca da doação de 1400m para a ampliação da Avenida (além de 808 casas populares). O projeto do edifício é do arquiteto Júlio Neves (inspirado na Arco de La Defense em

94 94 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Através destas, pode-se mudar o uso e função de áreas da metrópole a partir de mudanças no seu adensamento, permitindo um aumento do coeficiente de edificação, propiciando um outro tipo de ocupação: a transformação da construção horizontal pela verticalização, por exemplo. As operações urbanas são capazes de provocar alterações estruturais no conjunto do espaço urbano através da implantação de mudanças no sistema viário, na construção de infraestrutura e mudanças na lei de zoneamento A OUFL: o discurso institucional A Operação Urbana é um instrumento previsto no artigo 152 da lei orgânica do município pelo qual certas operações são desenvolvidas pela iniciativa privada e pelo poder público, com a coordenação deste, tendo em vista a melhoria do padrão de urbanização, maior rapidez de execução e menor volume de recursos público, revelando-se como uma poderosa estratégia de intervenção na cidade com o objetivo de estabelecer um programa de melhorias incluindo um sistema de captação de recursos com a cooperação entre o poder público municipal e a iniciativa privada. 118 A lei específica de cada Operação 119 urbana estabelece um estoque de área edificável para o perímetro da Operação em função da organização espacial dos usos pretendidos e do programa de obras públicas previstas e necessárias, devendo esse estoque ser adquirido onerosamente pelos proprietários e empreendedores interessados em participar da Operação Urbana. Em tese, os recursos auferidos na outorga da área construída, pelo poder público integrarão um Fundo de Urbanização, vinculado àquela operação. 120 Como é sabido, as intervenções urbanas são instrumentos importantes de valorização do solo urbano. Nesse sentido, a Operação Urbana aparece como um instrumento através do qual o executivo pode se utilizar para promover a política urbana em parceria com a iniciativa privada de modo a que as despesas decorrentes da execução da presente lei ocorrerão por conta dos recursos disponíveis na conta vinculada à Operação Urbana Faria Lima de recursos próprios da EMURB e ainda de dotações próprias. 121 A tutela do Estado é fundamental no processo pois essas transformações são impostas por uma ordem que permite além do desmembramento - remembramento dos terrenos necessários às novas construções, a mudança dos usos do solo pela suspensão do direito à propriedade privada Paris), e feito pela Incorporadora Credival Participações e assessoria do grupo Crédit Commerciale de France Construído de frente para a Nova avenida antes mesmo desta ter sido construída, a entrega do prédio coincide com a inauguração do novo trecho da Avenida Brigadeiro Faria Lima. 118 Fundamenta-se no artigo 30 da Constituição Federal que aufere ao município condição de legislar sobre assuntos de interesse de ordenamento do território mediante planejamento e controle do uso do parcelamento e da ocupação do solo urbano e, com isso, atender a objetivos definidos pela política urbana municipal, alterando a morfologia urbana através da alteração da lei de zoneamento, sem necessidade de um plano diretor e podem ser propostas quer por iniciativa do poder público quer por iniciativa do setor privado devendo, em qualquer caso, ser aprovado por lei. 119 No caso da operação Urbana Faria Lima: fica aprovada a Operação Faria Lima, compreendendo um conjunto integrado de intervenções coordenadas pela prefeitura, por intermédio da Empresa Municipal de Urbanização - EMURB, com a participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores em geral, visando à melhoria e valorização ambiental da área de influência definida em função da implantação do sistema viário de interligação da avenida Faria Lima com a Avenida Pedroso de Morais e com as avenidas Hélio Pelegrini, Bandeirantes, Luís Carlos Berrini e Cidade Jardim. 120 Zoneamento e mercado imobiliário. Cadernos de Planejamento SEMPLA, publicação no Diário Oficial do Município de São Paulo, 24/12/92, p Cf. Artigo 27 do projeto de Lei da Operação Urbana Faria Lima.

95 95 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s do solo urbano. Como muitas dessas áreas estão edificadas e ocupadas torna-se necessário desalojar os antigos moradores; de um lado revogando os direitos garantidos pela propriedade privada do solo urbano, e de outro restituindo-a de outra maneira. A intervenção do Estado dirige o processo de reprodução espacial tornando-se fundamental para concretizar as mudanças necessárias da acumulação diante das contradições guardadas no próprio processo, pois a ele cabe não só elaborar o plano diretor 122 e as leis de zoneamento, como propor suas transformações e faze-las cumprir, além de capacidade de ação capaz de modificar a distribuição dos recursos no espaço e direcionamento dos investimentos do setor privado. O capítulo sobre legislação Municipal 123 nos informa que a filosofia que embasou a elaboração da Lei Orgânica do Município de São Paulo e muitas de suas disposições já se encontravam no Plano Diretor aprovado pela lei no de 7/11/88 e ainda em vigor, naquilo que não conflita com a lei maior do Município. Dela consta, por exemplo, como objetivo estratégico do Plano Diretor e do Sistema de planejamento, aumentar a eficiência econômica da cidade 124, de modo a ampliar as formas de participação da iniciativa privada em empreendimentos de interesse público. 125 Da mesma forma, estabelece, em seu artigo 7 o que o objetivo geral quanto à urbanização é concentrar o crescimento da cidade na área já urbanizada, dotada de serviços, infraestrutura e equipamentos de forma a otimizar o aproveitamento da capacidade instalada e reduzir os seus custos. A mensagem do prefeito Paulo Maluf, que encaminha a proposta da Operação Urbana Faria Lima para votação na Câmara, evidencia a necessidade de otimização do espaço da cidade ao afirmar que, a Zona Sul como toda a cidade de São Paulo não tem uma política adequada de ocupação de sua área ou um planejamento específico formulado a partir da correta utilização de seu sistema viário. 126 Tal necessidade é corroborado pelo documento de impacto ambiental ao esclarecer que a região se insere na proposta de zona adensável 8, aquela onde as condições do meio físico e a disponibilidade de infraestrutura instalada permitem a intensificação do uso e ocupação do solo e na qual o coeficiente de aproveitamento único poderá ser ultrapassado. 127 O discurso sobre a necessidade de ampliação do sistema viário e de melhor aproveitamento da infraestrutura urbana, aparece sob o manto de uma preocupação com a população, é assim que o item VII do projeto de operação urbana, há uma referência à melhoria da qualidade de vida da população envolvida. Nesse caso, a qualidade de vida está associada à valorização da paisagem urbana, melhoria da infraestrutura e qualidade ambiental. 128 O Item IX se refere ao plano formal da cidade; a Operação Urbana ampliar e articular os espaços de uso público, em particular os arborizados e destinados à circulação e bem-estar dos pedestres. Assim o cidadão vai se transformando no pedestre que precisa de caminhos, de 122 O plano diretor juntamente com a lei de zoneamento são elementos importantes na definição do padrão urbano da cidade delineando os modos de uso e ocupação, bem como o aproveitamento do espaço. 123 Contido no EIA-RIMA, op.cit., p Grifo nosso. 125 Artigo 50, parágrafos III e IV. 126 Aos vereadores sobre a Operação Urbana Faria Lima 2/08/1993 projeto de Lei nº 331/93, estabelecendo o programa de melhorias. 127 EIA RIMA, op.cit., p.71 (artigo 8 do projeto de Lei). 128 Grifo nosso.

96 96 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole abertura de espaços de uso público de criação de áreas de lazer e de circulação segura em vias que priorizem o transporte coletivo, novos espaços públicos obtidos e criação de condições ambientais. É assim, que a cidade vai se reduzindo a um quadro físico, enquanto o cidadão se transforma em usuário de serviços. As obras de extensão e alargamento da avenida se constituíram numa cirurgia urbana que foi realizada no sentido de integração do sistema viário bem como a mudança do potencial adicional de construção 129 nos três bairros atingidos em função do melhor aproveitamento dos imóveis, em particular dos não- construídos ou subutilizados. Por sua vez, a Operação Urbana - estimula/proporciona o remembramento de terrenos fragmentados como produto do parcelamento espontâneo; isto é realizado no livre jogo do mercado imobiliário. Através deste dispositivo transformações profundas ocorrem na morfologia da cidade bem como alteração nos usos e modo de ocupação, na esfera da mudança de função, isto é como decorrências das transformações na divisão espacial do trabalho dentro da metrópole. Aqui, se explicita a ideia de que a urbanização tem um custo social e que, portanto, é preciso maximizar as áreas em que a infraestrutura está presente; mas onde ela está presente, o preço da terra é mais alto e, portanto, torna a apropriação seletiva, é por isso que ao se realizar a Operação Urbana expulsa a população favelada para áreas distantes e sem infraestrutura da metrópole, bem como os pequenos locatários. No contexto do processo de urbanização o espaço vai se transformando em mercadoria, produzido e vendido enquanto solo urbano, submisso à troca e à especulação, uma troca que, a medida que o processo se desenvolve, se autonomiza em relação ao uso num processo de produção assentado na propriedade privada que gera a apropriação diferenciada do espaço por extratos diferenciados da sociedade; (aqui a fragmentação está na base do processo de segregação, posto que a compra e venda de lotes supõem uma renda). Assim o espaço, aparece como produto de uma atividade dividida, onde a fragmentação ocorre enquanto produto do conflito entre o processo de produção socializado e sua apropriação privada apoiada na propriedade privada do solo urbano. Mas, os processos de remembramento que ocorrem nos bairros do Itaim e da Vila Olímpia como decorrência da OUFL expressam um estágio superior deste processo (revelando um outro estágio do processo de reprodução), posto que no limite a fragmentação imposta pelos mecanismos de troca (assentados na propriedade privada) produziu uma contradição do espaço: o fenômeno apontado por Lefebvre que produz o espaço como nova raridade. Portanto, se no início do século (anos 20) a antiga chácara do Itaim ao se fragmentar espontaneamente cria, a partir da venda de lotes, os atuais bairros do Itaim e da Vila Olímpia como decorrência do desenvolvimento da mancha urbana da cidade que vai incorporando áreas rurais, transformando-as em urbanas (onde de hectares, a terra passa a ser vendida em metros quadrados e os lotes, a serem construídos, vão dando contorno aos novos bairros urbanos); hoje o espaço fragmentado em áreas separadas, vendido em parcelas fixas, como consequência das transformações do mercado imobiliário que vai ampliando os limites da 129 Artigo 2º para efeitos da Operação Urbana Faria Lima considera-se potencial adicional de construção a área de construção computável passível de ser acrescida à permitida pela legislação vigente e que poderá ser outorgada nos termos desta lei.

97 97 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s mancha urbana da cidade coloca-se como problema do desenvolvimento da atividade econômica. Neste final de século esses bairros veem-se envolvidos no processo, que se constitui criando o espaço enquanto raridade. Isto é, a acumulação exige agora o adensamento do solo urbano associado a uma função específica. É assim que a Operação Urbana Faria Lima pode se entendida, como uma necessidade imposta pela reprodução do capital que fez desses bairros um obstáculo a ser transposto; assim ela é a estratégia empregada para eliminar os aspectos impeditivos da existência da propriedade privada do solo urbano impostas pela existência da escassez de áreas incorporáveis necessárias ao desenvolvimento do eixo empresarial e comercial da metrópole. O estímulo 130 ao remembramento dos terrenos na área da Operação são criados pelo poder público através da criação de incentivos, onde quanto maior o remembramento, maior o ganho. Com este incentivo o Estado induz ao adensamento que traz como consequência a transferência da população da área liberando o solo urbano para outra função, como muitos dos imóveis trocaram de mãos, ou foram cedidos para a locação, há uma mudança significativa nos usos. Esse comportamento é decorrente do processo de mercantilização do solo urbano num espaço, cujas possibilidades de edificação tendem a se tornar raras. A articulação destes elementos interfere no valor do solo urbano e, consequentemente no seu preço, desencadeando um processo de valorização diferenciada em função do interesse de imobiliário difuso e das possibilidades do sistema viário, bem como do uso e da ocupação do solo nas áreas envolvidas diretamente ou indiretamente na Operação Urbana. 131 Assim, ela aparece como a maior cirurgia urbana desde 1970, na metrópole (período em que foi feita os dois primeiros km da Avenida Brigadeiro Faria Lima e a ocupação da área nas margens dos rios Pinheiros e Tietê, construindo o complexo viário chamado de Marginais). A operação cirúrgica derrubou 380 casas, mudou radicalmente o uso do espaço, a sua função e a vida cotidiana dos habitantes, na redefinição entre espaço público / espaço privado na imposição da normatização da área. A OUFL aponta uma tendência no processo de reprodução do espaço neste final de século, aquilo que Henri Lefebvre identifica como a vitória do valor de troca sobre o valor de uso. 130 Em seu artigo 14 a legislação incentiva, com prêmios, o remembramento de lotes: a) em remembramento formando área com até m 2 será concedido de forma gratuita um incentivo em áreas de construção compatível igual a 20% da área do lote resultante do remembramento, respeitando o coeficiente de 4 vezes a área do lote; b) para terrenos de até 2000 m 2 de área (desde que a edificação disponha de pavimento térreo de áreas destinadas à circulação e atividades destinadas ao público) será concedido de forma gratuita um incentivo em áreas de construção compatível igual a 20%; c) para qualquer área superior a 1000 m 2 será concedida de forma onerosa o aumento do potencial construtivo do lote até 4 vezes sua área. Como exemplo temos a construção do edifício Caeser Towers Double Space construído - num terreno remembrando, formando uma área de m 2 com área construída total estimada de m 2 - um edifício com 338 unidades, num investimento de 34 milhões de reais 130, numa área de zoneamento Z9 ao lado de algumas pequenas casas remanescentes de uma vila semidestruída perla abertura da Avenida. O International Trade Center 130, da rede BCP/World Wide Busness Centers Network, (constrói duas torres uma de escritórios e uma de flats - 5 estrelas) num terreno de m 2, com 560 unidades e investimento de 40 milhões de reais. 131 A Operação Urbana Faria Lima permite a interferência com adensamento e mudança de uso numa área confinada dentro de uma Z9 - que se caracteriza por ser predominantemente residencial com baixa densidade, onde são permitidas além de residências unifamiliares, unidades agrupadas horizontalmente, categoria R , bem como usos comerciais de serviços e institucionais de âmbito local, todos limitados a 250 m 2 por tipo de uso. O coeficiente de aproveitamento máximo nas Z9 é igual a um, a taxa de ocupação limitada a metade da área do terreno" p. 20. No caso da Vila Olímpia, é composta pelo quadrilátero - formado pelas ruas: Clodomiro Amazonas, Elvira Ferraz e Ramos Batista e Avenida Juscelino Kubitschek - que foi seccionada pela avenida e onde, às suas margens, a operação urbana permitiu a construção.

98 98 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Tal fato significa que o processo de reprodução espacial se realiza realizando o espaço enquanto mercadoria que se compra e vende, que ao se generalizar, revela o profundo processo de mercantilização do espaço que se reproduz, hoje no contexto de um processo de produção que se revela também enquanto processo de valorização do espaço. O projeto traz a baila a contradição de interesses entre empreendedores imobiliários e habitantes, tendo o Estado indutor do processo de mudança através de mecanismos de política urbana, iluminado o jogo político baseado em interesses. Na realidade, não se pode menosprezar o papel das políticas públicas no processo de reprodução e consequente valorização do espaço na medida em que ela orienta, define e executa obras de infraestrutura, intervindo no jogo do mercado com seus mecanismos de valorização diferenciada do solo urbano. Esse processo cria o acirramento das contradições inerentes ao processo de reprodução do espaço que assume, no capitalismo, feição especial, impondo aos cidadãos uma nova racionalidade que, eventualmente, se expressa em violentas lutas pelo direito à cidade. No cerne do debate sobre o planejamento da cidade está a questão do entendimento da cidade reduzida ao quadro físico, enquanto condição da reprodução ou estratégia de poder. Enquanto quadro físico, a cidade de São Paulo aparece no discurso enquanto caos que precisa ser revertido ou, ao menos minimizado. Uma cidade que vem, ao longo do tempo, sendo pensada e construída pelo poder público enquanto cidade do automóvel, coloca aos planejadores o desafio de construir sempre novas avenidas, novos túneis, novas pontes, com as mais modernas técnicas para construir vias de trânsito sob rios; apostando no aumento médio de velocidade e, consequentemente, impelindo a construção de mais vias de trânsito que redundam em sempre novos pontos de estrangulamento do trânsito, maior lentidão. Nesse contexto as formas urbanas, reduzidas àquelas da circulação, impedem o uso, expulsam o corpo, posto que o espaço da circulação é aquele da ausência do corpo que marca a presença da vida. Por sua vez, a realização da operação urbana ilumina o discurso e uma prática de gestão que se consolida pela aliança com o saber institucionalizado que produz uma leitura redutora da cidade, quer camufla os interesses em jogo. A Operação Urbana Faria Lima também revela a realização do global no plano do local que conduz a redefinição das atividades econômicas na metrópole, que no momento atual deixa a máxima iniciativa a empresa privada (no quadro da realização da política neoliberal), projetando-se no domínio do espaço, normatizando-o através de ações sistematizadas articulando os diferentes níveis de estratégia. O capital produz o espaço enquanto condição (e produto) de sua reprodução; o Estado que intervém por mecanismos de gestão criando o espaço enquanto meio de dominação e o setor financeiro utiliza-se da produção do espaço como um meio de investimento lucrativo. Na outra vertente, há os interesses do cidadão que vê a cidade enquanto condição (e produto) da reprodução da vida. Nesse sentido os interesses em jogo entram em conflito no plano da prática socioespacial, apontando o choque entre o espaço que se produz enquanto valor de troca e o espaço que se produz enquanto valor de uso; entre a dominação da troca e os modos de apropriação pelo uso. Deste modo a Operação Urbana Faria Lima revela uma inflexão no processo de produção do espaço, um ponto crítico, onde os conflitos no espaço tornam-se estratégias para a reprodução da metrópole.

99 99 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Estado Relatório de Impacto Ambiental: o discurso que legitima a ação do O fenômeno da raridade do espaço (no centro da metrópole e em suas áreas contíguas) se coloca como um produto do processo de reprodução do espaço sob a égide do desenvolvimento do capital, ao mesmo tempo que uma barreira ao seu desenvolvimento. As estratégias capazes de superar essa contradição, no processo, passa, necessariamente, pela mediação do estado, uma vez que só ele pode atuar em grandes extensões do espaço apoiado na instância jurídica que cria condições e legitima sua ação. Deste modo o espaço se reproduz enquanto condição/produto da reprodução do capital, ao mesmo tempo que instrumento político vinculado ao estado. A produção/reprodução do espaço envolve um saber e uma técnica aplicada a gestão onde o Estado precisa desenvolver uma série de funções de modo a impedir transgressões criando um espaço dominado (logo, político) como condição de sua reprodução generalizada. Deste modo o espaço da gestão apoiado em estratégias definidas no plano do estado equaliza, identifica destruindo particularidades e diferenças. O espaço constituído enquanto raridade (que só pode ser constatado em determinados lugares da metrópole, fundamentalmente, nas regiões centrais) não é um fenômeno que ocorre de forma homogênea em toda a metrópole, isto porque a noção do espaço enquanto nova raridade se associa a noção de centralidade urbana (o que pressupõe uma hierarquia espacial) e a existência da propriedade privada do solo urbano. A escassez do espaço tem, hoje, traços novos, no interior das relações de produção da sociedade revelando-se, segundo Lefebvre, como uma contradição do espaço. A gestão política do espaço se realiza apoiada numa política urbana a qual está atrelada a realização das operações urbanas, que exige, para sua realização, de um relatório de impacto ambiental o EIA-RIMA. O estudo de impacto ambiental, se faz através da contratação, pela prefeitura do Município de São Paulo 133, de uma equipe de técnicos, que poderia ter uma importância ímpar, se tivesse sido um instrumento de crítica à gestão política do espaço; todavia o que constatamos, neste caso, é o contrário. Permeado por afirmações superficiais que desconsideram a prática socioespacial e minimizam os efeitos do projeto sobre a área e sobre a vida dos habitantes, o relatório apresenta uma leitura legal e técnica da Operação Urbana Faria Lima, tomando como ponto de partida, aquele que deveria ser o de chegada: a conclusão sobre a validade da intervenção na metrópole. Na realidade o relatório desenvolve um raciocínio coerente, assentado na ideia de que o projeto é imperativo para a metrópole. A hipótese que desenvolveremos a seguir é que o relatório de Impacto Ambiental representa, a medida em que abdica de uma análise crítica da proposta de operação Urbana, o triunfo do institucional onde o saber científico, subjugado ao poder do estado, produz um discurso ideológico que embasa e legitima suas ações. 132 Esse item terá como ponto de apoio o documento (op.cit.): Estudo de Impacto Ambiental - Operação Urbana Faria Lima, realizado pela TETRAPLAN, São Paulo, mimeo., 4 vol (Doravante abreviado como EIA RIMA, paginação contínua pelos 4 volumes). 133 O artigo 11 do Plano Diretor da cidade de São Paulo trata da exigência de um Relatório de Impacto Ambiental para todos os empreendimentos de grande efeito na área urbana, avaliando sua adequação.

100 100 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole O que está em jogo, permeando o debate, sob o discurso da proteção ambiental, é a necessidade de expansão das áreas voltadas para novas atividades econômicas, o desenvolvimento do setor terciário, apoiado no financeiro, sob a mediação dos empreendedores imobiliários. Um aspecto do documento é que ele não esconde, desde a primeira página, um claro e transparente posicionamento favorável à realização da Operação Urbana. Na realidade o que se pode concluir do processo, que alavancou a operação Faria Lima, foi que, sob uma fachada democrática realizou-se, autoritariamente, uma transformação imensa na metrópole com profundas implicações na vida cotidiana dos habitantes envolvidos direta ou indiretamente. No documento aparecem elementos importantes que apontam para um claro entendimento da metrópole enquanto quadro físico passível de ordenação pelo poder público, em consonância com as estratégias econômicas em jogo. O primeiro argumento que podemos selecionar para justificar, no relatório, a necessidade de realização da Operação Urbana é sua base legal. Nesta direção, o relatório, não faz mais do que constatar o fato de que o poder municipal, é legitimamente, a instância capaz de promover adequado ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso do parcelamento e ocupação do solo urbano, como assegura o artigo 30, inciso 8 o da Constituição Federal. Na realidade o documento apresentado como EIA-RIMA, não faz mais do que cotejar os termos da proposta encaminhada sob a forma de uma Operação urbana, com a legislação vigente no Brasil sobre política urbana, nos níveis federal e local acentuando sua compatibilidade legal, distanciandose ou mesmo negando-se a uma análise imparcial que poderia ter trazido elementos para o debate sobre o que é planejar uma metrópole como São Paulo. Feito do jeito que foi o documento mais do que elucidar o sentido real do impacto sobre a cidade e a vida na cidade, reponde apenas ao modismo do discurso ambiental que desfoca a prática socioespacial, isto é o modo com a sociedade se relaciona com o espaço da vida, nele estabelecendo seus referenciais. É assim que o capítulo Legislação objetiva inserir a operação urbana no âmbito legal quando apela para o artigo 225 da constituição federal que estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservalo para as presentes e futuras gerações 134. Aqui a legislação monta o quadro a partir do qual a Operação se justifica. O problema está na ausência de reflexão em torno do significado de conceitos, como por exemplo, bem-estar social. Outro instrumento legal que justifica a Operação, no relatório, é existência da lei 7104 de 1968 ignorando-se as mudanças ocorridas na área, no período 1968 (quando surge a ideia de realização de obras viárias de prolongamento da avenida Brigadeiro Faria Lima) até 1993 (quando o projeto é reapresentado e realizado), como se a metrópole e a vida na metrópole não tivesse se transformado. A esse argumento soma-se o fato de que a necessidade desta via de trânsito, já aparecia em projetos anteriores, como o PUB de 1968, o Plano metropolitano de transportes de 1969, o Plano Viário de 1971, no plano de Vias Expressas de 1973, o Plano SISTRAN de 75/ EIA-RIMA, op.cit., p. 65.

101 101 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Deste modo, o relatório, que se pretende técnico, se estrutura e se reduz a uma apresentação da legislação de forma a inserir a Operação Faria Lima no quadro do que chama de planejamento ambiental e urbano. Nesse sentido apela, como base de sustentação do parecer ao artigo 180 (da Constituição Federal sobre desenvolvimento urbano) que assegura a estados e municípios o dever de assegurar o pleno desenvolvimento da função social da cidade, bem como garantir o bem-estar de seus habitantes juntamente com a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano e cultural. Na realidade o EIA reduz a problemática urbana a problemas administrativos, como de gestão do espaço da cidade liberando os entraves ao processo de modernização restituindo a coerência do processo de crescimento. É nesta direção que o termo qualidade de vida aparece no documento atado a ideia de uma vida organizada sob a égide de um modelo manipulado que cria a satisfação, situando-se, portanto, na esfera da necessidade e da satisfação do indivíduo na cidade como usuário de serviços coletivos num habitat não poluído e verde. Depois de enunciar vários artigos da constituição encontramos o seguinte parecer concluindo o item assegurada na Constituição Federal, a competência municipal para promover, no que lhe couber adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano 135 observados os objetivos estabelecidos no artigo 182, supra transcrito e, ainda levando em conta as disposições da Constituição do estado, há que se verificar a adequação da operação urbana Faria Lima à lei orgânica e ao plano diretor da cidade, bem como a legislação ambiental vigente, nos três níveis de poder; o fato de que ocorreu sem quaisquer problemas ou questionamentos. O segundo argumento que podemos destacar, no documento, está apoiado na ideia que reduz a cidade a sua função econômica. Assim se justifica: a) o aumento do coeficiente de aproveitamento previsto para as diferentes zonas de uso que é positiva, porque é permitido por lei; b) o aumento da taxa de ocupação do terreno acima do previsto pela lei de zoneamento pois significa a possibilidade de concentrar o crescimento da cidade em área já urbanizada dotada de serviço e equipamento(...) otimizando a capacidade instalada (...) acelerando a ocupação e intensificação do uso do solo, 136 como prevista no artigo 7 do Plano Diretor do Município de São Paulo. 137 Na realidade, a filosofia que informou a elaboração da Lei Orgânica do Município de São Paulo e muitas de suas disposições já se encontram na Plano Diretor aprovado pela lei no de 7/11/88 e ainda em vigor, naquilo que não conflita com a lei maior do Município. Dela consta, por exemplo, como objetivo estratégico do Plano Diretor e do Sistema de planejamento, aumentar a eficiência econômica da cidade, de forma a ampliar as formas de participação da iniciativa privada 135 Inciso VIII, do artigo Id. Ibid., p o objetivo geral quanto à urbanização é concentrar o crescimento da cidade na área já urbanizada, dotada de serviços, infraestrutura e equipamentos, de forma a otimizar o aproveitamento da capacidade instalada e reduzir os seus custos através de diretrizes, dentre as quais pode ser destacada aquela mencionada em seu inciso II, que e promove o adensamento, acelerando a ocupação e a intensificação do uso do solo na área urbana, de acordo com critérios diferenciados de planejamento Id. Ibid. p.68.

102 102 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole em empreendimentos de interesse público. 138 Da mesma forma, estabelece, em seu artigo 7 o que o objetivo geral quanto a urbanização é concentrar o crescimento da cidade na área já urbanizada, dotada de serviços, infraestrutura e equipamentos de forma a otimizar o aproveitamento da capacidade instalada e reduzir os seus custos... E assim se definem zonas adensáveis através do que o EIA 139 qualifica de mecanismos inovadores. 140 Esses objetivos se embasam na ideia da cidade enquanto meio físico organizado como atividade rentável geradora de lucros, através da otimização de seu uso. A cidade vista enquanto relação custo-benefício está esvaziada de seu sentido reduzida a condição de realização da reprodução econômica. O relatório apela para o objetivo estratégico do Plano Diretor e do Sistema de Planejamento para acrescentar a ideia da necessidade de aumentar a eficiência econômica da cidade, de forma a ampliar e agilizar as formas de participação da iniciativa privada em empreendimentos de interesse público, avaliada como elemento altamente positivo a aprovação da operação urbana 141. Para o EIA-RIMA o conceito do projeto reside na relação entre meio físico da cidade e sua distribuição interna de atividades e fluxos. Ou seja, pretendeu-se alterar a lógica de ocupação do território, segundo os autores. Nesse sentido, o potencial construtivo se dá sobre a capacidade de suporte da infraestrutura e meio físico existentes, através do estabelecimento de índices urbanísticos. Em conjunto, novas relações entre agentes públicos e privados foram considerados quando necessário. Nesta direção de raciocínio o poder público tem direitos de promover mudanças no adensamento das áreas escolhidas pois a Lei Orgânica estabelece que o direito de construir será exercido segundo os princípios ali previstos e de acordo com os critérios estabelecidos em lei Municipal; reforçado pelo artigo 154 que prevê que o município, para assegurar, os princípios e diretrizes da política urbana poderá utilizar, nos termos da lei, o direito de superfície, a transferência do direito de construir, a requisição urbanística e a contribuição de melhoria 142. O estudo de impacto ambiental reforça a ideia de cidade enquanto dimensão física onde o construído, produto da história da ocupação humana, vira mero panorama. O aspecto da prática socioespacial urbana é ignorado, como de resto os próprios habitantes da cidade. A cidade é cenário e o relatório não esconde a autofagia que permeia o planejamento urbano assentado na ideia da construção da cidade do automóvel. Talvez seja essa a explicação para a ausência de análise dos aspectos sociais e as conclusões simplistas, a operação é válida pois não contraria a Constituição, por exemplo. É assim que o documento apela para o objetivo estratégico do Plano Diretor (aqui se refere ao aprovado em 7/11/88 lei ) e do sistema de planejamento que se refere a necessidade de aumentar a eficiência econômica da cidade de forma a ampliar e agilizar as formas de participação da iniciativa privada 144 em empreendimentos de interesse público Artigo 50, parágrafos III e IV. 139 EIA-RIMA, op.cit., p. 71, referindo-se a parceria poder público/iniciativa privada. 140 Capítulo sobre legislação Municipal do EIA-RIMA (op.cit., p. 67). Em termos de balanço final...a situação ambiental das áreas afetadas pelo empreendimento apresenta-se reequilibrada e custos sociais mitigados, potencializando-se, ainda, as oportunidades de investimentos em pontos de máxima vantagem locacional, resultando na inserção ambiental do empreendimento (op.cit. p.439.). 141 Artigo 50, III, IV, cf. id. Ibid. p EIA-RIMA, op.cit., p Id. Ibid., pp.67/ Grifo meu.

103 103 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s A argumentação em torno da questão do adensamento da área que permite a remoção de favelas e destruição de bairros de ocupação horizontal, se prende àquela da infraestrutura existente na área que reduz a cidade a um padrão técnico de otimização econômica. Quanto a mudança de uso, como decorrência da operação urbana, a análise é substituída pela constatação de que provavelmente, este processo predominante será relacionado à já mencionada onda de terciarização que vem ocorrendo neste setor da cidade, sobretudo onde as vantagens locacionais são maiores. Neste caso, a ocupação residencial cederia espaço a outros usos, sendo comércio e serviços os mais prováveis seguidos pelo de pequenas indústrias, especialmente aquelas ligadas ao ramo de confecções, que muitas vezes, comercializam seus produtos diretamente ao consumidor. 146 As possibilidades efetivas de adensamento das áreas de construção horizontal através de alterações no direito de construir e da mudança de zoneamento, através do aumento do coeficiente de construção, desemboca numa mudança radical nos usos do solo dos bairros atingidos pela operação urbana. O relatório não ignora o fato de que com um aumento do preço do terreno, decorrente das interligações viárias haverá uma mudança do perfil da população residente, portanto sua substituição, elevando-se seu nível de renda. 147 Com isto justifica o processo de segregação que permeia o processo de produção espacial da metrópole. Mas no documento, tais afirmações não merecem nenhum tipo da análise, nem apresenta nenhuma consequência, nas conclusões sobre o impacto do que chama de renovação urbana, visando a funcionalização da área. Para que se realize o adensamento destas áreas e se promova a mudança de uso e a constituição indispensável de infraestrutura, é necessário que se revogue o direito da propriedade privada do solo urbano de modo a permitir que a propriedade mude de mãos o que é justificada pela natureza das obras públicas, objeto deste estudo, demonstra que se trata de caso de desapropriação motivada pela utilidade pública, que se dá quando a transferência dos bens particulares convém à administração, visando atrair a efetivação do interesse público, por exemplo, através da realização de determinadas obras que irão beneficiar a comunidade, podendo alcançar qualquer bem que preste ao serviço público ou a coletividade. 148 Sob este pretexto, as transformações na área aparecem como positivas pois o zoneamento é adequado e a renovação necessária, assim com zoneamento definido por Z-4, zona de uso misto com densidade demográfica média alta, e pequeno trecho Z-3, predominantemente residencial de demografia média pode-se observar um processo de renovação urbana, consubstanciado na construção de edifícios de escritórios de alto padrão, cuja implantação pode ser atribuída às vantagens locacionais decorrentes da proximidade da Avenida Marginal, eixo que exibe atualmente uma especialização nesse tipo de uso (aqui refere-se ao bairro da Vila Funchal) (...) Por outro lado, está renovação se processou sobre a estrutura viária existente claramente insuficientes para o atendimento das demandas resultantes, de forma que a intervenção prevista passa a ter interesse específico. Trata-se 145 Artigo 50, incisos III e IV 146 Id. Ibid. p Id. Ibid. p Id. Ibid., p.72.

104 104 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole do sub-perímetro menos arborizado da área de influência direta , conclui o documento o que parece significar um sinal verde ao projeto. Se não há 'verde pode-se derrubar. Aqui o apelo ao discurso ecológico padrão que abstrai a sociedade, seus desejos e necessidades, toma a natureza (ou como ela se representa), como dado absoluto. Nessa linha de argumentação elimina-se a sociedade e, consequentemente, a história humana em função da vantagem locacional e da pouca arborização da área, elementos suficientes para um diagnóstico positivo sobre a Operação. Assim, uma das conclusões positivas em relação a Operação Urbana se justifica por se tratar de um projeto a ser desenvolvido integralmente dentro de uma área urbana onde os grandes impactos se verificarão sobre o meio ambiente antrópico e sobre atividades tipicamente urbanas (...) os aspectos relativos a legislação ambiental vigente, enquanto ambiente natural, não acusam impactos significativos, a serem analisados. 150 Na sequência se encontra a afirmação que (...) a proposta contida na Operação urbana Faria Lima, além de atender as diretrizes expressa no tocante ao sistema viário e arborização de ruas, propicia o surgimento de outras áreas verdes, resultantes dos mecanismos próprios da operação urbana. 151 Na realidade a ausência de arborização na área é tudo que se precisa para construção de uma argumentação favorável a Operação; com isso o problema se desloca da prática socioespacial, para o plano do discurso técnico assentado na necessidade viária e no discurso ecológico. Aqui se pode constatar o fato de que as análises sobre o urbano estão sendo invadidas por um naturalismo exacerbado sob a ótica da constituição de uma ideologia do meio ambiente urbano onde a vida humana em sua complexidade é simplificada pela imposição da ideia de preservação da qualidade de vida enquanto preservação do meio ambiente. Nessa vertente, a naturalização da sociedade reduz, o fato social a um fato ambiental. 152 Outro importante argumento para justificar a OUFL que aparece no documento é aquele que aborda a necessidade de prolongamento da Avenida Faria Lima no contexto do modelo viário concebido para a cidade de São Paulo nos anos 30, objetivando dota-la de uma estrutura viária básica que permitisse estruturar o crescimento urbano, isto porque a partir do Plano de Avenidas vai se dotando a cidade de obras viárias que, num primeiro momento, permite a construção do anel viário central (composto pelas avenidas Senador Queiróz, Ipiranga, São Luís); numa segunda etapa, a administração do prefeito Faria Lima conclui as Avenidas 23 de Maio, Rubem Berta, Radial Leste, abertura da Avenida Sumaré (interligando-a com a Avenida Brasil e Henrique Schaumann), num segundo, a construção das Marginais dos rios Pinheiros e Tietê, bem como o alagamento da rua Iguatemi dando origem a Avenida Faria Lima. Assentada nessa diretriz é que a Faria Lima faz aprovar em sua gestão (1965/1969) a interligação da Avenida Faria Lima da Avenida Pedroso de Morais até ao que seria, hoje, a Avenida Juscelino Kubstichek. Nessa linha de raciocínio, o prefeito 149 Id. Ibid., p EIA-RIMA, op.cit., p EIA-RIMA, op.cit., p Esse discurso produz ações profundamente discutíveis como é o caso da polêmica decisão do CADES- Conselho Municipal do meio Ambiente Sustentável - que ao aprovar o relatório de Impacto ambiental da OUFL fez uma série de exigências dentre elas a que obrigaria a prefeitura especificar locais e dimensões das áreas verdes e de lazer não inferior a m 2 para tal finalidade... Aos desapropriados para a criação desses espaços livres serão garantidas as mesmas opções do recebimento em CEPACs contidas no projeto de lei da Operação Urbana Faria Lima.

105 105 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Paulo Maluf não Faria mais do que concluir uma missão histórica, 153 reforçando a função viária da metrópole e, nessa perspectiva, o projeto aparece no documento, como inquestionável. O prolongamento da Avenida Faria Lima aparece como uma via arterial de primeira categoria insere-se na paisagem urbana de forma menos agressiva admitindo-se sucessivas conexões do sistema viário, de maneira a formar um grande eixo paralelo a Marginal do Rio Pinheiros, (desde a confluência dos Rios Tietê e Pinheiros até a Ponte do Morumbi e daí seguindo pela Avenida Roque Petroni Jr, Avenida Cupecê até Diadema); [neste sentido] o empreendimento tem um caráter de integração, aumentando a acessibilidade média dessa extensa área, captando fluxos de viagens pelos mais diversos motivos. É importante assim entender o papel funcional vis a vis o sistema viário principal da chamada área de influência difusa. 154 Nesse contexto a função se resume ao desenvolvimento do traçado viário que predomina e a área da Operação urbana teria uma vantagem locacional em termo de acessibilidade e potencial de mercado. O que significa segundo a argumentação utilizada que a área passa por transformações capazes de consolidar suas funções terciárias, simultaneamente a uma melhoria do padrão de renda 155 que consolida, na região metropolitana, uma área de serviços terciário especializados que vê crescer, significativamente, o número de empregos 156, não é por acaso que um conjunto de novos empreendimentos públicos e privados vêm sendo atraído para esse espaço, tais como a construção do túnel sob o Rio Pinheiros a Ponte Bernardo Golfarb, as novas instalações da Eletropaulo, o shopping Center da Cooperativa agrícola de Cotia, a 4 a linha do Metro, entre outros elementos dinamizadores da estrutura urbana. O mercado vem assim procurando aumentar sua capacidade alocativa, utilizando-se de espaços onde otimizam seus níveis de produtividade. 157 Além do prolongamento da avenida se inserir no sistema viário existente, sua realização pretende aumentar a velocidade e com isso diminuir o tempo do percurso. Neste modelo de cidade o espaço é concebido enquanto distância a ser percorrida, e o tempo reduzido a duração do trajeto. O tempo que se transforma em quantidade abole o tempo enquanto tempo da vida e o espaço enquanto distância, associada ao sistema viário impõe à cidade o rigor formal isolado de seu conteúdo e de sua vida. Espaço e tempo instalados em sua dimensão quantitativa revelam uma cidade palco de ações, construída segundo imperativos da circulação que aparece como definidora de um bemestar coletivo. Espaço cortado por cicatrizes, vazio e abstrato, em suma, geométrico. Aqui a solução técnica se impõe como o moderno como consequência de um modelo cultural que organiza a vida cotidiana e seus limites manipulando os habitantes, aprisionados pelas normas que regem a produção do espaço. Quando o documento analisa os bairros diretamente atingidos pelo projeto, o faz acentuando seu papel funcional dentro da metrópole. É nesse contexto que o bairro do Itaim, por exemplo, aparece como área que, ao longo do século, vai se constituindo em função do desenvolvimento da estrutura viária potencializada com a construção e prolongamento da Avenida 153 Grifo meu. 154 EIA-RIMA, op.cit., p Id. Ibid. p Utilizando-se da pesquisa O-D do Metrô de 1977 e 1987, o número de empregos na área difusa da Operação apresentou um aumento de empregos ( no setor de serviços) para ( no setor de serviços). Cf. Id. Ibid., p Id. Ibid. p.86.

106 106 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole 9 de Julho e Cidade Jardim e já na década de 70 com a construção da Avenida Juscelino Kubitschek e o saneamento do córrego do Sapateiro, dando uma nova fisionomia ao bairro. Assiste-se, neste processo, à transformação das casas em prédios residenciais abrigando uma população de renda mais elevada do que os antigos moradores. Esses dois bairros (Itaim e Vila Olímpia), que tiveram origem na Chácara Itaim, cujo processo de urbanização foi mais tardio, onde em décadas passadas, especialmente na Vila Funchal, algumas indústrias se instalaram, passaram a apresentar atratividade para empreendimentos imobiliários após a consolidação da ocupação da Avenida Luís Carlos Berrini 158 reforçando a necessidade de ligação da Berrini com a malha viária da cidade. A Avenida Luís Carlos Berrini possui capacidade viária e excelentes condições físicas para funcionar como uma via alternativa às avenidas marginais do Rio Pinheiros (trata-se aqui, do mesmo argumento utilizado pelo arquiteto Júlio Neves para justificar a Operação Urbana, projeto de sua autoria). No entanto, em função da sua descontinuidade quanto ao sistema viário principal, é utilizada principalmente por um fluxo com destino às regiões lindeiras. De forma semelhante ás avenidas Paulista e Faria Lima, a Avenida Eng. Luís Carlos Berrini constitui um polo de geração/atração de viagens, juntamente com sua área de entorno, onde se localiza o shopping Center Morumbi, entre outros empreendimentos. Essa via próxima e de configuração paralela ás marginais do rio Pinheiros promove atualmente a ligação entre os eixos Avenida Roque Petrone Jr. / Avenida Vicente Rau e Avenida dos Bandeirantes. No entanto, a área entre Pinheiros e Vila Olímpia, que possui intensa atividade e necessidade de ligação com essa porção mais ao sul do município, não se encontra articulada com essa via perimetral. 159 Deste modo, os bairros do Itaim/Vila Olímpia e Vila Funchal, aparecem com uma área entre dois polos de serviços importantes que exige conexão. De um lado, os escritórios/lojas/restaurantes/bancos da antiga avenida Faria Lima, de outro, a nova área de expansão dos escritórios da metrópole incorporando grandes firmas nacionais e internacionais - a região da Berrini/Nações Unidas - prestadores de serviços e geradores de emprego. 160 A justificativa de um projeto viário para a cidade, contendo melhorias das condições de tráfego 161 coloca o prolongamento da Avenida Brigadeiro Faria Lima como obra viária fundamental completando os pontos de articulação necessário à constituição do eixo viário formando o corredor sudoeste-centro, articulando-se à outras obras realizadas na região sudoeste da metrópole. De um lado, facilitaria o acesso de automóveis e articularia mais facilmente bairros onde a ocupação poderia ser adensada. De outro lado, possibilitaria a articulação do eixo empresarial que estava se consolidando na cidade na medida em que permitiria a ligação da antiga Avenida Faria Lima à Avenida Luís Carlos Berrini. Quanto ao urbanismo como ideologia, ele recebeu as formulações mais precisas. Estudar os problemas de circulação, de transmissão das ordens e das informações na grande cidade moderna, conduz a conhecimentos reais e a das técnicas de aplicação. Declarar que a cidade se define como rede de circulação e de comunicação, como centro de informações e decisões, é uma 158 Id. Ibid. p Capítulo sobre sistema viário, tráfego e transporte : Id. Ibid., pp.138 / Id. Ibid. p Cf. Id. Ibid., p.15.

107 107 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s ideologia absoluta; esta ideologia procede de uma redução-extrapolação particularmente arbitrária e perigosa se quer como verdade total e dogma, utilizando meios terroristas. Ela conduz ao urbanismo de circulação viário, de contagem que se pretende impor em nome da ciência e do rigor científico. Ou pior ainda! 162 O empreendimento em estudo não constitui uma interferência pontual na cidade, mas a implantação de parte de um sistema capaz de aliviar parcela significativa das vias, hoje saturadas, além de compatibilizar diversos investimentos públicos que vêm sendo realizados na região. Em outra abordagem, além de melhora significativa no atendimento da população usuária de transporte coletivo [!], o projeto contribui para o aumento da eficiência alocativa do solo urbano 163, resgatando usos e ocupações compatíveis com as vantagens locacionais que o entorno deste eixo desfruta 164. Com isso o empreendimento viabilizaria a circulação de veículos necessários a dar suporte ao processo de adensamento da mancha urbana. A simplificação da análise é ainda mais injustificada quando o documento se apresenta também com a pretensão de ser um relatório de impacto de vizinhança 165. O modo como se faz o planejamento da cidade além de desconsiderar o habitante destrói seus rastros em nome do processo de modernização autofágico ou da estética da via expressa onde a ação de habitar reduzida à uma função vazia de conteúdo é desvinculado da reprodução da vida e, consequentemente, das relações que se estabelecem no e a partir do ato de habitar. Não há morador no relatório, não há tampouco vizinhos, as relações de sociabilidade estabelecidas no bairro, na trama dos lugares, nos pontos de comércio de bairro são, completamente, desconsideradas. Na realidade o próprio homem, quer seja na condição de morador ou de habitante da cidade está ausente do relatório, mas essa situação não impede a conclusão apresentada no capítulo, 7 (referente a análise da legislação) assim dada abrangência deste RIMA, entende-se que este possa responder às demandas do poder público Municipal, quanto aos impactos de vizinhança 166. A ironia reside no fato de que a única vez que aparece o termo vizinhança é nesse parágrafo e, mesmo assim num capítulo sobre legislação, sob a forma de parecer técnico, apela a um saber que teria por objetivo ratificar uma necessidade de intervenção no espaço, enquanto necessidade técnica fundamental, acima dos interesses de grupos no caso os moradores. E assim que o capítulo da desapropriação, acha-se respaldada na legislação, motivada pela utilidade pública 167 parafraseando a legislação vigente no país. O relatório constrói discurso técnico para instrumentalizar o planejamento estratégico do Estado, justificando uma estratégia política. O saber que justifica a ação política tornando-a necessária, dá a aparência de compromisso do poder público com a sociedade; em realidade pensase e age-se, na metrópole, a partir de alianças de compromissos e necessidades de classe, travestido no discurso da ação direcionada aos interesses da sociedade visando à instauração plena da 162 Lefebvre, H. Le droit a la ville, op.cit. pp.50/ Grifo nosso. 164 Id. Ibid., p Na realidade não há nenhuma análise que evidencie a realização de um relatório de impacto de vizinhança. Afirmar, simplesmente, que o EIA-RIMA é também é um relatório de impacto, não o torna um. 166 Id. Ibid. p EIA-RIMA, op.cit., p.77(decreto lei 3365 de 21/06/41).

108 108 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole modernidade no território. 168 A análise realizada sobre operação urbana realiza o que Lefebvre aponta 169 como a conclusão de um projeto sem crítica nem autocrítica, e um projeto que se realiza, projetando sobre o terreno uma ideologia, aquela dos tecnocratas que buscam, no espaço, aquilo que chamam de elementos de animação urbana : shoppings centers, supermercados, serviços de informática e empresas de publicidade, restaurantes e lazer noturno; clubes; hotéis; flats; teatros e serviços de lazer; vendas especializadas de bens de alta renda a exemplo dos automóveis importados; edifícios administrativos. 170 Corroborado pelo fato de que nesse relatório, há um total desprezo pela dimensão social, constatada, fundamentalmente, na análise dispensada ao movimento dos moradores contrários a realização da Operação Urbana: o Movimento VIVA. É assim que sobre a mobilização social organizada que ocupa apenas 3 páginas do extenso relatório de quatro volumes, 171 este conclui que o movimento não merece crédito pois são pessoas desinformadas 172 ; a caracterização dos movimentos sociais se baseia em informação dos próprios envolvidos, na imprensa e em observações fundamentadas em teorias sociológicas (sic). Na realidade, a exposição se reduz a localizar os movimentos surgidos em função da realização do que chama de empreendimento e, nesse sentido, é como se não existissem. A conclusão do relatório sobre a mobilização de parte da sociedade local é absolutamente inversa daquela que obtive em minha pesquisa de campo. Em realidade pude constatar que ao, contrário do que afirma o Relatório, o Movimento VIVA encontra-se estampado nos jornais e revistas de modo polêmico iluminando o jogo político e as posições em conflito. Na realidade, os habitantes traziam as propostas de uma outra leitura sobre a cidade que se chocava com visão tecnocrática baseada numa leitura simplificada da cidade, reduzida à dimensão de condição de produção. Se o relatório não dá atenção ao Movimento VIVA que durou pelo menos dois anos, não se esqueceu do Movimento Zona Sul, que todos sabem não existiu efetivamente na prática (portanto, não pode ser caracterizado como um movimento), mas que aparece no relatório como porta voz dos interesse da comunidade. 173 Na realidade, o Movimento Zona Sul aparece como uma estratégia com origem ligada aos proponentes do projeto, e que surge com o objetivo precípuo de reforçar a necessidade da realização da Operação Urbana, na medida em que eram empresários ligados à área da Operação. 174 Enquanto que os movimentos organizados que questionam as ações do poder público, e que são contrários a Operação tem no relatório sua 168 Iniciando com disposições de caráter mais geral, estabelece diretriz no sentido de que a política urbana no município terá por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, propiciar a realização social da propriedade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art.148). Para tanto, conforme o disposto no artigo 149, o município deverá promover, dentre outras atividades, o controle da implantação e do funcionamento das atividades industriais, comerciais, institucionais, de serviços, de uso residencial e de infraestrutura urbana, corrigindo deseconomias geradas no processo de urbanização Id. Ibid. p Lefebvre, Le droit a la ville, op.cit., p EIA-RIMA, op.cit. pp. 82/ Id. ibid. pp.114/ Convém esclarecer que é somente neste momento que aparece uma menção ao fato de que o porte da operação de intervenção na cidade causou polêmica e fez surgir um movimento contra a realização do empreendimento e, mesmo assim, o documento desqualifica claramente a posição dos habitantes. 173 Id. Ibid. p É bom não esquecer que o aumento de acessibilidade dos bairros situados na área de influência indireta deverá significar uma melhoria nas vantagens locacionais destas áreas, induzindo uma animação no mercado imobiliário, Id.ibid. p.370.

109 109 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s existência explicada em função da falta de informação veiculada pela prefeitura sobre o projeto 175. Para os técnicos que fizeram o relatório, a prefeitura Municipal de São Paulo não dispunha de um programa de Comunicação Social para subsidiar o processo de divulgação de informação sobre a Operação Urbana Faria Lima; então a sociedade local formou seu próprio entendimento sobre o projeto, basicamente através de informações veiculadas pela imprensa e por eventos promovidos por associações de bairros e lideranças políticas que mais polemizaram sobre o projeto, do que o esclarecem. A polêmica, para cumprir seu papel de consciência crítica de um processo deve, necessariamente, ser precedida de um conhecimento do objeto de discussão (...) a dinâmica da polêmica sobre o assunto deixa claro que na base das versões conflitantes sobre o tema, está a ausência de uma atuação integrada de Comunicação social, por parte da prefeitura Municipal de São Paulo. Trata-se, a meu ver, de uma observação irresponsável - que longe de permitir a discussão do projeto em pauta, desqualifica a ação dos habitantes - é assim que o regime autoritário sempre tratou os movimentos reprimindo-os ou desqualificando-os; com isso se pretende mais do que construir uma unanimidade que não existe, escamotear as contradições que o próprio processo cria, ao se desenvolver. Ao reduzir a contradição de interesses de classe a problemas de desinformação o relatório aponta, como elemento, para resolver a contradição 176 a instalação de postos de informações dentro de um programa de Comunicação social a ser realizada pela Prefeitura de São Paulo, esclarecendo que a Operação Urbana se desdobraria em duas vertentes básicas. Uma relacionada à negociação entre a prefeitura Municipal de São Paulo e os segmentos direta e indiretamente afetados pelo empreendimento e outra, relativa ao convívio da população com as obras de construção do empreendimento e, posteriormente da utilização do quadro urbano resultante, quando da conclusão das obras 177 de modo a solucionar o problema da falta de conhecimento da população sobre o projeto e das desapropriações necessárias à execução das obras. No que diz respeito a falta de conhecimento sobre o projeto este estudo propõe um programa de Comunicação Social visando estabelecer um canal permanente entre o poder público e a população no sentido de informá-la corretamente pois a falta de informações objetivas vem gerando insegurança (...) Esta situação se rebate sobre o mercado imobiliário da região, que sofre uma paralização temporária, inibe a instalação de atividades produtivas e dá margem a manipulação por parte de interesses políticos contrários a implantação do projeto. Portanto, o Programa de Comunicação Social deverá ser implantado o mais rapidamente possível, estendendo-se até a conclusão das obras, no sentido de evitar situações conflituosas. 178 Nos deteremos agora sobre os argumentos que aparecem na conclusão do relatório, onde podemos, inicialmente, apontar o modo como é analisado o impacto sobre as atividades produtivas nos bairros incluídos na operação urbana. A conclusão refere-se ao fato de que a OUFL acentuava o papel funcional no que se refere ao setor de serviços ligados ao apoio à produção, setor bancário 175 Grifo nosso, Id. Ibid., p No capítulo sobre as medidas mitigadoras" 177 Id. Ibid. p Id. Ibid. p.440.

110 110 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole e lazer até o comércio sofisticado de variados bens, grande parte em alto padrão de atendimento orientados e mercados de elevado poder aquisitivo. 179 Nesta área era se formar um extenso eixo com oferta de imóveis ampliada, percorrendo trechos privilegiados da malha urbana da cidade [onde] uma série de atividades poderão otimizar sua localização quer em termos micro, quer macro locacional. 180 Nesse contexto, os bairros de Itaim e Pinheiros estariam consolidando sua função enquanto provedores de serviços especializados, enquanto a Vila Olímpia se inseriria com um padrão urbano significativamente melhorado, o que deve intensificar processos em curso, principalmente aqueles referentes à atração de escritórios de apoio a produção (marketing, consultoria diversas, propaganda) e serviços especializados. 181 No capítulo sobre mudança no perfil da população, o fator segregador da política urbana passa a ter um lado positivo, essa variação positiva é na verdade o saldo líquido da recomposição do continente residente pois, no processo apontado, a valorização da área (lato senso) irá desencadear o deslocamento da população não compatível 182 com as novas regras de consumo que se estabelece na área/bairro. Deverá haver assim, uma mudança no perfil da população principalmente em termos de níveis de renda. (...) Essas interferências na demografia local acompanham o modelo clássico de renovação urbana de uma cidade capitalista e não pode ser classificado como um fenômeno adverso ou benéfico decorrente exclusivamente da implantação do empreendimento (...) seu impacto será de pequena magnitude e baixo grau de relevância. 183 A reforma urbana tal como se realiza, hoje, no plano do espaço e sob o comando e orientação do estado, caminha no sentido contrário daquele apontado por Lefebvre a reforma urbana pode considerar certas medidas que põem em questão as relações existentes de produção e de propriedade, a fim de substituí-las por outras relações. Ela se insere, como tentamos demonstrar, tal como um ele decisivo na sucessão das metamorfoses do cotidiano. A cidade renovada será a projeção para a prática de uma nova sociedade. 184 No relatório, o caminho para a construção da metrópole é a consolidação das estruturas que permitam o pleno desenvolvimento da economia em detrimento dos interesses e desejos da sociedade, subjugando a prática socioespacial aos interesses da reprodução econômica e política, aqui o homem se torna coadjuvante, uma figura de excesso na metrópole. Nessa direção argumentativa o relatório apresenta a ideia que a desapropriação dos moradores tem um efeito positivo à medida que prevê preços de mercado, no caso das desapropriações opção do proprietário receber parte em CEPACs. 185 O aspecto modernizador importante apresentado no projeto da Operação Urbana Faria Lima é a participação da iniciativa privada através da compra dos CEPACs 186, pois permitiria, 179 Id.ibid. p Id. Ibid. p Id. Ibid. p Grifo meu. 183 Id. Ibid. pp.362/ Lefebvre, Henri. Posição: contra os tecnocratas. São Paulo, Documentos, 1969, p EIA-RIMA, op.cit., p O CEPAC é um título a partir do qual a prefeitura poderá negociar o aumento da área a ser construída numa determinada região da cidade depois que a alteração de zoneamento for aprovada pela Câmara a partir de uma operação urbana. Foi tido como elemento inovador no processo de estabelecimento da Operação Urbana Faria Lima: o CEPAC aparece como contrapartida a ser paga pela iniciativa privada pelo processo de valorização do solo urbano, decorrente da ação do Estado no espaço. É assim que consta da lei que em seu artigo 27 escreve que as despesas decorrentes da execução da presente lei ocorrerão por conta dos recursos disponíveis na conta vinculada à Operação Urbana Faria Lima,

111 111 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s em tese, realizar as obras de prolongamento da avenida sem ônus para o orçamento da prefeitura aparecendo daí sua relevância alta, pois trata-se de um mecanismo que permitiria tributar os proprietários privados pela valorização do solo urbano decorrente da Operação Urbana. A chamada reforma urbana, também permitiria a a implantação dos melhoramentos viários, estabelecendo novo padrão, quanto os desdobramentos da Operação Urbana vão impor à paisagem novos referenciais. (...) a consolidação de novos referenciais deverá constituir um impacto de lenta absorção, à medida que forem surgindo as edificações, determinando o padrão urbano resultante. 187 Num arroubo de sensibilidade o relatório apresenta como elemento negativo, no bojo desse impacto, uma possível piora das condições de vida desse contingente de famílias (os locatários). Por exemplo, a quebra das relações de vizinhança e de hábitos estabelecidos constituem perturbações na vida dessas famílias, no sentido maior de dificultar sua reinserção social, cultural e econômica 188. Mas a conclusão reintroduz novamente a ideia de que a Operação Urbana não trará mudanças relevantes para a vida das pessoas; a mudança nos referenciais culturais, constituindo um impacto permanente, de magnitude média, porém de baixa relevância. 189 As conclusões são elucidativas do modo como se pensa o ato de habitar a cidade para a realização das desapropriações. A condição de inquilino não representa problema posto que, segundo o relatório, sua própria condição é precária e a lei do inquilinato permite ao proprietário requerer o uso do imóvel, o que configura uma situação instável por si (...); no que diz respeito aos inquilinos, não se considera que o empreendimento em si seja o causador do deslocamento desta população, mas apenas intensificador, em um dado momento, de um processo a que estes estão sujeitos pela força da lei. 190 A desapropriação dos proprietários de terrenos também não parece apresentar maiores consequências visto que, em suas conclusões, o relatório insiste na argumentação de que a natureza das obras, objeto deste estudo, demonstra que se trata de caso de desapropriação motivada pela utilidade pública, que se dá quando as transferências dos bens particulares visa a realização de obras que irão beneficiar a comunidade. 191 Ora a questão que os movimentos colocam é exatamente questionar esse benefício - o que o relatório deveria estudar é exatamente a relevância do projeto para a comunidade. O que se vê é um estudo que justifica a necessidade, na metrópole, de uma rede viária capaz de permitir o aumento da velocidade nos eixos viários de ligação, bem como criar as condições necessárias ao crescimento das atividades econômicas da metrópole. O ponto central da crítica ao relatório referese ao modo como aparece a cidade e como desaparece o habitante, na desconsideração, das contradições entre o valor de troca e o valor de uso do espaço que se explicitam na sociedade de recursos próprios da EMURB e ainda de dotações próprias. É com esse objetivo que a Operação Urbana aparece como a possibilitadora de condições efetivas para que os investidores, proprietários de imóveis beneficiados com a implantação dos melhoramentos viários forneçam os recursos necessários à sua viabilização sem qualquer ônus para a municipalidade. Promovendo a valorização da paisagem urbana e a melhoria da infraestrutura e qualidade ambiental, estimulando o melhor aproveitamento dos imóveis). Se considerarmos a cidade em sua função econômica, o aproveitamento seria obtido, diretamente, como possibilidade de adensamento de áreas urbanas a partir da verticalização dos imóveis onde os espaços públicos seriam definidos pelos espaços de circulação dos automóveis. 187 Id. Ibid. p Id. Ibid. p Id. Ibid. p Id. Ibid. p Id. Ibid. p.440.

112 112 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole urbana sob o discurso, do interesse público. É assim que os custos sociais decorrentes das bruscas alterações sobre as condições de vida da população, deslocada pelo empreendimento, encontram-se mitigados, em parte pela desapropriação por valor de mercado, bem como pela possibilidade de participação na operação urbana pela compra de CEPAC s. Avalia-se ainda, como pequena a parcela da população na área a ser diretamente atingida por desapropriação em relação a população beneficiada. 192 Aqui a lógica da rentabilidade e da dominação ligada a reprodução das relações sociais, pesa sobre a vida privada onde o urbanismo só pode ser concebido como munido de poderes, subordinado à autoridade política. 193 A conclusão do relatório é clara: os benefícios decorrentes da implantação do empreendimento consolidando o papel funcional do eixo Faria Lima - Berrini e dos bairros por estes atravessados, terão aumentadas suas vantagens locacionais. Esta nova configuração deverá atrair atividades e, em decorrência, empregos no setor terciário, contribuindo para a valorização dos imóveis dos bairros da área No que diz respeito ao sistema viário, a implantação das ligações viárias propostas, constituindo um eixo auxiliar às avenidas marginais do Rio Pinheiros, promoverá a ligação de vias radiais, complementando a rede viária da cidade, como preconizado nos Planos Diretores e nos Planos de transporte elaborados há décadas. Essa ligação viária aumentará a velocidade média de circulação de veículos, diminuindo os tempos de viagem e contribuindo para a melhoria da qualidade do ar. É importante lembrar que mais de um milhão de pessoas circulam diariamente nesta região e portanto a economia nos tempos de viagem trará grandes benefícios sociais. 195 No que se refere as medidas mitigadoras e levando às últimas consequências o discurso ambiental como discurso vazio e ideológico, o EIA- RIMA propõe a manutenção de uma árvore o que seria capaz de mitigar um dos impactos negativos da Operação. Isto é, para a potencialização dos impactos positivos - propõe-se a avaliação da possibilidade de adequação do traçado viário do prolongamento da Avenida Brigadeiro Faria Lima, na altura das ruas Aspásia e Sertãozinho, no sentido de preservar o conjunto de árvores ali existente, em especial de um exemplar de jequitibá rosa, notável pela inexistência de exemplares desta espécie na cidade e pelo seu porte. 196 Mas também preocupado com a valorização do pedestre deve ser considerada como de fundamental importância, conforme preconizado na lei orgânica do município 197 o programa de recomposição da paisagem das áreas necessárias para a implantação do sistema viário associado a Operação Faria Lima, [pois] sabe-se que parte será utilizada para acomodar o empreendimento e parte constitui remanescente de desapropriação, não edificáveis, para as quais não existe ainda destinação específica. Além disso, é preciso considerar a dinâmica urbana que continuará se desenvolvendo na área, potencializada pela presença do empreendimento; [nesse sentido o relatório propõe um] projeto de paisagismo para canteiros do sistema viário a ser implantada e o tratamento adequado dos remanescentes de desapropriação O projeto de paisagismo (..) deverá atender a uma 192 Id. Ibid. p Lefebvre, Henri. Posição: contra os tecnocratas, op.cit. p EIA-RIMA, op.cit. p Id. Ibid. p Id. Ibid. p Id. Ibid. p Id. Ibid. p. 41.1

113 113 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s multiplicidade de condicionantes, sejam de caráter estético, enquanto co-definidor do espaço urbano, sejam relativos ao conforto ambiental, enquanto regulador de microclima, sejam de interesse para flora e fauna, enquanto formador de ambientes capazes de sustentar determinadas espécies animais. 199 Se se quer valorizar o pedestre me parece estranho que o paisagismo aparece como uma preocupação com o canteiro central da avenida; esse é definitivamente um lugar onde o pedestre só vai se utilizar para tentar atravessar a via semi-expressa (esse é um dado fundamental, numa avenida semi-expressa a velocidade é alta e a insegurança no canteiro central tem impedido o uso, para os velhos e crianças. O aumento dos carros nas ruas - que não é ignorado no relatório longe de permitir aos moradores do bairro realizar sua antiga ação de andar pelas ruas os tranca em casa. A realização do empreendimento, a arborização ao longo dos eixos propostos, assim como áreas verdes criadas a partir da operação urbana, irão complementar as áreas hoje vegetadas, propiciando melhora na qualidade ambiental da área de influência través desse componente 200 ; o que não é verdade. Assim, o relatório reforça a ideia de que o processo que será desencadeado pela Operação Urbana é natural, e faz parte das necessidades do processo de crescimento inexorável da metrópole. Os argumentos se desenvolvem a partir de um esquema simplificado de metrópole, onde a naturalização encobre o significado econômico e político do projeto; escondendo suas estratégias - uma racionalidade de organização que funda a ideologia. A argumentação técnica reduzindo o raciocínio sobre a cidade à sua dimensão econômica retoma o velho discurso que procede de um certo conhecimento que acaba por se referir a si mesma e a seu próprio contexto - a operação em si - enquanto projeto viário, proposta enquanto uma solução ao trânsito caótico da metrópole capaz de viabilizar o projeto modernizador de cidade global neste fim de século. Deste modo, o EIA- RIMA não faz mais do que reforçar o projeto da tecnocracia, e nesse sentido o espaço tem se prestado as estratégias de dominação enquanto regulação do espaço e tempos sociais. Seu discurso justifica a Operação Faria Lima agindo no sentido de reforçar estado exerce sobre a sociedade; um poder que se realiza violentamente na vida cotidiana a fim de manter nos contextos da cotidianeidade e de suprimir-lhes a consciência da coação 201 e que se exerce sob a forma de terrorismo, da manipulação das consciências enquanto código que estipula o que é evidente e necessário. O estado tutelando a sociedade, reprovando ou esmagando quaisquer formas de contestação, estabelece seu caráter terrorista reforçado pelo pseudoconhecimento técnico, embasando e justificando o ato estratégico de poder. De um lado, Paulo Maluf como um prefeito que faz concretamente a cidade moderna, com suas obras monumentais demonstra que a ação do Estado não se limita a gerir, pelas vias administrativas a existência social e privada, ele procede por meios indiretos através do espaço, produzido-o enquanto meio de dominação 202, isto é, 199 Como sempre, pensa-se em tudo menos no habitante: O projeto deverá responder às novas relações espaciais que resultarão das intervenções previstas, ou seja, deverá conter resoluções capazes de contribuir para a estruturação do espaço urbano (...) para tal resultado, poderão ser utilizados tanto espécies em copas mais fechadas Id. Ibid. p Id. Ibid. p Lefebvre, Henri. Posição: contra os tecnocratas, op.cit., p Id.ibid., p. 46.

114 114 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole controla as relações sociais através da aplicação de estratégias definidas no nível do estado (o que envolve a consideração do conhecimento e da técnica na reprodução do espaço). O EIA-RIMA fecha todos os horizontes e todas as possibilidades de se pensar a metrópole que não a combinação estrita de elementos que a sistematizam em uma pretensa objetividade: um espaço sem história, sem gente, sem contradições, enfim, apresenta uma análise esvaziada de conteúdo crítico como triunfo do jargão técnico. É assim que os embates políticos capazes de revelarem o papel estratégico do poder na orientação das soluções técnicas são minimizados, quando não ignoradas. Assim o relatório aparece como vertente científica capaz de dar sustentação a ação política, legitimando-a; seu aval significa, portanto, que o projeto tem a legitimação da ciência; na realidade obscurece o fato de que a reprodução social envolve a produção espacial através da realização de uma lógica da ação política, da gestão das relações sociais pelo estado; o que se realiza pela incorporação das relações de dominação através de operações políticas. Nesse sentido, a natureza da intervenção do estado garante a exploração multiforme e a igualdade na exploração mútua e recíproca (isto porque a lei garante a igualdade e nestes a manutenção da desigualdade). A relação economia/política gesta-se e é impulsionada pelo Estado que se concretiza espacialmente ganhando a dimensão global, encerrando a reprodução nos quadros políticos, pois a partir de um certo momento o Estado passa a assegurar as condições de reprodução através das relações de dominação e o que isto implica) como tarefa primordial 203. A produção de um espaço racional-funcional implica um projeto e uma estratégia que envolve: a) o mercado imobiliário (enquanto extensão da propriedade privada); b) o desenvolvimento dos serviços na metrópole mundial apelando para as condições econômicas de sua reprodução; c) o planejamento que vê a cidade como esquema prático de circulação viária para o transporte individual. Neste quadro, o espaço social e político, hoje, é ao mesmo tempo real e operacional, dado e instrumento, necessidade e virtualidade; é produto, mas também produtor e reprodutor na manutenção das relações de dominação, conforme apontado por Lefebvre 204. Realizados com objetivos claros, fundado na instrumentalização do conhecimento e não na crítica, o relatório poderia trazer elementos que orientasse um debate sobre gestão política do espaço. Ao contrário, a Operação Urbana aparece, no documento, com dom da eficácia, como a única ação possível do planejar a cidade ; dispositivo que dispõe e ordena. Deste modo, institucionalizado, o saber se imobiliza, pois perdeu o sentido crítico, revelando -se como atividade produtiva na medida em que legitima o processo de produção do espaço enquanto condição da reprodução ampliada do capital e como instrumento político legitimando a reprodução do espaço (enquanto espaço da dominação). A superação da crise ou dos problemas da cidade de São Paulo aparecem enquanto solução técnica - uma resposta racional aos problemas colocados pela prática socioespacial ignorada. O automóvel (substituindo os meios de consumo coletivo), como objeto de prestígio e poder social, vai determinando os horizontes e limites do planejamento que visa a busca 203 Id.ibid. 204 De L Etat, op cit.

115 115 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s da eficácia técnica da cidade 205, onde necessidade de investir no sistema viário se articula aos interesses dos setores econômicos da metrópole associados como os de produção, àqueles dos empreendedores imobiliários que produzem diretamente o espaço. A cidade, nascida da história da civilização, enquanto obra humana se reduz ao plano físico de um espaço organizado sob a égide de um urbanismo racional, onde o estado se encarrega de enfrentar e resolver os problemas urbanos reorganizando a prática socioespacial, a vida cotidiana através das mudanças nas formas de apropriação da metrópole, sem críticas. Assim a particularidade do espaço se reduz ao estritamente formal e racional, sob o discurso da busca de uma solução técnica e racional para resolver problemas da metrópole de modo pontual; a lógica do poder se instaura e a rentabilidade do setor imobiliário se mantém. Deste modo, as instituições pesam sobre a sociedade e o relatório realiza sua função de mercadoria vendido pelas firmas de consultorias, que realizam os relatórios de impacto ambiental, tornando-as lucrativas. 205 Id. Ibid. pp. 40/41.

116 116 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole 2.4 Vendendo o Ar Nada se identifica mais com a ideia do moderno, na metrópole, do que o vazio proveniente da monumentalidade das construções no espaço: largas avenidas articuladas por pontes e viadutos, altos edifícios envoltos em vidros, túneis construídos sob rios. São elementos que conferem à metrópole uma aparência exuberante e falsa. La primera impressión de que aquel mundo no tiene raíces, perdura. 206 Os prédios de escritórios de padrão AA 207 que começam a pipocar em São Paulo, pontuando o espaço como símbolo do falso - simulacros de uma nova era - exemplos máximo da segregação espacial; são o exemplo desta falsa aparência através da qual a modernidade vai se concretizando. Nada más poético y terrible que la lucha de los rascacielos com el cielo que los cubre. Nieves lluvias y nieblas subraian, mojan, tapan las imensas torres, pero, éstas ciegas a todo juego, expresan su intención fria enemiga de misterio y cortan los cabellos a la lluvia, o hecen visibles sus tres mil espadas a través del cisne suave de la niebla. 208 Nesses tempos modernos, senhores engravatados, num ambiente exclusivo, completamente artificial tocam a economia globalizada com a prepotência daqueles que acham que sabem o que é bom para o país longe dos olhares dos pobres, em ambientes assépticos, climatizados, mas antes de tudo, atentamente vigiados e controlados. Lá fora, bem abaixo, no nível da rua, crescem as angústias daqueles que veem seu destino ser traçado sem serem ouvidos; são os habitantes que veem, do dia para a noite, desabar sua casa, conseguida com tanto sacrifício e sem ter para onde ir; são os desempregados, os subempregados que vendem cachorro quente nas suas vans reluzentes, os meninos de rua, os sem teto, sem - escola, os sem - nada, etc... Los dos elementos que el viajero capta en la gran ciudad son: arquitectura extrahumana y ritmo furioso. Geometría y angustia. En una primera ojada el ritmo puede parecer alegria, pero cuando se observa el mecanismo de la vida social y la esclavitud dolorosa de hombre y máquina juntos, se comprende aquella trágica angustia vacía que hace perdonable por evasión asta el crimen y el bandidaje. 209 Embalada pelo pseudodiscurso da modernidade a metrópole paulista tem seu espaço reproduzido como um conjunto de formas, sempre cambiantes, que em suas luxuosas linhas e cores mostram algo inalteravelmente material. Uma sensação que apela para os olhos na sua solidez, aparente, de formas múltiplas, mas sem estilo, posto que terrivelmente semelhantes, reféns de uma criatividade fria e limitada. En ningún sitio se siente como allí la ausencia del espíritu; manadas de ombres que non pueden pasar del tres y manadas de hombres del seis, desprecio de la ciencia pura y valor demoníaco del presente. Y lo terrible és que toda la multitud que lo llena cree que el mundo será siempre igual y que su deber consiste en mover aquelle gran máquina noche y día y siempre Aqui São Paulo se assemelha às imagens de Nova York criadas pelo poeta Frederico García Lorca em seu livro Poeta en Nueva York, Barcelona, Lumen, s/d. Verso do poema Valsa en las ramas, p Segundo padronização auferida pela Bolsa de Valores Imobiliários de São Paulo. 208 Id.ibid., p Id.ibid., p Id.ibid., p.28.

117 117 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Um dinamismo que apela às necessidades do processo modernizador. Na metrópole superedificada, o ritmo do que se convencionou chamar progresso destrói constante, e ininterruptamente, áreas habitadas da metrópole, ou mesmo, bairros inteiros, com o objetivo de construir, incessantemente, novas formas, e com isso novos usos, provocando o desaparecimento das marcas e referenciais do passado histórico impressos nas construções, nas fachadas, nos desenhos das ruas e praças, pela acumulação de tempos. A urgência do tempo se revela na necessidade da construção de um número cada vez maior de novas vias de trânsito rápido, pontes, viadutos, que traz, como consequência, o aprofundamento do processo fragmentação do espaço e o rompimento do tecido urbano pela generalização da mercantilização do espaço. O arquiteto Robert Moses, acrescenta uma ideia interessante ao debate; afirma que quando você atua numa metrópole superedificada, tem de abrir seu caminho a golpes de cutelo. Eu vou simplesmente continuar construindo. Vocês façam o que puderem para impedi-lo. 211 As transformações na paisagem urbana paulista parecem ser a expressão mais contundente deste pensamento, que na realidade se apoia num entendimento sobre o que é, pode ou deveria ser a metrópole. Um tempo novo se impõe pela transformação do espaço metropolitano mostrando um construir-se incessante que, pela velocidade com que se realiza, vai aniquilando o construído com a perspectiva de criar mais e infinitamente novas formas. É por isso que as constantes metamorfoses que ocorrem na metrópole parecem produzir as imagens da ruína e devastação moderna. Uma charge de Prestes Maia, realizada em 1941, quando era prefeito de São Paulo, representando-o com um chapéu e picareta na mão, é ilustrativo do modo como esse processo permeia a ideia de planejar a cidade. A modernidade se impõe com o discurso do novo - identificado com o progresso e este com a velocidade e com o poder da técnica - sobretudo no espaço, onde a possibilidade da edificação em altura e de construção de novas avenidas capazes de aumentar os fluxos, apelam para a construção das cidades voltadas para os imperativos da circulação, sob a égide do uso do automóvel. Em São Paulo, as vias expressas não raras, transformam-se em seu oposto, o movimento de carros é tão vagaroso que produz efeito contrário, aproximando-se da imobilidade; daí a necessidade constante de construções de uma avenida nova ainda mais larga e rápida. O processo de transformação da cidade, que ocorre de forma violenta e, em pouco tempo, traz consequências importantes nas transformações na vida cotidiana do cidadão, transformando sua relação com a metrópole. Com isso, a dialética construção - destruição do espaço como movimento de sua reprodução, reproduz imobilidade e ausências, vazios e estranhamentos. As novas máquinas cada vez mais velozes e modernas se imobilizam em meio a uma floresta de carros; e as vias, verdadeiras cicatrizes urbanas vazias de pedestres, tornam-se obsoletas, antes mesmo de envelheceram. Assim, produz-se o espaço da fluidez e da fugacidade - como projeto de cidade. Tendo como pressuposto do processo de produção do espaço a contradição entre sua produção socializada e sua apropriação privada (que repousa na existência da propriedade privada da terra) a metrópole se produz na contradição entre os interesses em conflito do poder político, 211 Máximas de Robert Moses apud: Berman, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. A aventura da modernidade. São Paulo, Cia. das Letras, 1986, p.274.

118 118 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole dos empreendedores imobiliários, dos empresários e do cidadão que habita esse espaço. Essa contradição assume situações renovadas, em função do momento, revelando o modo como se perpetua em nossa sociedade, gerando uma preponderância do valor de troca sobre o uso no processo de reprodução do espaço urbano. Nas palavras de Lefebvre, a grande contradição do mundo atual é a vitória do valor de troca sobre o valor de uso. Tal fato implicaria, necessariamente, numa produção espacial que visaria as estratégias dos empreendedores imobiliários e uma luta entre estes e os interesses do Estado, produzindo, nesse conflito, o que Lefebvre chama de telescopage. Mas há momentos em que esses conflitos se atenuam na busca de soluções para o impasse criado pelas contradições do processo de reprodução do espaço. Nesse raciocínio explica-se, em de São Paulo, desde o projeto da Nova Faria Lima, a criação da Avenida Luís Carlos Berrini, a construção do Memorial da América Latina, ou mesmo o ajardinamento dos canteiros centrais das avenidas, onde as cercas com propaganda escondem as pequenas mudas das plantas etc. Mas evidentemente, numa cidade onde se exorta o bota abaixo como tendência inequívoca e única da modernidade, o debate em torno do sentido de estranhamento do cidadão diante de um espaço metropolitano sem referências, parece insólito e ultrapassado. Na realidade, planeja-se o espaço sem sequer pensar na existência de vontades e necessidades do cidadão, muito menos de seus sentimentos diante da efemeridade das formas construídas, sempre cambiantes, que marcam o cenário da modernidade, patrocinadas pelo desenvolvimento técnico, embalada pela ideologia do progresso, que tem na metrópole sua expressão mais acabada. Nessa direção, assiste-se à realização de um urbanismo que abdicou de seu possível papel social para se subjugar ao político e a sua estética, acentuando a fragmentação e a segregação espacial. Caminha-se no sentido contrário à ideia de que os mais belos jogos da inteligência não são nada para nós. A economia política, o amor e o urbanismo são os meios que precisamos para a resolução de um problema que é, antes de ordem ética. Nada pode dispensar a vida de ser absolutamente apaixonante. Nós sabemos como fazer. 212 A paisagem urbana expressa, nas suas formas construídas, as metamorfoses que apontam o processo de ajuste da sociedade às reviravoltas que dá o capitalismo para continuar sendo o que sempre foi, e de cujas metamorfoses a paisagem urbana é sua fachada mais visível. 213 A cidade tem uma dimensão estética, suas formas se associam a possibilidade da construção de obras de arte feitas pelo homem. A obra tem o sentido da harmonia e do eterno. Mas neste fim de século, a arte também terá que ser diferente, um objeto efêmero 214, como a cidade. Mas como pensar no que perdura, naquilo que ao longo da história foi feito para durar como prova máxima da capacidade do homem de produzir, para além de sua vida material imediata, um modo de ver, sentir, prever e, sobretudo, viver o mundo? Como pensar o sentido da cidade numa sociedade em que o sujeito se enfraquece e, faz-se tábula rasa do passado, onde o horizonte histórico encolheu, as energias utópicas parecem esgotadas (...) [pois] a estética relativamente 212 Bulletin d information du groupe français de l Internationale Letristte, in: Potlach, Paris, Galimard (folio essais), 1996, pp.15/ Arantes, Otília. Urbanismo em fim de linha. São Paulo, EDUSP, 1998, pp.12/ É o caso da instalação.

119 119 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s estável do modernismo fordista teria cedido vez à instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que celebra a diferença, e efemeridade, o espetáculo, a moda etc. 215 Otília Arantes, ao analisar a arquitetura no movimento Moderno Brasileiro, admite que o padrão funcional moderno foi definhando, por razões internas, até sucumbir ao formalismo das soluções padronizadas ; a via do que muitos arquitetos tentaram, era, devolver um sentido à cidade preservando o patrimônio e respeitando o entorno, mas acabaram se transformando numa espécie de alegação ideológica dos gestores urbanos como formas de recomposição de uma identidade ou de uma vida social inexistentes (...) o que acaba ocorrendo é no mais das vezes, uma espetacularização do urbano, uma espécie de encenação de uma vida pública que deixou de existir. 216 A Autora chama atenção para o fato de que o esforço de salvação da cidade menos dores de cabeça dava ao establishment. Aos poucos estava se tornando uma forma de escamotear conflitos, de excluir populações. Na cidade comunicante (para alguns, este é o paradigma), a pluralidade acaba reduzida ao décor cultural. Ao lado da tradicional especulação imobiliária, temos agora fisionomias urbanas definidas por uma nova estratégia empresarial que assumiu a função de estimular as identidades locais, através da criação de imagens enfáticas de um mundo higiênico e livre do fantasma da anomia social. 217 Os espaços públicos imaginados como eventual possibilidade de permitir encontros, na realidade, com sua assepsia e monumentalidade de linhas arrojadas e modernas acabaram por produzir, dentro das regras estéticas da normatização dos espaços simbolizando a ausência, o vazio da vida, sem significado, estranhos à prática social uma vez que impostos. Baseado numa racionalização formal, esses espaços se acham submetidos ao domínio material da reprodução da vida. 218 Esse é o contexto em que se materializam as renovações urbanas na metrópole, submetida a uma a política urbana baseada na racionalização instrumental. A arquitetura que Carlos Bratke impõe à paisagem da região da Avenida Luís Carlos Berrini essa preocupação travestida do que pretende ser estilo e autenticidade, hoje, é a expressão de uma moda que se impõe ao espaço. No caso Brakte, este repete nos mais de 50 edifícios construídos, o mesmo modelo, dando uma aparência quase homogênea à área, (como a negação do novo) um padrão racional imposto pela técnica e falta de poder criativo. Aqui a racionalização do espaço revela a busca da competitividade, onde o prédio inteligente é sua expressão máxima. O novo estilo arquitetônico é o aproveitamento perfeito do espaço que aparece no jargão do mercado imobiliário como qualidade do espaço, o que obriga a contenção máxima dos custos fixos num ambiente cada vez mais dirigido ao aumento da produtividade agora exigida por novos padrões de competitividade, assentadas no progresso técnico, fundamento da sociedade produtivista. O setor da população ativa, diretamente ligada ao setor produtivo apresenta, neste século, uma tendência inexorável à sua diminuição; na era do fim do emprego o setor industrial se reproduz com uma diminuição de empregados em detrimento do setor de serviços, que necessita 215 Id. ibid. pp. 31 e Id. ibid., p Id. ibid., p Id. ibid., p.22.

120 120 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole novos espaços em novas áreas para alavancar essa transformação. O que significa que, em grandes áreas da metrópole, o uso do solo vem se transformando e, com isso, redimensionando as funções dos lugares na hierarquia espacial (como é o caso da área de pesquisa deste trabalho). As transformações que se realizam em várias escalas espaciais, se referem inclusive àquela da empresa onde a informática revolucionou o espaço interno dos escritórios com novas exigências de funcionamento, influenciando até o tipo de mobiliário. 219 Assim, a flexibilização das atividades produtivas requer uma nova trama espacial, uma nova hierarquia entre os lugares (a partir das mudanças na divisão espacial do trabalho) e também requer a flexibilização dos espaços internos dos imóveis. O espaço construído deve se transformar em todas as escalas, em função da imposição dos novos padrões de competitividade. Na outra vertente, a da possibilidade de que, mesmo num ambiente exclusivo, os executivos não estão a salvo do contato com as massas, cria-se um sofisticado sistema de segurança e vigilância. Em alguns casos se procurará expulsa-las de suas proximidades. A Operação Urbana Faria Lima, por exemplo, propiciou a erradicação de das áreas de favela da região, promovendo uma assepsia do espaço; quando não é a prefeitura que garante esse processo, os empreendedores imobiliários oferecem dinheiro para que os favelados se mudem, liberando a área. Adalberto Bueno Neto, dono da construtora RGB, afirma que ao construir o projeto Ácqua, na Vila Olímpia em São Paulo, deparou-se com uma favela de 146 barracos numa área que lhe interessava adquirir; portanto, entrou em negociação com os favelados, que em troca de cruzados novos e do pagamento da mudança venderam seus barracos. Na esteira da moda de se exportar mendigos para outras regiões e de promover a expulsão dos favelados para a periferia da malha urbana, limpam-se as áreas nobres preparando-as para novos investimentos. No processo, aprofundamse a contradição entre valor de troca e valor de uso através da generalização da mercantilização do espaço da metrópole A construção dos escritórios 220 A Operação Urbana Faria Lima transformou o uso do solo e, como decorrência, produziu uma nova inserção funcional da área no espaço metropolitano. Aqui, espaço e o tempo urbanos se modificam, impondo uma outra urbanidade através de uma racionalidade (organizadora e operacional) que envolve o nível da gestão do espaço propiciando a expansão espacial do valor de troca. A generalização do valor de troca no espaço, englobando-o ao mundo da mercadoria (na condição de mercadoria) aparece como possibilidade de realização do consumo produtivo do espaço, que é o que está na base dos processos de transformações dos bairros analisados (no que se refere ao plano da produção mercantil do espaço). O espaço nesta condição se reproduz enquanto 219 A flexibilização das atividades também requer a flexibilização de espaços, (imóveis amplos, onde as paredes são cada vez mais substituídas por divisórias, iluminação diferenciada, refrigeração) até os móveis (alturas dosadas, estantes reguláveis, cadeiras anatômicas para digitação, dutos para passagem de fios, tudo isso para fácil manuseio e economia de espaço). 220 Os dados aqui, apresentados, foram organizados a partir de três fontes: de dados primários: Bolsa de Imóveis de São Paulo, EMBRAESP e Secretaria do Planejamento, Prefeitura de São Paulo.

121 121 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s mercadoria sob a forma de áreas incorporáveis liberadas para a construção de prédios para escritórios, a partir das necessidades de crescimento do mercado imobiliário, daquelas impostas pela terciarização / terceirização da economia, bem como pelas necessidades de investimento do setor financeiro da economia. Nesse contexto, o uso da cidade subordina-se cada vez mais à troca e a reprodução do valor de troca que submete o uso às necessidades do mercado imobiliário, associando às necessidades da construção de um espaço para o desenvolvimento de uma nova atividade produtiva. No caso em questão, há uma aliança de interesses entre o mercado imobiliário e os setores produtivo e financeiro na construção do novo espaço. De um lado o setor imobiliário, para continuar se reproduzindo, necessita sempre de novas estratégias capazes de permitir sua reprodução através da incorporação ao mercado de novas áreas; de outro, o setor produtivo vê-se diante de novas necessidades quanto ao espaço construído para sua expansão de sua atividade, mas ambos necessitam de uma infraestrutura moderna para sua realização. A generalização da propriedade privada do solo urbano, bem como o esgotamento das áreas centrais, enquanto oportunidade de negócios na metrópole produzem a raridade do espaço; assim, a interferência do Estado criando novas possibilidades é fundamental para a reprodução destes setores: a mudança da legislação permitindo mudanças na lei de zoneamento com a possibilidade de remembramentos espaciais e a possibilidade do aumento do coeficiente edificável, que vai permitir a verticalização da área, permite a realização das transformações necessárias ao desenvolvimento da economia como um todo. Na realidade, a necessidade da reprodução do capital aparece travestida de uma necessidade social imposta enquanto de interesse público, criando a representação necessária que dissimula os conflitos de interesses, apoiado no discurso da modernização. O investimento produtivo no espaço se sobrepõe ao investimento improdutivo, regulando a repartição das atividades, os usos, e com isso, a atividade econômica. O uso do espaço e a regulação do tempo desestruturando o bairro e a vida no bairro, cristaliza-o dentro de limites fixos gerando o conflito entre valor de uso e valor de troca do espaço. Do ponto de vista do espaço do uso (na dimensão da vida), a Operação Faria Lima aparece como elemento desestruturante, porque quebra as relações entre as pessoas e destas com o espaço da vida, isto porque, as táticas políticas visam sempre o imediato e o urbanismo, sujeito a organização geral da produção, aparece como dispositivo material para a organização da acumulação; uma reprodução material, que controla a vida cotidiana pela programação do espaço. Do ponto de vista do valor de troca, a OUFL, através da liberação da área ocupada por pequenos e antigos proprietários, bem como com a instalação de infraestrutura, permite a organização do eixo empresarial e instalação de nova atividade de serviços. Assim, os lugares da metrópole se submetem aos centros de decisão; a homogeneidade se impõe sobre a possibilidade da diferença, enquanto a possibilidade de apropriação pela imposição da troca e do valor de troca no espaço, reduz o espaço da vida. Uma das hipóteses da pesquisa, aponta para o processo de mercantilização do espaço, enquanto condição da reprodução do capital, que só pode se realizar, num determinado momento do processo de urbanização (momento em que a expansão econômica se depara com a raridade do espaço mercadoria enquanto condição de produção) pela mediação do Estado. Com isso, através de mecanismos de gestão, o Estado interfere na reprodução espacial, não apenas redefinindo usos e

122 122 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole função do espaço, mas alterando, substancialmente, a prática espaço-temporal. Nesse sentido iremos analisar as tendências e mudanças do mercado imobiliário no momento do debate e realização da OUFL; que para os habitantes revela o interesse imobiliário na região. No conjunto da cidade a parcela específica do espaço tem seu valor determinado pelo fato de que o urbano se produz, de um lado, como condição geral de trabalho da sociedade, portanto, enquanto trabalho social geral materializando um processo espacial, que por um lado, se realiza a partir do processo de produção de mais valia e de sua viabilização, e de outro como produto deste processo. O desenvolvimento do processo de reprodução do urbano englobando terras até então ociosas ou rurais dá-se através de um processo de integração que tende a aumentar a demanda pelo solo urbano; nesse sentido a solo passa a assumir suas características de forma cada vez mais segregada, além daquelas de meio de produção, para ser incorporada ao universo dos bens necessários à manutenção da vida, através dos modos de habitar e de tudo que ele implica. Por outro lado, seu monopólio separado das condições de meio de produção ou moradia, e a partir do desenvolvimento delas, passa a ser fonte de lucro na medida em que entra no circuito econômico como realização (econômica) do processo de valorização que a propriedade confere ao proprietário. O processo de formação do preço do solo urbano, como manifestação do valor das parcelas do espaço, leva em conta, desde processos cíclicos de conjuntura nacional (que incluem a forma de manifestação de processos econômicos mundiais), até aspectos políticos e sociais específicos de determinado lugar. Esses fatores vinculam-se ao processo de desenvolvimento urbano, que, ao realizar-se, redefine a divisão espacial, e com isso o valor das parcelas do espaço. Este valor será determinado em função do conjunto ao qual pertencem, e é nesta inter-relação entre o todo e a parte, que ocorre o processo de valorização real ou potencial de cada parcela do espaço. No cerne da questão, está a localização de cada parcela em relação àquela determinada pela produção espacial geral (a relação entre terreno-bairro, bairro-cidade) e, portanto, varia em função do desenvolvimento das forças produtivas; isto porque, a produção espacial é diferenciada e contraditória, conferindo valores as parcelas do espaço diferencialmente. 221 Em função da existência do monopólio, concedido pela propriedade privada do solo urbano, podemos afirmar que o processo de valorização não depende apenas da incorporação de trabalho (instalação de infraestrutura) na metrópole; podendo também ser influenciada por mecanismos econômicos que alteram a relação oferta-demanda no mercado imobiliário, caso das crises econômicas, das flutuações dos juros e das bolsas de valores, das estratégias imobiliárias e da reprodução do espaço enquanto raridade, bem como pelos limites impostos pelo poder público no estabelecimento de normas de zoneamento e da criação de um Plano Diretor para a cidade - impondo mudanças que redefinem usos, funções e preços provocando a valorização/desvalorização das áreas. Em São Paulo, o setor imobiliário apresenta ciclos de desenvolvimento e de estagnação em função dos ciclos econômicos que se inserem no quadro político-econômico nacional, mas que se concretizam nos lugares. É assim que em momentos de crise ele se retrai, (caso do Plano Collor), e 221 Carlos, Ana Fani Alessandri. A (re)produção do espaço urbano. São Paulo, EDUSP, 1996, pp

123 123 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s em momentos de estabilidade econômica ele se expande, (Plano Real), direcionando os investimentos e, com isso, interferindo nos mecanismos produtores da cidade. Nossa análise se realiza privilegiando as décadas de 80/90, momento em que se materializa a tendência de constituição/consolidação espacial de um novo eixo empresarial-comercial na metrópole em contrapartida à tendência de diminuição de importância do Centro histórico da cidade; uma tendência que já se delineava nos anos 70. É nesse momento, também, que a metrópole vai esboçando a tendência de transformação do peso do setor produtivo industrial, com seu deslocamento para outras áreas, assumindo um novo papel na divisão espacial do trabalho. Ocorre no final da década de 70 e nos anos 80 o esgotamento dos terrenos passíveis de serem incorporados para escritórios na cidade de São Paulo, o que significa que o desenvolvimento desse setor deverá buscar novas alternativas locacionais para permitir a reprodução de sua atividade. É nesse contexto que os edifícios de escritórios começam a ser construídos na região da Avenida Luís Carlos Berrini como um lugar propício a expansão desta atividade em função das áreas livres e do zoneamento adequado. 222 A década de 80, bem como os dois primeiros anos da década seguinte, revelam na metrópole, que o maior acréscimo de área construída 223 ocorre nas regiões sudoeste com 13 milhões de m 2 seguidas pelas regiões sul e leste, mas voltadas para usos diferentes. Enquanto, 69% nas regiões sul e leste a construção está voltada ao uso residencial, na região sudoeste o uso está predominantemente voltado para a construção de edifícios de escritórios, a partir do adensamento das áreas com a construção verticalizada, enquanto na região leste a expansão do espaço construído se refere a construção horizontal, pela ocupação de áreas vazias, isto é, terrenos não-construídos. A região que apresentou o maior crescimento na década foi a chamada sudoeste próximo englobando os bairros de Cerqueira César, Jardins, Pinheiros, Itaim, Moema, Brooklin, Morumbi, onde se circunscreve a nossa área de pesquisa. 224 Esta região apresenta o maior crescimento dentro da cidade, tanto no que se refere ao uso residencial como ao não residencial (apontando para a importância significativa do setor e comercio e serviços nessa área). A região central da metrópole tem um comportamento inverso se comparada a todas as demais, é a única área em que o setor não-residencial aumenta mais que o residencial, mesmo assim, apresenta coeficiente abaixo do crescimento da região sudoeste próximo. A mobilidade espacial da construção e ocupação de edifícios de escritórios na metrópole se realiza, em parte, ocupando antigas áreas antes destinadas as atividades industriais (os galpões industriais), ou se impondo em antigas áreas residenciais de ocupação horizontal. Com isso, ao lado das mudanças no uso do solo urbano assistimos a uma mudança funcional significativa, em decorrência das necessidades impostas pela acumulação do capital. Um dos elementos distintivos da chamada cidade mundial é a emergência do setor de serviços altamente especializados, articulando espaços com uma racionalidade e eficiência assentada 222 Existência de terrenos em zonas de uso 3 incentiva a construção de prédios de escritórios e o terreno tem capacidade de proporcionar um rendimento quatro vezes superior ao das zonas de uso 2 (Ana Clara Cenano, A reprodução do espaço urbano: a violação da memória, a fragmentação do indivíduo - o caso da cidade Bratke, mimeo, p.99.) 223 A partir dos dados coletados pela Secretaria de Planejamento do Município de São Paulo, que divide a região sudoeste em dois. 224 Como ela, no entanto, é menor, seremos obrigados a trabalhar do ponto de vista da tendência.

124 124 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole na competitividade e estabelecida por padrões impostos mundialmente. E é esse comportamento que se vislumbra em São Paulo. No conjunto de São Paulo, como um todo, o uso do solo urbano destinado aos prédios de escritórios, em agosto de 1997, ocorre do seguinte modo: 39,7% são ocupados por atividades de serviços, 14,4% pelo setor financeiro, 13,8% pelo setor industrial, 7,8% pelo setor governamental; 5% pelo setor comercial; 5,3% por outros setores e o restante estava desocupado (13,9%); segundo levantamento feito pela Bolsa de Imóveis. 225 Do total dos edifícios de escritórios 43% ainda se localizam no Centro da metrópole, mas é evidente a tendência de deslocamento para o sudoeste onde se concentra, hoje, 38% dos escritórios. Para esta pesquisa trabalhamos especificamente três das 9 regiões de localização dos escritórios de São Paulo 226, que compõem a extensão recente do eixo de expansão da área construída de escritórios na metrópole - Itaim, Vila Olímpia e Brooklin (englobando também a área da Marginal do Rio Pinheiros; a região da Avenida Nações Unidas - que limita os três bairros com o Rio Pinheiros). A análise das regiões nos ajuda a constituir o quadro em que se materializa o avanço espacial da região dos escritórios do centro em direção ao sudoeste. 227 A Bolsa de Imóveis de São Paulo, publica a partir de 1995 o Boletim DATA BOLSA com pesquisas periódicas sobre o mercado imobiliário, particularmente de escritórios em São Paulo, a partir de coleta de dados nas nove regiões onde se concentrava 91,6% dos escritórios da metrópole, em 1995 (5,5 milhões de m 2 úteis de escritórios de um total de 6 milhões para toda a metrópole). Trata-se de uma mancha que, partindo do centro se expande em direção sudoeste ocupando a Marginal do Rio Pinheiros, que ganhou continuidade com a abertura da Avenida Brigadeiro Faria Lima (conforme se pode observar na carta). 225 Boletim Data Bolsa nº 17, A mancha contínua que parte do centro histórico da metrópole em direção ao sudeste é composta de 9 regiões - uma divisão feita pela Bolsa de imóveis de São Paulo e que serve da base para a coleta de dados, que se diferencia da base espacial de coleta de dados da EMBRAESP a partir do limite dos bairros, dificultando as comparações. 227 Utilizamos como ponto de apoio essa divisão em função do agrupamento da coleta de dados feitas pela Bolsa de Imóveis de São Paulo, mas na medida do possível vamos compará-la com a coleta de dados feita por bairros pela EMBRAESP.

125 125 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Carta 1 - As regiões de escritórios em São Paulo. Fonte: Bolsa de Imóveis de São Paulo, DATABOLSA, n. 18 setembro de Escala aproximada 1: Nessa área assume papel relevante, exceção da região central da cidade, a ocupação das grandes avenidas, pois a localização dos edifícios de escritórios se restringem, quase que exclusivamente, as avenidas como é o caso da Avenida Paulista, da Avenida Faria Lima, da Avenida Luís Carlos Berrini, da Avenida das Nações Unidas (Marginal do Rio Pinheiros) e na rua Verbo Divino, consolidando um eixo viário com fortes articulações entre si e com o resto da metrópole. São vias de trânsito rápido (pelo menos em tese) ligando imensa área e articulando-as, não somente ao aeroporto, mas às principais rodovias que partem de São Paulo. Trata-se de uma área de ocupação recente e que, pela sua articulação viária e presença de grandes áreas passíveis de serem incorporadas pelo setor imobiliário, tem atraído um capital importante consolidando-se como um eixo econômico significativo. Essa ocupação, a partir das avenidas, vai desenvolvendo um entorno que vai ganhando uma característica homogênea. No plano da paisagem, uma revolução se estabeleceu. Quando os incorporadores começaram a construir em terrenos amplos e baratos acabaram consolidando a região de escritórios com edifícios de padrão arquitetônico semelhantes e especificações técnicas construtivas bem definidas, diferenciando-as das áreas antigas. Se o centro concentra, hoje, o maior número de edifícios de escritórios da metrópole, a saturação de sua área tanto para renovação, quanto para construção de novos edifícios é um dado importante, que alavanca a ocupação destas outras áreas. Com isso, a região do centro vai apresentando tendência a perda de participação em detrimento destas novas áreas. Foi já antecipado essa perspectiva nos anos 70 quando a atividade vai subindo o espigão ocupando o bairro da Bela Vista até a Consolação em direção da Avenida Paulista, onde se construiu o segundo polo mais importante da cidade. Se no início esse movimento de deslocamento de escritórios se dá na ocupação da Avenida Paulista, esta, pelos altos preços do m 2 do solo urbano, impõe a busca de outras áreas. Antecipando-se a esse processo, na segunda metade dos anos 70, se inicia a ocupação da Avenida Luís Carlos Berrini através de vários empreendimentos imobiliários realizados por Bratke e Collet, como decorrência do desenvolvimento de obras viárias importantes. A ocupação da

126 126 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole região sudeste nas décadas posteriores - principalmente anos 90 - apresenta características diferenciadas e complementares à região central em relação ao tamanho, o tipo de imóvel e o que se chama qualidade de espaço 228 que vão diferenciar os ocupantes e as atividades dentro do setor de serviços. Se o centro, a região da Faria Lima (antiga) e o Itaim apresentam escritórios pequenos, a maioria sem sistema de ar condicionado central, voltados para um tipo de mercado específico como aqueles formados pelos profissionais liberais; a região sudoeste vai se consolidando com escritórios maiores, com ar condicionado central e lajes superiores a 500 m 2 úteis, abrigando os escritórios de empresas industriais. A tabela abaixo é significativa quanto a distribuição referente aos usos dos escritórios, por região, com a especificação dos tipos de serviços encontrados. A tabela 229 mostra que as atividades se distribuem de modo diferenciado no espaço; enquanto na região da Avenida Paulista vemos uma predominância do setor financeiro e da gestão governamental (secretarias municipais - como a SEMPLA - estaduais - como a Secretaria dos Transportes e o Metrô - empresas públicas - como a EMPLASA). A região da Marginal/Verbo Divino tem sua tônica no setor de escritórios industriais onde se localizam os edifícios maiores, muitos deles com lajes superiores a 1.000m 2. Tabela 3 Distribuição da Atividade por Região, Setor Região Financeiro Industrial Comercial Serviços Governo Outros Centro 18,55 5,42 4,05 32,26 8,35 31,37 Vila Olímpia 7,38 30,42 11,83 35, ,7 Paulista 27,89 11, ,11 16,66 11,23 Berrini 10,84 36,36 6,04 39,36 0 7,4 Jardins 4,11 23,37 3,19 45,36 2,84 21,13 Verbo Divino 19,97 33,62 6,3 21,2 16,53 2,38 Faria Lima 14, ,88 39,07 0,87 20 Marginal 8,87 52,87 1,56 29,65 1,6 5,45 Fonte: Bolsa de Imóveis de São Paulo Na Paulista o setor financeiro compete com aquele dos serviços que é um pouco expressivo. Os bancos vão aparecendo de forma significativa na Verbo Divino (a terceira maior concentração bancária da cidade) ao lado do setor de escritórios industriais que pontua de forma 228 Boletim Data Bolsa nº 4, Sobre a qualidade dos espaços a qualidade é um fator preponderante do preço do de um escritório: o menor preço não é necessariamente a melhor opção. Isto significa dizer que há grandes empresas que buscam hoje outros quesitos como qualidade de vida para o pessoal, economia máxima em energia e condomínio, utilização máxima de espaço para permitir layout eficiente. O piso elevado, neste contexto, se tornou um item importante pois, quando se quer construir um edifício tecnologicamente avançado, a flexibilidade quanto a mudanças no layout do andar é importante e o piso elevado permite a saída do ar pelo piso, que proporciona uma diminuição da altura do edifício e economia no custo da construção. Só 2% do estoque das 9 regiões tem piso elevado cf. Bolsa de Imóveis de São Paulo, Data Bolsa, nº4, Que mostra uma divisão da cidade feita pela Bolsa de Imóveis de São Paulo, ora englobando bairros, ora regiões que circundam avenidas, utilizando-se apenas a mancha de localização de escritórios. 230 SETOR Boletim Data Bolsa números: 4 (1995), 8 (1996) e 10 (1996).

127 127 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s significativa as regiões da Vila Olímpia, Berrini e Marginal uma ao lado da outra, nas imediações de uma área industrial importante da metrópole. Tabela 4 Áreas* de escritórios em São Paulo Ano 1995 até a Região (até 01/07) Vila Olímpia Berrini Verbo Divino Marginal Total Fonte: Bolsa de Imóveis de São Paulo (*) Em milhares de m² úteis O crescimento da área de escritórios - como fenômeno recente de extravasamento da região central - em São Paulo pode ser atestada pelos dados 231 expostos na tabela 2. Até 1985 a Vila Olímpia tinha uma área ocupada por escritórios de m 2, entre 1986 a 1990 este número sobe para m 2, chegando em 1996 a m 2 (sendo este ano aquele que apresentou o maior aumento das áreas construídas no período, para as nove regiões, m 2 ), um crescimento de 210,41%. A região da Avenida Luís Carlos Berrini que até 1985 possuía uma área construída de m 2, concentrava, em 1996, m 2 um crescimento de 323%, o maior de todas as regiões de escritórios de São Paulo. A região da Verbo Divino, a mais nova, tinha até m 2 de área construída para escritórios, em 1996 esse número sobe para m 2, um aumento expressivo de 227%. A região da Marginal, que até 1985 tinha m 2 de área de escritório, chega a m 2 em 1996 um aumento de 77,80%. Somando-se 4 regiões Vila Olímpia, Berrini, Marginal e Verbo Divino - constata-se que a área construída de escritórios entre 1985/1996 subiu de m 2 para m 2 ; um aumento de 179,42%. Até 1985 estava construído, nestas áreas, m 2 úteis de escritórios, no período considerado entre os anos de 1986 e 1990 esse total quase dobra passando para m 2. A década de 90 apresenta, um período de consolidação das tendências; em 1991 essa área já conta com m 2 de área construída de escritórios, em 1992 a área cresce para m 2 ; em 1993 para m 2 ; no ano de 1994 nessa área se localizam m 2 de escritórios e, em 1 o de julho de 1995 são computados, para a região m 2 de área de escritórios - chegando bem próximo da área da Paulista, que nesta última data concentrava m 2. Através destes dados podemos observar um comportamento ascendente, revelando uma tendência inexorável, quanto a localização dos escritórios na metrópole, apontando para a confirmação do raciocínio de que se produz, hoje em São Paulo, um novo eixo empresarial- comercial de serviços. 231 Boletim Data Bolsa: vários números; organização dos dados da Autora. 232 Trata-se de áreas contíguas que tiveram sua performance melhorada pela OUFL.

128 128 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole No período houve, todavia, momentos de estagnação (com uma baixa na área construída para o setor de escritórios, na região) provocados pelo Plano Collor, o triênio seguinte, 95/98, mostra uma aceleração das construções na esteira da estabilidade econômica patrocinada pelo plano real. É assim que o reaquecimento do mercado em 1995, depois de uma quase estagnação no Plano Collor, adicionou m 2 de área construída - um incremento significativo de 40% sobre o volume médio anual da área construída no período 90/94. O Centro, onde inexistem terrenos incorporáveis de grandes dimensões e na região da Paulista, onde os que existem estão supervalorizados, acabaram influenciando uma mudança do perfil quando se compara à região construída destinada ao uso de escritórios, na metrópole. No ano de 1995 a região que teve o maior número de projetos é aquela da Berrini, onde foram concluídos mais de m 2 úteis e em 1996 mais m 2 - volume que se concentra em grandes empreendimentos principalmente na área delimitada com a Avenida Nações Unidas que vieram alterando fortemente as características da região. Trata-se de empreendimentos integrados, combinando shopping, escritórios, hotéis 5 estrelas e centros de convenção. A segunda colocada foi a região do Itaim que cresceu no ano m 2 úteis de área construída para escritórios e continua atraindo incorporadores. Tabela 5 - Produção de escritórios * Fonte: Boletim Data Bolsa (*) Regiões pesquisadas pelo Data Bolsa Maluf assume, como prefeito de São Paulo em 1 o de janeiro de 1993 e, em 28 do mesmo mês anuncia a extensão da Avenida Brigadeiro Faria Lima através de uma Operação Urbana. Em maio do mesmo ano a Bolsa de Imóveis de São Paulo publica 233 a construção já responde por 5 % do PIB. O setor de construção destaca-se como contribuinte do investimento. A indústria de construção chegou a superar 20% do investimento e atingir 5% do PIB em fases de forte crescimento. O que significa dizer que a indústria imobiliária vive uma nova realidade em que a demanda torna-se forte e qualificada (...) é a fase em que o imóvel se afirma como bem de primeira necessidade. Nesse contexto, o investimento apresentava a seguinte tendência: 1 o lugar aplicação em over com 13,39%; em segundo lugar estava a locação de imóveis comerciais com 11,91%; seguido pelo ouro 7,69 %; e pelo dólar comercial com 7,33%. É nesse cenário que a OUFL ganha destaque, colocando a Vila Olímpia, a Vila Funchal e o Itaim como áreas fundamentais para o desempenho do mercado imobiliário em ascensão, não só como deliberação da área urbana para a 233 Boletim Data Bolsa, nº4, maio de 1995.

129 129 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s construção dos edifícios de escritórios, mas apontando uma parceria entre os setores produtores da economia (indústria da construção civil) as necessidades do setor terciário, como também o papel do setor financeiro nas construções dos edifícios. É assim que se no período, , assistese, no conjunto da região metropolitana, uma ligeira queda no preço do m 2 de área útil de escritórios, passando de us por m 2 útil para em 1997; (com uma média para o período de us); o comportamento dos aluguéis não segue a mesma tendência a queda, muito pelo contrário. 234 O gráfico do Boletim Data Bolsa 235 mostra o comportamento dos preços para aluguel e para venda na cidade, confirmando a tendência diferenciada nos comportamentos dos preços de venda e de aluguel dos escritórios em São Paulo. Gráfico 1- Índice Data Bolsa - São Paulo Fonte: Bolsa de Imóveis de São Paulo. Mas, o comportamento dos preços não é homogêneo para todas as áreas de escritórios de São Paulo e vem corroborar nossa análise sobre as novas tendências locacionais na metrópole. No período 97/99 o mercado de aluguel de escritórios sofre uma queda pouco significativa do preço no imóvel. 236 Se analisarmos os levantamentos do DATA FOLHA 237 para 6 regiões de escritório de São Paulo temos o seguinte comportamento: no Centro Velho e na Faria Lima (antiga) os preços caem: no primeiro a queda é de 9,96 reais o m 2 útil em junho de 1997 para 8,55 em março de 99; no segundo caso de 19,30 reais para 17,97 reais no mesmo período. A região da Avenida Paulista acusa 234 Os donos dos maiores e mais valorizados projetos comerciais do Rio e São Paulo são os grandes fundos de pensão exemplos: FUNCEF dos funcionários da Caixa Econômica federal e a PREVI dos funcionários do Banco do Brasil investimentos, além de investidores individuais. 235 Nº22, setembro de Para a Hubert Imóveis o preço do m 2 para locação de escritórios apresentou uma queda de 1,34 % em diversas área da cidade. 237 Idem.

130 130 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole uma queda menor passando de 21,03 para 18,37 reais. Na região dos Jardins a média de preços por m 2 útil baixa de 20,74 para 19,53. No caso Centro Novo o comportamento é inverso, passando de 8,67 reais para 9,02 reais o m 2 útil. A região compreendida no trecho Berrini / Marginal apresenta comportamento ascendente, os preços sobem de 23,99 reais o preço do m 2 para 25,19 reais no mesmo período. O que não impede que edifícios de alto padrão tenham seus preços negociados com cotação muito superior à média das regiões onde se encontram. De qualquer modo, o preço médio do m 2 na cidade aumentou de 15,40 reais o preço do m 2 útil para locação de escritórios para 16,34 reais No caso específico da região da Avenida Luís Carlos Berrini enquanto a média do preço do m 2 útil para locação em agosto de 1997 era de 24,39 reais para escritórios com área superior a 500 m 2 o edifício Berrini 550 entregue no mercado no mesmo mês com 12 andares (com lages de 588 m 2 ) voltados para somente para locação comercial tinha o m 2 negociado a 37,00 reais. Há ainda uma outra diferença em relação aos aluguéis e que se refere ao tipo do imóvel. É assim que numa mesma região o preço do m 2 útil pode variar em função da classificação do imóvel no mercado. Tabela 6- Preço do aluguel por classificação do Imóvel * Fonte: Folha de São Paulo, 12 de abril de * Em regiões no bres. de SP, por m², em R$. ** Na categoria A+ estão reunidos os chamados prédios inteligentes, na A, os de alto padrão, mas com tecnologia inferior à A+; em B, os edifícios com alguma desvantagem em relação aos anteriores, tais como ausência de ar condicionado central ou baixo número de vagas na garagem; em C, os prédios de menor valor agregado (sem vaga, mal localizados). A situação dos aluguéis nos anos 90 em São Paulo apresenta uma oferta de escritórios de alto padrão (ainda reduzida diante da procura), o que tem feito os seus preços dispararem; enquanto a média do preço do m 2 para aluguel é de 16,34 reais 239, a média do preço do m 2 útil de escritórios de alto padrão para a região da Marginal, por exemplo, era de 45,00 reais e na Berrini de 36,00 reais (nesta área há mais oferta de imóveis). Já a Torre Norte (tida como o lançamento mais aguardado do mercado) do centro Empresarial Nações Unidas tinha seu preço cotado em 48,00 reais (acima da média de 40,00 na região), enquanto o Faria Lima Financial Center, da Brazil Realty, tinha seu aluguel cotado a 60,00 o m 2 útil segundo reportagem da Gazeta Mercantil de 31/03/99. A 238 Segundo o DATA FOLHA 239 Média do aluguel do m 2 de escritórios a partir de dados pesquisados pela DATA FOLHA para o período de 13 a 19 de março de 99 para as regiões mais importantes de escritórios em São Paulo.

131 131 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s reportagem trata da queda dos preços de alugueis por m 2 útil de escritórios na cidade comparativamente ao que ocorreu em 97 quando a demanda era alta e os preços foram as alturas (...); desde o ano passado empresas de serviço e consultorias são as que mais procuram imóveis para futuros negócios em locação (...) a realidade é que a oferta de escritórios de alto padrão ainda é muito pequena o que não deve fazer com que os preços caiam substancialmente, mas iniciem um processo de ajuste... a rentabilidade desses imóveis no Brasil supera a rentabilidade nos EUA, no Brasil um imóvel desses oferece entre 10 % a 12 % ao ano, essa percentagem cai pela metade nos EUA. 240 A distribuição das áreas para locação em 1996, segundo dados da Bolsa de Imóveis de São Paulo, apontava a região da Berrini como a que concentrava maior percentual de imóveis para locação, 90,3% (comparativamente a 6% de imóveis à venda e de 3,7% de imóveis para venda e locação). A oferta para alugar predomina em sete das nove regiões pesquisadas pelo DATABOLSA, porém em proporções menores, de 82,22% na região da Verbo Divino, 81,5%, na Marginal, 74,9% no Centro e 74% no Itaim. Nos Jardins é maior a oferta para vender (53%) e na Vila Olímpia, para vender e alugar (46,7%). 241 Os dados sobre a produção dos escritórios nas regiões pesquisadas indicam que o comportamento, nos anos 90, aponta um crescimento da área de escritórios em São Paulo guardando diferenças espaciais significativas. Há um crescimento mais lento na região da avenida Paulista que apesar de ter a maior área construída para o uso de escritórios, depois do centro é também aquela que cresce com as taxas menores; seguida pela região do antigo traçado da Avenida Brigadeiro Faria Lima (de menor crescimento). Com comportamento radicalmente oposto aparece a região da Vila Olímpia como aquela que mais cresceu no período, fundamentalmente nos anos 1995 e 1996, após a abertura da Avenida Faria Lima. A Vila Olímpia começou a beneficiar-se com o prolongamento das Avenida Brigadeiro Faria Lima, os investimentos em infraestrutura estão se ampliando e o acesso tornou-se mais fácil. 242 Ao lado da inclusão da área da Operação Urbana Faria Lima no mercado imobiliário da cidade voltado a produção de edifícios de escritórios, a região em torno da Avenida Luís Carlos Berrini se mantém como a área propícia ao estabelecimento dos novos prédios de escritórios de São Paulo, apresentando uma curva ascendente de crescimento desde a década de 80 em função da quantidade de uma área passível de ser incorporada e que foi aumentada em 1997 com a abertura da Avenida Águas Espraiadas. 243 O interesse se diversifica e os terrenos estão se valorizando com novos empreendimentos, com mix diferenciado, como é o caso do World Trade Center, que unificou em um só produto um shopping temático, um hotel categoria 5 estrelas e uma torre de escritórios; o São Paulo Market Place juntou o setor comercial ao de escritórios, e a chegada de empresas de grande visibilidade como a Rede Globo e a rede Caeser Park. 240 Folha de São Paulo, 20 de março de 1999, aonde aparece pesquisa do DATA FOLHA sobre o mercado imobiliário para o período 13 a 19 de março de Boletim Data Bolsa nº 2, 1996, Bolsa de Imóveis de São Paulo, p Boletim Data Bolsa nº 17, 1997, p Que visou a obras de melhorias no sistema de drenagem (córrego das Águas Espraiadas) e ao sistema viário interligando a Marginal do rio Pinheiros até a Avenida Engenheiro Armando de Arruda Pereira.

132 132 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole A mancha terciária A primeira área (e a maior) de localização de escritórios na cidade é o Centro 244, com cerca de 2,5 milhões de m 2 de área construída ocupada por escritórios - correspondendo a 43% do total da cidade caracterizando-se por edifícios antigos (95% construídos há mais de 20 anos, portanto edificações de especificações ultrapassadas se considerarmos os constantes avanços tecnológicos tanto em relação a edificação quanto ao seu tamanho e infraestrutura do imóvel), destes 77% não possuem sistema de ar condicionado central (o que se explica pela idade avançada dos edifícios) e pela diminuição gradativa de novas construções em função da escassez de terrenos incorporáveis. Tal fato se explica por ser esta área a primeira região a se consolidar na cidade e se até, hoje, abriga o maior número de escritórios em São Paulo, há uma clara tendência de deslocamento das novas construções. Carta 2 São Paulo: região do Central Fonte: Área de estudo da região delimitada, para coleta de dados de escritórios, em São Paulo pela Bolsa de Imóveis de São Paulo. Publicação DATABOLSA, número 6, dezembro de Escala aproximada 1: Optamos neste momento por apresentar as 9 regiões - tal qual definidas pela Bolsa de Imóveis de São Paulo - onde se concentra os edifícios de escritórios da cidade, apontando suas diferenças. A delimitação de cada uma delas segue um critério imposto pelo desempenho do mercado imobiliário. Traz, do ponto de vista geográfico, alguns problemas. Em primeiro lugar a área da Vila Olímpia na realidade refere-se à Vila Funchal e a área definida como Marginal se justapõe à Vila Olímpia, Itaim, Berrini e Verbo Divino, pois todas elas têm como limites a marginal do Rio Pinheiros. A EMBRESP assume a divisão por bairros, mas não há dados suficientes para nossa análise e a SEMPLA trabalha com distritos impedindo análises verticais. 245 Boletim Data Bolsa nº3, 1995.

133 133 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Hoje, a densidade de ocupação, bem como o congestionamento da área e a ausência de estacionamento na maioria dos prédios, vem obrigando as empresas do setor imobiliário a construir novos edifícios na zona Sul de São Paulo onde existem terrenos incorporáveis de maiores dimensões e onde os preços pedidos são mais baixos o que significa que, em princípio, o retorno dos investimentos tende a ser maior, e a rede de circulação tem mais fluidez. Esses elementos, somados, fizeram com que os ocupantes de porte abandonassem o centro em sua busca por edifícios modernos e de melhor qualidade. A primeira região de transbordamento da localização dos edifícios de escritórios foi a região delimitada pela Avenida Paulista, mas no caminho, isto é, nos interstícios entre Centro e Paulista foram se formando outras concentrações de escritórios nos bairros da Consolação (onde estão os edifícios mais novos em relação ao centro histórico em geral voltados para pequenas empresas ou profissionais liberais que por demandarem espaços menores pagam mais caro o m 2 útil do que o grandes ocupantes) e o bairro da Bela Vista. A região não é homogênea no seu conjunto, dentro dela há diferenças espaciais na ocupação; enquanto na área mais antiga (Centro Velho) estão o Fórum e a BOVESPA e se concentra o setor financeiro (47,4 % dos bancos estão no centro velho), nas outras áreas (Consolação e Bela Vista) o setor de serviços é o mais importante. A região da Paulista, juntamente com o Centro, apresenta a área construída, para escritórios, mais velha da cidade. Esta região se desenvolve na década de 70 quando o centro não mais conseguia comportar as exigências dos ocupantes tanto em relação a qualidade dos espaços quanto às novas especificações que foram surgindo com o avanço tecnológico 246, é a segunda concentração de escritórios de São Paulo com 2 milhões de m 2 úteis 247 Dos edifícios destinados ao uso de escritórios, 65% do total tem sistema de ar condicionado central (ACC) e 72% possuem lajes inferiores a 500m 2. A região, como o centro, apresenta, hoje, poucas áreas incorporáveis, a maioria dos quais em uso como estacionamentos, apresentam altos preços do m 2 do terreno, inviabilizando a execução de novos projetos. Diante desse quadro, uma das soluções encontradas foi a migração para ruas transversais à Avenida Paulista; onde o m 2 é mais barato. Todavia essa área, de transbordamento, tem fugido ao padrão da Avenida onde encontramos, em geral, edifícios com lajes menores e boas especificações técnicas. Na avenida Paulista há uma predominância do setor de serviços, seguida pelo setor bancário; para o setor imobiliário, a tendência, é a estagnação na avenida e crescimento em direção aos Jardins. 246 Nesta região, ao contrário do que se esperava, o maior ocupante no final de1995 era o setor de serviços que superou o financeiro em 5% (este com 31,49% e o setor financeiro com 23,97). As instituições financeiras caíram, em 1 ano, 8% no volume ocupado. 247 Boletim Data Bolsa nº3 dados para o ano de 1995.

134 134 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Carta 3 - São Paulo: região da Paulista Fonte: Área de estudo da região delimitada, para coleta de dados de escritórios, em São Paulo pela Bolsa de Imóveis de São Paulo. Publicação DATABOLSA, número 10, junho de Escala aproximada 1: A região dos Jardins aparece como a terceira área de expansão das atividades terciárias apresentando, como característica, os pequenos escritórios; e apresenta o número mais elevado de ocupação de prédios comerciais em função da localização privilegiada entre as avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima. São, em sua metade, escritórios sem ACC, de tamanho pequeno com área útil entre 250 e 500 m 2 úteis. 248 Aqui 40% da ocupação é representada por empresas do setor de serviços que precisam situar-se próximo a grandes polos de escritórios, um setor pouco exigente 248 Oito novos edifícios entregues em 1995, todos com área útil por andar entre 100 e 320 m 2 : destes, 4 estão próximos ao bairro de Pinheiros (próximo à Avenida Rebouças).

135 135 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s com as condições dos prédios (ao contrário do setor financeiro). Dentro da categoria com ACC a maioria é de ocupantes do setor industrial que quer estar próximo ao setor financeiro - na região da Paulista. No cômputo geral, o setor de serviços ocupa 52% (a maior concentração da cidade) e o setor industrial 22%. Esta região apresenta características semelhantes àquela do bairro do Itaim: ocupação mista residencial e comercial. Na área próxima ao bairro de Pinheiros a ocupação é caracterizada pelo setor de serviços, geralmente com lajes inferiores a 500m 2 e sem ACC. A área tem boa infraestrutura de transporte, agências bancárias, restaurantes e demais serviços de apoio e imóveis residenciais, com áreas de verticalização garantida pela lei de zoneamento. Carta 4 - São Paulo: Região dos Jardins. Fonte: Área de estudo da região delimitada, para coleta de dados de escritórios, em São Paulo pela Bolsa de Imóveis de São Paulo. Publicação DATABOLSA, abril de Escala aproximada 1: A região da Faria Lima abrange apenas a área do antigo traçado da Avenida Brigadeiro Faria Lima; uma faixa de 1900 metros de comprimento, que apresenta um processo de continuidade daquela dos Jardins com um padrão bem claro: são edifícios de escritórios sem ACC e sem especificações de qualidade voltado para empresas do setor de serviços. Na avenida se localizam três shoppings, sendo que dois deles se localizam no andar térreo dos prédios de escritórios. A área da Avenida Luís Carlos Berrini começa a entrar no panorama do mercado imobiliário voltado a construção de escritórios, na segunda metade dos anos 70, região que na época 249 apresentava predominância de casas térreas (além dos terrenos não-construídos próximos à várzea do Rio Pinheiros). Os empreendedores descobriram que a área era de fácil acesso pelas 249 Com 1700 m começa na ponte Ari Torres, que dá acesso à avenida dos bandeirantes, e acaba na Avenida Morumbi, na Roque Petrone Júnior, que se liga a Diadema.

136 136 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Marginais e próximas às empresas fabris em Santo Amaro; além do que, continha muitas obras e investimentos urbanos e tinha zoneamento 250 adequado à expansão do mercado imobiliário. A ocupação inicial da área por escritórios, através da utilização de terrenos amplos e baratos por edifícios com arquitetura arrojada, foi realizada pelo escritório de arquitetura de Carlos Bratke, que direcionou não só a sua ocupação como impôs um padrão construtivo para a região. Com esse processo, o preço do m 2 aumentou substancialmente, e as áreas passíveis de serem incorporadas diminuíram incrivelmente. A partir de 1975, eu e meu irmão Roberto e meu primo Francisco Bratke, todos arquitetos, começamos a procurar áreas alternativas dentro da cidade de São Paulo para a implantação de prédios de escritórios. Partíamos das seguintes premissas: terrenos baratos; zonas de bom sistema viário; fácil acesso; possibilidade de expansão; proximidade de bairros residenciais da cidade; ausência de grandes construções nas redondezas. Selecionamos uma área anteriormente sujeita a inundações, e que, em função de trabalhos de saneamento, apresentava boas condições para esse tipo de implantação. 251 A partir da escolha dos terrenos em função de sua localização o arquiteto vai revelando os aspectos mais importantes da realização dos edifícios: em primeiro lugar, chama atenção, no artigo, um croqui com o título deslocamento dos centros de negócios em São Paulo/ Esquema viário de uso e ocupação do solo urbano, revelando a estratégia espacial do negócio - infelizmente o croqui não é analisado por seu autor, a publicação dá, antes, importância para as formas produzidas pelo arquiteto do que ao que ele pensa sobre aquilo que sai de sua prancheta. 250 Existência de terrenos em zonas de uso 3 incentiva a construção de prédios de escritórios e o terreno tem capacidade de proporcionar um rendimento quatro vezes superior ao das zonas de uso 2, Cenano, Ana Clara. A reprodução do espaço urbano : a violação da memória, a fragmentação do indivíduo - o caso da cidade Bratke, mimeo, p Bratke, Carlos, Uma área alternativa para edifícios de escritórios. Cadernos Brasileiros de Arquitetura nº16, outubro de 1985, p.29.

137 137 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Carta 5 - São Paulo: A região da Berrini Fonte: Bolsa de Imóveis de São Paulo, DATABOLSA n Escala aproximada 1: Mas o croqui é bastante significativo sobre como o arquiteto pensa o espaço e percebe as tendências sobre o modo como o arquiteto pensa estrategicamente o espaço e percebe as tendências da localização da atividade de escritórios na cidade que vai se consolidar anos mais tarde, com a realização da Operação Urbana Faria Lima. O croqui 252 revela uma consciência sobre as tendências e necessidades do mercado imobiliário de escritórios em São Paulo em direção a região sudoeste assentado num modelo de 252 Optamos por acrescentar ao texto o croqui realizado pelo arquiteto Carlos Bratke, pois a nosso ver, revela claramente seus interesses pessoais na área em questão, elucidando, anos mais tarde, sua posição em relação à realização da OUFL.

138 138 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole circulação com apoio nas Marginais dos rios Pinheiros e Tietê. No texto constam, (até outubro de 1985) a realização de 36 edifícios de escritórios construídos, com uma área que variava de m 2 de área total até m 2. Todos construídos pelo escritório do arquiteto para abrigar importantes escritórios (desde aqueles ocupados por indústrias como a Microlite, Philips do Brasil, Bom Bril, Prológica, Elebra eletrônica; até o Banco Nacional e setores governamentais, além de seguradoras. É nesse momento que vai ganhando configuração, na paisagem, aquilo que alguns chamam de cidade Bratke em função de sua homogeneidade massacrante. Trata-se de edifícios semelhantes saídos da mesma prancheta sem criatividade, posto que o mesmo modelo arquitetônico impera com as mesmas cores, repetido com pequenas nuances, submetidos a estética do mercado. Aqui, o resultado desta arquitetura, antes de ser uma obra, é um produto direto da mercantilização do espaço; tendo como horizonte a procura de flexibilidade para os mais variados usos futuros das firmas que ocupariam o edifício já nos preocupava na época. 253 Cada prédio foi construído a partir da compra de uma série de lotes 254, esse tipo de construção flexível é produto do fato de que a produção industrial dos escritórios não é feita visando diretamente uma empresa e uma única atividade; sua produção é orientada pelo financiador que constrói o edifício como investimento para o mercado de locação; e por isso, o edifício precisa se adaptar aos mais variados tipos de atividades sem custos adicionais significativos. O financiamento dessas construções provém de capital privado. Trata-se da aplicação de capital em imóveis a serem alugados depois de prontos. Assim, os projetos não são encomendados a priori por determinadas firmas com layouts rígidos, mas devem ser o mais flexíveis possível, para as instalações de escritórios variados Carlos Bratke, arquiteto. In: Cadernos Brasileiros de Arquitetura (Projeto editores Associados), São Paulo, volume 15, outubro de 1985, p Id. ibid. 255 Id. ibid.

139 139 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Figura 5 - croqui realizado pelo arquiteto Carlos Bratke. Fonte: Carlos Bratke, arquiteto. In: Cadernos Brasileiros de Arquitetura (Projeto editores Associados), São Paulo, volume 15, outubro de 1985, p.58. O texto do arquiteto, escrito em 1985, elucida sua posição (favorável) no debate surgido a propósito da realização da Operação Urbana Faria Lima é urgente a construção de um caminho paralelo a Avenida Nações Unidas (Marginal), um fator significativo no projeto é promover a urbanização deste bairros caóticos e feios, conquistando áreas de grande interesse na renovação urbana. O esforço do arquiteto Júlio Neves se concentra em substituir o caos pela dignidade que estas áreas merecem ter 256. Assim se pode constatar que os princípios que fundamentam a necessidade da Operação Urbana Faria Lima se impõem pelo discurso da estética e da funcionalidade dos espaços da metrópole, mas, na realidade, não escondem os interesses econômicos do arquiteto que definem seu modo de ver a cidade. Aqui o saber (!), preso ao universo do econômico, se impõe por meio de suas próprias representações. O processo de construção concreta do espaço da metrópole coloca-nos diante de estratégias do poder público - como gestor das políticas de transformação do espaço redefinindo áreas de valorização, de um lado, e de outro, os empreendedores imobiliários que definem a estratégia de realização do espaçomercadoria. 256 Declaração à Folha de São Paulo, 16 de abril de 1993, no momento da intensa polêmica sobre a significância da Operação Urbana Faria Lima anunciada em janeiro pelo então prefeito Paulo Maluf.

140 140 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Figura 6 - Deslocamento dos centros de negócios em São Paulo. Esquema viário de uso e ocupação de solo. A região da Berrini é a que mais tem crescido na cidade nos últimos 10 anos, e, ao contrário das áreas mais antigas apenas 37% da área construída total não tem ACC. 70% dos imóveis da área (se achavam em maio de 1995) ocupados para a uso de serviços e indústria. A Berrini em 1995 teve um aumento da área construída de 256%, superior à média anual entregue desde o início da década. Já em 1996 foi a área que apresentou maior crescimento de área construída superando em 40% a área construída entregue (o estoque entregue) em Seu estoque é hoje superior ao da Faria Lima o que comprova o interesse dos investidores por regiões com áreas mais disponíveis para expansão 257. Com a abertura da Avenida Água Espraiada o interesse se intensifica, os terrenos estão se valorizando e novos empreendimentos com mix diferenciado estão sendo concluídos. Esta região, que se encontra ainda em profundo processo de transformação, com a localização de empreendimentos modernos, os mais variados, tem um papel cada vez mais importante como centro de negócios de São Paulo. A combinação de todos esses 257 Boletim Data Bolsa nº 8, 1996.

141 141 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s fatores está atraindo para a região redes internacionais interessadas em administrar hotéis de primeira categoria (hoje a diária é em média 6% mais alta que no resto da cidade). Os usuários dos hotéis já existentes na região apontam para um perfil coerente com as modificações que estão ocorrendo, podendo ser enquadrados em três grupos: participantes de congressos, seminários, palestras; funcionários de empresas que vêm a São Paulo a negócios e cujos escritórios se localizam na Avenida Luís Carlos Berrini ou proximidades, e pessoas que moram em cidades menores e vêm a capital fazer compras ou em busca de lazer. Os 2 primeiros grupos se hospedam durante a semana ocupando 100% e os do terceiro grupo nos finais de semana. O segmento de hotelaria vem aparecendo como uma opção de investimento com retorno maior que aquele de escritórios. 258 Em 1995, a região da Berrini já tinha 5 hotéis, somando 760 quartos, 6,8% do número total da cidade, e com uma construção total prevista de mais 5 hotéis somando no total quartos, aumentado sua participação para 16,35% dos quartos da cidade em A rede internacional Hyatt assinou contrato em 1998 para a construção de um hotel 5 estrelas (com 400 apartamentos voltados para atendimento de executivos em viagens de negócios) na área. 260 A construção de hotéis na região tem atraído vários tipos de serviços de apoio como estabelecimentos comerciais (em franca ascensão) restaurantes de luxo. É uma região com muitas perspectivas para se expandir, afirma um dos proprietários de restaurante da região. Há também a localização colégio Objetivo - 4 o campus da UNIP, próximo ao shopping Morumbi. Para Di Genio (o grande empresário da Educação) a Paulista está saturada e a Berrini é o novo eixo. A estes empreendimentos somam-se os bancos, posto que a instalação de escritórios gerou a demanda de agências bancárias e além destes, a instalação de prédios de escritórios de bancos como o Sudameris, Unibanco. Itaú e Bradesco (que se uniram para laçar o Morumbi Square, 2 edifícios de escritório e um 3 o para agencia Bradesco) o Bamerindus, além do Banco Francês e Brasileiro / Chase. A região da Verbo Divino, localizada às margens da Marginal do Rio Pinheiros, compreendida pela extensão da rua Verbo Divino, caracteriza-se pela construção de edifícios com área útil, por andar, superior a 1000m 2 e, neste segmento todo apresentam sistema de ACC, e a maior parte do estoque (referente a área de m 2 úteis) foi construído entre 1986 e Trata-se de um segmento, geralmente, ocupado por empresas de grande porte ou multinacionais, e, apesar de aí estarem sendo desenvolvidos alguns projetos de pequeno e médio porte, esse tipo não é o padrão predominante. Quanto ao uso dos edifícios a predominância é para empresas do setor industrial com %, seguidos por escritórios que abrigam os serviços (25%) e o setor financeiro com 17,12%. Da área construída total (estoque total dos escritórios) 93% tem ACC e seus prédios se classificam na faixa AA, A ou B - o que garanta exclusividade da área, além do que os imóveis, geralmente, são ocupados por uma única empresa Boletim Data Bolsa nº 6, dezembro de Cf. Boletim Data Bolsa nº 6, Cf. reportagem na Gazeta Mercantil de 9/10/ Em fevereiro de Boletim Data Bolsa nº 16, maio de 1997.

142 142 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Carta 6 - São Paulo: região da Verbo Divino. Fonte: Bolsa de Imóveis de São Paulo, DATABOLSA n. 16, maio de 1997 página 6. Escala aproximada 1: A área construída destinada aos escritórios, na Verbo Divino, cresceu 10,45% em 1996 com a entrega dos edifícios Phoenix, (integralmente ocupado por uma firma de publicidade) e os edifícios Birmann 11, Birmann 12, Birmann 23. Essa área atrai, principalmente, as empresas de médio e grande porte além de multinacionais que renovam suas sedes. Na esteira da instalação do sistema financeiro na Berrini o Banco Holandês, deixando o centro da metrópole, se instalou num edifício de m 2 na Verbo Divino em função do acesso fácil e da existência de lugar para estacionamento. Para o consultor da Richard Ellis, Walter Luiz Cardoso a instituição optou por um prédio na Marginal porque é um local de fácil acesso, os bancos de investimento não precisam de uma agência instalada numa região central da cidade uma vez que o importante é estar próximos aos clientes, ou seja, na zona sul. A sede do banco Holandês terá um subsolo térreo e 4 pavimentos. Cada um com m 2 de área útil, haverá 150 vagas de estacionamento, completo sistema de supervisão predial, ar condicionado, central, piso elevado, sistema de segurança com sprinklers, duas escadas de saída de emergência, hidrantes e portas corta-fogo. 263 Outro indicador de crescimento na Verbo Divino é o aumento da infraestrutura com a instalação de restaurantes e linhas de ônibus. A CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) construirá uma nova estação na área que faz parte de um projeto de renovação da linha ferroviária oeste sul que liga os bairros de Pinheiros e Santo Amaro - com sete estações ao longo da ferrovia. Devido a sua localização descentralizada a Verbo Divino foi concebida para abrigar ocupantes (nacionais e estrangeiros), ou seja, empresas que tenham condições de proporcionar infraestrutura própria (transporte e serviços) aos seus funcionários, pois a infraestrutura de serviço e de apoio não acompanhou o crescimento da região nos últimos 10 anos. Esse é também o caso da Berrini, onde no final de tarde os ônibus alugados das empresas se 263 Cf. O Estado de São Paulo, 11/4/1993.

143 143 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s aglomeram ao longo das pequenas ruas perpendiculares a avenida Luís Carlos Berrini à espera dos funcionários. A chamada região da Marginal de Pinheiros, definida pelo Data Bolsa, representa na realidade, a área lindeira da Marginal do Rio Pinheiros, aquela da Avenida das Nações Unidas, compondo uma área quase contínua de 15 km. Todavia, as regiões do Itaim, Berrini, Vila Olímpia e Verbo Divino tem seus limites com a linha da Marginal do Rio Pinheiros, portanto não se trata, efetivamente de uma área à parte. Os bairros da Operação Urbana Faria Lima 264 Uma hipótese elaborada, nesta pesquisa refere-se ao fato de que a Operação Urbana Faria Lima aparece como uma necessidade econômico-financeira como condição da reprodução, na medida em que aparece como instrumento necessário capaz de permitir mudanças radicais no uso, função do espaço no conjunto da metrópole como um interesse dos setores econômicos em detrimento dos habitantes dos bairros envolvidos. Mas se nas publicações especializadas sobre o mercado imobiliário, esse fato aparecia de modo claro, os partidários da realização da OUFL tentavam escamoteá-la sob o pretexto da existência de um interesse coletivo. Com a realização da Operação Urbana Faria Lima, esses antigos bairros vêm-se completamente transformados e, em pouco tempo, despontam como uma das áreas mais promissoras para o setor imobiliário enquanto área que permite a articulação das duas pontas do eixo empresarial da metrópole ligando um amplo e denso sistema viário - fundamentalmente com o processo de desapropriação e mudança do zoneamento que vai permitir a construção vertical. Aqui, os interessados em construir edifícios deverão pagar o uso do ar ; isto é, com a mudança do zoneamento da área os construtores comprarão, da prefeitura o direito de construir em altura, mecanismo permitido pela Operação Urbana. O processo de transformação desta região, com a realização da Operação Urbana Faria Lima, ocorre dentro de um conjunto de transformações na metrópole e que pode ser delineada pela comparação - nesta década - do comportamento da área construída na cidade de São Paulo em função dos usos do solo urbano. A expansão da Avenida Faria Lima representa uma das mais importantes intervenções urbanas nas regiões de Pinheiros, Itaim, e Vila Olímpia, em muitos anos embora somente a médio prazo deva influir nas tendências das áreas que atingiu. Há algumas semanas foi inaugurado o trecho da Faria Lima que alcança a confluência com a Avenida Hélio Pelegrino. O que se prognostica é que ela poderá indicar os rumos do desenvolvimento da região da Vila Olímpia, cuja característica até aqui tem sido a diversidade de ocupação. Esperam-se mudanças no perfil da área que apresenta simultaneamente uma tendência de crescimento na oferta de imóveis de escritórios e, em especial, dos escritórios ocupados por empresas industriais Os bairros da Vila Olímpia e do Itaim, que fazem parte da região de escritórios de São Paulo detectada pela Bolsa da Imóveis de São Paulo, aparecem com destaque neste trabalho em função do fato de que a Operação Urbana se estabelece como estratégia no contexto da construção do eixo empresarial que se forma na metrópole. Aqui também faremos menção ao bairro de Pinheiros, apesar da Bolsa de Imóveis não considerá-lo como área importante de localização de escritórios. 265 Boletim Data Bolsa nº 12, setembro de 1996.

144 144 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Os dados comparativos 266 para os anos 1990 e 1995, no que se refere ao tipo de uso do solo urbano, para o distrito de Itaim (que contempla os bairros Vila Olímpia, Vila Funchal e Itaim) mostram uma mudança de comportamento significativa. A área construída para uso Residencial vertical era em m 2 e em m 2 ; o uso comercial horizontal tinha em 1990, m 2 de área construída e em 1995 sobe para , enquanto o comercial vertical apresenta um aumento mais significativo de m 2 em 1990 para m 2 em Em 1990, a área construída voltada ao uso comercial compreendia 23,9% da área total; um percentual que sobe para 29% em O bairro de Pinheiros tem, em 1990 de área residencial vertical, m 2 e em 1995, m 2 ; o uso comercial horizontal em 1990 tinha m 2 de área construída, enquanto que em 1995 esse número declina para m 2, já o uso comercial vertical mostra comportamento contrário, em 1990 apresenta m 2 e em 1995 sobe para m 2. Em 1990 a área construída voltada ao uso comercial compreendia 30,9% da área total essa porcentagem sobe para 31,5% em Se compararmos o papel deste crescimento em relação a São Paulo temos que em 1990 o distrito do Itaim englobava 17% da área do município destinada ao uso comercial, enquanto que em 1995 esse percentual aumenta para 20%, apresentando uma variação de área construída para uso comercial de correspondendo a 34% da variação do município - um dado significativo. O adensamento da área também é um dado importante, em 1990 o uso residencial vertical correspondia a 65% da área construída total ( em ) em 1995 essa porcentagem sobe para 69,95% ( em ). O uso comercial vertical apresenta a mesma tendência; em 1990 representava 57,3% da área total ( em ) e em 1995 representava 64,9% ( em ). Em 1990, o comercial vertical representava 46% da área total de comércio passando para 51,4%. Na comparação com a cidade a área construída para atividade comercial aumenta sua participação passando de 18,9% para 19,8%; enquanto a área construída para uso industrial tem sua participação descendente passando de 7,6% para 6,7% e a área construída para uso residencial se mantém. Sua participação era de 67,27% em 1990 e 67,29% em O eixo de expansão recente que enfocamos, começa no bairro do Itaim que, juntamente, com o bairro da Vila Olímpia - Vila Funchal correspondem a área cortada pela construção do trecho de extensão da Avenida Brigadeiro Faria Lima construindo uma ligação entre a região formada pelos Jardins - Faria Lima (numa ponta) e aquela da Berrini (na outra ponta). A Vila Funchal era um bairro industrial, cujo desenvolvimento se iniciou há pouco tempo e que ainda está passando por uma fase de transição, portanto este bairro é uma mescla de galpões antigos, imóveis residenciais (casas e apartamentos) e edifícios de escritórios. Suas ruas são estreitas e congestionadas, com agravante de não possuir infraestrutura suficiente para atender às empresas aí instaladas. Todavia, uma revolução está em andamento e pode ser percebida, claramente, na paisagem, tanto no miolo, classificada pela lei de zoneamento como categoria Z-9 (corresponde à Vila Olímpia), quanto na área próxima à marginal do rio Pinheiros na porção correspondente à Vila Funchal. 266 Dados da Secretaria de Planejamento do Município de São Paulo.

145 145 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s A localização da Vila Olímpia entre as avenidas Juscelino Kubitschek, a Avenida das Nações Unidas e a Avenida dos Bandeirantes transformou profundamente o bairro. Muitas casas se transformam em locais de serviço, e o antigo e pequeno comércio e serviços (as oficinas mecânicas, açougues, farmácias) vem perdendo seu espaço para aquele do comércio diversificado, com abertura de restaurantes, lojas de xérox, loja de antiguidades 267, numa velocidade tão grande que implicou numa mudança de função da área dentro da metrópole. Consequentemente, ao processo de valorização constata-se o aumento do preço do solo urbano que chegou a reais o m 2 em agosto de 1997 (enquanto na Paulista era reais o m 2 ) o que fez o diretor da GHG 268 afirmar que os terrenos da região era um produto especial voltado para multinacionais. 269 Carta 7 - São Paulo: Vila Olímpia 270 Fonte: Bolsa de Imóveis de São Paulo, Boletim DATABOLSA, n 12, setembro de Escala aproximada: 1: Apontando para a localização estratégica do bairro no conjunto da metrópole, para a instalação do eixo empresarial, constatamos que em 1993, ano da divulgação do projeto de extensão da Avenida Brigadeiro Faria Lima, o bairro da Vila Olímpia teve três lançamentos imobiliários nãoresidenciais e 5 projetos aprovados; em 1994 o número de lançamentos de edifícios comerciais sobe para 4 e em 1995 já apresenta o mesmo número de lançamentos que a região da Berrini, 11. O comportamento dos lançamentos de edifícios de escritórios no período para o bairro da Vila Olímpia/Vila Funchal é de 42 lançamentos, enquanto que a região da Berrini, que apresenta a 267 Segundo a associação comercial, entre dezembro de 1991 e julho de 1992 aumentou em 23% os serviços da região em julho de 1997, 15% (104) das casas noturnas da metrópole (Itaim, Vila Olímpia, Brooklin Novo e Vila Cordeiro). 268 Cf. Folha de São Paulo, 24/8/ Boletim Data Bolsa nº 9, Conforme a fonte de origem dos dados, a Vila Olímpia e a Vila Funchal fazem parte do distrito do Itaim e seus dados aparecem somados caso da SEMPLA - Secretaria de Planejamento do Município de São Paulo. No caso da EMBRAESP, a Vila Olímpia é um bairro somado à Vila Funchal; o mesmo ocorre com a pesquisa de levantamento de dados da Bolsa de Imóveis de São Paulo, a carta de região da Vila Olímpia, aqui representada, pela Bolsa de Imóveis de São Paulo, na realidade se refere apenas à área da Vila Funchal, isto porque, é nesta área que se encontra, preferencialmente, instalados os edifícios de escritórios, base de coletas dos dados da Bolsa de Imóveis de São Paulo, que definiu a classificação das 9 regiões de escritórios de São Paulo, que tomamos como base de análise neste momento do trabalho.

146 146 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole maior concentração dos prédios de escritórios da cidade, tem 27 lançamentos. O bairro do Itaim apresenta o mesmo desempenho da Vila Olímpia, 8 lançamentos em 1993, 7 em 1994 e no período , 33 lançamentos. No mesmo período a Vila Olímpia tem 41 projetos aprovados, o Itaim 31 e o Brooklin 37. Os grandes empreendimentos na Vila Olímpia estão localizados na área próxima à Marginal do Rio Pinheiros nas ruas Funchal, Olimpíadas, Fidenco Ramos, Gomes de Carvalho uma antiga região de industriais, que se encontram na Vila Funchal. No período a Vila Olímpia registrou 29 lançamentos residenciais verticais com predomínio de apartamentos de um dormitório, apart hotel tipo flat, uma tendência que se esboça para a área na esteira do desenvolvimento das novas atividades econômicas. É o caso do apart Hotel Residence, o Funchal Plaza e Auditorium, na Funchal número 281 (projeto aprovado em fevereiro de 98), Ceaser Towers Faria Lima (com 338 unidades com área útil de 40,97 m 2 ), que se situa no trecho novo da Faria Lima entre a Avenida JK e a rua Jesuíno num terreno em que antes havia um conjunto de pequenas casas (antiga área Z-9, que com a Operação teve seu zoneamento modificado), aprovado em junho de Há ainda, o projeto Mélia Confort AT que envolve o empreendimento comercial Busness Center - ITC, com apart hotel administrado pela rede hoteleira Sol Meliá na rua do Roccio. Aqui se constata a tendência, de prédios residenciais de um dormitório associado a edifícios comerciais, como o Solar Itaim na rua das Fiandeiras 270 (construídos num terreno de m 2 aprovado em 22/9/97); o Executive Flat One na rua Justina, um apart hotel administrado pela Parthenon administração hoteleira (projeto aprovado em 19/6/97) 271 ; o Itaim residence Plaza rua das Fiandeiras 1 dormitório, 33 unidades com 41 m 2 de área útil cada; projeto aprovado em novembro de 1996 e ainda o The World Executive Flat pela Parthenon administração hoteleira, projeto aprovado dezembro de Com esses exemplos, podemos perceber que há na área uma nítida mudança no mercado imobiliário tanto para uso comercial como para o residencial, este caracterizado por lançamentos de 1 dormitórios (flats ou mesmo duplex) e apartamentos de 4 dormitórios de alto padrão. A região da Vila Olímpia, particularmente na Vila Funchal, já despontava em 1985 como uma das regiões que mais crescia no setor da construção de edifícios de escritórios da metrópole o que implica a mudança do perfil dos habitantes da região tendendo a reproduzir o padrão comum as regiões próximas como Itaim e Marginal. Se é possível constatar um aumento do peso de serviços há também uma maior ocupação de escritórios por cooperativas do setor industrial. De uma área construída de escritórios de m2 em 1985, a Vila Olímpia apresenta m 2 dez anos depois. Uma pequena parte dentro da área de zoneamento Z-9 (no bairro da Vila Olímpia) não tem sobrevivido às mudanças, apesar das restrições impostas pela lei de zoneamento; completamente asfixiada pela nova avenida se encontra, atualmente, pontuada por pequenos estacionamento (todos com novas pinturas de um verde forte que destoa na paisagem) 271 Trata-se de apartamentos duplex com área útil de 38,50 m 2 úteis. 272 Ainda podemos citar o Itaim Top Home: 2 blocos, um com flats de 44,06 m.2 e outro com 49,50 m 2 - projeto aprovado em janeiro de 1995; o The Must, 1 dormitório, rua Funchal, projeto aprovado em junho de 1995; o Caeser Towers Vila Olímpia, na rua Pequetita 15 com 32 m 2 de área útil aprovado em dezembro de Esses dados foram obtidos na EMBRAESP, onde tivemos as fichas cadastrais.

147 147 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s que tomaram o lugar o lugar das pequenas casas anunciando uma nova necessidade 273 na área na esteira das transformações imposta pelo desenvolvimento dos escritórios seja em função da construção de novos edifícios, seja pela transformação das antigas casinhas em consultórios, lojas, restaurantes, etc. Seria pertinente, neste momento, uma distinção entre o padrão da ocupação da Vila Olímpia e da Vila Funchal - cujos dados aparecem agrupados na coleta de dados feitas pela EMBRAESP e pela Bolsa de Imóveis de São Paulo. A Vila Funchal diferentemente da Vila Olímpia, enquanto área próxima ao Rio Pinheiros, era uma região alagada aonde se instalaram pequenas indústrias em função do preço do terreno em meio a pequenas casas e uma favela. Com a transformação da área a favela foi removida e os galpões industriais foram cedendo espaço às torres de escritórios caracterizando, hoje, uma paisagem formada de altos e modernos prédios envidraçados, com segurança e estacionamento, circuito interno de TV e alto padrão construtivo. Em meio aos edifícios ainda se vê alguns galpões industriais e casas remanescentes. Podemos observar na carta apresentada pela Bolsa de Imóveis de São Paulo que sob o nome de Vila Olímpia, está representado, na realidade, o bairro da Vila Funchal. Da área envolvida com a OUFL a Vila Funchal é o lugar que mais apresentou mudanças em relação a implantação de setor de serviços modernos da metrópole - por isso merece destaque especial. É, efetivamente, nesta área, que as concentrações dos novos prédios de escritórios despontam com toda sua magnitude, transformando radicalmente a paisagem. No lugar dos galpões industriais, agora se encontram altos e modernos edifícios envidraçados, cercados por forte esquema de vigilância. As calçadas se acham atulhadas, na hora do almoço, de executivos e técnicos de nível superior, que saem para o lanche, enquanto as ruas se enchem de carros. Os restaurantes lotam na hora do almoço e à noite. Os flats e bares tornam a área movimentada. Aqui a mudança no uso do solo é acompanhada diretamente pela mudança de função da área dentro do espaço metropolitano - no movimento de substituição de unidades produtivas industriais, por atividades de serviços modernos. Exemplificando podemos fazer, nesta área a seguinte radiografia desta pequena parcela do espaço da metrópole: em apenas 8 ruas se localizam 37 novos edifícios de escritórios (além de 9 em construção), 19 estabelecimentos, entre casas noturnas, bares-cafés, 3 lanchonetes, 10 restaurantes a la carte e 10 restaurantes que servem ou comida por quilo ou fast-food. Podem ainda ser encontrados 30 estacionamentos alguns de grande porte e apenas 40 residências perdidas em meio as profundas transformações observadas - trata-se de construções muito simples em relações aos prédios residenciais recém construídos e dos 4 flats. Há ainda dois galpões para locação - destinados para realização de eventos. Para a nova população em transito, encontramos novos serviços, como lavanderia, academias de esporte, e serviços de revelação de filmes, copiadora, papelaria, consultórios dentários, lojas (algumas de grife elegante como a Franzisca Hubner, o Boticário; bem como casas de congelados, haute coiffeur, vídeo locadora, perfumaria/ lojas de cosméticos (2), e algumas lojas de informática além de gráficas, escritórios de publicidade. Sobram alguns resquícios de uma antiga 273 Boletim Data Bolsa detecta, para as 9 regiões no período 95/96, um aumento da demanda por vagas de estacionamento, superando a oferta os preços aumentaram mais na Vila Olímpia e Verbo Divino no período.

148 148 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole vida de bairro (em meio aos galpões industriais, uma casa de carnes, uma padaria, e oficinas mecânicas, que antes abundavam se reduziram a 7, mas a drogaria já substitui a antiga farmácia). Sobre os edifícios de escritórios os nomes e a segurança parecem criar uma grife muitos tem limpeza, segurança e estacionamento terceirizados, abrigam escritórios de serviços modernos, em sua maioria os escritórios são alugados (em pouquíssimos casos se encontram escritórios funcionando em locais próprios) e atraem muitos funcionários e visitantes para o bairro - responsável pelo congestionamento das ruas da Vila Funchal/Vila Olímpia. A radiografia de alguns edifícios de escritórios 274 podem nos ajudar a entender o tipo de atividade que aí se desenvolve, apontando para a realização dos serviços numa nova dinâmica da economia paulista, como a mudança - substituição no uso do solo urbano- ainda está ocorrendo, os prédios são recentes (muitos em funcionamento há poucos meses). Na rua Pequetita, por exemplo, despontam o edifício de escritórios Almar, com duas torres de 12 andares cada, com estacionamento e segurança terceirizados, onde trabalham 700 pessoas (além de receberem por dia 400 outras) e grande parte das salas são alugadas. O edifício New Century também tem 12 andares, estacionamento terceirizado, mas segurança própria, 100 pessoas trabalhando e 100 visitantes diários (sedia empresas de informática, consultoria e construtora), está em funcionamento desde novembro de 1999 e todas as salas são alugadas). 274 Nem sempre é fácil obter informações, os edifícios são vigiados, os passos sempre controlados.

149 149 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Tabela 7 -Projetos não residenciais aprovados e metro quadrado médio. Ano Total Bairro Bairro nº m² nº m² nº m² nº m² nº m² nº m² nº m² nº m² Pinheiros , , , , , , , ,45 Itaim , , , , , , , ,37 Brooklin , , , , , , , ,20 V.Olímpia , , , , , , , ,04 Total ano , , , , , , , ,06 Fonte: EMBRAESP, fichas cadastrais

150 150 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Na rua Funchal localiza-se o Complexo Camargo Correia formado por mais de 12 blocos térreos e uma torre de 13 andares. Tem limpeza, estacionamento, segurança terceirizadas, aí trabalham pessoas (e recebem a visita diária de outras 800). O complexo existe há 15 anos e abriga além da holding da Camargo Correia, algumas empresas de informática. Há o edifício Montreal de 12 andares com estacionamento e segurança terceirizados, onde trabalham 400 pessoas (e recebem, em média outras 150 por dia); abriga escritórios de informática, engenharia, publicidade, importação e exportação, editora e advocacia. O São Paulo Trade, no número 375 tem 17 andares, estacionamento, limpeza e segurança terceirizadas e começou a funcionar no início do ano O edifício Funchal, no número 411, inaugurado, na mesma época, tem 13 andares, cobertura e heliporto, apresenta também serviços terceirizados de limpeza estacionamento e segurança; 200 pessoas trabalhando (e 95 visitantes/dia). Abriga empresas de informática (maioria de internet), 2 multinacionais. Edifício Work Place Funchal, com 19 andares funciona há 4 anos no local e a seu lado está em construção o edifício Ufficio Olímpia. Na rua Helena, encontramos o edifício Delta One, com 12 andares abrigando 200 trabalhadores em empresas internet (Lokau.com) publicidade, clínica estética etc. A seu lado o edifício Miziara de 16 andares tem firmas de consultoria, seguros, assessoria, seleção de executivos. Edifício de escritórios Trade Tower, com 13 andares com agência de turismo, sindicato, advogado, construtora, consultórios - o edifício possui um único dono. Edifício The Maneger com 12 andares, 300 trabalhadores, abriga escritórios de consultoria, tecnologia, hotelaria (a francesa Accor Brasil), indústria, engenharia, eventos, informática. O edifício está em funcionamento há um ano e meio. O edifício de escritórios Four Seasons tem 12 andares e está em funcionamento há 8 meses, onde se localizam escritórios de engenharia, telecomunicações, informática, consultórios, indústria. O edifício Hyatt, tem também 12 andares, 240 pessoas trabalhando, em escritórios de consultoria, arquitetura,informática (dentre elas a Poly software e consulting). O Olímpia Tower II também com 12 andares, tem em suas dependências, escritórios de consultoria, telecomunicação, corretores de valores, limpeza, exportação, sondagem, marketing e eventos, indústria, informática, gráfica, advogados. 275 Na Fidêncio Ramos a mesma história se repete, apenas 6 casas residenciais, edifícios de escritórios com 12 ou 16 andares, construções modernas funcionando há pouco tempo como o Setin Tower, Atruim V. No número 101 um galpão industrial está dando lugar a mais um edifício de escritórios ainda em construção. No número 420 há um flat em construção ao lado de uma torre de escritórios; a seu lado, em outro galpão industrial funciona os escritórios da TVA. Na rua Olimpíadas, no lugar do estacionamento Stapar, havia uma loja de jardinagem, o Tom Brasil ocupa um antigo galpão industrial, ao lado se encontra desativado um galpão da indústria metalúrgica Comatic (segundo informações o dono do terreno vem sendo muito procurado para abertura de mais uma casa noturna); a Out graphics se intalou no lugar da Batavo, vinda da Lapa. Na rua Gomes de Carvalho encontramos os edifícios de escritórios Menphis Offices - construído no lugar de dois sobrados, (entregue em novembro de 1999) no número 1266, o 275 Nessa rua há dois edifícios de escritórios: os Atrium II e IV que não dão nenhum tipo de informação; na região ainda se encontra o Atruim V, na rua Fidêncio Ramos; e o Atrium I, na rua do Roccio.

151 151 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Business Center no número 1306 (onde funciona a construtora INPAR, que construiu o edifício e vem construindo outros na área); O Myconos no número 1356 (onde estão a Lufthansa, Votorantin); 420 pessoas trabalham no Olímpia Park no número1329, um edifício de 14 andares, com heliporto; o edifício Parmalat, onde as salas do edifício estão alugadas à empresa Parmalat, se encontra ao lado de um estacionamento, onde antes havia um supermercado. Há nesta rua vários edifícios em construção. Na rua do Roccio há os edifícios Pinus Plaza; o Aurélia Office Tower (nesse prédio de 12 andares há uma única sala que foi comprada todas as outras são alugadas); o Atrium I com 13 andares, o Atrium III onde trabalham 500 pessoas, abrigando, em sua maioria empresas multinacionais; o Edifico Dornier Merkur, com 11 andares (além da cobertura), com escritórios de internet, sistema de computadores, (um laboratório francês, um belga) com planta de 500m 2, e totalmente alugado.

152 Figura 7 - Vila Funchal I. Fonte: fotos da autora. 152 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole

153 153 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Figura Vila Funchal II. Fonte: fotos da autora. Os galpões remanescentes - alguns ainda abrigam indústrias - tornaram-se salas de espetáculo. Na rua Olimpíadas pode ser encontrado o Tom Brasil que se estabelece no antigo endereço da metalúrgica Kramer 276 ; a casa noturna Donna il club que se estabelece no lugar de um galpão industrial, e ao seu lado a Gitana 277, onde era a fábrica da Gelato. Na rua do Roccio se 276 Rua Olimpíadas, nº Nº 296; em funcionamento desde 1997.

154 154 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole localiza o K clube com fundo para a rua Helena, na rua Pequetita acha-se o Café Teatro, a Catarina s bar, a casa noturna Love e uma danceteria em construção. Na pequena rua Funchal concentra-se a casa noturna Via Funchal, um espaço para eventos. Na rua Ramos Batista encontramos o bar-café Lollapalloza, o Pinoli Café e o bar Mr Ring e a leiteria Santa Clara. A rua Ramos Batista divide o bairro da Vila Funchal daquele da Vila Olímpia, que apresenta também uma paisagem em transformação, aqui são as casas que cedem lugar a um outro uso, com a diferença que elas não são derrubadas, mas transformadas para dar lugar a outra atividade - geralmente de escritórios horizontais, pequenos consultórios, em função da lei de zoneamento que enquadra essa área na Z-9, (onde o gabarito não permite construir em altura) permitindo apenas que se construa uma área igual à do terreno por isso a Vila Olímpia se transforma, mas não ganha em altura, Mas nem por isso, as transformações parecem menos importantes 279. O outro bairro envolvido na OUFL é o Itaim, que tem uma área constituída para escritórios, caracterizado segundo o mercado, como a qualidade de espaço, sendo superior, neste item, à região dos Jardins e da antiga Faria Lima, onde 61% dos edifícios possuem 280 ACC. Trata-se de um polo de escritórios que se desenvolveu ao longo da Marginal como extensão natural da região da Avenida Brigadeiro Faria Lima 281. A construção dos escritórios neste bairro atende ocupantes de pequeno porte, profissionais liberais e pequenas empresas - é a única região que não possui edifícios com área útil por andar superior a 1000m 2. Na realidade, 88% dos edifícios de escritórios, hoje, tem laje com área útil inferior a 500m 2. A área apresenta como ocupação original (produto do desmembramento de uma antiga chácara), terrenos pequenos em geral ocupados por habitações unifamiliares, motivo pela qual os terrenos para a construção de edifícios são pequenos e caros. A região também é ocupada por edifícios residenciais, principalmente, destinados à classe média, outro fator de encarecimento do preço do m 2. A maior concentração de escritórios se encontra na Avenida Juscelino Kubitschek. A recente construção do complexo viário Ayrton Senna - a partir desta avenida - permite, numa ponta, uma conexão ainda mais ampla dessa região a outras áreas da cidade, enquanto que na outra ponta da avenida foi construído o túnel que passa sob o Rio Pinheiros permitindo uma ligação rápida com o sudoeste da cidade. O Itaim tem atraído investimentos e locatários, e é a região que tem maior número de escritórios ocupados 282. O maior ocupante do Itaim, segundo pesquisa 278 A lei de zoneamento define como Z9 "as zonas predominantemente residenciais, com baixa densidade, onde são permitidas, além de residências unifamiliares, unidades agrupadas horizontalmente, categoria R 2.01, bem como usos comerciais, de serviços e institucionais de âmbito local, todos limitados a 250 m 2 por tipo de uso. O coeficiente de aproveitamento máximo nas Z9 é igual a um, a taxa de ocupação limitada a metade da área do terreno. Na área da Operação Urbana Faria Lima, é definida como Z9 o quadrilátero formado pela Avenida Juscelino Kubitschek e pelas ruas, Clodomiro Amazonas, Ramos Batista, Elvira Ferraz, na Vila Olímpia". Cf. EIA-RIMA, op.cit., p A Vila Olímpia será analisada em detalhe no próximo capítulo. 280 Boletim Data Bolsa nº 3, Convém deixar claro que a região da Faria Lima refere-se aqui à delimitação da Bolsa de Imóveis de São Paulo e que corresponde ao eixo formado pelo antigo traçado da Avenida Brigadeiro Faria Lima (do largo da Batata até a avenida Cidade Jardim, portanto, antes de sua extensão realizada em 1995, cujo traçado faz parte dos bairros de Itaim e Vila Olímpia. 282 Jardins e Itaim apresentam a maior porcentagem de escritórios de até 250 m 2, 28,85 % e 23,42% do estoque total destas regiões, enquanto na região Verbo Divino e Marginal é de 2 %, área de escritórios de indústrias.

155 155 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s realizada pela Bolsa em 1995, é o setor de serviços 283, em geral, profissionais liberais que, na sua maioria, residem no próprio bairro e optam por escritórios próximos a sua residência. 284 Carta 8 -São Paulo: o bairro do Itaim Fonte: Bolsa de Imóveis de São Paulo. DATABOLSA nº 4, Escala aproximada 1: No trecho da Avenida Nova Faria Lima, neste bairro, nas proximidades da Avenida Cidade Jardim, uma construção se impõe na paisagem, o edifício do Crédit Commercial de France instalado no edifício L Arche (que se mudou da Paulista) projetado pelo arquiteto Júlio Neves. A Mackenzie Hill consultoria Imobiliária administrou a obra que tem uma área construída de m 2 com subsolos, térreo e 14 andares, 11 elevadores, sistema de ar condicionado central, sistema de sprinklers, hidrantes, duas escadas de segurança, detectores de fumaça e sistema de supervisão predial. O edifício pertence ao Credival, holding do grupo no Brasil e possui como coproprietário o grupo Garantia. Sua construção - de frente para a Avenida Brigadeiro Faria Lima causou muita polêmica, pois foi iniciada antes mesmo da Avenida ter sido construída 285 com projeto do mesmo arquiteto que comandou a realização da Operação Faria Lima. 286 Os empreendimentos imobiliários de grande porte vem se localizando entre as Avenidas Cidade Jardim e Hélio Pelegrino (englobando uma área contínua dos bairros do Itaim e Vila Olímpia), um boom imobiliário que chega a 125 milhões em investimentos um ano após a inauguração da avenida 287 para construção de edifícios de escritórios, shopping. Outra tendência na área é a parceria comércio/residência; num mesmo terreno (91.000m 2 ) por exemplo, o Centro Empresarial Nações Unidas (um megaempreendimento) reúne centro de convenção, centro empresarial, centro comercial. A torre oeste tem como proprietários o fundo de 283 Segundo pesquisa da Folha de São Paulo a boa infraestrutura é a marca do subdistrito do Itaim (que engloba além do bairro do Itaim a Vila Olímpia e a Vila Funchal) e concentrava à época 15% das casas noturnas (compreendendo bares, restaurantes) de São Paulo (104) de acordo com o levantamento DATA FOLHA feito em Em 95, seis novos edifícios, são construídos, novamente o setor de serviços predomina com 45,78%. (O segundo maior volume de estoque das 9 áreas) Ed. Garden Tower Business Center, lançado no 1º trim. de Que começou a ser construído em agosto de 1992, com um investimento de 25 milhões de dólares. 286 O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, 24/8/97.

156 156 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole pensão do Banco do Brasil - a PREVI, a Bolsa de Imóveis de São Paulo e a Imopor braço imobiliário do Unibanco. Aí se instalaram o BCN - adquirido pelo Bradesco e o Unibanco Asset Management. A Torre Norte entregue em junho de 1999, um dos prédios mais altos de São Paulo, tem 160 metros de altura e m 2 de área útil. O valor de locação por m 2 útil era 50,00 reais, enquanto a média de preço para a área em m 2 útil, na região, é de 21,70 reais. 288 Segundo reportagem do Jornal Estado de São Paulo, fontes do mercado informaram que o Unibanco fechou um contrato de locação de 10 andares da Torre Norte, além da Microsoft, que ficou com outros 3 e o Consulado do Canadá com um. A Funcef - fundo de pensão - tem 50% de participação da Torre Norte, e a incorporadora Tishman Speyer (com sede em New York) o restante. A torre leste ainda está sendo construída, estima-se que o Centro Empresarial Nações Unidas será um polo de instituições financeiras. 289 Também na Avenida das Nações Unidas (Marginal) há a construção pela ASD de um empreendimento com 4 torres de escritórios, hotel 5 estrelas, shopping e centro de convenções, ao lado deste empreendimento, há o projeto do arquiteto Júlio Neves para a Fundação Petros com escritórios, hipermercado, e centro comercial (num terreno de m 2 ), que se encontra paralisado. A construtora Cyrela e a Brazil Realty (com z) lançaram o International Trade Center com duas torres - um de flat outra de escritório - voltado a executivos que procuram uma integração entre hospedagem (coordenadas pelo Mélia) e local de trabalho em suas estadias na cidade. Os dois edifícios serão integrados por um boulevard térreo com restaurantes de grife, áreas de esporte e lazer com complexo de piscina; além de centro de convenções, serviços com equipamento e suporte internacional. 290 Sobre o ranking de empreendimentos comerciais lançados na cidade, o bairro do Itaim apresenta o seguinte comportamento. Em 1996 está na primeira posição com 5 lançamentos de edifícios comerciais (juntamente com os Jardins, seguido dos bairros de Pinheiros e Vila Olímpia, com 4 lançamentos cada um), e em primeiro lugar em número de conjuntos lançados (622) seguido dos Jardins com 467, Pinheiros em 4 o com 461 e a Vila Olímpia em 6 o com 314. Em área total lançada o Itaim também está na primeira colocação com m 2, Pinheiros com , em 4 o lugar e Vila Olímpia em 6 o com m 2. Em 1997, a Vila Olímpia assume o primeiro lugar tanto em número de lançamentos de edifícios de escritórios (7), seguido pelo Itaim com 4; quanto número de conjuntos lançados - unidades de escritórios (754), aqui o Itaim já cai para 9 a posição, mostrando que, nesta área se trata de pequenos prédios destinadas a profissionais liberais (294). Se analisarmos as fichas do cadastro individual da EMBRAESP, no que se refere aos lançamentos imobiliários (residenciais e não-residenciais), podemos constatar que, apesar de algumas disparidades e incongruências entre estas fichas e os dados da Bolsa de Imóveis de São Paulo pode-se detectar as mesmas tendências no que concerne ao mercado imobiliário da região, 288 Segundo levantamento feito pelo DATA FOLHA de março de Cf. Beth Keiko in: Panorama Setorial, Gazeta Mercantil, 30/03/ Os projetos de ampliação aparecem para Zanettini como um cenário de primeiro mundo para tapar os bolsões de miséria que envolvem a cidade. Jornal da Tarde, 13/5/1993. Cada novo empreendimento boate Kripton, Dado Bier, Tom Brasil, o Via Funchal - traz para os moradores trânsito, barulho, brigas de rua, carros estacionados em suas garagens, pedintes etc. Muitas vilas desabaram com os tratores e cada um é exilado em uma vida privada. Virilio, Paul. O espaço crítico, op.cit., p. 11.

157 157 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s que aponta para mudança nos usos/funções desta área da metrópole (fato constatado em nossa pesquisa de campo). Tabela 8 - Pinheiros: Lançamento Residenciais e não Residenciais Lançamentos residenciais Lançamentos não residenciais Ano Quantidade Terreno(m²) Construído(m²) Ano Quantidade Terreno(m²) Construído(m²) , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,61 Fonte: EMBRAESP, fichas cadastrais Tabela 9 - Vila Olímpia: Lançamento Residenciais e não Residenciais Lançamentos residenciais Lançamentos não residenciais Ano Quantidade Terreno(m²) Construído(m²) Ano Quantidade Terreno(m²) Construído(m²) , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,55 Fonte: EMBRAESP, fichas cadastrais Tabela 10 - Itaim: Lançamento Residenciais e não Residenciais Lançamentos residenciais Lançamentos não residenciais Ano Quantidade Terreno(m²) Construído(m²) Ano Quantidade Terreno(m²) Construído(m²) , , , , , , , , , , , , , , ,69 26,857, , , , , , , , , , , ,27 Fonte: EMBRAESP, fichas cadastrais

158 158 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Tabela 11 -Brooklin: Lançamento Residenciais e não Residenciais Lançamentos residenciais Lançamentos não residenciais Ano Quantidade Terreno(m²) Construído(m²) Ano Quantidade Terreno(m²) Construído(m²) , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , Fonte: EMBRAESP, fichas cadastrais Atentando para os dados cadastrais 291 referentes aos 3 bairros cortados pela extensão da Avenida Brigadeiro Faria Lima - podemos perceber - no período 1992/1998 o que se segue: o número de projetos não-residenciais aprovados aumenta significativamente após a abertura da avenida, é por isso que os anos de 1996 e 1997 aparecem como os mais expressivos para esse tipo de uso. Para efeitos de comparação colocamos na tabela 5 o bairro do Brooklin que é o que, na cidade, apresenta o maior acréscimo de área construída não-residencial da década (contempla a região da Avenida Luís Carlos Berrini) para podermos entender as mudanças que efetivamente ocorrem na área da Operação Urbana Faria Lima, e com isso constatar que os projetos nãoresidenciais aprovados para o bairro da Vila Olímpia quase se equiparam àquele do Brooklin, o primeiro com 56 lançamentos e o segundo com 55, enquanto o bairro de Pinheiros, é aquele que apresenta o menor número de projetos aprovados 44. Apesar de Pinheiros 292 é um bairro com características mistas (residências e comércio), comportamento que se acentuou com a abertura da avenida, os projetos aprovados aumentaram significativamente nos anos 1996/1997. É um bairro em que os lançamentos de prédios de apartamento residenciais ainda são mais significativos do que o número de lançamentos comerciais; e não se localiza, exatamente, no eixo empresarial - comercial moderno da metrópole. Os lançamentos residenciais verticais apontam principalmente para apartamentos de 2 dormitórios (50% de todos os lançamentos) e para os flats (21,4%). Destes últimos a maioria se localiza nos limites da área com os Jardins e região da Avenida Paulista, onde se encontra a segunda maior área de concentração de escritórios da cidade. Na Vila Olímpia (tabela 8) os lançamentos residenciais verticais para o período apontam 26 registros de lançamentos com 44,8% dos registros para flats - uma mudança no comportamento do mercado imobiliário, apontando para a associação flats - área de escritórios modernos. O Itaim já apresenta em termos de lançamentos residenciais verticais uma significativa porcentagem (57,1%, num total de 28 registros de lançamentos no período) de apartamento de 4 dormitórios apontando para o reforço de uma tendência de localização, na área, de uma parcela da população de alto poder aquisitivo. Com exceção do bairro do Brooklin, que tem um número de 291 Estas se referem à duas situações diferentes em relação ao imóvel, os projetos significam que o empreendimento está no papel, ainda não foi iniciada a construção; os lançamentos ao contrário, se referem à entrega do imóvel. 292 O bairro de Pinheiros não consta das pesquisas de coleta de dados feitas pela Bolsa de Imóveis de São Paulo.

159 159 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s lançamentos residenciais verticais estável ao longo do período pesquisado, os outros bairros apresentam um aumento de lançamentos a partir de 1995, ano de abertura da Avenida Nova Faria Lima. Do total de lançamentos residenciais, o bairro de Pinheiros apresenta - dentre os bairros da Operação Urbana - o maior número de lançamentos, apontando sua diferença em relação aos outros dois bairros (que tiveram, praticamente, o mesmo número de lançamentos). Se numa ponta da Avenida Brigadeiro Faria Lima, o bairro de Pinheiros mantém uma tendência residencial, principalmente de ocupação vertical mesclada a áreas de comércio (algumas delas voltadas à população de baixa renda na rua Teodoro Sampaio, Largo da Batata, com presença maciça de camelôs) na outra ponta da extensão da avenida, o quadro de ocupação é bastante diverso, inserindo-se de forma diferenciada, no conjunto do espaço da metrópole. Como vimos, a análise dos dados, sobre o desenvolvimento do setor imobiliário voltado aos escritórios na cidade de São Paulo, revela que as áreas tradicionais de concentração da atividade vem apresentando uma tendência à diminuição de sua participação no conjunto da cidade 293, onde o centro velho vem reduzindo sua participação percentual, apesar de ainda manter um papel importante como área de concentração dos escritórios ao mesmo tempo em que a região da Avenida Paulista - para onde a atividade, inicialmente, se deslocou, a partir do transbordamento do centro - também vai esboçando a mesma tendência à queda. A tendência à diminuição de participação destas áreas tradicionais na metrópole pode ser explicada por dois fatores: de um lado, se constata uma dificuldade de expansão da área construída para escritórios em função da escassez de áreas disponíveis - isso ocorre nas duas regiões a ponto de se constatarem que, hoje, os novos prédios entregues nessas áreas se localizam nas suas bordas - é o caso de Higienópolis na área central - e do transbordamento em ruas paralelas a Avenida Paulista, onde há ainda áreas passíveis de ocupação com preço menor do m 2. A segunda constatação se refere ao fato de que o desenvolvimento das atividades terciárias na metrópole, como consequência das transformações do processo produtivo, no contexto da flexibilização e globalização da economia, impõe uma crescente busca de competitividade exigindo a diminuição dos custos fixos (com imóvel) o que cria a exigência de um outro tipo de imóvel a medida em que o desenvolvimento técnico traz novas exigências que se refletem nas instalações - com o que se chama de qualidade de espaço tido como elemento determinante na formação do preço dos escritórios (mais importantes para grandes empresas). Uma pequena empresa de serviços precisa reduzir ao mínimo seus custos e pode, em parte, trabalhar nos escritórios daqueles a que serve. É difícil nas grandes empresas, que buscam qualidade de vida para o pessoal e economia máxima em energia e condomínio 294, uma utilização máxima das áreas com um layout apropriado. A referência à qualidade de espaço é um dado importante, o que significa que os investidores do mercado imobiliário, interessados na renda dos aluguéis, preferem investir nos imóveis tecnologicamente mais avançados. São estes, cujos preços do m 2 útil de locação superam a média da região onde se localizam. É assim que podemos constatar que os novos prédios que estão sendo construídos - na nova área - trazem um novo padrão arquitetônico, um novo layout, um novo 293 Neste capítulo usamos o termo cidade, pois a coleta de dados se refere apenas ao Município de São Paulo, a metrópole tem seus limites fluidos dificultando a coleta de dados. 294 Bolsa de imóveis de São Paulo in: Boletim Data Bolsa nº4, 1995.

160 160 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole conjunto de acessórios e tamanho diferenciado, aliado às necessidades de articulação mais rápida entre as áreas. O centro está congestionado tanto em termos da concentração dos edifícios, quanto de artérias de circulação, fazendo com que seus escritórios sejam ocupados por atividades pontuais que necessitam estar aí concentradas (exemplo dos escritórios de advocacia, em função do Fórum), enquanto a Avenida Paulista apresenta um preço elevado do m 2 (40% superior àquela do centro 295 ) tornando baixos os lucros com o investimento. Assim, vai se construindo um outro polo de escritórios que surge, inicialmente, como necessidade imposta pela expansão dos escritórios em função da escassez das áreas tradicionais - caso da região de Avenida Luís Carlos Berrini a partir de A Operação Faria Lima traz um novo elemento na construção dos espaços para escritórios em São Paulo, pois consolida o polo, viabilizando sua articulação com o restante da cidade. Ao ligar a Faria Lima antiga até a Hélio Pelegrino permitiu uma ligação mais fácil com a Avenida Luís Carlos Berrini, tornando a área quase contínua, destruindo a barreira que impedia sua expansão, não só criando uma via semi-expressa de comunicação, mas criando uma área incorporável para a construção destes edifícios, que agora uma área antes destinado ao uso residencial horizontal. A implosão dos bairros da Vila Olímpia e do Itaim segue essa lógica. Assim, a lei da Operação Urbana derruba as barreiras criando uma nova área para um novo uso em expansão com a possibilidade da construção em altura, antes proibida pela lei de zoneamento e com a mudança do uso do solo urbano e da função destes bairros na divisão espacial do trabalho. Portanto, como o processo de reprodução do espaço se realiza produzindo novas contradições, nos deparamos, aqui, com a raridade do espaço; de áreas na metrópole para a expansão das atividades econômicas como decorrência do próprio desenvolvimento da economia o que acaba exigindo dos agentes econômicos no sentido de supera-las. Nesse processo, cria-se um conflito direto com as necessidades dos habitantes, que não raro são expulsos de seus bairros e de suas casas em função da implosão. Assim, a hipótese que norteou a pesquisa, deste capítulo, trouxe como desmembramento direto o fenômeno de constituição da raridade do espaço como barreira e limite a ser superado pelo capitalismo. No centro, ou nas proximidades do centro, o espaço assume o papel de nova raridade em consequência da generalização no espaço, do valor de troca, que mediado pela propriedade privada do solo urbano, reproduz-se fragmentando o espaço no seio do processo capitalista, como consequência do fato de que a produção do espaço vincula-se cada vez mais a forma mercadoria. Esta raridade se manifesta em áreas precisas na metrópole, na vizinhança do centro como necessidade do próprio processo de reprodução espacial. Assim, o fenômeno da raridade se concretiza pela articulação de três elementos indissociáveis: a existência da propriedade privada do solo urbano, a centralidade da área e o grau de ocupação (índice de construção) da área no conjunto do espaço da metrópole. O setor de escritórios tem critérios específicos de localização na mancha urbana o que limita suas opções, nesse sentido a raridade se torna mais evidente. O uso habitacional tem determinações locacionais mais flexível, em tese. 295 Dado para o 2º semestre de E também é uma região de trânsito pesado.

161 161 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s O dado importante aqui é que essas contradições assinaladas no processo de reprodução do espaço se dão no interior do processo de reprodução das relações sociais de produção. Como afirma Lefebvre, a tendência atual de constituição dos centros de decisão que querem tudo reunir num território restrito, leva a raridade do espaço no território considerado. A penúria de espaço tem, portanto, traços novos; ela é as vezes espontânea resultado de um processo cego, de origem histórica - e mantida e consentida, podemos dizer, querida as vezes expressamente organizada. Trata-se, portanto, de uma contradição entre a abundância passada e possível de um lado, e a raridade efetiva, de outro. Essa contradição não é exterior as relações sociais de produção, ainda mais a (re)produção que cria as estratégias políticas. Ela não se reduz as contradições clássicas; é uma contradição do espaço. As contradições e conflitos no espaço (com suas implicações táticas e estratégicas) não desaparecerem, longe disso. As contradições do espaço as envolvem, elevando-as a um grau superior, reproduzem-nas, ampliando-as. A produção das coisas no espaço também não desapareceu, nem os problemas que essa produção produz (não se trata mais da raridade de bens produzidos, mas a gestão e a posse dos meios de produção), portanto as novas produções... envolvem e ampliam os problemas das produções das coisas. 296 É a raridade do espaço, para essa nova atividade econômica, que ocorre na metrópole, que move as mais variadas estratégias para criar áreas passíveis de serem incorporadas pelo mercado imobiliário (o caso do empreendedor que ofereceu dinheiro para favelados se mudarem da região da Juscelino Kubitschek, da prefeitura que simplesmente os expulsou, pois ocupavam áreas privilegiadas em setores centrais da metrópole). Aqui se desvenda uma outra contradição entre centro e periferia - esta se expande através do transbordamento do crescimento da mancha urbana da metrópole em seu processo de explosão em áreas com deficiência de infraestrutura, distantes dos centros e dos serviços, segregadas em imensas áreas, produto da constante expulsão da população das áreas centrais da metrópole. Isto significa que, a contradição, agora, no interior do espaço urbano coloca de um lado, a centralidade do poder e da riqueza - concentrada em áreas nobres - e de outro, as periferias desurbanizadas aprofundando o conflito entre integração e segregação 297 ; isto porque as práticas socioespaciais se transformam radicalmente; pois a racionalidade da reprodução do capital redefine os lugares do espaço numa nova articulação remodelando a vida, delimitando, cada vez mais, as escolhas e reduzindo as experiências vindas da prática urbana. A pesquisa na área vai revelando a justaposição entre vários níveis de análise; 1. O micro através de dois elementos associados: as transformações dos bairros envolvidos na Operação Urbana Faria Lima com a produção dos escritórios e de uma nova centralidade como consequente metamorfose no ato do morar e da vida cotidiana no lugar. 2. As transformações econômicas da metrópole se referem a processos globais da economia. Assim, o lugar se liga ao mundial pela mediação da metrópole. O nível do lugar aparece como um fragmento espacial cujos significados revelam o processo de produção do espaço, reforçado pelo fato de que o mundial se realiza e se concretiza no plano do lugar, realizando-se enquanto articulação contraditória entre o mundial que desponta no horizonte e a especificidade 296 Lefebvre, Henri. Espace et politique, op.cit. pp. 238/ Id., La revolution urbaine, op.cit., p.225.

162 162 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole histórica do microcosmo da vida. Deste modo é que a metrópole aparece como mediação entre o lugar - plano micro - e o mundial - plano macro. O que significa que a análise do lugar permite desvendar a sociedade atual apontando as tendências que aparecem no horizonte que constroem o espaço mundial e a sociedade urbana. A tendência ao mundial não afasta da realidade o espectro da fragmentação do mundo e do cidadão, revelado no nível do lugar, na medida em que o espaço se fragmenta em inúmeras parcelas sob a égide de sua condição de mercadoria (assentado na propriedade privada) que entra no circuito da troca, pela mediação do mercado. Tal processo delimita e defini os modos de uso (e apropriação) produzindo uma morfologia espacial estratificada. De um lado o espaço que parece se dividir e subdividir ao infinito e de outro, a atomização do indivíduo gerando a divisão quase sem limites dos conteúdos da sociedade como suporte das relações sociais. A dinâmica urbana ganha um elevado grau de complexidade, a metrópole, o centro, o nó da rede se reproduz, reproduzindo, na escala local, a contradição do lugar e do mundial que se anuncia, contradição esta que se materializa nas novas formas da morfologia. Os problemas detectados na metrópole paulista são mundiais, a reprodução do espaço urbano se realiza revelando dramas e estratégias como condição da reprodução das relações sociais, que se cumprem pela extensão da propriedade privada, com uma nova forma de planificação que se integra à uma estratégia e práticas globais.

163 163 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s 2.5 A centralidade móvel 298 No processo de implosão-explosão da cidade 299, a centralidade se acentua, isto é, o centro histórico ainda representa o locos da administração, da decisão, da organização política, da informação, etc. O centro urbano principal da metrópole é aquele de decisão, concentra informação e conhecimento é teatro do espontâneo, forma elaborada de simultaneidade, mantendo seu conteúdo simbólico. Mas de outro lado, assiste-se à constituição de uma pluralidade de centros (culturais, religiosos, simbólicos de mercado, etc.); ao mesmo tempo em que se estruturam as periferias, que se estendem a perder de vista englobando sempre novas áreas e extensões fragmentadas. Esses elementos revelam a metrópole poli nucleada. A ideia de centro ilumina a contradição centro-periferia, com isso, a divisão social e técnica do trabalho no espaço, que produz uma hierarquia espacial que distingue os lugares da metrópole no seio do processo de reprodução espacial desigual. A desigualdade do processo de reprodução do espaço urbano, faz do centro o nó, conserva duas forças interligadas e poderosas: aquela do poder e riqueza e aquela da miséria. A questão da centralidade diz respeito à constituição de lugares enquanto ponto de acumulação e atração de fluxos, centro mental e social que se define pela reunião e pelo encontro. É uma forma nela própria vazia que demanda um conteúdo, isto é, as relações práticas, os objetos, os atos e as situações. 300 Portanto, simultaneidade de tudo que se possa reunir e, em consequência, acumular num ponto ou em torno deste ponto do espaço. Mas na reprodução do espaço da metrópole produz-se novas centralidades que se aparecem como nó articuladores de fluxos e lugares de acumulação, de outro apresentam uma estrutura menos complexa que o central; portanto a polinuclearidade da metrópole se reproduz de modo desigual. Assim, no espaço mais amplo da metrópole assegura-se uma centralidade e uma disposição desigual dos lugares em relação ao centro. Neste processo de reprodução do espaço urbano velhas formas desaparecem para dar lugar a novas formas exigidas por novas atividades é, assim que novas áreas ganham novos conteúdos. Esse processo, cada vez mais, acentua a contradição que está na base do processo de produção do espaço, qual seja a produção socializada e o processo de apropriação privada do solo urbano. Mas, a centralidade se refere à uma dupla escala: o centro urbano e a metrópole como centro. A centralidade define-se, no segundo caso, por uma racionalidade política, estatal, urbana, que se quer total, e que aparece como uma estratégia que condensa riqueza e poder, meios de ação, informação, conhecimento, cultura, ideias, decisão; como escreve Balzac, o centro é onde brilham os grandes espíritos, onde o ar está carregado de ideias, onde tudo se renova E este centro coincide com a grande metrópole. Por outro lado, no panorama mundial hoje, o centro está em toda a parte como contrapartida da mundialidade. Nesse contexto, o mundial se gesta na articulação potencial de todo o espaço planetário, uma articulação desigual, uma vez que o capital, 298 Essa parte do trabalho se baseia numa pesquisa de campo realizada em 14 bares do eixo Pinheiros/Itaim/Vila Olímpia a partir de entrevistas realizadas com donos ou gerentes de bares e com frequentadores no período de 1998 e janeiro de Alguns bares vão abrindo e fechando em pouco tempo, sua efemeridade requer atualizações frequentes. Nossa pesquisa nos bares foi realizada em 1998 o que pode explicar algumas incorreções quanto a quem está efetivamente com suas portas abertas hoje. 299 Desenvolvido por Henri Lefebvre em várias de suas obras. 300 Lefebvre, Henri. La production de l espace. Paris, Anthropos, 1978, p "Ilusões Perdidas", apud: Carlos, A.F. A cidade. São Paulo, Contexto, 1994, p. 25.

164 164 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole circulante, por excelência, migra sempre para setores mais produtivos da sociedade, gerando uma mobilização frenética no espaço, num jogo de valorização / desvalorização / revalorização de áreas inteiras e, nesse patamar, a oposição centro - periferia se estende das grandes capitais e cidades mundiais até as regiões e países. A centralidade liga-se, portanto, hoje, à uma nova capacidade de concentração. No quadro produzido, o espaço se fragmenta, é raro em torno dos centros onde é literalmente pulverizado, vendido em lotes, podendo assumir a função de reserva de valor, meio de segregação, elemento de dispersão da sociedade nas periferias e subúrbios. Isto porque, a cidade explodiu e se concretiza a partir de novas formas, estruturas, funções, onde áreas imensas ganham novo valor de uso e, consequentemente, valor de troca, pois o espaço, mercantilizado, se insere no mundo da mercadoria. No processo o conteúdo do centro se transforma, a polinucleação da metrópole, como consequência da extensão do processo de urbanização, pulverizou o centro, criou sub - centros 302 especializados, nonofuncionais; aqui as formas de centralidade se referem à relação entre usos / funções e se colocam no plano do consumo do espaço, enquanto atividade econômica; aliada a valorização / desvalorização de áreas dentro da metrópole. O conteúdo monofuncional dos subcentros da metrópole confere à esses espaços um caráter transitório, pois deteriorada a atividade que lhe dá vida o sub-centro se esvazia no movimento de valorização / desvalorização dos lugares da metrópole decorrente das mudanças na divisão espacial do trabalho. Há um movimento que, na realidade, é produto do deslocamento das atividades econômicas no espaço em função de diminuição dos custos, que gera, momentaneamente, um afluxo e uma frequência em determinados lugares, por determinadas atividades econômicas. O fato, de que o espaço se transforma em mercadoria, produz uma mobilização frenética desencadeada pelos promotores imobiliários, o que leva a deterioração ou mesmo destruição de antigos lugares e a criação de novas áreas para estas atividades, que passam a fazer parte do fluxo de realização do valor de troca em função da realização de interesses imediatos, em nome de um presente programado e lucrativo. Nesse contexto, a centralidade significa o apoio ao centro de comércio ligado às trocas, uma redução no sentido do significado do centro. A mobilidade da atividade econômica pelo espaço, que influencia e determina os usos associando-se às funções dos lugares, faz com que alguns lugares ganhem ou reforcem sua centralidade em detrimento de outros ou mesmo do esvaziamento do centro histórico da metrópole, transformando os lugares de frequência, de encontros, onde grupos se agregam ou se distinguem, com isso cria-se uma nova centralidade que disputa com antigos polos, substituindo-os ou complementando-os, momentaneamente, posto que, nesta fase, sua criação espacial simbólica ou representativa mais profunda, apoia-se nos direcionamentos dos fluxos de investimentos imobiliários que são fluídos. Essa fluidez, que produz centros e polos diferenciados, principalmente, da concentração das atividades de comércio e serviços, como bares, restaurantes, casas noturnas, choperias, acabam criando, com sua mobilidade o que estou chamando de centralidade móvel. Referem-se às situações concretas que se determinam, conjunturalmente, e que se referem, 302 Usamos o termo sub - centro para diferenciá-lo do centro histórico da metrópole, uma diferença que se revela pelo conteúdo de relações que eles contêm.

165 165 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s exclusivamente aos sub - centros construídos a partir de uma função apenas - que uma vez esgotada/envelhecida pela efemeridade da moda (imposta pelo consumo, pelo mundo da mercadoria) se esvazia. Como a centralidade não se isola de uma articulação mais ampla no espaço, o papel da rede de circulação que ampliou os limites e possibilidades dos deslocamentos da atividade econômica permitiu a criação de lugares enquanto nó de fluxos importantes. Enquanto forma da reunião e do encontro, enquanto centro comercial, os momentos do processo de produção geram centralidades próprias, em cada época. O processo de reprodução do espaço urbano, na metrópole de São Paulo, hoje, se realiza estabelecendo um conjunto de sub - centros, que entram em competição com o centro histórico da cidade, produzindo a polinucleação decorrente do crescimento da mancha urbana. Esse processo se refere, neste caso, aos lugares de lazer na metrópole. No caso das áreas de lazer da metrópole paulista estas surgem como decorrência do processo de urbanização que adensa e amplia a mancha urbana. Nesse contexto produz-se centros na metrópole que ganham funções e significados diferenciados em função da construção e da necessidade, de expansão de espaços destinados ao lazer são lugares que se produzem criando uma centralidade que direciona o fluxo de pessoas, consumidores em potencial, de um lugar para outro, na metrópole. Na metrópole paulista essas centralidades se criam de modo diferenciado em relação a momentos diferenciados da vida; em função das necessidades de produção de lugares dentro da lógica do valor de troca. Aparecem ao consumidor como uma opção de lazer exclusivo, que fuja à mesmice que impera na vida cotidiana, capazes de romper o ritmo pela imposição de um outro tempo, determinado no plano do não - trabalho. Trata-se, todavia de lugares simulados para dar a ideia de um outro tempo. No caso analisado as transformações no bairro do Itaim e da Vila Olímpia - Vila Funchal, criaram nesta área, uma centralidade em relação à metrópole, onde um novo polo de lazer surge na esteira da construção do polo de serviços modernos, que atrai diariamente uma classe de poder aquisitivo alta, gerando uma demanda concentrada. As atividades produzidas no contexto das atividades de lazer abrem a perspectiva de reflexão da contradição: entre espaço de consumo - consumo do espaço que surge no próprio desenvolvimento do processo de reprodução capitalista. A reprodução, no momento atual, realizase através da programação da vida cotidiana - enquanto possibilidade de instauração do cotidiano - que aparece invadida pelo mundo da mercadoria que produz a uniformidade sob a forma das aparências diferenciadas das coisas, todavia organizam o tempo de lazer, enquanto organização da sociedade de consumo. Isto porque, as relações entre processo de produção e o desenvolvimento das forças produtivas produzem no mundo moderno novas possibilidades de realizar a acumulação, que em sua fase atual, liga-se cada vez mais à produção do espaço - produção que se coloca numa nova perspectiva, onde novos lugares ganham valor de uso pela extensão, no espaço do valor da troca. Constata-se, hoje, a tendência segundo a qual, os espaços urbanos produzidos, são destinados à troca, o que significa que a apropriação e os modos de uso tendem a se subordinar (cada vez mais) ao mercado. Em última instância, significa que existe uma tendência à diminuição dos espaços, onde o uso não se reduz à esfera da mercadoria e o acesso não se associa à compra e venda de um direito de uso temporário. Essa mobilidade que acompanha a reprodução como condição de sua realização constante é sempre seletiva; portanto, a criação destes novos lugares-

166 166 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole centrais realiza-se aprofundando a segregação espacial. Assim, cada vez mais o lazer e o flanar; o corpo e os passos estão restritos à lugares vigiados, normatizados, privatizados. Esse fato é consequência da vitória do valor de troca sobre o valor de uso, isto é, o espaço se reproduz, no mundo moderno, alavancado pela tendência que o transforma em mercadoria, o que limitaria seu uso às formas de apropriação privada - este fato fica mais evidente na atividade do lazer. A centralidade está associada, de um lado, a um tempo, aquele do lazer - no contexto de sua transformação na metrópole; cada vez mais cooptado pelo universo da mercadoria; de outro lado, está associado a constituição do fenômeno da raridade do espaço. Essa articulação ilumina o fato de que, na metrópole, os centros de compra e de lazer vão se deslocando, em momentos sucessivos e as vezes simultaneamente, provocados pela escassez dos lugares enquanto possibilidade e condição da reprodução. A abertura da Avenida Nova Faria Lima traz possibilidades novas de investimento, na qual se insere a criação do polo de lazer voltado para o que os empreendedores chamam de classe B mais e A da sociedade paulista, numa das áreas mais valorizadas da metrópole na última década. A criação deste centro de lazer a partir de novas estratégias, interfere na produção de novas centralidades, redimensionando o fluxo de pessoas e capitais, num espaço mais amplo. A análise dos bares que se estabelecem na área da OUFL ilumina um momento da reprodução das relações sociais enquanto momento da reprodução do espaço. A atividade de lazer é marcada por apropriações temporais e espaciais múltiplas na metrópole, realizadas num tempo e espaço cada vez mais homogêneos, presos ao ritmo metropolitano que transforma o espaço em distância ou passagem, revelando um momento de esvaziamento do espaço urbano pela mudança de seu conteúdo. A concentração dos bares, restaurantes e casas de show chamam atenção na paisagem do Itaim e da Vila Olímpia. Na minha infância chamava-me atenção um bar localizado na esquina das ruas Barra Funda e Lopes Chaves, pois ele deixava aquele pedaço da rua sempre mais iluminado, frequentado e, por isso mesmo, mais alegre e cheio de vida. Uma roda de homens de várias idades se formava todas as noites - sempre os mesmos - conversando, rindo, nem sempre com copos na mão. Lugar de reunião e encontro, ele não existe mais, seu desaparecimento parece testemunhar a transformação da metrópole. Quando vi tantos bares na área de pesquisa - aquele bar específico voltou a minha memória, mas como contraponto. Os bares refletem a vida da cidade, talvez mais que as igrejas, desculpem... Fixam épocas ajudam a memorizar fatos e pessoas. A saga da cidade poderia ser contada rememorando seus bares. Que boa ideia! Dói na alma ver um capítulo todo da história paulistana se apagar, porque outro de nossa própria existência, se apaga com ele. Já passei por onde antes havia um antigo bar, marca alegre de uma rua. Em seu lugar uma tinturaria. Quase processo o proprietário por... macular um passado histórico. 303 Na nossa área de pesquisa, o problema é um pouco diferente, o tintureiro é que foi embora, expulso pelo processo de valorização do bairro, e os novos bares aí localizados vão refletir as mudanças da metrópole, contar uma outra história. Aqui os bares vão representar a mudança nos modos de uso do espaço para lazer na metrópole, apontam o desenraizamento, sinalizam a invasão 303 Marcos Rey,"Bares da saudade". Revista Veja São Paulo, 15 de abril de 1998, p.114.

167 167 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s da mercadoria como novo equivalente das relações entre as pessoas; apontam uma mudança qualitativa, o enquadramento do tempo de lazer ao tempo da reprodução da mercadoria. Neste momento os bares do Itaim e Vila Olímpia contam a história da sociedade de consumo. Para os habitantes destes bairros os novos bares instalados são sinônimo de barulho, sujeira e muito trânsito. Mas, eles são muito mais que isso. São produtos de um novo momento da metrópole, de instauração de um novo modo de vida - marcado pelas transformações impostas pela acumulação - em busca de sua realização. Produzem um espaço assentado numa monofuncionalidade, enquanto centro de bares, casas noturnas e restaurantes, atraem consigo um conjunto de serviços, bem como a vigilância e os estacionamentos com manobrista. Os bares são produtos de uma nova prática no espaço, que se enquadram num contexto em que se inaugura um movimento de reprodução do espaço que vai do espaço do consumo (particularmente produtivo aquele da fábrica que produz o espaço enquanto condição da produção, distribuição, circulação, troca e consumo de mercadorias, ou o lugar onde se instala o comércio) ao consumo do espaço, aqui é o próprio lugar que é consumido pela mediação dos equipamentos urbanos aí contidos. Trata-se, portanto de um momento em que o espaço torna-se amplamente, mercadoria; os espaços antes fora do universo do mercado e da mercadoria, destinado exclusivamente ao uso, se transformam em mercadoria entrando na esfera da comercialização. Nesse contexto, o valor de troca - impresso no espaço - mercadoria - se impõe ao uso do espaço, na medida em que os modos de apropriação passam a ser determinados pelo mercado. O consumo do espaço se analisa, assim, no movimento da transformação do uso pela imposição do valor de troca; acentuando o papel e a força da propriedade do solo. Tal fato traz profundas mudanças nos modos de uso. No plano local a consequência direta deste fato é o aprofundamento da separação, na vida do habitante, entre espaço público / espaço privado. No plano mundial e regional, é a mercantilização dos espaços voltados às atividades de turismo e lazer. O cenário em que se realiza o processo se apoia no desenvolvimento do mundo da mercadoria ; o processo de comercialização e especulação em torno do espaço se acentua. A reprodução espacial, voltada para o reprodutivo e para o repetitivo, produz os simulacros no espaço, consumidos enquanto espaços de turismo e lazer, enquanto simulação de um espaço novo - na realidade um espaço fragmentado, reduzido e limitado pelas necessidades da acumulação. O espaço do turismo e do lazer são espaços visuais, preso ao mundo das imagens que impõe a redução e o simulacro. Aqui o espaço é reduzido a mercadoria de uso temporário redefinindo o tempo de não - trabalho. Por sua vez, as relações de produção que engendram as atividades de repartição e consumo, se realizam sob a égide da liberdade e da igualdade, sob a lei do reprodutível, do repetitivo, anulando as diferenças no espaço e no tempo. Essa ideia está na origem da discussão dos espaços turísticos e de lazer produzidos a partir de estratégias da reprodução, num determinado momento da história do capitalismo, criando novos setores de atividades dentre elas o espaço do lazer e de turismo como extensão das atividades produtivas. O consumo do espaço se analisa, portanto, no movimento de generalização da transformação do espaço em mercadoria, que impõe ao uso a existência da propriedade privada das parcelas do espaço. Assim o processo de reprodução do espaço aponta a tendência da predominância da troca sobre os modos de uso, o que revela o movimento do uso do espaço

168 168 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole para o consumo do espaço momento em que o uso do espaço e suas possibilidades passam a ser orientados para e pelo mercado. Nesse movimento aprofunda-se a segregação no espaço, visto que cada vez menos habitantes terão acesso ao lazer que, enquanto mercadoria, limita as possibilidades para quem tem renda limitada. Aqui, o lugar se transforma em signo que a publicidade veicula, estimula a partir de um modelo bem definido. Como realidade, como imagem, faz parte do consumo. A multiplicação e complexificação das trocas se realizam em lugares determinados e momentos privilegiados modificando relações nos modos de consumo do espaço que condicionam o lucro, onde a cultura se dissolve diante do objeto de consumo. A moda dos bares temáticos (que aparecem na região) tenta criar a falsa ideia do diferente como exclusividade produzindo um gueto que mexe com a imaginação que traz para São Paulo um lugar distante como a Jamaica (onde num ambiente colorido tochas e velas, garçons, de trancinhas e chapéus jamaicanos, pretendem transportar para São Paulo o clima caribenho) 305 ou um ambiente praiano, cuidadosamente planejado com palmeiras, tochas de fogo e um espelho d água, caso do bar Kamitani (nome de um vulcão na Ilha de Bali e que já fechou). Ou ainda se pode recriar um ambiente árabe (boite Kasmir). Já o bar Iron Horse, pretende ser um reduto de motoqueiros chiques adeptos da marca de motocicleta Harley-Davidson, (recriando em seus m 2, uma decoração no estilo de Santa Fé, região desértica do Novo México). Aqui a ideia construída do diferente é, ele próprio, um signo que se compra e vende. A arquitetura é diferenciada e especializada, com uma tendência a que cada estabelecimento esteja voltado para um segmento diferenciado - aquele que gosta de jazz (All the jazz) aquele que se identifica com motos (Iron Horse); a geração saúde frequenta o Açaí, um bar mais despojado. A maioria, caros, de bom gosto, muitos com jardins internos e mix diferentes. Há bares em meio a restaurantes que por sua vez misturam-se a lojas as mais diversas (o Bar des arts por exemplo, tem vários ambientes fechados e jardim, onde se encontra uma loja de couros, uma floricultura, uma de comestíveis e até uma filial da loja H. STERN) 306. Ao lado de nomes quase impronunciáveis ao paulistano comum, surgem também conceitos importados como o lounge que se transformou num sinal de modernidade na noite paulistana 307 desde maio de 1998 quando surgiram os Lov.e, Chaos, (ambos na Vila Olímpia) Bradwick, Armazém Paulista, etc. O estilo criado tendo por base o Lounge e botecos são uma nova tendência no mercado; ambos descaracterizados. No primeiro, se dança e o som alto impede a conversa (radicalmente diferente do ambiente calmo de saguão de hotel, que caracteriza os lounge em Nova York de onde juram os donos paulistas buscaram inspiração); já o revival dos botecos da década de 40 reaparecem sem seu sentido original de locais populares, de azulejos nas paredes, chão de ladrilhos frequentado por 304 Aqui, o uso guarda o sentido da apropriação, enquanto o espaço, como consumo, marca o sentido da mercantilização dos lugares - aqui o uso está submetido à forma-mercadoria. 305 Até a mídia percebe que o clima, na realidade, é aquele de falso absoluto. Ao escrever sobre o bar o articulista afirma que as referências à Jamaica se misturam músicas variadas e "seria raro encontrar algum cabelo rastafári de verdade ou fã de Bob Marley e seus afluentes, escreve em Revista Veja São Paulo, 18 de fevereiro de Durante o almoço executivo, durante a semana, os celulares não param de tocar e na pequena rua os manobristas se revezam manobrando os carros mais caros do mercado. Muitos bares tem nomes em inglês, que na tentativa de diferenciar, criam a mesmice, mas acreditam que o nome vende um estilo de vida. 307 E toma sofá! in: Revista Veja, 18 de novembro de 1998.

169 169 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s gente do bairro, (que bebiam chope acompanhado de petiscos caseiros muitos de pé, outros em volta de pequenas mesinhas e que era, antes, um ponto de encontro do que de consumo propriamente dito), ganha nova figuração. Hoje, a sofisticação pretende, como um simulacro, reeditar a simplicidade do boteco através de uma minuciosa e luchuosa decoração. Na Vila Olímpia / Itaim abriram nesta onda o Democrata, o Espírito Santo, o Rabo de Peixe, e o Pirajá (na outra ponta da Faria Lima, no bairro de Pinheiros). 308 Sem exceção, os bares são espaços dominados por estratégias de marketing e que só tem o sentido que lhe é conferido pelo marketing, na medida em que, são vistos como uma imagem e um signo de bem-estar e felicidade que apagam sua configuração de mercadoria, apesar de redutores da realidade que pretendem representar. Lugares cada vez mais visuais, que invadem a vida das pessoas - através do marketing - tornam-se lugares de desejo. Nesse caso, o espaço aparece sem espessura (sem passado, sem identidade, isto é, sem história) geométrico, visual, uma abstração vazia, onde o privado se reafirma e se impõe em detrimento do público. São lugares de lazer onde a vida cotidiana parece suspensa; mas ao contrário, os gestos, comportamentos são orientados de modo imperceptível, ganhando a dimensão da fantasia. Isto porque, turismo e lazer, enquanto atividade produtiva, reproduzem lugares controlados, normatizados, homogêneos, dispostos de forma hierarquizada, impondo ritos, gestos, modelos que se articulam, como parte integrante do processo de reprodução das relações sociais; na realidade a reprodução, no momento atual, realiza-se através da programação da vida cotidiana que aparece como resultado do mundo da mercadoria produzindo a uniformidade sob a forma das aparências diferenciadas das coisas. Assim, os bares se constituem enquanto mercadoria que se constrói sob a égide da simulação e a mimesis, posto que a produção de representações acompanha a criação desta nova atividade econômica. A mídia, nesse caso, tem um papel cada vez mais importante produzindo signos do bemestar, satisfação e felicidade pelo ato de consumo do lazer, direcionando e criando comportamentos e vontades, isto é, a manipulação das pessoas não pode ocorrer sem o desenvolvimento dos meios de comunicação que faz acontecer, e que promovem a valorização dos lugares na cidade, bem como um modo de freqüentá-los. A mídia impõe, influencia um modo de frequentação, não só através da incidência de reportagens sobre determinados lugares, mas através do reforço da qualificação dos mesmos entre os in e os outs da metrópole, direcionando o fluxo para determinados locais em determinados momentos em detrimento de outros. É assim que a Rua Augusta perde o status de lugar da paquera e do encontro para os shoppings, que o Bixiga é substituído pela frequentação dos restaurantes italianos dos Jardins, que a Vila Madalena deixa de ser o bairro dos intelectuais e estudantes pobres para ser um point de bares, etc. Os bares são exemplos significativos de um comportamento imposto pela instauração do cotidiano programado, onde o que importa é poder dizer que se esteve lá. Uma reportagem da folha de São Paulo 309, por exemplo, divide a noite da cidade em quatro guetos caracterizando seus frequentadores. O seu resultado, apesar de criar estereótipos, é interessante; nos bairros dos Jardins e do Itaim, por exemplo, os frequentadores adoram ver e ser vistos, gostam de ser bem atendidos 308 Na época da clonagem, Elídio Rimondi dono do bar que leva seu nome, afirma ninguém cria, todo mundo copia, mas o que importa, mesmo, é fazer direito. Cópias do Original in: Revista Veja, 21 de outubro de Jornal Folha de São Paulo, São Paulo 15/01/95.

170 170 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole e se consideram num nível superior em relação aos demais frequentadores da noite paulistana. Aqui 74 % tem renda mensal de mais de 20 salário mínimos, 40 % são frequentadores entre anos; 53% tem carro próprio, destes segundo a pesquisa, 42% vêem da zona sul, 15% da zona oeste e 10% do centro; preferem essa área porque tem gente bonita. O bairro do Itaim figura neste final de década como a região que aparece em segundo lugar na concentração de bares na cidade dividindo espaço com a Vila Madalena. O Itaim aparece como o recanto de narcisos a região explode com 17 novas casas noturnas e reúne dissidentes dos Jardins e Vila Madalena, onde se concentra quase 80 casas noturnas; perto do rio Pinheiros fica a parte mais agitada o baixo Itaim com 17 casas inauguradas em apenas um ano. Nos bairros dos Jardins está difícil estacionar e na Vila Madalena tem gente de toda a cidade; já no Itaim há exclusividade e a presença de muitos carros importados aponta para a concentração de gente de alta renda; é por isso que facilitar a vida dos frequentadores os bares contam com manobristas - é um lugar mais sofisticado e tem gente de nível, diz um entrevistado, outros apontam para a existência dos manobristas e o fácil acesso como elemento de atração. Na Vila Madalena os frequentadores bebem muito e gastam pouco, e gostam de papo cabeça, leem pelo menos um livro por mês e vão ao cinema. Já nos bairros do Tatuapé e Santana, encontram-se os frequentadores que moram na região (90% no primeiro caso e 70% no segundo). A pesquisa da Folha vai revelando um comportamento que aponta, no momento do lazer, a programação pela sociedade de consumo, que se impõe com toda a sua força. São lugares programados para dar a ideia da festa, da liberdade, povoado de signos de felicidade e de consumo, onde a norma reina e prescreve um emprego do tempo marcando um tempo de lazer enquanto tempo de consumo pela mediação de um signo, organizado de acordo com as necessidades da reprodução das relações sociais na metrópole dentro da vida cotidiana. O que ocorre nesse processo é que, no limite, produzem-se os não-lugares 310, posto que cada vez mais os lugares do lazer, nesta sociedade, produz-se criando ilusões; na realidade trata-se de espaços produzidos pela indústria do lazer baseados num presente sem espessura, quer dizer sem história, sem identidade, construindo um espaço do vazio. Ausência. Não-lugares. Isto porque o lugar é, em sua essência, produção humana 311 e esta se perde em meio aos signos e simulacros. Mas a construção destes simulacros não ocorre no vazio, apoia-se em traços da paisagem, da cultura ou do imaginário da sociedade. Em muitos casos antigas particularidades se afirmam, ganhando força de realidade invadida pelo mundo da mercadoria - submetida à ele, coopta a esfera do lazer, que aparece como novo segmento da economia provocando transformações devastadoras. A mídia, nesse caso, tem um papel cada vez mais importante produzindo signos do bem-estar, satisfação e felicidade pelo ato de consumo de lazer. Nesse processo, o uso do espaço passa a ser orientando pelo desenvolvimento da mídia que inventa comportamentos, valores e lugares da realização da vida. Direcionando e criando comportamentos e vontades, manipulando as pessoas, os meios de comunicação promovem a valorização dos lugares, bem como um modo de freqüentá-los. Você 310 Essa ideia está desenvolvida em nosso texto: A produção do não-lugar In: Carlos, A. O lugar no / do mundo. São Paulo, Hucitec, 1996, pp Id. Ibid. p.116.

171 171 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s está no mundo das imagens. É um mundo sem substância, que nega toda substância, toda particularidade. Os teóricos o admiram e teorizam porque formal, por isso ele é tão pobre em formas! Este mundo parodia a diferença, simulando-a tomando-se por ele. ( ). Os signos da natureza. Destruída a natureza deve se recriar, reproduzir. O vazio se povoa de signos. Bibelots, plantas, objetos kitsch, matérias brutas ou trabalhadas substituem a natureza ausente, significando a naturalidade, evocando durante sua destruição, reduzindo inútil (aparentemente) sua reconstrução. ( ). Os signos da história. Inicialmente revolucionários, a história torna-se memória e comemoração, depois cultura, depois folclore. (.) Os signos da história derrotada, a evocam ou a invocam ( ). Os signos da felicidade se generalizam. Um certo sorriso une o ético ao estético no mundo da mercadoria. Atenção. Os signos da felicidade não evocam a felicidade: são a felicidade. Você não tem outra felicidade que o uso dos signos. 312 O lazer, enquanto atividade produtiva, reduz-se a um espaço controlado, normatizado, homogêneo, disposto de forma hierarquizada, impondo ritos, gestos, modelos, e articulando-se, como parte integrante do processo de reprodução das relações sociais expressam a contradição entre o público e o privado, entre o uso e a troca; enquanto ideologia do consumo dirigido; deste modo, vai se consolidando um núcleo monofuncional que se reforça a hipótese de constituição de uma centralidade móvel, que se assenta na ideia de que por décadas, assiste-se a substituição - no espaço metropolitano - dos centros de lazer, que se deslocam em função da valorização de lugares na metrópole, articulados por uma densa malha viária e predicados que ganham sentido á medida em que se produzem novos tipos de lazer, como consequência das transformações na metrópole. A inauguração da casa de espetáculos Via Funchal 313 revela dois fatos: o primeiro que aí vai se localizar uma área de lazer moderna (a qualidade de seu sistema acústico diferenciado em relação ao resto do Brasil, microfones localizados em locais estratégicos, o revestimento do piso em madeira para não interferir na acústica). Em segundo lugar revela o papel desta área na atração de investimento, constatamos que o entretenimento é o ramo que mais cresce no mundo e um dos negócios mais lucrativos da atualidade diz Jorge Maluf que gastou um total de 25 milhões de reais no negócio que vai abrigar 3200 pessoas sentadas (para show de rock sem as cadeiras, 6.000). Queremos trazer São Paulo de volta ao roteiro de atrações internacionais com espetáculos sofisticados como ópera e balés, afirma o proprietário 314. Muita coisa mudou na Nova Faria Lima, entre as avenidas Juscelino Kubitschek e Cidade Jardim, região do Itaim Bibi. Três anos atrás, o local mais parecia um cenário de guerra. Casas parcialmente destruídas e escombros espalhados pela pista tomavam conta da paisagem 315 ; hoje depois das desapropriações e da passagem do trator, o trecho inaugurado em abril de 1996 está se transformando num dos principais pontos de agito da cidade... é um ótimo lugar para investir na 312 Lefebvre, Henri. Le manifeste différentialiste. Paris, 1970.Gallimard, p.162/ Folha de São Paulo, 9/4/ O Via Funchal pertence a Vera Maluf e seus filhos Jorge e Cássio Maluf. Viemos do ramo papeleiro, mas constatamos que o entretenimento é o ramo que mais cresce no mundo. É um dos negócios mais atrativos da atualidade, diz Jorge Maluf. Cf. Id.Ibid. 315 Nova Folia in: Revista Veja, 18 de fevereiro de Folha de São Paulo, 29/jun/1998.

172 172 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole região, hoje é aqui que a noite de São Paulo acontece e não há indícios que isso vá mudar tão cedo 316, o que se pode constatar pela incidência dos donos em mais de um negócio na área. Os bares chamam atenção mais pelo número e movimento do que pela nova arquitetura - são a indicação de que o lugar mudou de função dentro da cidade - é o mais novo point de lazer de São Paulo 317, voltado para um tipo específico de público que aqueles que moram no bairro e, reforçam com sua presença a transformação dos bairros. Se no Itaim a tendência se reforça, no caso da Vila Olímpia/Vila Funchal a instalação dos bares foi uma integral novidade - sinal de uma mudança radical. Era um lugar em ascensão... essa região tem de tudo, você está no centro do entretenimento, com bares, restaurantes, butiques, academias de ginástica, agências de modelos, então é um bairro muito transado, também tem moradias e apartamentos finos. O Itaim e a Vila Olímpia são hoje o nosso Village de São Paulo, afirma um entrevistado explicando sobre os motivos que o levaram a escolher a localização de seu bar, comparando-a ao bairro nova iorquino. Hoje em dia, todos os caminhos de São Paulo, para um público que a gente tá procurando, passa pela Faria Lima... e hoje eu acho que é a avenida 'in' do momento, corrobora outro entrevistado. Tudo começou quando fizeram a Nova Faria Lima que é uma extensão da Faria Lima antiga, consequentemente, o point que era a Vila Madalena veio mudando para cá, porque aqui é um lugar mais bonito, mais aberto, do que a Vila Madalena, nós fomos o progresso natural, diz um entrevistado, dono de um dos bares da Vila Olímpia, em janeiro de Esse empresário relata um comportamento geral; eles instalam seus negócios na região na esteira do processo de valorização da área, decorrente da OUFL - que permitiu revolucionar o uso da área, abrindo um campo para a migração do capital de outras áreas da cidade e de outros ramos da economia. Pudemos constatar que os empreendimentos realizados nesta área, segue modelos administrativos modernos - informatizados - com setores terciarizados - como segurança, sistema de manobristas e estacionamento, e até barman. Todos fizeram uma pesquisa aprofundada para escolher o local correto para a construção dos bares. Também pudemos constatar que exceto dois dos 14 bares pesquisados (um boteco autêntico no Itaim e o All the Jazz) todos os outros tem como donos, um conjunto de sócios que as vezes tem mais de um negócio na área, como forma de diversificação do investimento. 318 Os proprietários têm sua maioria nível superior, muitos profissionais liberais 319 (advogados, engenheiros, arquitetos, administradores, etc.), na faixa dos 25 a 40 anos. Alguns são atores de novelas ou artistas ou esportistas de renome, que servem para atrair para os bares uma massa de 316 Nova Folia in: Revista Veja, 18 de fevereiro de Todos os entrevistados apontam a região como lugar, hoje, na metrópole por excelência, para a localização dos bares. 318 No caso do Morro São Paulo, um dos sócios é um dos donos da cadeia Almanara, outro do Espazio ao lado do Morro de São Paulo, outro é dono do restaurante Companhia em Pinheiros, outro é dono do Moinho Santo António (na Mooca um antigo moinho de trigo), e outro era sócio do antigo Sherwood que funcionava próximo e que deu lugar para um prédio. No caso do bar Pirajá um dos 4 sócios é dono do bar Original em Moema. No caso do Espírito Santo um dos sócios é dono do antigo Flamingo, outro é também dono do kashimir (na Vila Olímpia) o outro é dono do bar Mariajoana (uma casa noturna no Itaim). No caso do Democrata, um dos sócios é um dos donos do Tom Brasil, o outro do Original, outro do bar Rabo de Peixe. Um dos sócios do Vou Vivendo é um dos donos do Tom Brasil e assim o ciclo dos empresários vai fechando o círculo. 319 Em 14 de agosto de 1998 a Revista Veja São Paulo notícia que dois novos restaurantes se instalam no Itaim dez executivos de multinacionais que nunca tiveram antes experiência na noite se uniram para fazer o Cassis, aberto há menos de um mês num casarão da rua Horácio Lafer. O outro aberto na Avenida das Nações Unidas no shopping D&D Le Castelet com a ideia de reproduzir dentro de um shopping a proposta de um bistrô francês. Em 18 de setembro Josimar de Melo anuncia que um dos melhores italianos, o Tarrtari s está de casa nova - o restaurante se mudou para o Itaim.

173 173 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s pessoas ávidas por vê-los de perto; há clientes que ligam perguntando se fulano está aqui no bar, hoje, para virem. Quase todos parecem usar assessores de marketing em seu negócio e procuram criar fatos e atividades para saírem nos jornais. Nas entrevistas, todos fazem questão de destacar a qualidade da comida servida, dos ingredientes utilizados em seus pratos, do cuidado com a decoração, atendimento como quesitos fundamentais de seu negócio; aqui a exclusividade garante a segregação e o lucro do negócio. À exceção dos dois bares citados acima, que não visam apenas o lucro imediato, todos estão preocupados com dirigir seu negócio para um público específico. No caso do Jambalaia, o entrevistado afirma, por exemplo que não pode deixar uma pessoa sentada com 8,00 reais que é o preço de 4 chopes (fato bastante normal), então o bar exige uma consumação de 10,00 reais. Os bares associam, geralmente a localização ao tipo de público que querem atingir de acordo com nosso público o que estávamos procurando era a Nova Faria Lima e adjacências, queríamos fazer um bar... para um público mais velho, porque além de ser mais fiel, eles gastam mais eu não gosto de garotos... não tem dinheiro, não trabalham, não é bom para o meu negócio, então eu coloquei uma consumação obrigatória, 20,00 reais para homens e 15,00 para mulheres; então o casal tem que gastar 35,00 reais mais 10%, acaba gastando 40,00 para vir ao Morro de São Paulo, com isso eu limitei que os garotos não viessem para cá e isso foi básico mesmo, eles olham e falam Epa! Isso não é para a gente. Como garantia extra, para assegurar este tipo de clientela não deixa a porta do bar aberta, essa atitude mantém, para o dono, a exclusividade do lugar e como marketing faz com que a casa se torne curiosa em função da dificuldade de acesso o que dá, para o entrevistado, uma eternidade à casa. Um local exclusivo com todo o mundo bem vestido, bem arrumando, mulheres bonitas, então isso da eternidade à casa, acrescenta. Esse comportamento pode ser generalizado para os outros bares 320. Outro fato que a pesquisa elucidou e que se articula ao movimento de criação de hotéis na área, é que os proprietários notam que nos finais de semana, seus bares recebem frequentadores vindos, em excursão do interior do estado de São Paulo - Campinas, Rio Claro, Jundiaí - muitas pessoas vem para os teatros no final de semana em São Paulo, e vem para os bares (...) percebe-se pelo sotaque, pelo comportamento, eu acho que São Paulo está tendo esse turismo de final de semana muito mais forte agora, isso está deixando São Paulo girar mais no final de semana, conclui um dos entrevistados. 320 A Faria Lima vai se tornar uma Henrique Schaumann, aliás uma ideia compartilhada por outros 2 entrevistados, donos de bares. Mas aparece em algumas entrevistas a ideia de que há um movimento de substituição nos locais de bares em São Paulo que produz uma onda de deslocamento: o dono do Morro São Paulo, afirma que a Faria Lima não vai se tornar a Henrique Shaumann, que teve uma vida, depois morreu, ou a Vila Madalena que teve uma vida e agora se equilibra no que tem com um público pior. Eu acho que os escritórios não vão deixar que isso aconteça, porque o interesse deles em vir para a Faria Lima é tornar a Faria Lima uma nova Paulista, que é o projeto e, em função do preço que se cobra de um ponto na região, que é muito elevado. Outro entrevistado sobre a questão da escolha da localização, afirma que quando se estabeleceram na Vila Olímpia, ela não era nada... logo na sequência veio o Tom Brasil e o Kashimir ; aqui aparece a ideia de que São Paulo se move, daí as tendências: a Vila Madalena, Pinheiros, agora é a vez da Vila Olímpia. A região do Itaim virou um point de São Paulo. Há alguns anos era o Ibirapuera, depois foi Moema, Jardins, Vila Madalena e hoje, eu acredito, que nos próximos 5, 7 anos será aqui no Itaim, com certeza". Ressalta que na pesquisa (que encomendou sobre o melhor lugar para se localizar um bar hoje em São Paulo) a localização ideal "está muito ligada aonde o jovem da classe média está indo, ele muda muito seu local....o que é bacana para ele, hoje, são as novidades, então, o bairro hoje em evidência, como novidade, é o Itaim, tanto que as noites nessa região são muito cheias, superlotadas, cheia de jovens, jovens inteligentes a procura de algo mais que daqui há alguns anos, ele vai estar buscando em um outro point...

174 174 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole A ideia de centralidade tem alguns atributos: a concentração, podendo ser monofuncional ou agregar múltiplas funções, também exige para se realizar de acessibilidade e existe nessa área uma malha viária densa, articulando vários bairros da metrópole à Avenida Nova Faria Lima - como já mencionamos. Para testar a acessibilidade deste lugar em relação á metrópole foram realizadas entrevistas, durante vários dias, entre os frequentadores do bar Açaí (primeiro em função do número de pessoas que aí se dirige, em segundo lugar porque, ao contrário dos outros bares, agrega uma população de classe de renda variada, posto que é possível, aí, se reunir e se divertir sem gastar muito). Assim detectamos que o público que frequenta o bar é jovem com a maior incidência na faixa 13/20 anos (sem esquecer os descolados na faixa dos 30) que veem de vários bairros da cidade: Butantã, Vila Mariana, Jabaquara, Imirim, Pompéia, Osasco, São Judas, Moóca, Santo Amaro, Lapa, Ipiranga, Aeroporto, Tatuapé, Centro, Pinheiros, Interlagos, Perdizes, sem esquecer, é claro, os moradores do Itaim e Vila Olímpia. Outro dado interessante é o modo como os jovens chegam ao local - os que moram perto Itaim, Vila Olímpia e Santo Amaro vêem a pé ou de bicicleta; muitos vêm de carro, outros de ônibus ou peruas-kombi. O bar Açaí, no entanto, destoa do ambiente, e aqui o motivo que reúne os frequentadores não está baseado na exclusividade de um ambiente elegante ou da criação de um signo, de uma representação sobre o lazer, no limite, nem mesmo do bar. Esse fenômeno se refere ao fato de que o tempo de lazer esta invadido pelo lúdico que persiste nos interstícios da sociedade de consumo, nesse sentido, pode-se também encontrar, nessa área aquilo que a contradiz. Significa que no espaço formalizado algo pode se contrapor ao modelo de criação de um espaço normatizado, voltado exclusivamente para a realização do lucro. Há uma complexidade - aquilo que foge dos limites do consumo dirigido e que se aproximaria da arte do fazer de Michel de Certeau 321, quando o consumo da mercadoria ou do signo deixa de ter um fim nele mesmo, dando lugar à invenção. Esse parece ser o caso do bar Açaí, que se transformou em um ponto de reunião espontâneo. Aqui não há obrigatoriedade de estar acompanhado, muitos vêm sozinhos e se enturmam. Não precisam caprichar no visual chique nem pagar consumação; não precisam, nem mesmo gostar de açaí. Descaracterizado pelos clientes, como lugar de consumo, o bar se transformou numa possibilidade de reunião, e encontro, de se fazer algo, no domingo a tarde, ou de encontrar algumas pessoas, dizem os entrevistados. Muitos, antes de frequentar o Açaí, (os mais jovens), não frequentavam nenhum bar ou apenas os localizados no bairro onde moravam, também não frequentavam outros bares no Itaim. A maioria dos frequentadores entrevistados no domingo afirmam que frequentam o Açaí neste dia porque significa agito, tem muita gente e porque o domingo normalmente era um dia em que não se fazia nada. Estou gostando, porque não estou assistindo o Fantástico, diz uma estudante de administração de 20 anos, referindo-se ao programa da TV Globo. Muitos se referem ao uso da rua (pois a imensa concentração de pessoas ocupa as faixas da avenida) e não do bar - não é um bar, é uma praia resume uma entrevistada. A rua une pessoas muito diferentes e os entrevistados apontam esse dado como fundamental para justificar sua presença no local e, é para eles, o que 321 Michel de Certau, A invenção do cotidiano. Editora Vozes. Petrópolis, 1994.

175 175 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s torna o lugar mais atrativo; o encontro com o diferente estimula, as pessoas que eu conheço aqui, não são daqui, são sempre de fora. A maioria dos entrevistados faz desse lugar um ponto de encontro, alguns marcam encontros com amigos no Açaí, outros vão com amigos e outros vão só porque sabem que sempre encontram alguém conhecido ou alguém para conhecer. Esse lado lúdico do bar o torna um ponto que criou frequentadores; raros são os entrevistados que estão aí pela primeira vez, na realidade, a massa de frequentadores é composta em maioria de pessoas que vêm sempre, quase todos os domingos, e que gostam, preferencialmente, de ficar na rua zuerando como dizem dois entrevistados. A rua cria o sentido de liberdade, de ausência de norma, um bar especializado em Açaí e sucos naturais tem frequentadores assíduos que detestam Açaí e que estão aí para encontrar gente e não, necessariamente, para consumir alguma coisa. Outro detalhe é que muitos levam sua própria bebida e não consomem nada no Açaí, mesmo porque seu tamanho e infraestrutura jamais permitiria atender os jovens que para aí se dirigem; convém não esquecer que o bar está localizado numa pequena esquina com área pequena e só tem 60 mesas (se em cada só cabem 4 pessoas chegamos a um total de 240 pessoas sentadas dentro do bar, mas são que estão, nos domingos, no local). Outro elemento que completa o cenário é a existência, no local de vendedores ambulantes - havia três no domingo à tarde, dia da entrevista; o primeiro - um menino de 13 anos filho de um dos garçons, do restaurante em frente, que vendia cervejas e refrigerantes e trabalha, no local, as sextas, sábados e domingos; o segundo vendia bebidas, e trabalha nos mesmos dias que o primeiro, e o terceiro vendia artesanato e só esta lá no domingo; nos outros dias frequenta outros pontos da cidade, aí, afirma, as pessoas mais olham do que compram. A atração pelo comércio ambulante também é um elemento que reforça a concentração. O bar Açaí às sextas-feiras atrai outro tipo de clientela que faz questão de afirmar que não gostam do domingo porque tem muita gente e de sexta é mais tranqüilo, neste dia os frequentadores em sua maioria, moram perto do local e vêm de carro, apesar de morarem perto, pois vêm direto da faculdade ou do trabalho. Do ponto de vista dos frequentadores este local é único, cheio de possibilidades; para os donos dos bares mais próximos, um pesadelo; em função do fato de não se encaixarem no perfil de consumidores por eles desejam atrair. Ele virou um folclore, o pessoal anda sem camisa na rua; no final de semana desce uma periferia grande. Pára uma Kombi e desce uma turma, sem camisa, de boné, sentam na guia tomam pinga, tem briga é um público que não tem renda e traz pinga de casa. No sábado ou domingo de manhã encontra-se muita garrafa de aguardente no jardim. Nenhuma casa vende aguardente de garrafa. O pessoal dorme nos bancos. Como nossa casa é fechada temos certa privacidade. Para impedir o acesso do público do Açaí em seus bares os donos barram a entrada de alguns com o pretexto de que a casa está cheia ; Você simplesmente bloqueia ; diz o dono de um bar ao lado.

176 176 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole CAPÍTULO III POSSIBILIDADES E LIMITES DO USO...j estime que la vie n a de sens que quando on la pratique volontieremente... se remetre entre les mains de son créteur, c est s annuler et mourir... Gauguin

177 177 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s 3.1 A Operação Urbana Faria Lima e o plano do imediato Vivemos num momento onde o ritmo do tempo se acelera e a metrópole gigantesca, explodida em periferias, num processo autofágico, tem seu destino traçado por uma racionalidade onde os as demolições dos lugares familiares, os tapumes das novas obras e os outdoors, apontando novas opções de compra, marcam de modo inexorável e definitivo a paisagem metropolitana. As transformações urbanas não transformam uniformemente a metrópole, mas partes dela, daí trabalharmos com um fragmento que julgamos significativo das cirurgias urbanas ocorridas na metrópole paulista. É bem verdade que o que acontece nessa área de pesquisa não está acontecendo na cidade, como um todo hoje, mas o que podemos afirmar é que o que acontece nesse fragmento da metrópole só acontece aí, como produto de um processo que se explicita no contexto de uma metrópole em processo de transformação no seio do mundial que se anuncia. Significa dizer que há aqui uma tendência que marca o espaço hoje que é a esmagadora possibilidade de sua homogeneização e, com isso, da manipulação da vida cotidiana através das mudanças nas formas da morfologia. As entrevistas 322 realizadas com moradores dos bairros, envolvidos pela Operação urbana Faria Lima, deixam claro uma contradição no processo de produção do espaço: que se realiza pela passagem de um lugar conhecido/reconhecido (pelos atos e ações simples suporte da vida cotidiana posto que lugar da reprodução da vida) para a constituição de um novo lugar, provocando ausências inexoráveis. Aqui o desconhecido, o não - reconhecido, aparece como sinal inexorável dos novos tempos, onde a forma efêmera impõe-se como a única possibilidade da realização do novo. Como contrapartida, a passagem do ato de habitar para o ato de morar; aqui o habitante se transforma no morador, e com isso, de usador vira usuário. Esse momento revela em toda sua extensão o fenômeno da implosão dos bairros no processo de reprodução do espaço da metrópole; esta é a hipótese a ser desenvolvida neste capítulo. Formas efêmeras, homens objetos, espaço mercadoria; a realização do valor de troca segue seu caminho aprisionando e impondo-se sobre o uso, invadindo e transformando a vida. Processo inexorável? Nem tanto. É o que emana das vozes desses sujeitos que resolveram elevar sua voz à altura daquela dos planejadores; empreendedores imobiliários; políticos; para questionar o sentido da cidade onde vivem, propondo um projeto para a São Paulo do futuro. Um projeto futuro para a metrópole? Talvez nem tanto, mas a advertência de que a cidade também é um lugar de desejo, de sonhos, que se impõe e deixa suas sementes. Na pesquisa, o bairro aparece como unidade espacial marcada pela vivência direta, do cidadão, o lugar do habitar e o que ele implica, numa metrópole como São Paulo. É no bairro que se pode ler, porque é aí que se tecem os caminhos, os itinerários a partir dos quais se localiza e se 322 Este capítulo se baseia no conjunto de entrevistas realizados; 40 na Vila Olímpia, 17 em Pinheiros, 17 no Itaim e 2 desapropriados que se mudaram da área. O conjunto das entrevistas é bastante variado não só no que se refere aos pontos de vista de cada um em relação aos problemas levantados nas nos questionários, mas também em função das vertentes das entrevistas. A pesquisa de campo não tem nenhum cunho quantitativo antes ela pretende pensar as transformações na metrópole hoje, a partir de um fragmento da metrópole uma área que sofreu uma grande intervenção urbana OUFL. Traz a voz das pessoas envolvidas no processo de transformação da metrópole paulista transformações estas que ocorrem de forma significativa, neste final se século, em função de sua velocidade e conteúdo.

178 178 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole realiza a vida urbana. A análise parte do bairro, de como as relações se tecem e como, a partir daí, é possível pensar a metrópole como um todo em seu processo atual de reprodução espacial. A chamada Operação urbana Faria Lima, pode iluminar como estas transformações ocorrem no seio da metrópole e o que acontece aos usos e ao sentido do espaço para a reprodução da vida, já que a mudança da morfologia trás uma mudança da função da área e, com isso, redefinem-se os papéis dos bairros, dentro da metrópole. O projeto nasce no bojo de uma necessidade, para os administradores, da abolição das distâncias pelo controle da velocidade com a construção de vias de trânsito rápido, onde a forma urbana torna-se a programação de um horário? 323 Rasgando o tecido construído, a Avenida Brigadeiro Faria Lima impõe-se como um produto da planificação mudando os bairros atingidos que passam a ter seus limites fluídos, entrecortados e interpenetrados pelo tempo da metrópole. A operação urbana Faria Lima - como é chamada a obra de extensão da antiga Avenida Brigadeiro Faria Lima - significou uma brusca mudança na morfologia de três bairros da metrópole paulista (Vila Olímpia, Itaim e Pinheiros) uma operação cirúrgica que derrubou 380 casas, uma igreja inteira, outra pela metade, um colégio inteiro (Colégio Estadual Ceciliano Enes) e parte de outro (Colégio Nossa Senhora do Carmo), mudou radicalmente o uso do espaço, bem como a função deste lugar da metrópole. Na contrapartida, esta inovação, que mudou comportamentos, transformou a vida, inundou de carros antigas ruas calmas, mudou o passo das pessoas, trancou crianças em casa diante da televisão, redimensionou a articulação espaço público / espaço privado, impôs uma normatização da vida e uma nova inserção dos habitantes no bairro. Na paisagem os sinais visíveis da mudança: a avenida parece nova com suas pistas semiexpressas e poucos faróis que organizam o novo uso do espaço. Os outdoors escondem parcialmente os terrenos vazios apontando a existência de novas construções. Há terrenos que estampam os painéis dos novos lançamentos ou ainda das construtoras que estão com empreendimentos nas margens da avenida. Em outros lugares já despontam as novíssimas construções de edifícios, são bares e restaurantes recém-abertos, ao longo da avenida, com luminosos e néon trazendo, na sua esteira, um novo agito à noite; as antigas e calmas ruas dos bairros são invadidas por um mar de carros e uma turba entre alegre e barulhenta, de jovens. Resta, ainda, há um ar inacabado dado pelos restos de terrenos desapropriados, pedaços de casas aparentemente abandonadas, estampando placas de vende-se ou, em menor número, de aluga-se. Essa paisagem parece indicar que as mudanças espaciais, na metrópole, sempre ocorrem de forma violenta, num ritmo acelerado como decorrência da mudança constante das direções de fluxo, do traçado ou do alagamento de ruas e avenidas, como uma necessidade imposta pelo escoamento do trânsito e constante renovação do sistema viário; das tendências do mercado imobiliário em busca de novas áreas e das mudanças da lei de zoneamento - parecem deixar atrás de si uma imagem de ruína. O bairro de Pinheiros se transforma com a avenida, principalmente, com a ampliação do terminal de ônibus (agora espalhado numa ampla área ao longo da nova avenida) trazendo como decorrência um maior afluxo de população para o bairro. Com esse fluxo aumenta, na área da 323 Virilio, Paul. Espaço Crítico. Rio de Janeiro, Editora 34, Rio de Janeiro, 1993, p.11.

179 179 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s avenida, o comércio ambulante, que se dirige a uma classe de poder aquisitivo mais baixo. De resto pode-se também observar uma popularização do comércio na área imediata à avenida. O bairro do Itaim se transforma num outro ritmo, mantendo a tendência de um bairro que associa a verticalização residencial, voltado a população de alta renda (que pode ser constatado pelos lançamentos de edifícios de luxo com 4 dormitórios), associada ao reforço da função de point de lazer (também voltado em sua maioria a uma população de alta renda com a abertura de bares e restaurantes sofisticados em grande número) e ao comercio e serviços, com isso acentua-se sua centralidade dentro da metrópole. A Vila Olímpia é, entre os três bairros, o lugar cujas transformações são as mais violentas; pois sendo um bairro estritamente residencial as pequenas casas deram lugar aos prédios de escritório, a prédios residenciais e na área Z-9 as casas tem sua função modificada, de residência para escritórios, bares ou mesmo restaurantes. Já na Vila Funchal, encontraremos uma paisagem radicalmente diferente, os galpões industriais cedem lugar aos altos prédios de escritórios; muitos galpões ainda mantém a velha silhueta, mas transformados em casas de espetáculos. Cada novo empreendimento imobiliário de grande porte traz consigo uma gama de outras atividades para o bairro, enquanto as boites, os bares e casas de espetáculos trazem trânsito, barulho, brigas de rua, carros estacionados nos portões das casas, muitos estacionamentos, pedintes, etc. Nos três bairros, a transformação morfológica associada à operação urbana, modificou os usos com as transformações provocadas pela mudança da propriedade privada do solo urbano, que redireciona o valor do solo urbano, provocando a valorização da área, ao mesmo tempo em que, a deteriora o uso residencial. Ao transformar a morfologia explodem as relações sociais tradicionais pela mudança nos modos de uso do espaço e nas funções do lugar dentro da metrópole. Particularmente no caso da Vila Olímpia, (localizada entre as Avenidas Juscelino Kubitschek e Bandeirantes; entre a Atílio Inocenti e a Ramos Batista) o bairro de pequenas casas, de ruas cheias de vilas e muito arborizadas, tornou-se uma área altamente cobiçada pelo mercado imobiliário em função das possibilidades de adensamento. Às margens da Avenida Nova Faria Lima as casas derrubadas já ostentam em vários pontos as bandeiras dos novos prédios que estão sendo construídos, ao lado pequenas casas, completamente despidas das ruelas que foram derrubadas para dar passagem a avenida, ostentam cartazes de vende-se ou se escondem atrás de uma muralha de outdoors. Mas essas modificações não pertencem, exclusivamente ao domínio das formas, a morfologia está carregada de um valor social; isto é, também faz parte do quadro de referências da vida compondo a prática socioespacial e por isso, entra no plano da construção da identidade do habitante com o lugar, que sustenta a memória. Significa pensar que os ritmos da vida cotidiana se ligam à duração das formas e de suas funções e estes a construção da identidade, portanto esse processo de transformação vai acarretar a constituição de uma outra identidade do habitante com o lugar; com estes novos monumentos da vida cotidiana moderna. As sequências de passagens de uma forma à outra não excluem a existência da forma assumido funções diferenciadas. Como a formas se associam ao uso, dois tempos podem ser percebidos na paisagem urbana; aquele da história e aquele do contexto de sua transformação (o contexto do tempo e do seu uso). O primeiro tempo se refere àquele do tempo da morfologia urbana ou da história da cidade e o segundo se

180 180 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole refere ao tempo e ritmo da vida na metrópole que permite a construção das referências da vida urbana a partir do tempo da vida. A Vila Olímpia/Vila Funchal se articula, hoje na metrópole, como nova centralidade marcada pelo uso comercial - empresarial além de área de lazer que produziu clusters de diversão, no contexto metropolitano, se produz enquanto centralidade móvel, posto que movidas pela moda que como a das roupas define um movimento de usos dos lugares. Aqui o espaço, consumido como lazer - como concentração de bares, restaurantes, danceterias - abrem e fecham periodicamente no lugar e de um lugar para outro, dentro da metrópole, mudando os polos de atração de lazer. De residencial, muitas casas se transformam em locais de serviço, numa velocidade espantosa. Muitas vilas desabaram com os tratores... e cada uma é exilado em uma vida privada. 324 O bairro apresenta, agora, um movimento constante de frequentadores. Alguns entrevistados relacionam a OUFL ao poder do capital na cidade; quem manda não são as pessoas que moram na cidade - ficou muito claro - a cidade, tem dono, a cidade não é um patrimônio público, não é um bem coletivo, ela tem áreas de domínio, é um grande feudo; tem senhores feudais que se ocupam de pedaços; e um não entra no lugar do outro o Júlio Neves, não vai construir na Berrini. Pinheiros é o pedaço Rui Otake. Não é uma avenida para desafogar simplesmente o trânsito da marginal. O espaço tornado mercadoria, submetido às estratégias imobiliárias, voltado às novas necessidades da reprodução se recria em função de objetivos específicos que fogem e se sobrepõe aos desejos dos habitantes, de modo coercitivo. Nesse processo, as pessoas se sentem desenraizadas e sem referenciais. É sintomático que o arquiteto Júlio Neves (autor do projeto, que negociava com os habitantes em nome da prefeitura do município de São Paulo) ao referir-se ao projeto Faria Lima destinava-lhe o termo empreendimento o que aumentava a indignação das pessoas diante dessa linguagem; na realidade, enquanto estes defendiam a casa, o bairro, o arquiteto defendia o empreendimento, a OUFL, em nome da prefeitura. O traçado da Nova Faria Lima corta os bairros em dois, separa-os, e muda cada um dos lados, autonomizando-os, de modo que, cada um, ganha novas características, perdendo-se com isso, a antiga unidade. Muitos moradores se mudaram, pois, suas casas vieram abaixo, outros se mudam mesmo sem terem sido desapropriados, expulsos pelas mudanças, o que altera profundamente as relações no bairro: perde-se os referenciais de reconhecimento, as relações de vizinhança com as pessoas. As casas de moradia viram outra coisa, fotógrafos, chaveiros, floricultura, loja de congelados, móveis antigos, pizzarias, casa de comida à quilo. Por outro lado, há obras e novos personagens que invadem o cenário do bairro, são por exemplo, os pedreiros, que trazem com eles os ambulantes e suas barracas, não é mais aquele bairro onde se conhecia o vizinho; onde hoje os assaltos são frequentes. Pessoas estranhas, caras novas andando pelo bairro não é mais as mesmas pessoas, o açougueiro não é mais o mesmo, mudou o tintureiro, além do que, não vem mais buscar a roupa como se fazia antigamente...[antes da avenida há um ano]; o sacolão 325 ficou mais longe, não dá mais para parar na porta da padaria na volta do serviço, porque agora esta difícil de estacionar. O sapateiro, para susto dos habitués não é mais o mesmo, na realidade o 324 Virilio, Paul, O Espaço Crítico, op.cit., p Tipo de mercado que vende diretamente do produtor ao consumidor, com auto serviço, vários produtos como frutas, verduras e legumes, cujo preço do quilo é aproximadamente o mesmo para todos os produtos.

181 181 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s pessoal de serviços muda mais, não há permanência, e vamos andando é muito mais difícil atravessar a rua, é muito difícil entrar e sair com o carro da garagem, à noite está tudo escuro do que era antes. As casas deram lugares aos escritórios e estes fecham à noite: onde, antes tinha uma luz acesa iluminado o quintal de uma casa de família, agora há uma loja, um escritório ou mesmo consultório, onde as luzes se apagam após o expediente, escurecendo a rua. Essa situação é recorrente nos depoimentos dos habitantes da Vila Olímpia; a mudança da vizinhança deteriorou a vida do bairro, esvaziou as relações de vizinhança; muitos ficaram sem vizinho com as demolições ou mesmo com as mudanças de uso, as pessoas ficaram mais trancadas em casa. Antes as pessoas se encontravam nas compras, nas calçadas. Não é mais aquele bairro, suspiram os habitantes mais antigos. As pessoas não mais se conhecem na rua; há vários novos personagens em cena ; os ambulantes, os trabalhadores dos escritórios, os frequentadores dos bares e das casas noturnas, os seguranças agora também aparecem a rondar pelo bairro com a possibilidade de aumento do número de crimes, e com o aumento do número de roubo de carros. Portanto, a Avenida Faria Lima aparece como uma barreira, os idosos se sentem receosos com ela e não circulam mais com a mesma frequência, muitos precisam tomar táxi para ir ao supermercado que fica ao lado só por temor de atravessa-la, que com 4 pistas de cada lado, não dá tempo para os idosos chegarem até a ilha que separa as duas mãos de direção da nova avenida (o tempo do semáforo que disciplina o transito, não é o tempo dos passos, mas da sincronia dos semáforos que regem o transito na metrópole). As crianças antes vinham á pé com os pais da escola, agora, chegam, em sua maioria, de carro, acabando o movimento nas calçadas e os encontros que davam um movimento, ruído e colorido ao bairro. Portão nunca mais, não há mais tranquilidade, agora não se tem noção das pessoas que passam, lamenta uma das entrevistadas, apontando para o choque das transformações do espaço público que se esvazia e perde o antigo sentido que cadenciava a vida no bairro. As pessoas não se encontram mais. Com a abertura da avenida; transformando radicalmente, os bairros, muitos moradores acabam abandonando-o, este fato se revela na profusão de placas de vende-se e aluga-se que marcam a paisagem. Já placas de cuidado com o cão sinalizam as pequenas mudanças que passam a marcar a vida cotidiana, bem como os novos portões com grades. Mas, substancialmente, o que chama atenção são as guaritas e portões que agora impedem as entradas nas vilas do bairro. A vida cotidiana perde força no espaço fragmentado, o que implica em relações amenizadas ou mesmo perdidas pelo cerceamento dos passos, pelo distanciamento dos relacionamentos impostos pelas transformações dos lugares da vida, porque o indivíduo se isola, se fecha dentro de casa, longe da violência e das incertezas de uma metrópole cada vez mais estranha. É por isso que os entrevistados, ao falarem sobre seus bairros periodizam sua vida, inequivocamente, em dois períodos de tempo: o antes e o depois da avenida. O que isto significa? O esvaziamento da vida pelo empobrecimento da vida cotidiana, o que significa o esvaziamento do conteúdo social determinado e definido pela diversidade de relações com o outro e com o lugar, criando uma rede de solidariedade, de ação, de encontros; atividades produtoras da identidade onde o indivíduo se sente participando da sociedade, pela mediação do outro e do lugar. A avenida Nova Faria Lima se impõe como nova realidade na vida do bairro no sentido em que ela se impõe dividindo os bairros que corta, esvaziando a vida de relações; implodindo-os.

182 182 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole As entrevistas apontam, na realidade, para o processo de transformação que passa a metrópole de São Paulo, assinalando novos caminhos para a reprodução das relações sociais; a tendência da transformação do espaço da metrópole de valor de uso para valor de troca. Neste raciocínio o espaço assume, cada vez mais, um papel importante no processo de acumulação, na condição de mercadoria, revolucionando o uso do espaço, nesse plano, a imposição do efêmero impede a criação da identidade, agora presa a um novo uso e um novo tempo. Aqui é a duração que transforma a ação, que deve durar no tempo, e se ater a um espaço determinado para permitir o seu desenvolvimento, liga-se a uma realidade social vivida num espaço determinado e com uma duração fixada. O efêmero mexe com a espessura do tempo, isto é, com o emprego do tempo, consequentemente com a duração da ação no lugar. No antes, o bairro está associado a uma qualidade de vida desejável e real e é isto que os habitantes querem preservar; no depois os entrevistados se referem a perda desta qualidade, o bairro aparece como estranhamento não só pela morfologia que se transforma, mas no esvaziamento das relações de vizinhança, no fechamento dos pontos de comércio do bairro, na implantação dos bares e com isso o barulho, o trânsito de madrugada, a sujeira, etc. A avenida Faria Lima assume o ponto de orientação da análise, porque assume o ponto referencial das mudanças que os habitantes sofreram no bairro, nas suas vidas. A nova avenida abalou as vidas, este ponto marca, profundamente, as entrevistas; uma ruptura que, em primeiro lugar, marca um antes e um depois, na ação dos moradores e, nesse sentido aponta um recorte temporal na vida cotidiana; em segundo lugar, enquanto cicatriz visível na paisagem com suas 8 pistas semi-expressas, divide o bairro, confina as pessoas em cada um dos lados, à medida em que, limita seus movimentos e, com isso, as relações espaciais e sociais. Assim, a Faria Lima restringe o espaço do uso e para o uso - é um ponto de ruptura significativo, porque rompe e traz mudanças, bruscas, num tempo muito curto: era e não é mais. Um antes e um depois marcam uma divisão social significativa no tempo e no espaço da vida do bairro. Mas, não há unanimidade, a Faria Lima como cicatriz de uma operação irreversível significa para uns perda e estranhamento; para os jovens uma ação comum que vai ligar o bairro com os outros, diminuindo o tempo de percurso até a escola, à casa dos amigos, do shopping center, para outros ela ficou bonita e o progresso é assim mesmo ; é mais difícil para os velhos que construíram uma história no bairro, com o ritmo dos seus passos. O movimento de generalização da mercadoria captura o espaço da metrópole, onde a casa se impõe como uma mercadoria como outra qualquer, desprovida de conteúdos significativos à vida. No processo a casa desaparece, tratada como um objeto trocável qualquer, dotado de valor de troca, como por exemplo, uma cadeira que se usa e joga-se fora. Através da OUFL a casa não tem outro sentido que aquele conferido pelo valor de troca e esse é um ponto importante que define as posições do movimento de moradores contra a administração pública que implementa a renovação urbana. Anunciada oficialmente em 15 de janeiro de 1993 pelo então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, dias depois de assumir o cargo. A nova Faria Lima é inaugurada na Vila Olímpia (o último trecho da extensão) em 11 de agosto de 1996.

183 183 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s 3.2 Habitar é deixar rastros O mundo se impõe, hoje, como efêmero, produto da multiplicação exponencial das coisas materiais e imateriais que afeta os nossos sentidos e nossa percepção do mundo. A constituição do mundo da mercadoria, reconhecido como tal, a imposição da ideologia do consumo que tende a tudo homogeneizar - valores, comportamentos e gestos - parece produzir e dominar a vida cotidiana, na qual coação e normatização imperam impondo limites asfixiantes. Mas, nos interstícios de uma superfície, aparentemente, plana e homogênea, há profundezas insondáveis de onde surgem as forças que se definem e se opõem colocando-nos diante da relatividade desse mundo que se pretende hegemônico, apontando para a aventura possível da ação e do pensamento. A espacialidade das relações sociais realiza-se no plano da vida cotidiana e a partir dela, articulada e redefinida no plano da reprodução das relações sociais, se compreende a multiplicidade dos processos que envolvem a reprodução da metrópole em seus mais variados aspectos e sentidos, iluminando a prática espacial; o modo como as pessoas se apropriam do espaço organizado pelas técnicas, por modelos socioculturais, dominado pelo Estado, fragmentado pelos empreendedores imobiliários. Isto porque as relações sociais têm concretude no espaço, nos lugares onde se realiza a vida humana envolvendo um determinado emprego de tempo que se revela enquanto modo de uso do espaço. Um uso que se revela enquanto emprego de tempo, é uma característica da vida humana, condição da reprodução que se realiza envolvendo dois planos: o individual (que se revela, em sua plenitude, no ato de habitar) e o coletivo (plano da realização da sociedade). A relação espaço e tempo se revela, portanto enquanto prática socioespacial, no plano da vida cotidiana realizando-se enquanto modos de apropriação. A apropriação se revela em atos e situações que podem ser o andar pela rua do bairro onde aparece a calçada como o trajeto diário (até o ponto do ônibus, onde se toma a condução para o trabalho, por exemplo); pode ser o caminhar que todos os dias leva as pessoas às compras; pode ser o passo dos estudantes que se dirigem para a escola. Pode ser o andar de bicicleta ou o uso da rua como lugar para as brincadeiras infantis; pode ser a prosa com o vizinho que passa, ou que está em sua porta, ou olhando pela janela. Essas possibilidades se ligam ao acontecer diário, e é marcado por um tempo determinado, em espaços circunscritos. O uso se realiza através do corpo e de todos os sentidos humanos e a ação humana se realiza produzindo um mundo real e concreto delimitando e imprimindo os rastros da civilização. A metrópole tem uma especificidade dada pela história de uma relação com a sociedade no seu conjunto que contempla temporalidades diferenciadas que se revela numa ordem próxima 326, no 326 Para Henri Lefebvre a ordem próxima se caracteriza pelas relações dos indivíduos em grupos mais ou menos vastos, mais ou menos estruturados e organizados, relações destes grupos entre si e a ordem distante. O plano da sociedade é regulado por grandes e poderosas instituições (Estado, Igreja), por um código jurídico formalizado ou não, por uma cultura e conjuntos significantes. A ordem distante se institui nesse nível superior, quer dizer dotada de poderes. Ele se impõe. Abstrato, formal, suprassensível e transcendente em aparência, não se concebe fora das ideologias (religiosas, políticas). Comporta princípios morais e jurídicos. Esta ordem distante se projeta na realidade prático-sensível. Ela se torna visível aí se inscrevendo na ordem próxima e através dela, ela persuade aquilo que completa seu poder de coação. Ela se torna evidente pela imediaticidade. Ainda para o Autor, a cidade apareceria como uma mediação entre a ordem próxima e a ordem distante, revelando-se como uma mediação entre as mediações; contendo a ordem próxima, ela a mantém, conservando as relações de produção e de propriedade; enquanto lugar de sua reprodução. Contida na ordem distante ela a sustenta; ela a encarna, ela a projeta no terreno (o sítio) e sobre o plano da vida imediata. (Cf. Lefebvre, Le droit a la ville, Paris, Anthropos, 1974, p.54). Assim, a ordem distante se projeta na/sobre a ordem próxima, não sem

184 184 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole plano das relações diretas entre pessoas e grupos. As metamorfoses se referem a ordem distante, que se revela no plano de um espaço mais abrangente, posto que o lugar se integra a totalidades mais amplas revelando a sociedade urbana, em constituição, com seus valores, comportamentos, modo de vida e sua cultura. Sem se reduzir a este plano, interfere na ordem próxima, onde se revelam em relações de imediaticidade (relações diretas entre pessoas e grupos) ligada a um modo de viver, de habitar, de modular a vida cotidiana. É necessário afirmar que o processo de mundialização 327 se revela e ganha sentido, enquanto processo, em duas dimensões; aquela que diz respeito a constituição da sociedade urbana e aquela que se refere a construção do espaço mundial. Isto é, a sociedade urbana generaliza-se no seu processo de mundialização ainda em constituição, o que significa dizer que se trata de um fenômeno que tem uma dimensão real ao mesmo tempo que virtual, como indica Henri Lefebvre 328 ; uma tendência presente no mundo moderno que ganha significado no plano do imediato, nas formas de apropriação e uso do espaço, no plano da vida cotidiana, enquanto condição do processo de reprodução da sociedade. O movimento que vai do local ao mundial se revelando na prática socioespacial, nos coloca diante do problema da escala que envolve a reprodução da humanidade, isto é, como interpretar os níveis escalares da realidade? Tentaremos em nossa análise, neste capítulo, caminhar do plano da casa, da rua e do bairro, para aquele da metrópole. O centro das preocupações reside no desvendamento do uso do espaço que se revela na prática socioespacial, no plano do vivido enquanto modo de apropriação dos lugares onde se realiza a vida; um espaço submetido ao valor de troca e a generalização do mundo da mercadoria, que está na base do entendimento da metrópole, hoje. A questão que se coloca é o modo como o homem se apropria dos lugares da metrópole e como se impõe diante da transformação histórica da cidade de obra em produto. Essa passagem que se realiza como um momento da história da cidade é importante para entender a metrópole, hoje. 329 Essa ideia, desenvolvida por Henri Lefevre 330, revela um modo de pensar a construção da cidade enquanto obra, produto de uma história de pessoas e grupos bem determinados, produção e reprodução de seres humanos por seres humanos - nesse sentido, a criação da cidade se distancia de sua redução à simples produto material, objeto e locos de produção. Nesse contexto, o uso revela sua importância. Aqui, novamente, retomamos a ideia de produção, isto é, tomando o termo produção no seu sentido amplo Lefebvre aponta que contradições; enquanto a ordem próxima não refletiria, na transparência, a ordem distante. Esta se subordina ao imediato através das mediações... ele dissimula sem se descobrir. Sem que se tenha o direito de falar de uma transcendência da ordem, do Global, do Total. (Id. ibid., p.56). Neste contexto, a cidade se situa entre dois níveis a ordem distante e a ordem próxima por isso, a cidade aparece como mediação entre o lugar e o mundial que se revela tanto na tendência à constituição da sociedade urbana quanto do espaço mundial que se projeta e materializa na realidade prático sensível. (Id.ibid., p.54). 327 A globalização como fenômeno liga-se à internacionalização da produção, enquanto a mundialização diz respeito ao fenômeno de constituição da sociedade urbana, ligando-se, portanto, à produção lato senso. A mundialidade é o projeto de construção de um espaço mundial - é nesse contexto que novas contradições se manifestam inventam-se novos valores, reorganizam-se espaços a partir da reorganização da sociedade inteira, em função dos centros de decisão, dotados de poder, mas também dotados de periferias urbanas, subúrbios os mais variados onde o poder da técnica parece em suspensão. Cf. Carlos, A.F. A margem está no centro in: Castro, Iná E. et. alli (orgs). Redescobrindo o Brasil: 500 anos depois. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999, p Lefebvre, La revolution urbaine, op.cit. 329 É o que nos levou a analisar a metrópole como um momento da história da cidade, apontado na Introdução. 330 Id. Le droit a la ville / Espace et politique. Paris, Anthropos, 1974.

185 185 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s houve, na história, a produção de cidades como houve produção de conhecimentos, de cultura, de obras de arte, de civilização; como houve produção de bens materiais e objetos prático-sensíveis. Essas modalidades da produção não se separam sem que tenhamos o direito de confundilas reduzindo suas diferenças. A cidade foi e permanece objeto, mas não um objeto manipulável, instrumental: este lápis aquela folha de papel 331. O raciocínio do Autor revela uma dimensão nova, aquela que pensa a cidade como obra de uma história, de uma realidade urbana onde o uso (o gozo, a beleza, o consentimento dos lugares de encontro) é mais importante que o lucro e o valor de troca, os mercados e as exigências de coação. 332 A construção da cidade se liga, a nosso ver, à materialização do processo de reprodução do espaço, (bem como enquanto produção social) ao longo da história. A consideração da dialética entre obra e produto nos remete a consideração das transformações que ocorrem, na metrópole, pertinente à relação uso/troca na sociedade moderna. Ambas se explicitam e ganham conteúdo a partir da noção de produção, o que significa percorrer ao raciocínio segundo o qual é possível pensar a cidade como produto, mas também como obra da história da sociedade. 333 A abordagem da cidade, enquanto obra, nos abre a perspectiva de considerá-la enquanto realidade presente e imediata, como possibilidade de apropriação do espaço e do tempo pela sociedade, mesmo imersa no mundo da mercadoria. Assim, perspectiva da obra refere-se às possibilidades da invenção que faz parte da vida, que institui o uso que explora o possível unido a uma prática criadora e não, exclusivamente, produtivista. O que se coloca como questão é que a atividade produtora tende a tornar-se autônoma, reproduzindo-se por repetição, equivalência e, nesse caso, o uso associado ao tempo pode estar reduzido ao quantitativo, ao tempo produtivista; na realidade, os momentos da apropriação ligam-se a um outro tempo; aquele da criação, não submetido exclusivamente ao universo da troca. O que implicaria na arte de viver na cidade com estilo, enquanto possibilidades de encontros, momentos de diversão, de criatividade, onde a apropriação dos lugares pelos indivíduos (através do corpo e dos seus sentidos) movidos pelo desejo, superariam a ideia redutora de uma relação dominada, inteiramente, pela necessidade satisfeita pela troca de mercadoria. No caso em questão, a possibilidade de emergência de um movimento de habitantes que conteste o entendimento de cidade planejada enquanto produto de estratégias visando o lucro. A cidade enquanto obra e produto é mediada pelo trabalho que diz respeito ou influencia o uso, mas o que parece ajudar a definir a diferença entre obra e produto, além do conteúdo do trabalho, é o fato de que a obra se produz pela apropriação e o produto se impõe pela dominação - ambos determinam o uso - criando uma prática espacial diferenciada. O uso enquanto apropriação, enquanto atividade poiética, atividade humana que se realiza pelo homem em torno do ser humano e nele, engloba seus sentidos, sensibilidade, necessidades e desejos. Realiza-se a partir de uma estratégia que escapa a equivalência (imposta pela troca) e ao homogêneo (imposto pela norma) para fazer aflorar o diferente; a multiplicidade na heterogeneidade, o que acentua seu caráter 331 Idem, p.55 / Henri Lefebvre, Le droit a la ville, op.cit. p Para Lefebvre a distinção entre obra e produto é relativa e não haveria razão para separá-la, na medida em que a obra atravessa o produto e este não impede a obra. A criação não é absorvida pelo repetitivo. A produção no sentido amplo compreende obras múltiplas, produtos, uma cultura, objetos, etc.

186 186 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole apropriador - isto é, o homem apropria-se das condições exteriores, transformando-as. Nessa perspectiva os atos dos habitantes que nascem e fogem dos estreitos limites dos gestos repetitivos, do comportamento normatizado que se depreende das formas, marcam singularidades e diferenças nos jeitos de habitar que compõe fragmentos desiguais, criam conflitos; permitindo pensar os limites e as possibilidades do uso passíveis de serem observadas no nível do bairro; enfocando o habitante (que aparece enquanto categoria de análise). A passagem do tempo de trabalho ao tempo de não-trabalho, do espaço enquanto valor de troca para aquele do uso, implicaria num deslocamento do interesse social do produto para a obra, do trabalho produtivo para a ação poiética e por conseguinte do quantitativo ao qualitativo, do valor de troca ao valor de uso. 334 Nesse contexto, o uso permite entender o sentido que Holderlin 335 dá ao habitar quando afirma que o homem habita poeticamente o mundo. Essas questões abrem caminho para a valorização do acidental e do espontâneo. Ainda se joga bola na rua, por exemplo, no meio dos carros. Ainda se brinca na calçada. A qualquer momento pode acontecer um encontro, pode ocorrer uma reunião, pode haver troca de informações. Pois os lugares dotados de uma realidade física e sensível, inscrevem-se enquanto espaço social, permitindo ações, sugerindo ou impedindoas, e nesse caminho, criam uma prática espacial. A sociedade produz um espaço apropriando-se dele, essa perspectiva é fundamental para elucidar as diferentes práticas entre os grupos contrários e favoráveis a OUFL. O modo como a prática socioespacial se realiza (enquanto modo de apropriação) revela uma profunda contradição entre espaço da troca e espaço do uso que o discurso institucional ignora, ou mais que isso, escamoteia. A contradição uso/troca; valor de uso/ valor de troca, marca profundamente a vida subvertendo o sentido do habitar, mudando a relação dos habitantes com o bairro, a relação casa-rua, revelando o sentido profundo desse conflito na vida cotidiana pela redefinição da relação espaço-temporal, que organiza o espaço e o tempo da vida. As entrevistas realizadas nos bairros revelam esse processo. A pesquisa, aqui, parte de algumas hipóteses, a primeira é que o sentido da apropriação se revela no modo como a dialética da necessidade e do desejo se materializa revelando-se enquanto condição de existência do habitante: no uso do espaço e na organização do tempo. É o sentido e abrangência da noção de reprodução tomada como elo condutor da pesquisa que nos permite chegar a importância da vida cotidiana na análise da metrópole e nos auxilia - não sem dificuldades - no estabelecimento das articulações entre o bairro a metrópole e o mundial. No plano local os modos possíveis de apropriação se realizam nos limites e interstícios da propriedade privada do solo urbano, que se realiza não só pelo acesso à moradia (definido e submetido pelo mercado do solo), mas que determina, orienta também outras formas de uso (áreas de lazer, por exemplo) definindo os termos do uso do espaço público. A apropriação do espaço para a vida, que vai se transformando em funções das estratégias do poder e do capital no espaço, modifica a vida na metrópole aparecendo pela imposição de um novo modo de apropriação do espaço: agir, sentir, perceber. 334 Lefebvre, Henri. La presencia y la ausencia. México, Fondo de Cultura Económica, 1983, p Apud. Heidegger, Martin in:. Arte y poesia. México, Fondo de Cultura Econômica, 1992, p.126.

187 187 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Primeiramente o homem habita e se percebe no mundo a partir de sua casa, ela é, como afirma Ecléa Bosi 336, o centro geométrico do mundo para o habitante. Mas pensar a casa envolve outras dimensões espaciais; a rua, depois o bairro, pois eles criam o primeiro quadro de articulação espacial no qual se apoia a vida cotidiana. É importante considerar que as formas que a sociedade produz guardam uma história na medida em que o tempo implica em duração e continuidade. As formas materiais arquitetônicas guardam um conteúdo social que a memória ilumina, tornando-as presente e, com isso, dando-lhes espessura, na medida em que, a elas é conferido um conteúdo no presente - fato ignorado pelas propostas de realização de operações urbanas na metrópole. A memória articula espaço e tempo, que se constrói a partir de uma experiência vivida num determinado lugar. Nesse sentido a construção do lugar se revela, fundamentalmente, enquanto construção de uma identidade. A memória liga-se, decididamente, a um lugar ao uso e a um ritmo - logo à uma relação espaço-temporal e não apenas uma incursão no tempo - lugar e memória são indissociáveis. Convém não esquecer a célebre passagem escrita por Marcel Proust 337, pois quando seu personagem mergulha a Madeleine na xícara de chá, é Combray que ele vê e rememora. E mal reconheci o gosto da Madalena molhado em chá que minha tia me dava...; eis que a velha casa cinzenta, de fachada para a rua, onde estava seu quarto, veio aplicar-se, como um cenário de teatro, ao pequeno pavilhão que dava para o jardim e que fora construído para meus pais aos fundos da mesma (esse truncado trecho de casa que era só o que eu recordava até então); e com a casa a cidade toda desde a manhã à noite, por qualquer tempo, a praça para onde me mandavam antes do almoço, as ruas por onde eu passava e as estradas que seguíamos quando fazia bom tempo. E como nesse divertimento japonês de mergulhar numa bacia de porcelana cheia d água, pedacinhos de papel, até então indistintos e que, depois de molhados se estiram, se delineiam, se colorem, se diferenciam, tornam-se flores, casas, personagens, consistentes e reconhecíveis, assim agora todas as flores de nosso jardim e do parque do sr. Swan, e as ninféias do Vivonne, e a boa gente da aldeia e suas pequenas moradias e a igreja e toda a Combray e seus arredores, tudo isso que toma forma e solidez, cidade e jardim, de minha taça de chá. 338 Espaço e tempo são indissociáveis e a memória revela essa indissociabilidade. A meu ver, Proust não se refere apenas a um tempo, mas a um espaço, sua narrativa é espacial - é o espaço que vai se revelando na passagem do tempo da vida. Assim a memória aproxima, faz mover e retroceder o tempo. É o campo do irredutível que permite o passado se aproximar; mas não é só o tempo que ele aproxima - momentos da vida - a ação se realiza num espaço reconhecido: a busca do tempo é a busca dos lugares da vida. Enquanto há o que recordar, o passado se enlaça no atual e conserva a vivacidade cambiante, que significa uma ausência em presença. Assim a vida ganha sentido numa relação espaço-temporal, num conjunto de referenciais que se criam e dão sustentação à prática socioespacial. O passado deixou traços, inscrições, escritura do tempo, impresso na morfologia. Mas esse espaço é sempre hoje, como outrora, um espaço presente dado como um todo atual com 336 Bosi, E. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo, Cia. das Letras, 1995, p No caminho de Swan, 1º volume da obra Em busca do tempo perdido. (Tradução Mario Quintana) Rio de Janeiro, Globo, Id. Ibid., p.51.

188 188 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole suas ligações e conexões em ato. Como escreve Calvino 339 a cidade não conta o seu passado, ela o contém como nas linhas das mãos, inscritos nas ruas..., por outro lado, todas as futuras cidades estão contidas dentro da outra, apertadas, exprimidas, inseparáveis, esse é o sentido da reprodução, é esse o processo que a morfologia e a memória revelam. Portanto, passado e futuro, memória e utopia estão contidos no presente da cidade; a primeira enquanto virtualidades realizadas, a segunda enquanto possibilidades que se vislumbram, compondo o presente e dando conteúdo ao futuro. Nesse sentido, a obra atravessa a produção e aparece também enquanto memória, referências, tempo de uso. Aqui, se estabelece o primado do uso sobre a troca. Nesse caso, a imposição do valor troca sobre o uso relativiza-se. Todos esses produtos estão a ponto de serem encaminhados ao mercado enquanto mercadorias, mas eles ainda vacilam no limiar. 340 Habitar é deixar rastros - com essa ideia Benjamin 341 discute a construção do interior da residência enquanto universo do homem privado, onde os objetos de uso cotidiano imprimem sua marca. O significado mais profundo destas palavras se revela, a meu ver, nas formas da produção do espaço, na prática social revelada na vida cotidiana, apontando para o fato de que o plano do habitar não se limita apenas aos espaços privados, imersos nas sombras da cidade, preservados dos olhares, relegados ao estritamente privado. O habitar implica um conjunto de ações que articula vários planos e escalas espaciais (o público e o privado; o local e o global) que envolve a vida que se realiza pela mediação do outro, imerso numa teia de relações que constrói uma história particular, que é também uma história coletiva, onde se insere e ganha significado a história particular de cada um. Isto é, a articulação entre o público e o privado se coloca como condição necessária da constituição do sujeito coletivo, como da constituição da vida. O habitar envolve a produção de formas espaciais, materiais, bem como um modo de habitá-las e percebe-las. É um termo poético, porque envolve um tempo de criação nos modos de apropriação, que organiza e determina o uso. Produz limitações, ao mesmo tempo em que abre possibilidades. O habitar - que guarda a dimensão do uso - envolve o corpo no sentido de que o usador tem uma presença real e concreta, restitui deste modo a presença e o vivido. 342 Envolve um lugar determinado no espaço, portanto uma localização e uma distância que se relaciona com outros lugares da cidade e que, por isso, ganha qualidades específicas. Nessa direção, o espaço do habitar tem o sentido dado pela reprodução da vida, tratando-se de um espaço concreto dos gestos, do corpo, que constrói a memória, porque cria identidades, através dos reconhecimentos. Nós moramos aqui faz 50 anos... tinha um terreno, construí uma casinha lá na frente, depois, aos pouquinhos. Então significa praticamente a vida da gente, afirma dona Leonete. Aqui, o mundo humano é objetivo e povoado de objetos que ganham sentido à medida em que a vida se desenvolve, como a casa, a rua, a cidade, que formam um conjunto múltiplo de 339 Ítalo Calvino, Cidades invisíveis. São Paulo, Cia. das Letras, 1991, pp. 14/ Benjamin, Walter. Paris, capital do século XIX, in: Benjamin, W. Walter Benjamin: sociologia. Flávio Kothe (org.), São Paulo, Editora Ática, p Id. Ibid., p O homem habita espaços, dele se apropriando (mesmo comprando um valor de troca que é a habitação, é por isso que a casa é arrumada e adornada de objetos diferencialmente).

189 189 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s significados. Estes, por sua vez, constituem o mundo da percepção sensível, carregado de significados afetivos ou representações que, por que superam o instante, são capazes de traduzir significados profundos sobre o modo como estas se construíram ao longo do tempo. 343 O espaço do habitar é real e concreto, é aquele dos gestos do corpo, que constrói a memória, porque cria identidades, reconhecimentos, pois a vida se realiza criando e delimitando percursos. O lugar da habitação que envolve a peça do apartamento ou da casa; a rua, o mercado ou centro comercial ou cultural, os centros de serviços, áreas de lazer ou mesmo de trabalho, descrevem e dão conteúdo aos lugares da metrópole e correspondem a usos nascidos de uma pratica espacial, ligando lugares e pessoas na metrópole. Nesse espaço coabitam objetos e o corpo. Estamos construindo aqui o sentido do termo habitar enquanto base da construção do sentido da vida, nos modos de apropriação dos lugares da cidade, a partir da casa (e, consequentemente, de sua relação com a rua, o bairro e a metrópole). Estamos aqui, enfocando a pequena história, aquela construída nos lugares comuns, por sujeitos comuns, na vida cotidiana. É nesse sentido que ao uso produtivo - a cidade pensada dentro dos estritos limites da produção econômica, enquanto condição da produção - se impõe o uso improdutivo do espaço centrado na vida cotidiana. Nesse sentido, o habitar pode ser definido como ato social, atividade prática, que não se reduz à uma localização, mas ao plano da reprodução social que transcende o plano do individual; mas é a partir dele que o mundo exterior está em plena conjunção com o mundo humano construído enquanto exigência humana de liberdade. Quando o ato de habitar passa a ser destituído de sentido, quando os homens se tornam instrumentos no processo de reprodução espacial, e suas casas se transformam em mera mercadoria passíveis de serem trocadas ou derrubadas (em função das necessidades do desenvolvimento econômico da cidade), então a atividade humana do habitar, do estar com o outro, do reconhecerse neste lugar e não no outro, se reduz a uma finalidade utilitária - nesse caso, inaugura-se uma condição inumana 344. Tal situação aparece no discurso dos habitantes do bairro como perda da qualidade de vida, momento em que a apropriação passa a ser definida no âmbito do mundo da mercadoria. Assim, o uso é reduzido, no mundo moderno à propriedade privada, ao império da troca, num processo em que o espaço se reproduz enquanto mercadoria cambiável delimitando os espaços passíveis de apropriação, revelando a sua fragmentação imposta pelo sentido e amplitude da generalização da propriedade privada do solo urbano. Aqui, a vida se normatiza em espaços reduzidos a uma função específica. Quanto mais o espaço é funcionalizado, mais é passível de manipulação, limitando-se às possibilidades da apropriação. Nesse processo, o cidadão se reduz à condição de usuário, enquanto o ato de habitar se reduz àquele do morar. As novas formas e os modos de apropriação do lugar aparecem no miúdo, no banal, no familiar, refletindo e explicando as transformações da metrópole. O lugar aparece como um desafio 343 O menor objeto é, nesse sentido, suporte de sugestões e relações, ele remete a toda sorte de atividade que não são apresentadas diretamente nele. Tem sentido objetivo e social para as pessoas, como tradições, qualidades mais complexas, conferindo um valor simbólico. Quando o conjunto de objetos é tomado como um todo, os produtos tomam uma significação superior. A atividade examinada na escala da práxis toma conteúdo e forma superiores... A consciência humana aparece em relação com um conjunto de produtos. (Lefebvre, Le Materialisme dialectique, Paris, PUF, 1971, p.125.) 344 Id. Ibid. p.125.

190 190 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole à análise do mundo moderno exigindo um esforço analítico muito grande, que tente abordá-lo em sua multiplicidade de formas e conteúdos, em sua dinâmica histórica. 345 A metrópole não é lugar, ela só pode ser vivida parcialmente, o que nos remeteria a discussão do bairro como o espaço imediato da vida, das relações cotidianas mais finas, lugares onde o homem habita e que dizem respeito a sua vida cotidiana, um espaço palpável, enquanto plano da prática socioespacial. O plano do habitar não se resume ao bairro, articula-se a um espaço mais amplo apesar de a vida estar circunscrita apenas a uma extensão menor da metrópole, isto é, o habitante não se apropria integralmente da metrópole senão no plano da representação. Como a prática socioespacial é limitada por trajetos e usos, por lugares capazes de serem apropriados pelo corpo e seus sentidos, estes se realizam em determinados lugares da metrópole e, não na totalidade de seu espaço. Mas esta prática se acha regulada por instituições, por códigos, por uma cultura, que se projeta na realidade prático-sensível a partir de uma ordem distante. Assim, o bairro, apesar de referir-se ao plano do imediato, é também morfologia, que espelha uma hierarquia social, que se tornou mais evidente no plano dos bairros, pois a habitação é a forma mais imediatamente visível das diferenciações de classe. Estes usos se referem a uma prática que vai em direção a segregação socioespacial, apesar de politicamente, as estratégias de classe visarem a segregação no espaço (os elementos da vida urbana se dissociam em, por exemplo, lugares para jovens ou para adultos - um lugar para pobres outros para ricos etc.). Isto porque, se o privado se refere ao plano individual, o uso está submetido as leis de mercado; como decorrência da existência da propriedade privada que delineia uma hierarquia socioespacial que se explicita nos lugares de moradia diferenciadas, delimitando o acesso pelo preço do solo urbano. O público, por sua vez, está ligado ao plano do poder do Estado e de suas estratégias, daí a existência de conflitos permeando os usos destes espaços. Assim, o bairro não é um detalhe acidental, um aspecto secundário e contingente da realidade urbana, mas sua essência. 346 Ele tem uma coerência e uma existência, é neste nível que o espaço e o tempo dos habitantes tomam forma e sentido. Os lugares da vida se distinguem e se diferenciam posto que marcados por um emprego de tempo que se revela num uso específico que, na vida cotidiana, se circunscreve aos níveis das atividades de trabalho, lazer e da vida privada. Ao mesmo tempo, esses lugares se articulam e se definem pela sua inserção e ou isolamento no espaço metropolitano, diferenciando os níveis de realização da vida, que são marcados por temporalidades diferenciadas e lugares diversos. Deste modo, as relações espaço-temporais se ligam ou se realizam no plano do imediato, no modo como as atividades se inscrevem no lugar e na curta duração, na vida cotidiana, onde espaço e tempo se apresentam entrecortados, em fragmentos, por atividades divididas e circunscritas (revelando um espaço invadido por ações fragmentadas), porém articulados e determinados por uma totalidade mais vasta. A história do indivíduo é aquela que produziu o espaço e que a ele se imbrica, por isso que ela pode ser apropriada. Mas é também uma história contraditória de poder e de lutas, de resistências compostas por pequenas formas de apropriação. O espaço do poder, enquanto espaço 345 Carlos, Ana Fani. Definir o lugar? In:. O lugar no / do mundo. São Paulo, Hucitec, 1996, pp Lefebvre, Henri. De lo rural a lo urbano. Barcelona, Península, 1978, p. 195.

191 191 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s do vazio, é o espaço do interdito/interditado. Os espaços da monumentalidade se cruzam, é o espaço do poder, e por isso do ver -impeditivos do uso reduzem o corpo ao olhar. O espaço é construído em função de um tempo e de uma lógica que impõe comportamentos, modos de uso, o tempo e a duração do uso. Há uma relação necessária entre os ritmos da vida e os usos e apropriação do espaço, e estes são delimitados a partir da esfera da produção invadindo a partir daí toda a sociedade. A reprodução do espaço urbano se realiza separando cada vez mais lugar de moradia daquele de trabalho e do lazer, fazendo o indivíduo percorrer cada vez mais grandes distâncias - mas se estendem por amplos espaços os locais de uso, por outro, tornam a locomoção entre estes pontos da metrópole uma questão de distância que apaga o sentido do espaço, que se transforma em tempo de locomoção, portanto vazio de conteúdo e essa perspectiva embasa o discurso que justifica a OUFL como um projeto viário de importância para a metrópole. A dinâmica social é marcada pelo encolhimento do tempo, que acelerado, vira mera quantificação. Com a imposição do tempo curto impregnado nas formas, os modos de uso se retraem em pouco tempo. O encolhimento do tempo vai implicando em mudanças no uso. Nesse contexto, o bairro se enfraquece enquanto articulação casa - rua revelando a separação radical entre público e privado. Nesse sentido, o habitar enquanto ato social vai desaparecendo, transformando a habitação em abrigo ou fuga. Como consequência, assiste-se, na metrópole a criação de lugares próprios, com usos específicos, onde as possibilidades do uso público se restringem a pobreza dos espaços semi-públicos, vigiados, dos shoppings centers, por exemplo. É assim que a atividade prática muda constantemente, com a transformação do espaço, marcando e renomeando os lugares, redefinindo seus significados, pois os traços novos impõem novos comportamentos. É assim que depois da abertura da Avenida Faria Lima, a Vila Olímpia passou a ter duas denominações a Vila Olímpia de cima e a Vila Olímpia de baixo, redefinindo a relação entre os moradores e destes com o bairro; agora há a Avenida Faria Lima para atravessar, para ir ao barateiro, ao sacolão, o que era perto ficou longe, parece que a Faria Lima pra lá é uma coisa, pra cá é outra;... e agente vai andando, com muitas compras é muito difícil atravessar a avenida, diz uma entrevistada. Outro morador insiste, a Faria Lima é um bloqueio natural para os passos. Tirou a tranquilidade de morador para ir ao supermercado, à farmácia, pois não da mais para atravessar a rua, a farmácia continua no mesmo lugar, mas ficou ruim para chegar, aquele velhinho que saia com o carrinho de feira para ir ao supermercado não vai mais, tem medo de ser atropelado. Não saí mais a pé, antes ia à padaria, andava mais de um km e hoje não faço mais por causa do transito. Os que foram desapropriados compraram apartamento no bairro, mas com outra qualidade de vida. Independente do transito há o problema de segurança. O transito atrapalha, os velhinhos que saiam de bengala não saem mais, tirou a tranquilidade para sair no bairro. Para Cláudia o movimento na Vila Olímpia (de gente e de carros) aumentou com a vinda da Faria Lima, o comercio aumentou na minha rua. Mudou muito a minha rua. É Z-9, há restrições, mas muda a rua. Mudou o comportamento das pessoas depois da Faria Lima, nunca tinha acontecido assalto, você começa a ter hábitos diferentes; para atravessar, presta mais atenção, as casas estão vazias, muda os vizinhos. Toma mais cuidado, atravessar é mais complicado. As

192 192 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole pessoas mais velhas saem menos. Hoje a rua aonde dava aula, tem mais escritórios. Há ruas que tem mais comércio que residências. Saíram também empresas que também ajudaram no movimento que hoje, se mudaram para o interior. Tem muita coisa nova. Muitos terrenos vazios que estão virando estacionamento. Agora a avenida tem um efeito psicológico é lá depois da avenida. Reflete no meu passeio do final de semana o para lá da avenida. Porque é um saco atravessar a avenida, antes era um tesão ficar andando pelo bairro. Agora saio menos por medo e não posso mais andar de bicicleta, como antigamente foi o grande prejuízo. Revela que agora o espaço da casa é o que mais vive. Você acaba ficando mais em casa. A Faria Lima aparece nas entrevistas como uma nova realidade na vida do bairro. Muitos afirmam que o bairro ficou mais perigoso e que se prende mais as crianças em casa, pois a Avenida Faria Lima deixa os pais com medo de acidentes. Em Pinheiros, Beverlei sente falta de andar pelo bairro, antes saia descontraída encontrava um ou outro, agora está tudo perdido, esparramou você não encontra mais ninguém, só de vez em quando... Tinha amigos, gente que não vê mais. Resta o telefone pra falar com amigos que, agora, encontra esporadicamente no supermercado. Os pontos de compra mudaram muito o que torna difícil as compras no bairro, perdi a vontade de andar na rua Teodoro Sampaio onde só há eletrodomésticos e móveis... O sapateiro foi desapropriado, teve que sair, perdeu a freguesia, todos os vizinhos da rua Miguel Isasa desapareceram, mas alugou um local na rua Ferreira de Araújo; na Miguel ele ficava na calçada as pessoas passavam e viam agora a sapataria fica no fundo do quintal ele perdeu a freguesia e fechou... muita gente saiu prejudicada, o rapaz que alugou uma casa, fez reforma, ficou 2 meses e foi desapropriado; o outro que fazia restauração de móveis teve que sair, depois foi pra loja junto com o tapeceiro, não deu certo, agora sumiu... Não é mais como antigamente que se ia à padaria a mesma hora, conhecia as pessoas. Beverlei andava muito pelo bairro, agora não anda mais, ficou horrível com ambulantes e pontos de ônibus. Antes passeava pela Teodoro, da Pedroso até o Butantã antes da Faria Lima... piorou. Não tem como andar na calçada - uns camelôs ficam na beira da calçada e em frente encostados na parede ficam bancas menores - não há espaço na calçada para andar. Mudou o trajeto com a mudança das ruas de direção. Aumentou a densidade das pessoas ao longo do dia e não mais só na hora de pico. A Faria Lima acelerou uma mudança já em curso em Pinheiros, é o caso do fechamento da Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC) que mantinha um entreposto. Estou meio perdida depois que tiraram o supermercado da CAC que era tão bom, tinha de tudo e tudo fresquinho carne, frutas, legumes, conhecia os atendentes do açougue da padaria as atendentes... tudo conhecido, entrava dava bom dia, tudo conhecido, encontrava uma vizinha já voltava junto conversando, agora você vai pra outro supermercado é diferente. Agora usa o supermercado Mambo para compras pequenas (e pode ir a pé) e vai ao Eldorado ou Paes Mendonça na Marginal para compras maiores. Como não pode mais andar pelo bairro, então não vai mais ao açougue, por exemplo; vai ao supermercado de carro e compra o que precisa e coloca no freezer (comprou um freezer para não ter que sair para as compras de carne e perecíveis). Eram coisas que agente usava e fomos perdendo tudo. Lugares onde comprávamos há anos, bares como ponto de reunião, completa Beverlei. A realidade urbana perceptível desaparece com as transformações das ruas em ruas de

193 193 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s passagem que nega o tempo do flanar e impõe um tempo da velocidade, criando um novo modo de usar essas ruas que limitam passos e redefinem encontros até torna-los ausentes. O bairro que se apoiava numa rede de significados se esvazia decompondo o tempo e limitando os espaços da casa e da rua. O umbral da porta, passa a ser o novo limite antes daquele do portão do jardim - as pessoas estão mais dentro de casa, não há gente nem crianças nos pequenos jardins, há insegurança. A operação urbana corta o espaço redefinindo ritmos e usos no espaço. Mas a vida não muda só porque existe a Operação Urbana. Assiste-se, no mundo moderno, transformações no plano da vida cotidiana revelando-se no modo de usar tempos e espaços - nos valores, nos comportamentos, no papel da mulher, no tipo de lazer, etc., que se constitui no plano global, aquela da constituição da sociedade urbana. Significa que agora nestes bairros negócios inteiros se baseiam na forma improvisada com a qual a rua é apropriada, marcando as condições que permeiam a vida cotidiano e a produção do espaço na metrópole; que não ocorre apenas em Pinheiros; o que se vê agora na Vila Olímpia é a presença de ambulantes nas ruas do bairro, barracas que vendem de forma improvisada lanches e bebidas tomando as ruas e esquinas. A economia informal, vai aumentando diariamente como consequência dos níveis de desemprego na metrópole. Nessa dimensão a rua também revela o ato de troca em si. O uso cria limites e redefine fronteiras, a avenida cria um obstáculo no tecido urbano; para Peri, morador de Pinheiros, (os limites do bairro eram dados pela avenida Pedroso de Morais) antes era a Pedroso agora ela foi reduzida é a Faria Lima. A escola dos filhos ficou do outro lado da Pedroso, e quando surgiu a avenida criou um transtorno, pois antes os filhos iam a pé com os pais, agora com a Faria Lima presenciam coisas muito desagradáveis: como um atropelamento na ciclovia; seus filhos quase foram atropelados na faixa de pedestres uma coisa que não existia, agora é obrigado a fazer o trajeto de carro para, segundo ele, preservar a vida dos filhos. Não tem como fazer a pé. A avenida é um abismo para os pedestres. Criou uma situação esquisita porque fatiou o bairro em dois. O pedaço Faria Lima - Pedroso vira um outro módulo, ficou uma ilha, conclui. Já na Vila Olímpia, a dificuldade de usar o carro, hoje, no bairro é maior do que antes, tem que andar mais, fazer retornos, você não tem acesso entre um lado e outro da avenida, dá trabalho de ir de carro. Mantovani que anda muito pelo bairro (trabalha no bairro, visita o pai que mora no quarteirão próximo a sua casa, vai à padaria), diz que encontra cada vez menos gente conhecida (o tom da voz é meio de desolação). As pessoas mudam do bairro numa velocidade muito grande a ponto de se andar pelo bairro e se ver sempre uma mudança e substituída por uma placa breve um escritório, breve uma loja. Eu percebo isso. Neste bairro o drama da mudança aparece na transformação das casas de residências em comércio e serviços. Um entrevistado afirma que com todas as mudanças a Vila Olímpia virou centro, o que não está longe da verdade. Aqui em frente é um escritório, agora mudaram, a família mudou, aqui ao lado, é que aqui ficou escuro com o comércio. Aqui em baixo mudou, uma casa é congelada outra é um fotógrafo, outro é floricultura, imagina que abriu uma casa de móveis antigos no meio das casas!. Outro entrevistado, também faz o mesmo exercício, apontando o que abriu nas antigas casas ocupadas por famílias, aqui tem uma pizzaria, uma casa de comida por

194 194 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole quilo, porque o bairro virou muito comércio. Então pra mim ficou ruim, pra você morar num lugar que é meio comércio, meio residência. Outro entrevistado corrobora essa transformação nas ruas onde passeia a pé a rua Atilio é só comercio, a rua onde moro tem 8 comércios e tinha apenas um estúdio fotográfico, com a extensão virou comercio, os próprios moradores com a obra anunciada foram saindo do bairro e alugando suas casas para comercio - para fins comerciais, não adiantava pedir para casa residencial. O que tem hoje na rua onde mora? Dois consultórios dentários (um comprado outro alugado), uma cerâmica, um médico, uma agencia de turismo, dois escritórios, numa rua de 38 casas. E aí na Atílio, que era só residencial, hoje tem muitas lojas, livraria, hoje 70% dela virou comércio. Na Chilon, entre Atílio e Faria Lima há 4 casas que fecharam como escritório, na Chipre tem o projeto Acqua, Santa Justina hoje completamente comercial, Rua Miguel Calfat as casas que sobraram são comerciais, os prédios residenciais, Rua João é toda comercial. Clodomiro idem, com três, quatro prédios residenciais, Ramos Batista 70% comercial, todo o aumento, desde a época que foi anunciada a obra. Depois dessa enumeração, conclui sobre a descaracterização do bairro onde se encontram os moradores antigos pode-se dizer rua Ferreira Lobo; Chilon as Vilas na Jesuino, do lado de lá da Hélio está subindo muitos prédios, porque a lei de zoneamento permite. A rua vai, tendencialmente, ganhado o sentido da passagem, é a transição obrigatória entre o trabalho forçado, os lazeres programados e a habitação como lugar de consumo. A rua em sua função de passagem também organiza os atos do cotidiano dos moradores em relação ao bairro e dos trabalhadores em trânsito, homens e grupos que se movem em suas ruas tem a solidão ao redor. As ruas de Berlim aparecem como largas avenidas principais isoladas e desertas 347 Mas nem tudo virou ruína, para Rosangela ainda vale a pena morar no bairro porque acha que matar a identidade que você tem com o bairro, vai acontecendo aos poucos, eu estudei nesse bairro, montei meu primeiro comércio aqui, e estou vendo o bairro crescer e acho que eu faço parte disso, algumas outras pessoas têm mais dificuldades, como os velhinhos - que querem ir embora. Eu faço parte dessa história e não quero me mudar, mas estou perdendo a identidade com o bairro. Mudaram de casa para apartamento. Para o marido aumentou o assalto, piorou muito o transito, tem mais comercio, usa mais o carro e ficou também difícil usar mais o carro. Era mais fácil chegar e voltar do Barateiro, mas o bairro ficou estranho A casa e a rua Cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que permaneciam como pontos de demarcação de sua história. O caudal das lembranças acontecendo sobre o mesmo leito - a cidade de São Paulo - guarda esses episódios notáveis, que ouvimos sempre retomados pela fabulação de seus moradores. 348 Em nossa pesquisa o que se revela como marco que transformou e abalou muitas vidas é a realização da OUFL. É neste contexto que vai se revelando uma 347 Benjamin, Walter. Rua de Mão única. São Paulo, Brasiliense, 1987, p Bosi, E. Memória e sociedade: lembrança de velhos, op.cit., p.418.

195 195 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s periodização que delimita, um antes e o um depois, essa periodização, estabelecida pelos entrevistados, revela uma divisão do tempo da vida num determinado lugar do espaço: aquela do bairro. Tem na abertura da Avenida Faria Lima o marco delimitador do tempo e da vida no bairro. Na realidade, a realização da OUFL referência o fenômeno da implosão dos bairros percebidas através das transformações impostas na vida cotidiana. O modo como os depoimentos se estruturam (dividindo o tempo pelo novo uso do espaço) encontra significação no que, escreve Ecléa Bosi em sua pesquisa; uma forte impressão que esse conjunto de lembranças nos deixa, é a divisão do tempo que nelas se opera (...) chama-nos atenção com igual força a sucessão das etapas na memória que é toda dividida por marcos, pontos onde a significação da vida se concentra: mudança de casa ou de lugar, morte de um parente, formatura, casamento, empregos, festas. 349 Em nossos depoimentos a divisão do tempo se delimita pelas transformações do espaço da vida. Qualquer critério de periodização esbarra no fato de que as narrativas não são marcadas pelo tempo linear, o tempo da vida é o tempo cíclico, onde os momentos se entrecruzam, aparecem de modo comparativo, envolvendo uma simultaneidade de tempos diferenciais sintetizados pela memória. São momentos, lapsos de tempo que não existem sem os lugares, isto por que a consciência de um momento, existe na relação e pela mediação do outro. Nesse processo se revelam os significados dos espaços da vida, aquele da casa, da rua que apelam para a relação com o outro. As tramas das relações socioespaciais se constroem e se tecem na vida cotidiana, naquilo que se refere ao plano da vida, do imediato; pessoas, ruas, caminhos... É assim que as pedras da cidade enquanto permanecem sustentam a memória. 350 É porque a vida se desenrola sobre as pedras, nos percursos, nos trajetos, e as relações se sustentam nos lugares da cidade. Esse antes aparece nos depoimentos como o antigamente e parece revelar o contraponto da metrópole moderna. Temo que esse contraste apareça como aquilo que a metrópole, ao se reproduzir, perdeu sem que nada se ganhe em troca. Mas nem tudo se perde, há mudanças de significado das coisas e das relações que permitem perceber como o cotidiano vai se construindo na reprodução espacial, como prática socioespacial. Esse antigamente revela o estilo de uma época que tem gestos, gosto, cheiros, comportamentos e valores muito diferentes dos de hoje e que influenciam o modo como os habitantes se apropriam dos espaços na metrópole e percebem a mudança. Essa infância foi tão linda, minha filha, hoje, a gente come porcaria, gasta um dinheirão e come tudo coisa falsificada, naquele tempo não tinha todas essas latarias como é hoje, mamãe comprava latas e latas de tecido e fazia banha em casa, e aquelas pedaços de lombo de porco,... fazia pão em casa, fazia delícia em casa, era tão gostoso de comer, cortava aquela fatia de pão ou rosca, diz Dona Tereza. Antes frangos vivos, hoje frango congelado. Horas de lazer em casa, diz Beverlei. Nos depoimentos dos moradores mais velhos a memória, às vezes, se embaralha, parece pregar peças, é seletiva na tentativa de falar sobre a vida no bairro; para eles o antes abarca um longo período de tempo 30/40 anos e revelam momentos do desenvolvimento da metrópole, através da transformação do bairro, a chegada da iluminação, do asfalto, do ônibus, as compras no 349 Id. Ibid., p Id. Ibid. p.444.

196 196 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole centro da cidade, etc. Para os mais jovens esse período é menor mas aparece como longo marcando o período importante de infância e adolescência, em que se descobrem no mundo, descobrindo a cidade através do bairro. É significativo em alguns depoimentos como a cidade vai ganhando sentido através das aventuras no bairro; mas também revelam momentos em que a vida metropolitana constituída, vai delimitando os usos do espaço e impondo limites para as relações de vizinhança. Já os pré-adolescentes (na faixa dos 10 aos 15 anos), vivem um outro tempo, aquele do presente sem espessura, o mundo da informação, o encerramento da vida nos espaços privados, aprisionamento reforçado pela TV, videogames e computadores, de esvaziamento da rua e do império do shopping center; para estes a metrópole tem um outro sentido e a OUFL aparece numa dimensão positiva. O que vimos em nossa pesquisa de campo é que tentar descobrir, para os moradores dos bairros afetados pela OUFL, o tipo e o sentido das mudanças que vivenciam acabou se transformando, como era de se esperar, numa construção das relações espaço-tempo no bairro e através dele. É assim que a história da transformação do bairro, aparece como uma transformação da metrópole, as transformações da vida no bairro, como transformações apontando para a construção do cotidiano na metrópole - sua especificidade é que se realiza ainda de forma desigual no espaço e no tempo da metrópole - uma tendência no horizonte, em parte realizada, em parte como uma possibilidade a ser realizada. 351 Esses bairros diferentes entre si, revelam que o tempo das transformações é diferenciado, essas diferença aparece nas lembranças dos entrevistados. A pesquisa 352 sobre o efeito das transformações da OUFL nos bairros aonde ela aconteceu Itaim, Pinheiros e Vila Olímpia/Vila Funchal - é qualitativa e não quantitativa (moram na área habitantes em 1990). Com isso, corremos o risco das generalizações perigosas, nesse caso vamos trabalhar com as tendências possíveis de serem detectadas nestes bairros, a partir das mudanças ocorridas com a OUFL. Partimos da hipótese de que o processo de produção do espaço urbano é profundamente desigual em São Paulo, marcado por contrastes e contradições profundas que só podem ser lidas através de seus fragmentos. Por outro lado, também é preciso dizer que há diferenças entre os bairros; apesar de todos os entrevistados apontarem que a realização da OUFL desencadeou transformação de uma área residencial, para comercial, a intensidade do processo é diferente em função da história e localização de cada um na metrópole. Na Vila Olímpia, por exemplo esse processo é mais dramático 353, pois era o único bairro estritamente residencial. No caso dos bairros de Pinheiros e Itaim, esse processo não é radicalmente novo, ocorrendo uma acentuação na função comercial e de serviços; o que faz com que a percepção 351 Insistimos no fato de que o processo de reprodução do espaço se realiza de forma desigual e de modo fragmentado. Nesse contexto, a construção da metrópole revela o fenômeno de implosão-explosão. O primeiro termo se refere à extensão do processo de urbanização que se revela na construção de amplas periferias e, o segundo, à atenuação das relações sociais na metrópole (processo que estamos analisando neste trabalho). Significa dizer os processos analisados para os bairros de Pinheiros, Itaim, Vila Olímpia/Vila Funchal não pode ser estendido e generalizado para toda a metrópole, senão enquanto tendência. Refiro-me ao significado, por exemplo, da rua, das relações de vizinhança, do modo como se desenvolve a vida cotidiana e da impossibilidade da instalação, nestes espaços do cotidiano. 352 A pesquisa se baseia, fundamentalmente, nas entrevistas realizadas nos três bairros (alguns foram entrevistados mais de uma vez. Há ainda as andanças imprescindíveis, o contato informal, a festa, a reunião da associação. No processo ganhei amigos e uma tia. 353 O que nos conduziu a uma intensificação ou verticalização da pesquisa de campo neste bairro, como veremos adiante.

197 197 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s dos habitantes tenha uma tônica diferente. A Vila Funchal era o local dos galpões industriais que cederam sua área à instalação dos grandes edifícios de escritórios formando um paliteiro próximo à Avenida Nações Unidas (na várzea do Rio Pinheiros) e de uma favela que foi removida. O sentido que os habitantes conferem ao bairro, o modo como analisam as relações de vizinhança, o modo como participam do movimento contrário a realização da OUFL, é variável. Mas todos apontam, unanimemente, na direção de um processo onde a vida cotidiana se vê invadida por uma outra dinâmica estabelecendo-se através da instalação de novos padrões e modelos de comportamento, novos valores que se constituem num outro plano que aquele do lugar em que vivem e que lhe são impostos, mas que ocorrem como decorrência das transformações espaciais. As entrevistas revelam a superposição de dois tempos; aquele que diz respeito ao tempo da vida que se realiza num lugar determinado, e o tempo da transformação das formas morfológicas, definidas no seio do processo de reprodução do espaço da metrópole. Aqui, esses tempos indissociáveis e contraditórios aparecem na base do estranhamento, consequência direta da aceleração do tempo que impõe uma outra organização/normatização que delimita ou quase extingue as possibilidades do uso dos lugares onde se realiza a vida. Com isso o indivíduo se sente preso a um presente sem espessura. Revelam um momento em que o processo de reprodução do espaço metropolitano - que é diferencial - se realiza na implosão dos bairros, mas se interioriza e se revela no vivido, no imbricamento entre histórias coletivas e individuais ligadas a um fragmento do espaço metropolitano. Ao falar sobre o bairro estão falando de suas vidas, uma vida que não se realiza apenas num lugar enquanto cenário, mas na sua construção enquanto tal, é por isso que o bairro e a casa ganham relevância na vida das pessoas, é por isso que falar do bairro é falar sobre a vida de cada um. A materialidade que contempla as relações sociais revela não só um porto seguro, mas um sentido da vida. Pedimos para que as pessoas falassem sobre o bairro onde moram, o que acham das mudanças, um apelo à sua memória. Para Ecléa Bosi, hoje a função da memória é o conhecimento do passado que se organiza, ordena o tempo, localiza cronologicamente. Na aurora da civilização grega era evidência e êxtase. O passado revelado desse modo não é o antecedente do presente, é sua fonte. 354 Ouso, no entanto afirmar, que, se ficou claro uma cronologia temporal, as entrevistas revelam, antes, uma relação espaço-temporal; a vida se desenrola num lugar que permite sua realização e lhe dá sentido, criando laços entre as pessoas e os lugares; assim passado e presente se materializam no espaço da vida. O interessante é observar que esses laços que dão significado à vida aparecem em entrevistados de várias idades. É assim que o bairro se revela pleno de sentido para dois rapazes 355 que veem no bairro da infância um sentido para a vida. Eu nasci em Pinheiros, minha ligação com o bairro é fortíssima, eu adoro morar aqui, especificamente, nessa vilinha, que eu nasci aqui, eu não consigo me ver morando em outro lugar... Primeiro, porque eu nasci aqui, então eu vejo as fotos de quando era pequeno e são nesta casa, nesta vila, tem a mesma amoreira, a pitangueira, para mim é legal, aquela questão da segurança. E não é só por isso, pelo fato de nascer 354 Bosi, E. Memória e Sociedade, op.cit., p Moradores de Pinheiros; Cássio e Mark (24 e 22 anos).

198 198 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole aqui, acabei conhecendo várias pessoas, os vizinhos, conheço o cara que vende pão, me chama pelo nome. E pelo privilégio de morar numa vila fechada, então eu jogava futebol, na rua, foi uma infância meio maluca, jogava pião, bolinha de gude, e a galera já não estava mais nessa, estava naquela de assistir He-Man e não tinha nada a ver com a minha vida. A minha infância foi muito legal, acho que é por isso que eu gosto tanto do bairro... Eu gosto de ir comprar pão na padaria, ali na Pedroso e, no meio do caminho ver um rosto conhecido, ver a preservação da praça que eu acho legal. Eu sou meio romântico, de ficar vendo as árvores, mesmo que mudem as lojas, algumas coisas para mim permanecem muito iguais. Talvez eu esteja até procurando algumas coisas que me façam perceber que eu estou no mesmo lugar, está havendo tanta mudança, que eu me dei conta que a praça não é mais a mesma coisa de quando eu era moleque, mesmo porque construíram o shopping Ática lá e ele deu uma agitada na praça. Eu acho que por conta dessas mudanças eu fico procurando alguns referenciais que me façam falar, é como Cássio se refere ao bairro e sua vida. O espaço da primeira infância pode não transpor os limites da casa materna, do quintal, de um pedaço da rua, de bairro. Seu pedaço nos parece enorme, cheio de possibilidades de aventura. A janela que dá para um estreito canteiro abre-se para um jardim de sonho, o vão embaixo da escada é uma caverna para dias de chuva. 356 A memória associa sempre tempos e espaços, revela necessidades e desejos que revelam os elementos de construção da identidade entre o indivíduo e o espaço. Aqui o morar ganha o sentido que lhe é dado pelo uso dos lugares que compõem o universo pessoal. É a partir da casa que se constrói o universo da vida na cidade, é ela que cria o marco através do qual eu vejo, me desloco e vivo a metrópole. A casa - bairro se liga a presença por isso é parte integrante da identidade, a casa é valorizada enquanto tal - é dela que se constituem as tramas espaciais e é dela que se tecem os caminhos a partir dos quais se urdem as relações com o bairro e com a cidade. Significa que ela é mais que um endereço, um lugar no espaço urbano; ela é a referência e o lugar onde se estabelece a vida e é daí que o cidadão se vê na cidade e no mundo. Para Bosi a casa materna é uma presença constante nas autobiografias. Nem sempre é a primeira casa que se conheceu, mas é aquela em que vivemos os momentos mais importantes da infância. Ela é o centro geométrico do mundo, a cidade cresce a partir dela, em todas as direções A partir da casa outras escalas espaciais se compõem; aquela da rua, por exemplo; para Mark existiria uma geografia da rua... é eu sei onde tem cada buraco lá, onde dá para você tabelar com a parede, onde você pode tropeçar, onde em que guia você pode pular com a bicicleta... Isso é legal, porque quando visito a rua você reconhece traços da infância. Sempre que minha mãe vai no alfaiate eu faço questão de ir junto para andar pela rua, ver antigos moradores. Para os velhos aposentados o bairro em que vivem faz parte significativa de suas vidas. O casal Bruno e Eunice se demoram a falar do bairro, mergulhados em boas recordações. É dona Eunice quem fala ah! O bairro significa muito porque são 39 anos que moramos aqui. Nós viemos para cá era uma vila, criei meus filhos muito bem-criados, eles brincavam não tinha movimento nenhum. As crianças, todos os vizinhos eram da mesma faixa etária quando viemos para cá. 356 Bosi, Memória e Sociedade, op.cit. p Id. Ibid. p. 435.

199 199 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Criaram-se ficaram moços, casaram, tenho netos, tudo aqui aonde eu moro significa muito para mim. Para os velhos a destruição das referências da vida é como se fosse o desaparecimento de momentos da própria vida. Em Especulação Imobiliária, Ítalo Calvino narra uma situação de nossa contemporaneidade: a especulação imobiliária toma conta da Riviera Italiana destruindo tudo que encontra pela frente impondo, na contrapartida, uma mesma monotonia na paisagem. Ao falar dos sentimentos de sua mãe frente a este processo que a obrigou a vender parte do jardim de sua casa, descreve o lamento de sua mãe por uma parte de si mesma que se perdia e da qual ele sentia não mais poder se refazer, a amargura que colhe a velhice, quando qualquer ofensa geral, que de qualquer forma nos atinge, é uma ofensa feita a nossa própria vida da qual não seremos mais ressarcidos, e cada coisa boa da vida que vai embora é a própria vida que se vai sentimentos que se revelam na destruição de um símbolo querido dos seus lugares, uma cor do ambiente, uma beleza civilizada, mas não artística e, por isso mesmo, dificilmente defendível e memorável, certamente, depois, lhe dará outras coisas, outros bens... também estes perecíveis, mas desfrutáveis. 358 Em nossa pesquisa o sentido de perda da casa, da mudança da vida decorrente da realização da OUFL, no seu limite último, decepou uma vida, abalou, violentamente outras (como veremos adiante). O que percebemos em nossa pesquisa é a importância que a casa assume como o referencial da vida, mas aparece sempre associada ao bairro; nessa relação ela ganha a significação do sentido do habitar. A casa é o elemento de identificação primeira com o lugar da realização da vida humana, marca um uso privado, é o elemento do conforto e da segurança do corpo; construindo a identidade do indivíduo marcada pela permanência - ela assume sentidos diferentes para o jovem ou para velho. Para os aposentados a casa tem dois sentidos - aquele da identidade e da permanência e aquele da conquista e da segurança da vida. A aposentadoria cria uma sensação de insegurança no futuro e a casa é, o que chamam, de um bem de raiz que fornece o elemento de sustentação básico para a vida do velho, num mar de inseguranças patrocinado por uma aposentadoria irrisória e a ineficiência do sistema de saúde. A casa também marca um lugar no espaço, um sentido do pertencer - um lugar do aconchego contra as incertezas, e uma proteção (que para o aposentado é diferente daquela do apartamento - este é um espaço que o aprisiona, estranho, além do que há o pagamento do condomínio que também é um fator de insegurança para quem vive da aposentadoria), é por isso que há uma diferença visível nas entrevistas entre o morar em casa ou morar em apto - as relações entre vizinhos e com a rua são completamente diferentes. Dona Elisa e dona Alaíde moram no Itaim, não identificam muita mudança no bairro o apartamento isola um pouco as pessoas, não se sentem participando de um grupo é uma vida mais isolada. Essa situação ocorria no Itaim e não na Vila Olímpia um bairro pontuado de pequenas casas, plano, com pouquíssimos prédios, marcada por um modo de vida diferente - muitos dos habitantes da Vila Olímpia não se achavam presos nos espaços privados, mas se sentiam membros de uma comunidade. Também é interessante notar que os velhos falam sobre pessoas e lugares que não mais existem mais, aqui, nesta pesquisa, essa situação se generaliza, e é vivida por todas as faixas etárias. Os jovens mostram um misto de surpresa e decepção diante das mudanças. Os velhos já 358 Italo Calvino, A especulação Imobiliária. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, pp.13/14.

200 200 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole sentem mais profundamente. Mas ambos os casos revelam o fato de que há um outro espaçotempo que vai transformando tudo, impondo limites à permanência das formas, poderosos referencias para a vida. A significância marcada pelo lugar onde se desenvolveu uma parte significativa da vida, cria os símbolos do reconhecimento; a vida não se realiza suspensa no ar, mas enraizada num lugar. O bairro revela o habitar enquanto atividade; revelando a noção de apropriação: habitar para um indivíduo ou grupo é apropriar-se de algo, não é ter uma propriedade, é fazer uma obra, modelá-la. 359 O bairro nos coloca no plano do indivíduo, sem, no entanto se restringir a ele e ao imediato. Casa - rua - bairro vão ganhando o significado dado pelo uso que compõem o universo da vida, é por isso que as desapropriações aparecem como uma violência imposta ao cidadão revelando-se como trágico, porque tudo é tão penetrado de afetos, móveis, cantos, portas e desvãos, que mudar é perder uma parte de si mesmo; é deixar para trás lembranças que precisam desse ambiente para reviver 360 Esse caminho é indicativo do sentimento vivido por aqueles que perderam suas casas, por aquele senhor que, subtraído de sua casa, não resistiu e morreu do coração. A casa demolida abala os hábitos familiares e para os vizinhos que a viam há anos naquele canto da rua ganhará uma face estranha e adversa. 361 É por isso, que o apego à casa onde se mora e que está no centro da construção das referências da vida na cidade é tão importante principalmente para os velhos, para aqueles que criaram suas raízes no chão e na memória. As referências que se produzem a partir da relação com a vizinhança - que dá a sensação de se pertencer a um lugar mais amplo que o espaço restrito da casa, marca a relação dentro/fora, daí o tom meio desolador daqueles que perderam seus vizinhos. Mesmo aqueles que não perderam a casa, há desolação, pois com os vizinhos que se mudaram; vaise com eles, o bate papo, a sensação de segurança numa emergência, o ponto de apoio, amizade, a referência, o hábito, a constância de um rosto, de um gesto, a companhia. Por tudo isso a casa não pode ser resumida a uma simples mercadoria que é preciso reter como expressão da propriedade privada. A casa - mercadoria esta esvaziada do sentido da vida. Para os entrevistados a redução do seu sentido àquele de mercadoria - passível de ser trocada e que aparece no discurso do legislativo e dos planejadores - os deixa indignados. A casa restrita ao valor de troca insulta-os. O espaço enquanto um objeto a ser vendido muda o sentido do habitar, visto ele também como uma mercadoria: casa e espaço viram e são vistos apenas na sua dimensão de mercadoria trocável por um preço, entendida como investimento - esse raciocínio desconsidera o sentido primeiro do morar numa casa, habitar um lugar. Há aqui uma dupla redução: o plano do vivido à sua dimensão econômica e a do cidadão reduzido à sua dimensão de consumidor de um lugar. A mercadoria não tem história, o seu processo de produção é cada vez mais impessoal. Nessa dimensão o bairro é ele próprio um lugar como outro qualquer sem especificidade ou sentido outro que um pedaço da cidade à disposição dos instrumentos do planejamento, palco de estratégias imobiliárias. O espaço, na escala do bairro e da casa perdem sua função social, lúdica, produtor da identidade entre o homem e a cidade. Inverte-se o processo, antes a construção de uma casa podia 359 Lefebvre, De lo rural ao urbano, op.cit., p Id. Ibid. p Id. Ibid. p.451.

201 201 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s estar ancorada a um uso definido em função das necessidades sociais, agora a casa mercantilizada cria uma tensão no espaço, revelando o movimento da vida submetido ao movimento das transformações da metrópole que se impõe através das mudanças dos lugares de vida. É assim que o bairro aparece como nível de elucidação da vida e do sentido da cidade na vida, onde se lê as mudanças na metrópole, onde se descobre que essas mudanças se dão com desencontros, em temporalidades diferenciadas. Nós nos adaptamos longamente a nosso meio, é preciso que algo dele permaneça para que reconheçamos nosso esforço e sejamos recompensados com estabilidade e equilíbrio. A vida do grupo se liga estreitamente à morfologia da cidade: essa ligação se desarticula quando a expansão industrial causa um grau intolerável de desenraizamento. A memória das sociedades antigas apoia-se na estabilidade espacial e na confiança em que os seres de nossa convivência não se perderam, não se afastaram. Constituem-se valores ligados à práxis coletiva como a vizinhança (versus mobilidade), família longa extensa (versus isolamento da família restrita), apego a certas coisas a certos objetos biográficos (versus objetos de consumo). Eis aí alguns arrimos em que sua memória se apoiava. 362 É assim que, na perspectiva aberta por Bosi sobre o passado enquanto antecedente do presente revelado pela memória; o que o bairro era, é um elemento importante para pensarmos no que se transformou e qual é o sentido do processo da reprodução espacial hoje, e como as pessoas vivem essa mudança. A implosão do bairro acompanha, a nosso ver, a instauração do cotidiano na metrópole. A acelerada transformação da metrópole impregna a vida contrapondo dois tempos diversos, um deles é lembrado por Paul Valèry como aquele em que o tempo não contava, em que o artesão ia entalhando, esculpindo como se imitasse a paciente obra da natureza, obtendo tonalidades novas como uma série de camadas sutis e transparentes; 363 essas camadas o tempo condensa no espaço, dando-lhe significado. O outro é aquele da premência do progresso que tudo precisa modificar, o tempo sem espessura e o espaço sem referenciais; ainda segundo Valèry o homem moderno não cultiva o que ele pode simplificar e abreviar 364. Mas o habitar envolve outras dimensões; é assim que a partir da casa vai se construindo os elementos que vão compor os indícios que vão gerar a base segura que constrói a identidade, a partir da casa, mas estendida ao bairro e a metrópole - aqui se gestam as relações com o outro para além daquela dos membros da família. O que se constata é que o espaço não é um simples cenário para a vida, o habitante tem uma relação ativa; o sujeito vive através de um modo de apropriação. O bairro é como se fosse a cidade do interior, aquele apego do lugar, dos amigos, das coisas... tem o apego emocional. Dona Guiomar, moradora do Itaim, lê emocionada, uma poesia que escreveu...recordo com emoção, raízes profundas, amigos verdadeiros. Não importa o que digo o Itaim é meu cativeiro. Assim, rápido o tempo passou E a imagem do Itaim antigo para sempre ficou. Recordar é viver resolvi escrever do meu Itaim bibi. Para minha satisfação, dos 75 anos, aqui, vividos só restou recordações. Da minha João Cachoeira lembro da minha infância, onde tantos anos brinquei. Passo hoje todos os dias e não conheço mais ninguém. É o centro de todas as atenções, mas dos tempos distantes só ficou recordação. Quanto progresso, quanta valorização, 362 Bosi, Memória e Sociedade, op.cit., p Apud Bosi, E. Memória e Sociedade, op. cit. p Id. Ibid. p.88.

202 202 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole mas do meu Itaim Bibi antigo só ficou recordação,... em seguida mostra algumas fotos... são as minhas recordações. A vida fora do âmbito da casa é um elemento importante para definir o que os habitantes chamam de qualidade de vida. Mas a minha vida só piorou, a rua onde eu moro, rua do Consórcio, inclusive saiu numa reportagem na Veja, onde fotografaram a rua, existem 4 ou 5 casas residenciais o resto é só escritório e loja. Antes da Faria Lima era só residência, você perde a qualidade de vida diz um advogado. Cláudia ressalta, nesse processo de transformações do bairro, a acentuação do papel da casa para a mulher jovem que não trabalha o espaço da casa era o que mais via, você acaba ficando em casa. Se essa prática se esvazia pela impossibilidade do uso, já que o tempo se organiza em torno da televisão, num espaço fechado e individual o bairro tende a se esvaziar - revelando sua impossibilidade como gerador de sociabilidade. Isto porque a construção do reconhecimento do habitante, enquanto cidadão, vai se revelando, enquanto descoberta do bairro que se constrói numa prática espacial através de modos de apropriação que criam os referenciais dados pelo uso, suas limitações e possibilidades. O espaço vai ganhando a dimensão que a vida cotidiana lhe confere construindo através das ações dos sujeitos. O sentido que os habitantes dão ao bairro é o sentido que emerge de suas vidas -é no uso que a identidade se cria com a criação de referências que delimitam as ações cotidianas dando-lhes sentido de descoberta, é aí que se descobrem como sujeitos na cidade e, é aí, que surgem as reivindicações. O novo herói da vida é o homem cotidiano. É que no pequeno mundo de todos os dias está também o tempo e o lugar da eficácia, das vontades individuais, daquilo que faz a força da sociedade civil, dos movimentos sociais. 365 A prática socioespacial como atividade de apropriação permeia as entrevistas e dão sentido ao que muitos dos entrevistados chamam de qualidade de vida. A medida em que os bairros vão mudando a apropriação se limita esvaziando a vida de relações no bairro. Nos depoimentos de Laerte e Flávia é interessante observar como aparece a descoberta do bairro em situações banais da vida cotidiana. Laerte relata que no início dos anos oitenta, quando era garoto e estudava na 5 a série vinha sempre sozinho da escola para casa (ambas ficavam no mesmo quarteirão e não era preciso atravessar nenhuma rua), andando sempre na mesma calçada. Como não usava o banheiro da escola precisava usar o de casa e rápido, quando voltava da escola; mas como não tinha a chave de casa, era obrigado a esperar a mãe chegar, para abrir a porta. Então um belo dia resolvi me arriscar porque eu estava cansado daquela situação, foi até uma surpresa isso daí, porque eu apareci na loja, (onde trabalhava o pai há poucos quarteirões de sua casa) atravessei duas ou três ruas que tinha que atravessar e prestar atenção eu tinha 8 anos na época, cheguei lá sem nunca ter sido ensinado. Em outra ocasião, mais velho eu brincava com meu irmão de bicicleta, dando voltas nesse quarteirão, naquele tempo ainda dava para dar volta no quarteirão... Mais tarde começou a fazer depósitos no banco para seu pai lá em cima... é esses caminhos eu fazia sozinho. Flávia também deixa claro que os limites do conhecimento do espaço da cidade são delineados pelos percursos que se realizam na vida cotidiana, nas idas e vindas da escola (onde novos trajetos tem relação direta com a mudanças de escolas); a medida que sai da infância para a 365 Martins, José de Souza, A sociabilidade do homem simples, São Paulo, Hucitec, 2000, p. 57.

203 203 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s adolescência os passos ultrapassam antigos limites; o andar de bicicleta com a amiga no bairro do Butantã dá um sentido de aventura pela descoberta de novas ruas e caminhos que distantes do bairro do Itaim, onde mora. Com a entrada na adolescência novos amizades se estabelecem, outros pontos de encontro - lugares agora usados de outro modo batatinhas e refrigerantes embalando horas de conversa na lanchonete do bairro. Como a cidade vai ganhando novas dimensões á medida que os anos avançam, os trajetos vão se ampliando o espaço apropriado vai extravasando os limites do bairro para ganhar aquele da metrópole; é assim que um namorado a coloca em contato com o centro da cidade, com o vestibular e sua entrada na USP, conhece outra parte da cidade. Mas seus trajetos cotidianos englobam toda a metrópole... e, assim o sujeito se relaciona e vai criando os referencias a partir das situações da vida cotidiana. Aqui, a divisão dos momentos da vida se relacionam com o uso do espaço (e sua amplitude). O interessante também é que todos os referenciais temporais dados por Flávia, na entrevista, se referem as séries do ginásio/colégio e é esse tempo que marca os anos e com esse referencial que pensa nos lugares da vida, nos percursos na cidade - o trajeto do carro que a mãe fazia para leva-la à escola, o trajeto do ônibus casa-escola, as escolas do Itaim a fazem conhecer melhor seu bairro, a mudança da escola na adolescência a coloca em relação com outro bairro; o trajeto de carro com o pai, nos finais de semana (ia para o clube, primeiro o São Paulo, depois o clube Paineiras), vai ampliando o seu espaço. Essas entrevistas apontam para a ideia de que se descobre o espaço na realização das pequenas atividades ou ações mais banais e repetitivas; sem ignorar o extraordinário. Assim, a construção do bairro como referencial da vida - realizada pelo uso do espaço nas tarefas mais banais - a partir da casa, se realiza na vida cotidiana como uma prática espaço-temporal. Revela-se aqui que o uso enquanto modo de apropriação se realiza e aparece à primeira vista como expressão do corpo, base prática da percepção do mundo exterior. José de Alencar criou um novo verbo para designar uma atividade cotidiana capaz de ligar espaço-tempo, quando afirma através de um de seus personagens em Lucíola espaciei meu corpo pela rua do Ouvidor, os espíritos pelas novidades do dia; os olhos pelo azul cetim do céu e pelas galas de luxo europeu expostas nas vidraças. Era domingo o ócio dos felizes desocupados tinha ganhado o campo e os arrabaldes. Encontrei por isso poucos conhecidos e fria palestra. 366 Para Henri Lefebvre um espaço modificado para servir às necessidades e possibilidades de um grupo dá-se pela apropriação, essa atividade apropriativa que pode ocorrer no espaço e se assemelha a uma obra de arte. 367 Nesse sentido, para o Autor 368, temos como ponto de partida e de chegada o corpo, nem sujeito, nem objeto filosófico, nem como meio interno se opondo a um meio externo, nem como mecanismo ocupando um espaço, mas como corpo espacial, produto e produção de um espaço que recebe imediatamente as determinações, simetrias, interações e reciprocidades de ações e planos, centros e periferias, oposições concretas, quer dizer espaço temporais. (...) O organismo vivo só tem sentido de existência com seus prolongamentos: o espaço que ele tem acesso, que ele produz... o corpo espacial tornando-se social não se introduz num 366 Alencar, José de. Lucíola. São Paulo, Editora Ática, 1988, p Lefebvre, Henri. La production de l espace. Paris, Anthropos, 1978, p Id. Ibid. p.225.

204 204 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole mundo pré-existente, ele produz, reproduz, ele percebe o que ele produz e reproduz. Este corpo traz em si suas propriedades e determinações espaciais. Nessa direção a análise do corpo explora o vivido que dá sentido ao espaço como apropriação da vida, onde a prática social se revelaria como extensão do corpo. No entanto, como o corpo carnal, o ser vivo, o corpo espacial da sociedade, o corpo social dos desejos difere de um corpo abstrato ou corpo de signos, eles não podem viver sem engendrar, sem produzir, sem criar diferenças. Através das formas de apropriação, a análise das diferenças, da hierarquia, presente na sociedade, da criatividade imposta como caminho contra a normatização vai se revelando enquanto insurgência, o que coloca em cheque a razão instrumental que produz o espaço homogêneo e a perda do sentido da obra humana que se esmigalha em meio ao mesmo. 369 O uso revela, assim, um momento de revalorização da vida em todas as suas dimensões, pois trata-se de uma relação de criação onde o tempo se refere a um ritmo e diz respeito a uma prática espacial; que não coincide com relações econômicas. Os depoimentos sobre a mudança provocada pela abertura da Avenida, para os velhos habitantes do bairro remete-os a outros momentos passados, produtos de outras rupturas que também marcam o uso da rua. É o caso do papel da televisão que não parece desprezível mudanças. Para o senhor João, ela é um marco importante a mulherada botava as cadeiras na rua, não tinha perigo nenhum e ficavam jogando conversa fora, depois que veio a televisão aí cada um dentro de casa você mal conhece quem está do seu lado... a televisão prendeu todo mundo dentro de casa, acabou. Dona Leonete completa, nada contra a televisão, mas é a realidade, ela afastou as pessoas porque você tem o mundo dentro da casa. Você chega em casa agora, o que faz? Oh! São sete e meia, deixa eu ver o que aconteceu, liga lá e você fica sabendo tudo ao mesmo tempo no mundo inteiro, então todo o mundo faz a mesma coisa. Aí não tem mais tempo de conversar sobre a notícia porque ninguém se vê mais, né. A tv parece imperar no espaço doméstico organizando o tempo do lazer que se realiza como a negação do espaço exterior. Reforça os limites entre o dentro e o fora, marcando o tempo das relações sociais. O papel da televisão é abordado de forma significativa como contraponto para definir a infância - aqui o uso do espaço da rua e do emprego do tempo aparecem como elementos diferenciadores. O viver o bairro para fora do limite da casa é uma referência que marca a infância para Mark e para Cássio, que compartilham da ideia de que tiveram uma infância diferente porque viveram jogos e brincadeiras na rua, longe da televisão, com amigos. Aqui a rua ganha uma dimensão que marca um diferencial em relação a outras crianças, que passavam a tarde em casa assistindo He-Man e jogando videogame. Para Cássio a infância aparece como meio maluca para Mark estranha, ambas as palavras qualificam positivamente a infância. Mark veio morar em Pinheiros quando tinha 4 anos, mudou-se para a mesma rua onde morava o Cássio e foi lá que começou minha infância, porque a rua era fechada, quer dizer, não era fechada na época, mas era uma rua muito estreita, tinha coisa de 6 ou 7 casas, foi uma sorte, muito grande porque agente pode, todo o mundo, crescer junto... a gente conseguiu crescer jogando futebol na rua, fazendo tudo na rua. Era uma infância até certo ponto estranha de se pensar nos tempos atuais, umas 369 Id. Ibid. p.467.

205 205 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s crianças jogando bola na rua. Praticamente não se tinha videogame, a gente passava 40% vendo TV, 10% fazendo lição de casa e o resto jogando bola na rua e eram praticamente só meninos; tinha minha irmã, inclusive, minha irmã joga bem futebol por causa disso. Era tudo, a minha vida, como eu cresci, tudo que eu sei na vida, hoje, eu posso dever a minha infância na rua, foi um aprendizado muito importante porque você aprende a lidar com as pessoas; mesmo porque a gente ia jogar bola em várias freguesias... para saber lidar com as pessoas que eram completamente diferentes. A gente não vivia preso, com uma bitola na cabeça, a gente conseguia viver na rua... Muitas amizades e todas duradouras até hoje, as pessoas se reencontram e é uma festa, não é um simples oi. Você sente a felicidade da pessoa em te reencontrar, é coisa que bate bem no fundo. Quando eu penso em Pinheiros, eu só posso pensar na minha infância e significa a minha vida de adaptação no Brasil 370 e como eu cresci. Eu aprendi até mesmo a falar na rua porque eu só falava em inglês quando eu cheguei. Foi com os meninos que eu aprendi a falar, especialmente com o Cássio, que foi uma pessoa que me ensinou muito na vida. É interessante o modo como Mark define o emprego de tempo de sua infância e adolescência que pode ser melhor comparada com o fato de que nas entrevistas com estudantes na faixa dos anos, eles gastam 6/7 horas em média diante da TV, que passa a ser uma mediação importante para definir o emprego de tempo hoje. Mais do que organização do tempo, a tv orienta o uso/não-uso de outros espaços, bem como delimita as relações sociais. Como o uso se liga as formas de apropriação do espaço, a seu uso e ao ritmo do tempo (seu emprego), a televisão organizando o tempo esvazia a rua que tem um significado importante no estabelecimento dos vínculos entre os habitantes e destes com o bairro. A rua aparece nos depoimentos de uma lado como lugar de convívio marcado por relações próximas de vizinhança - intimidade, solidariedade, território familiar, e abrindo-se para o imprevisto e para o imprescindível, realizando-se nos interstícios do tempo do trabalho enquanto tempo do não-trabalho, enquanto momentos que dizem respeito à vida. 371 A rua permite perceber os deslocamentos cotidianos no espaço habitado; elas se enchem nos momentos de ida e volta do trabalho, se esvaziam nas demais horas do dia. Nos fins de tarde o movimento das crianças e adolescentes que voltam da escola esboçam uma certa animação temporária e momentânea, ligando o uso da rua à hora do dia a dia da semana. Ela permite e impede, estimula e oprime a prática socioespacial. Segregação, exclusão e rupturas, caminham juntos com o processo de expansão e de adensamento da metrópole na sua explosão; aparecem de modo diferenciado nos seus fragmentos, imposto por um novo ritmo e um novo tempo que se imprime e emerge na constituição do cotidiano como ampliação na esfera da reprodução. A rua guarda vivamente a possibilidade do espaço coletivo apropriável para a vida por uma comunidade ou grupo, por uma vizinhança, evoca um dispositivo democrático por excelência a esfera da publicidade regida pelo prazer social de falar em conjunto de se manifestar livremente Nasceu no Japão e depois foi morar no Canadá. 371 Talvez seja pertinente afirmar que o espaço planejado, normatizado do ponto de vista de sua morfologia, não impede totalmente atos e ações: coage-os e limita-os sem, contudo, eliminar as possibilidades. 372 Joseph, Isaac. La rue et la conversation, in: La ville Le courier de CNRS, Paris, edit 1994, p.23.

206 206 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Todavia, os usos da rua se determinam por relações espaço-temporais cada vez mais submetidos à lógica produtivista que transforma o tempo em medida, uma quantidade abstrata e o espaço numa distância a ser percorrida. A rua tende na metrópole a desaparecer- preenchida por carros, destinadas a locomoção, torna-se inútil à vida social que se deteriora à medida em que os indivíduos privilegiam a vida privada em detrimento da coletiva - não como opção livre, mas como coação pelo processo de produção do espaço urbano. Nessa dimensão, o espaço é esvaziado substituído por aquele dos interditos - em nome da lei e da ordem. A rua, domínio do espaço público por excelência, constrói-se a partir de experiências vividas e na metrópole é cada vez mais uma relação entre estranhos, onde os laços que unem as pessoas são cada vez mais tênues, onde os trajetos se organizam como tempo imposto, capturado pelo consumo. As ruas transformadas em lugares de comércio, pontuadas por vitrines, ou ocupadas pelo comércio ambulante, orientam os passos e marcam o emprego do tempo na metrópole. Na Vila Olímpia, por exemplo, Sandra anda pelo bairro com um objetivo de deslocamento, mas nessa atividade, todo mundo fala com ela ainda sobrou gente ; uma situação diversa enfrentada por um senhor que diz andar pelo bairro e não ver mais caras conhecidas, e o que percebe nos deslocamentos no bairro é o aumento de placas de aluguel ou vende-se; é visível e palpável a aceleração desse processo de deslocamento dos habitantes. Antes havia no bairro um misto de residências e serviços que você poderia desfrutar para viver, hoje o que consegue ver é um processo de agudização da transformação cada vez mais em termos de serviços; eu tenho o que não me interessa. Cada vez mais há no bairro coisas menos corriqueiras para o seu dia a dia e o bairro se transforma em comida por quilo que vão estar servindo àqueles que não moram aqui, mas que vem para cá para trabalhar e para o lazer. Hoje muita gente que se encontra na rua não é da Vila Olímpia, é aquele que trabalha no escritório, diria que o comercio serve a mim também, mas à medida que há as placas de mudança de função das construções, casas que viram lojas, inclusive voltadas para um poder aquisitivo que não é o do bairro. Não que nasce para o pessoal do bairro, é diferente do sapateiro, da farmácia, de pequenas lojinhas. Isso vai dando lugar a outras demandas de um novo perfil que se instala no bairro. Isso é visível. Ainda em sua entrevista Sandra revela que ainda não chegou ao limite de sair do bairro para fazer as coisas que fazia, mas sente um processo grande de transformação. O esvaziamento da rua como território lúdico, lugar das brincadeiras deixa cada vez mais de ser apropriada pelo corpo para ser utilizado pelos carros que invadem todas as áreas disponíveis e esvaziam as calçadas. Em todos os lugares são criados estacionamentos e todas as ruas tomadas por carros estacionados dia e noite; os moradores da Vila Olímpia, por exemplo, se queixam que as ruas do bairro viraram estacionamento com a instalação dos bares e restaurantes, impedindo-os de entrar e sair de suas casas quando querem. O depoimento de Mill quando perguntado sobre o que acha do bairro expõe sem interrupção a seguinte ideia nós nascemos aqui na Vila Olímpia, andávamos de bicicleta, pegamos uma época de campinho várzea de futebol, de andar no meio do mato, não tinha rua asfaltada, mas logo começou a asfaltar. Aqui, onde é o restaurante era uma área de lazer, livre, meu pai tinha coelho, tartaruga o terreno era do meu pai; daí antes da Faria Lima se transformou em restaurante e depois com a Faria Lima começou a mudar tudo, inverteu; meu filho não pode mais andar de bicicleta na rua, de noite ficava todo mundo na rua brincando nas calçadas,

207 207 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s hoje a calçada virou estacionamento para os carros, agente antes dormia sossegado hoje virou um bairro noturno, mudou bastante. A OUFL parece apontar para o cenário definido por Constant como aquele da crise do urbanismo que se agrava... nos velhos bairros, onde as ruas degeneram em autoestradas, os lazeres são comercializados e desnaturalizados pelo turismo. As relações sociais aí se tornaram impossíveis. Os bairros novos construídos não tem senão dois temas, que dominam tudo: a circulação com o carro e o conforto de cada qual em sua casa. Eles são a expressão pobre da felicidade burguesa e toda a preocupação lúdica está ausente. 373 As ruas tomadas por carros espanta velhos, tira as bicicletas das ruas, tranca as crianças em casa de frente para a TV; a velocidade aumentou nas ruas e os atropelamentos são agora parte da vida dos moradores da Vila Olímpia. 374 Sueli fala dos sogros que moram perto de sua casa e que gostavam muito de andar na rua de fazer compras a pé e que este passeio deixou de acontecer, pois a Faria Lima ficou muito perigosa. O seu Ângelo e a dona Helena eles gostavam de fazer as compras a pé de vir na minha casa...eles ainda fazem compras, mas é aquela coisa... quando eles vem a pé meu marido leva porque eles tem que atravessar a Faria Lima e já fica mais perigoso não só para atravessar que eles ficam num lugar mais deslocado, não só eles, outras pessoas também. Então eu encontrava-os muito mais, a Dona Helena vinha no cabeleireiro de manhã eu tava saindo, eu a via; então foi mudando... eu ia no cabeleireiro aqui porque era tranqüilo, por exemplo a minha filha ia cortar depois eu passava e pagava tudo, isso tudo acabou. A operação Faria Lima implicando na incorporação destas áreas ao universo do espaço, racionalmente planejando, vai limitando atos redefinindo comportamentos esvaziando relações, afastando pessoas, porque redefinem a morfologia do bairro com consequências diretas para o uso. As festas na rua acabaram então logo que eu vim morar aqui, nós fazíamos fogueira, festa na rua mesmo. Depois aí começou muito trânsito, muita coisa, calçou a rua aí não fazíamos mais, aí é aqui dentro da vila,... fazia a fogueira e a gente levava um prato, fazia pipoca, quentão. Era gostoso. Agora acabou, diz Dona Regina moradora da Vila Olímpia. Eliana tem 25 anos e mora no Itaim, mas morava na Vila Olímpia e é sobre este bairro que prefere falar: olha, antigamente, era bem sossegado a gente brincava na rua, à noite, à tardinha a gente colocava rede na rua e jogava vôlei. Tinha bastante amigos. Na rua Elvira Ferraz, a gente brincava bastante ali, era bem tranquilo, a semana, no fim de semana, eu até lembro que teve uma rua de lazer. Nossa, foi maravilhoso! sabe quando você fala podia ser todo o dia na minha rua essa rua de lazer... aliás eu adoro ainda o bairro eu gosto, tenho amigos, eu estudei no Nossa Senhora do Carmo, que é ali do lado... ia para a escola a pé... todas as amigas iam á pé. Ainda mantém amigas no antigo local de moradia, amigas de escola. Então eu ligo pra ela e aí como tá o bairro? Tem alguma fofoca? E ela, Ah! Esse bairro tá sossegado, tá super mudado, mudou pra caramba. Aí eu falo é verdade né, mas é bom também, por outro lado a gente vê pelo lado da evolução né? Eu acho que hoje em dia a criança já nem tem vez na rua, a preocupação dos pais são tantas que eu acho que hoje em dia não existe bairro que você fale, meu filho brinca na rua à vontade. Dona 373 Internationale Situationniste. Paris, Fayard, 1997, p.105 (trad. Amélia L. Damiani). 374 Uma das manhãs em que andávamos pela V.Olímpia vimos no meio da nova avenida Faria Lima um grupo de pessoas e uma viatura da polícia em torno de um senhor (com uma bicicleta) que foi atropelado por um carro.

208 208 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Rosa afirma que depois da extensão da Faria Lima (em Pinheiros), vê muita sujeira na rua, gente dormindo na rua, as vezes até moça dormindo na rua (parecia drogada), um monte de gente nas ruas. Esporadicamente encontra pessoas conhecidas na rua e pára para conversar, mas mudou a vida no bairro antes era mais sossegado. Hoje é mais corrido as pessoas andam de carro, a minha vizinha só da ciao, não dá pra conversar, antigamente, andava-se á pé e ia conversando. Frequenta a ginástica da terceira idade no posto de saúde da Rua Ferreira de Araújo, e conhece as pessoas lá. Lá conheci muita gente as vezes faço excursão alugamos ônibus e vamos passear. O espaço de lazer agora, está confinado; no depoimento de Flavia (Itaim) o prédio configura o espaço da moradia e do lazer vivia muito na infância o espaço do prédio, de jardim com a perda da rua para o automóvel as brincadeiras se circunscrevem em espaços fechados; enquanto que os caminhos dos bairros são percorridos pelo automóvel que substitui, com sucesso, o corpo. O caminho era aquele do carro, para ir a escola um trajeto que fazia durante muitos anos e que não existe mais. Deu uma dor quando passei por lá diz Flávia. As conversas na rua ou desaparecem ou se realizam em outros ambientes. A tendência à supressão ou eclipse da rua na vida da metrópole, proveniente de um tipo de urbanismo que constrói a cidade enquanto negócio, com amplas pistas de trânsito rápido, como necessidade imperiosa dos ciclos de reprodução do capital e do controle da vida cotidiana, aparecendo como o único mundo possível marca a passagem do cidadão da condição de usador para aquela de usuário 375, que se revela na redução do sentido do habitar. A rua aparece enquanto lugar passível de leitura da normatização imposta de forma clara ou sub-reptícia, das estratégias de gestão do estado o que se esclarece com a extensão da Faria Lima, nas proibições sutis, nas inúmeras coações que se compõem de repetições mecânicas nos dias aparentemente, sempre iguais, onde a rua acaba reduzindo-se à função de passagem, de ligação entre lugares engolidos pelo tempo linear da metrópole e de regularização da velocidade de proibição/liberação de estacionamento, liberação ao tráfico. Nesse caso a rua regula o tempo além do tempo de trabalho como sua extensão natural submetendo-a a mesma racionalidade, aquele do rendimento e do lucro que revela o predomínio do econômico, levado ao extremo pelo modo em que ruas e avenidas, rasgam os bairros, afastam o flaneur, as donas de casa, as crianças e os velhos, e onde a eliminação dos símbolos se dá de forma inequívoca em proveito dos signos que normatizam o comportamento, organizam o tempo e o uso do espaço, coordenando as relações sociais mediadas pela mercadoria. O que comprar, vestir, onde e como ir se dá através da generalização dos condicionamentos da vida cotidiana a uma só dimensão; aquela do comando. Os out doors, o neon e as placas, que começam a se instalar nos bairros cortados pela avenida nos dão a 375 O eclipse da rua se apresenta para Jacques Levy como traço comum da cidade americana, na realidade refere-se ao esvaziamento do centro da cidade que se transforma cada vez mais num lugar despovoado, exclusivo centro de negócios e poder, concentração comercial relegado aos centros de compra em lugares fechados que "reduzem o atrativo do centro" - um centro que não se tem praticamente ocasião de acessar a pé, e que interessa cada vez menos às pessoas, fazendo com que as trocas/encontros se deem de forma mais difusa, reforçando as práticas individualistas cuja estratégia implicou no binômio carro-subúrbio como produto de auto exclusão dos habitantes das áreas centrais. Marshall Berman, escrevendo sobre o Bronx, em Nova York, nos dá uma ideia da transformação da rua que se transforma na via expressa como sinal do mundo moderno, que, afastando as pessoas, destrói pontos de encontro como consequência irreversível da construção de uma nova forma de cidade cujo primeiro imperativo era a ausência de espaço para a rua urbana as visões as instituições da cidade criaram a rodovia (highway). Para o Autor por obra de uma dialética fatídica, como a cidade e a highway não se coadunam, a cidade deve sair, criando-se uma qualidade suburbana que tornou claro a obsolescência da cidade como indicou Levy.

209 209 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s certeza da manipulação a que as pessoas estão sendo bombardeadas no seu cotidiano, que,como signos da modernidade (efêmeros e transitórios), expressam o tempo do cotidiano (o tempo da troca) que dá um certo sentido ao uso do espaço. Lefebvre afirma que quando a rua cessa de ser interessante, a vida cotidiana perde o interesse. Para o autor, na medida em que a rua perde a característica de lugar de encontros ou de solicitações e de aventuras, quando ela se esvazia e quando a circulação intensa de carros a torna insuportável, a cidade se transforma em deserto lunar. Assim, a supressão da rua implicaria na extinção de toda a vida. 376 Assim, a metrópole, enquanto produto, contempla o homogêneo e o repetitivo, formas que se repetem marcando a monotonia dos bairros. Nessa paisagem o repetitivo se sobressai e ganha expressão sobre o espontâneo e natural. Espaços repetitivos saídos de gestos repetitivos. São espaços - mercadorias, trocáveis, quantificados, onde a repetição reina absoluta, acentuando um caráter visual e geométrico com parâmetros bem delimitados, pois fabrica-se o visual como marca determinante da repetição, expondo a produção da metrópole onde o espaço serve a uma troca. Esta engendra formas que produzem a racionalidade do espaço urbano. Formas que liberam ou impedem o uso. Convém não esquecer que se constrói sobre planos bem definidos e vende-se os lugares através de imagens e de representações. A tendência da sociedade moderna é constituirse a partir da substituição da capacidade criadora por representações definidas pela estrutura política e econômica que estimula a produção de produtos substituindo a capacidade criadora por representações O bairro O bairro como nível da prática socioespacial se revela no plano do vivido (articula-se na categoria habitante) que mostra a condição da vida material, ganha sentido na vida cotidiana expressando as condições da reprodução espacial no mundo moderno. É assim que vai se revelando os modos possíveis de apropriação que se realizam nos limites e interstícios da propriedade privada do solo urbano, não só pelo acesso à casa (definido e submetido pelo mercado imobiliário) mas determinando e orientando os termos do uso do espaço público. O habitar envolve articulações não só entre a casa, a rua e o bairro bem como as ingerências dos níveis da metrópole (e que por sua vez aponta para o global no plano do imediato). Se o bairro permite pensar nas mudanças, nas formas do uso que se revela no modo do habitar, aponta para as mudanças provocadas pela deterioração das formas da vida urbana na metrópole. A escala espacial do bairro ganha papel fundamental na análise a medida em que aponta o lugar de onde se desenrolam os conflitos que dizem respeito à esfera mais ampla da reprodução social, e é aí que se pode perceber dois elementos importantes no processo de reprodução espacial: a implosão do bairro e a tendência de instauração do cotidiano. Por outro lado, o espaço da 376 Lefebvre, Henri. Critique de la vie quotidienne, vol. II. Paris, L Arche, 1962, p. 309.

210 210 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole metrópole que se reproduz separando o lugar da moradia daquele do trabalho, redefine o bairro enquanto centralidade da vida. As oportunidades de lazer, por exemplo, se deterioram e submetido à lógica do mercado, transformado ele também em mercadoria, se realiza em lugares específicos/concentrados em determinados lugares na metrópole (que não coincidem mais com os bairros). Ao mesmo tempo vai se produzindo novas funções para os lugares como decorrência do desenvolvimento da divisão do trabalho, que ao se espacializar, especializa e hierarquiza os lugares na metrópole. Assim, pela mediação da metrópole, o bairro oscila inserindo-se num quadro mais amplo de transformação, que impõe uma ruptura no modo de habitar; a transformação da relação do habitante com o espaço imediato da vida; pela degradação e pelo enfraquecimento das relações sociais aí contidas. É assim que o processo que aparece, no plano visível, na morfologia, redefinida pela abertura de uma ampla avenida, mas esta transformação dos espaços é acompanhada pela desintegração da vida cotidiana com o seu confinamento ao espaço-tempo da vida privada. Os bairros, agora, ganham uma nova funcionalidade dentro do espaço metropolitano e é o processo de funcionalização dos espaços que produz a degradação da vida cotidiana resumindo-a, cada vez mais à esfera da vida privada. As mudanças que ocorrem na metrópole inserem-se nos processos mais amplos de transformação numa fase em que a indústria deixa de ter um papel fundamental na estrutura econômica abrindo espaço para uma outra dinâmica, baseada nos serviços, impondo-se a partir do estabelecimento de uma nova relação espaço tempo, numa sociedade em que o mundo da mercadoria tende a se constituir de modo hegemônico. As mudanças morfológicas, tomadas como ponto de partida, apontam de um lado, o inexorável processo de homogeneização da paisagem - a metrópole se reproduz reproduzindo a igualdade das formas arquitetônicas como padrão do moderno: como afirma Roncayolo, a cidade moderna se apresenta em paisagens repetitivas. 377 De outro, revela que a metrópole se reproduz com a substituição da vida de bairro pela realização da vida no plano dos espaços privados ou regulado dos espaços semi-públicos altamente segregados, enquanto o espaço dos bairros da OUFL são liberados à especulação do mercado imobiliário e à circulação do automóvel. A análise do bairro nos coloca diante de duas ordens de problemas: a primeira se refere a questão da escala espacial posto que o bairro não constitui uma totalidade em si, isto é, a realidade urbana não se reduz àquela do bairro o que significa pensar a escala local em sua relação com uma totalidade espacial mais ampla, para que ele ganhe sentido explicativo. No plano da vida a articulação de escalas espaciais se esclarecem nas articulações das ações cotidianas que colocam o indivíduo diante das necessidades da reprodução da vida, compartimentadas e delimitadas pelas esferas do trabalho, do lazer e da vida privada, num processo que transforma a cidade em produto, ao mesmo tempo em que abre espaço para a instauração do cotidiano. Daí o desafio de explicar como o bairro, enquanto fragmento espacial, pode efetivamente iluminar o processo de reprodução do espaço urbano na metrópole hoje. Não resta dúvida que o bairro é uma dimensão dessa realidade, resta saber como se define esse grau de realidade. 377 Roncayolo, Marcel. Les grammaires d'une ville essai sur la genèse des structures urbaines à Marseille. Paris, EHESS, 1996.

211 211 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s A metrópole não se explica pelo bairro, nem o papel do indivíduo na sociedade se resume aos papéis vividos no bairro, mas é possível pensá-la a partir do bairro em sua relação com a metrópole. Nesse caso, a implantação da OUFL faz despontar, em função da existência de um amplo momento popular contrário à sua realização, uma ampla reflexão sobre a vida de bairro e sobre o sentido do planejamento da metrópole. Como vimos, a Operação Urbana Faria Lima impõe um outro uso do espaço nos bairros atingidos a partir da construção de uma nova funcionalidade, que reina sobre eles, articulando-os de outro modo no espaço da metrópole. Augoyard 378 afirma que a imperativa planificação do espaço urbano reduz os poderes de expressão do habitante, pois desconsiderou o sentido do vivido pela descaracterização do sentido do habitar uma das grandes inquietudes de nosso tempo é saber quanto tempo nas nossas cidades, prisioneira da empresa de planejamento de uma amplitude sem precedentes, os habitantes poderão ai se encontrar. Para o autor, as coações e os imperativos em nome dos quais se efetua o planejamento, que aparecem verdadeiramente necessários; como preconcepção das práticas espaciais, sob a forma de uso funcional, deverá crescer, pois as singularidades vividas por habitantes isolados ou pequenos grupos não pesam nada e podem ser reduzidas antecipadamente, codificadas num perfil de habitante típico e classificado em funções gerais... Quando um novo bairro sai da terra todo o essencial é anunciado. Do mesmo modo acreditamos que o asfalto está modelado tanto de ideologia quanto de economia. Os ocupantes singulares devem se satisfazer das formas arquiteturais e satisfazer um modo de vida amplamente preparado. O espaço vivido parece tornarse um acidente do espaço concebido. 379 A segunda consideração, decorrente da primeira, é que o enfoque do bairro pode idealizar a vida no bairro ; e no nosso caso, a análise do processo de transformação dos bairros implodidos pelas violentas transformações urbanas, podem passar a ideia de que as pessoas têm nostalgia diante do bairro que se transforma, o que a meu ver, não é, exatamente, o caso. É através desse processo que os habitantes tomam consciência do que é o espaço do bairro e como se realiza a gestão política do espaço. A análise do bairro no conjunto das transformações que tocam a metrópole contemporânea aponta uma reestruturação imposta pelo poder político que ao mudar a configuração morfológica dos bairros na metrópole muda, significativamente, o uso destes espaços redefinindo sua função. O bairro articulado a uma nova função produz uma nova ordem através do uso do espaço e da organização do tempo implicando numa hierarquia minuciosa dos lugares, dos instantes, das ocupações. Com isso, reestrutura-se a vida dos habitantes. Há no nível de análise dos bairros uma contradição que a permeia. De um lado, o efêmero e o mutável que se refere, inicialmente, à morfologia urbana e nos remete a um processo mais amplo que ganha conteúdo nas transformações da vida cotidiana. Isto porque com a abertura da avenida Faria Lima os bairros implodem, na medida em que ao cortá-los em dois, destrói-se o tecido urbano até então único que configurava o bairro e dava um sentido à vida de relações. Tal 378 Augoyard, J.F., Pas à pas - essai sur le cheminement quotidien en milieu urbain. Paris, Éditions du Seuil, Id. ibid., p. 155/156 (grifo do Autor).

212 212 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole processo coloca os habitantes diante da efemeridade das formas da morfologia. De outro lado, a permanência de velhas relações que tentam resistir nos interstícios da nova situação do bairro, em meio a sua implosão. Na escala do micro, o bairro - do ponto de vista da realização da vida configura-se enquanto prática socioespacial. Nessa dimensão concreta, onde ocorre a produção de laços de solidariedade e união dos habitantes criado nas relações de vizinhança, que coloca em evidência a prática do habitante (espaço e tempo do lazer e da vida privada, bem como espaço e tempo do trabalho) iluminando usos, particularmente, aquele que se estabelece fora do mundo do trabalho. O bairro enquanto referencial para a vida - é muito forte nas entrevistas e aponta para o fato de que os habitantes construíram, ao longo do tempo, uma identidade com essa parcela do espaço que vai produzindo elementos constituidores da memória. Deste modo, é o microcosmo que ilumina a vida, o referencial definido por uma base espacial que se constitui enquanto prática urbana e também a referência a partir da qual o habitante se relaciona com espaços mais amplos. O uso deixa marcas profundas no espaço, deixa traços que organizam comportamentos, determinam gestos, pois estes também são inerentes às formas, revelando-se através dos modos de apropriação dos lugares da metrópole. Nesse sentido, o uso tem um caráter local, trajetos e percursos que dizem respeito à vida o que abre a perspectiva de se pensar as diferenças que emergem para além da racionalidade imposta pela troca de mercadorias que acentua a racionalidade do espaço urbano. A prática espacial se constata em vários níveis; que esclarecem as práticas do habitante e do usador no plano do imediato. Trata-se do lugar da casa e de tudo que o ato de habitar implica vizinhança, e contatos contínuos, a rua com seus encontros, intercâmbios, troca de informações e sua dimensão lúdica. São lugares de orientação na metrópole, referência significativa da vida que tem uma dimensão objetiva (da relação prática com o outro e com o espaço) e subjetiva (identidade, memória). Assim, os espaços se ampliam, a casa e a rua ganham a dimensão do bairro. E aqui é o lugar onde se lê os reconhecimentos (através do espaço e pelo outro). O uso dos espaços do bairro revela o tempo da vida que vai sendo suprimido pela ausência dos contatos expressando nos atos a redução das ações a passividade que submete o indivíduo, tanto nas esferas do trabalho, quanto fora dele. Na vida cotidiana dos bairros os habitantes se transformam cada vez mais em consumidores submetidos a comportamentos e desejos bem definidos, manipulados pelo espetáculo das vitrines. É neste contexto que as entrevistas vão apontando para o empobrecimento das relações sociais na vida cotidiana em meio à banalização do consumo. Por definir uma escala que apela para o coletivo, o discurso que vai embasar as ações do movimento contrário a OUFL, baseia-se na defesa do bairro, na realidade, na sua manutenção. Mas os habitantes se relacionam de modo diferenciado com o bairro onde moram, o que também vai diferenciar percepções diferenciadas, formas diferentes de ver o bairro manifestas no modo como homens e mulheres, jovens e adolescentes vivem o bairro diferentemente; formas diferentes de participar do movimento. A mulher é quem mais conversa com a vizinha, porque é ela quem cuida da casa; quem abre e fecha o portão para o marido entrar ou sair com o carro, quem limpa o jardim e molha as plantas, tarefas que a colocam em contato com a rua, e com quem passa. A vizinha pode também estar no jardim na mesma hora, ou pode entrar ou sair; o comprimento ou o

213 213 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s bate papo parece ser inevitável. O aposentado, o velho tem mais tempo, ele passeia, vê amigos, os velhos se encontram para um bate papo, mas à medida que avança na idade o espaço pode se limitar e tornar-se inóspito aos seus passos, impedindo suas ações. O adolescente é mais aberto e mantém um conjunto mais amplo de relações (na escola, na faculdade e com os colegas que habitam em outros lugares da metrópole) que o levam para fora do bairro. As pessoas no mercado de trabalho passam a sofrer, na vida privada, as limitações do tempo do trabalho, que rege as relações dentro e fora da jornada de trabalho, limitando os horários do contato com os outros e com o bairro. O corre-corre limita as relações e a TV acaba tendo um papel central nas relações entre as pessoas na metrópole. Por outro lado, há uma diferença nas entrevistas que dizem respeito ao bairro em que habitam os entrevistados. Os da Vila Olímpia tem uma relação com o bairro e um modo de ver a mudança diferente dos habitantes de Pinheiros e do Itaim e que pode ser explicada pelo fato de que estes últimos eram bairros de uso misto (mesclavam-se comércio e residências, casas e apartamentos) com funções mais claras dentro da metrópole, agudizadas pela abertura da Faria Lima, enquanto a Vila Olímpia era um pequeno bairro residencial (que desde sua formação pouco havia mudado), onde também existia uma relação mais profunda entre os moradores; por isso aparece como o bairro, onde as transformações foram as mais radicais e onde as lutas - contrárias a abertura da avenida - foram mais violentas. Por sua vez, há nos depoimentos uma diferença significativa entre aqueles que se engajaram no movimento contrário a abertura da avenida (e que aponta de modo claro um modo de perceber/sentir o espaço do bairro que antes de mais nada revela uma concepção de cidade) é aqueles que não participaram do movimento. Seria ingênuo acreditar que o movimento se limita a luta pela preservação de suas casas - talvez esse seja um ponto de partida ou uma estratégia de aglutinação, mas vai se transformando, no percurso da luta, num modo de contestação sobre a gestão da metrópole. Também seria errôneo acreditar que todos os envolvidos estivessem lutando por um projeto de vida na metrópole. O movimento congrega pessoas de todos os tipos, com interesses diversos, graus de consciência diferenciadas. É no plano da vida cotidiana que o conflito entre interesses aparece, se desvenda, e gera lutas concretas expressando os impasses da produção espacial da metrópole. Se o movimento VIVA aglutina um grupo significativo de habitantes em torno de uma pauta em comum, (contrários a realização da OUFL) revela-se enquanto conflito individual, aqui a perda da casa e de tudo que ela envolve é sentida no plano subjetivo e abala a vida. Portanto ao lutar por sua casa lutam também por um modo de vida na metrópole. Essa situação de conflito não é tão pontual e específica, ela revela um momento da reprodução espacial da metrópole um projeto por parte dos envolvidos. A OUFL aparece como o extraordinário que penetra a vida cotidiana revolucionando-a (com perdas e ganhos); marca também o modo como os habitantes da metrópole se reafirmam, contra as pressões políticas que se exercem no espaço gerando situações de conflito. Quando o movimento VIVA se esgota, fica algo de muito importante; em primeiro lugar a consciência da importância dos habitantes nos destinos políticos da cidade. Uma senhora afirmou, por exemplo, que na visita à Câmara dos Deputados se deu conta da importância das eleições de vereadores (que se realiza sempre ocultada por eleições majoritárias), descobrindo que é nas mãos destes que se

214 214 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole encontram, em grande parte, os destinos da cidade. Em segundo lugar, a amizade construída que se desdobra em encontros que reúnem, ainda hoje, pessoas dos três bairros; uma amizade consolidada nos compromissos com a luta pelo bairro e nas ações daí decorrentes. Uma das estratégias do movimento era a divisão das tarefas, que respeitava a contribuição que cada um poderia dar; referindo-se a sua formação profissional, e a sua condição de trabalhador/aposentado/dona de casa. As pessoas que não trabalhavam participaram das pressões sobre os vereadores - tarefas destinadas às mulheres e aposentados que se reuniam no bairro, para juntos irem à Câmara para visitas aos gabinetes dos vereadores e vigílias. As mais jovens cuidavam também do bem-estar dos mais velhos com cuidados sobre o tipo de carro utilizado, por exemplo, pois dispunham, em tese, de mais tempo, já que esta casa funciona no horário comercial. Assim, foram se criando laços de amizade e carinho. A organização das tarefas cotidianas das donas de casa se transformavam com uma nova organização do tempo das tarefas caseiras - (mudança nos horários de fazer o jantar que era deixado semi-pronto antes de saírem de casa etc); assim, redimencionavam o tempo das tarefas da casa para poderem participar das tarefas do movimento. Os que trabalhavam de dia buscavam, nas horas vagas, produzir documentos, realizar pesquisas sobre o bairro, e assim, numa divisão do trabalho muito bem planejada, todos iam participando de modo conjunto, e a vida cotidiana ia ganhando um novo ritmo, bem como um novo sentido. O bairro também vai ganhando uma nova vida: as rodas dos moradores discutindo as estratégias do movimento VIVA, o que liam nos jornais sobre a OUFL; a troca de informações, criavam um novo fato, muitos afirmam que as compras ou a ida ao banco passou a demandar mais tempo (e também ficaram mais interessantes). As entrevistas também apontam para uma nostalgia que me parece ser decorrente do fato de que as mudanças na vida cotidiana se dão também com perdas; de um certo estilo que tinha a vida e não tem mais; como decorrência de sua normatização e da constituição de uma identidade que passa agora por valores, constituídos pelo mundo da mercadoria, que cria a identidade abstrata (movimento que se refere na passagem indivíduo do ser alguém para o ter algum objeto ). E aqui a mercadoria é principalmente a casa. O mundo da mercadoria se constitui como mundo do espetáculo enquanto consumo de signos mudando as mediações entre os indivíduos; vivemos um momento em que os objetos autonomizam-se e suas formas, que antes tinham sido esquecidas durante o uso, erguem-se agora diante do homem, dominando-o através da autonomização, enquanto signo separado do significado, impondo-se na vida cotidiana de fora para dentro. Nesse caso, ao sentido do uso prático se superpõe o consumo do signo, onde a mercadoria passa a ser produtora de uma realidade, pois transforma-se em objeto valorizado e desejado, em si mesma. A casa vira o símbolo que isola-se da rua e do bairro, enquanto a metrópole se reproduz, inexoravelmente, como contrapartida do progresso. Nessa dimensão a vida cotidiana a manipulação e seu empobrecimento, enquanto convite à passividade onde o sujeito se esfuma, pois, a sociedade empobrecida tende a reduzir-se a signos. A vida cotidiana passa a ser programada pela mídia que inaugura a tendência em direção ao idêntico de modo agressivo. Os jornais e revistas explicam as pessoas como se vestir, como agir em determinadas situações, como se relacionar com os outros, como educar os filhos, aonde comprar,

215 215 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s como empregar o tempo, onde ir nas férias, e fundamentalmente como morar na metrópole, que lugares frequentar. Mas ao mesmo tempo que o plano do corpo revela a submissão e a falta de opções diante de uma morfologia imposta pelo padrão automobilístico e da construção da cidade de negócio, há também, na mesma direção, a organização do espaço social exposto através da imagem e da mobilização exacerbada do olhar; os passos tolhidos, o corpo reduzido ao olhar são os sinais da nova contradição do corpo agora sujeito ao universo do mundo privado, povoado por novos objetos que passam a direcionar sua ação. Este passa a ser centrado na mídia, na TV, que reduz os elementos dispersos a equivalentes gerais, enquanto dispositivos essenciais para as estratégias de poder. Aqui o universo da mercadoria se impõe de forma significativa como um novo Deus, ordenador do novo comportamento. Presas ao universo da casa as mercadorias substituem os vínculos entre as pessoas, enquanto a mídia produz a não-comunicação num mundo em que se exalta as virtudes da comunicação e onde cada vez mais produz-se produtos imateriais (como a informação e os serviços), apontando para a fetichização da comunicação. Os objetos que mantêm sua objetividade através do seu uso, na relação direta com o sujeito, têm uma significação social que se perde quando vira signo e entra no universo da troca. Na metrópole é o próprio corpo que estranha a si próprio que revelando ao homem sua nova condição de ser no mundo. O que se pode vislumbrar no horizonte é que assistimos ao processo de constituição de uma sociedade marcada pelo distanciamento do homem com o outro, através da tendência de dissolução das relações sociais como o fim das relações de vizinhança, o esfacelamento das relações familiares, a mudança das relações dos homens com os objetos, a perda do conteúdo do trabalho e, com ele, a redução do conteúdo o conteúdo pleno da vida. O moderno parece trazer consigo a negação das velhas formas, onde a ideia do moderno dissimula a cotidianeidade - produto da sociedade organizada. Assim, a nostalgia aparece como decorrência da impossibilidade do uso do espaço, do bairro, marcando uma descontinuidade no tempo, produto da reestruturação de um novo tempo, no plano da vida cotidiana; isto porque, a sociabilidade construída, no plano do bairro supõe, agora, encontros amenizados, ou mesmo a sua inexistência. O que as entrevistas revelam é que a esfera da vida privada se reforça com o esvaziamento do uso do espaço do bairro, com a expulsão dos moradores, com a invasão do comércio e a construção de edifícios de escritórios, hotéis, estacionamentos, lojas. Assim a relação do indivíduo com o bairro e com o outro - o vizinho - é permeada por transformações que ocorrem no bairro impedindo/permitindo o uso do espaço na vida cotidiana, em função das exigências do mundo do trabalho e do modo como cada um vive no espaço. Já no plano do espaço, as formas são móveis, modificam-se ao longo do tempo sem deixar totalmente de revelar no novo, as velhas formas, seu passado, por isso as formas são descontínuas como é descontínuo o processo espacial. Calvino chama atenção para o fato que a metrópole tem esse atrativo adicional que mediante o que se tornou pode-se recordar com saudades aquilo que era, por isso que as formas guardam uma história. 380 O problema aqui é o modo como as velhas formas permanecem redefinidas por um novo uso. A origem da nostalgia pode estar no modo 380 Calvino, Ítalo. As cidades Invisíveis, op cit. Página 30

216 216 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole como aparece em São Paulo as impossibilidades que o novo uso impõe, apontando, subjetivamente, a perda e aqui revelando o sentido da alienação. Mas as transformações afastam as pessoas sem necessariamente romper laços de amizades, muitos inventam estratégias para novos encontros, seja as festas de aniversário, as partidas de futebol. Dona Eunice, por exemplo, relata que agora pra gente não perder a amizade com as amigas que moravam do lado de lá e que foram embora, nós nos reunimos e fazemos um café uma vez por mês, a gente se reúne, somos dez amigas. Um mês na casa de cada uma. A dona da casa dá o café, o chá o chocolate, o que for, e nós levamos, cada uma um prato de doce ou salgado. Em Pinheiros na Igreja Episcopal, há uma missa mensal que é dedicada aos aniversariantes do mês e aqui se encontram moradores da Vila Olímpia, por exemplo, pessoas que se conheceram no movimento e que se tornam amigas. Deste modo, o que se constata é que a relação do habitante com o bairro - ato de sair, andar pelas ruas - não se circunscreve apenas ao plano da morfologia, mas da constituição do universo que se delimita na construção de um cotidiano imposto, que enquadra as relações e os relacionamentos dentro de novos parâmetros e que por isso também lança novos desafios. Há, neste contexto, um novo tempo que marca a vida, que se realiza nos espaços do bairro e que se expressam delineando o cotidiano definindo/reorientado as relações entre os habitantes e deste com a casa e o bairro. Há, contraditoriamente, um outro tempo - marcado pelo tempo da metrópole - que vai invadindo o bairro transformando-o conflituosamente. Esses tempos diferenciais que convivem marcam ou se revelam no lugar da vida imediata, impedem/permitem o uso dos espaços. Tendencialmente, o bairro vai perdendo na metrópole seu elo básico do lugar exclusivo da vida, pois cada vez mais as pessoas se deslocam para lugares mais distantes das áreas centrais, e vivem parte significativa do tempo longe do bairro, no trabalho, nos deslocamentos, isto porque a metrópole cresce separando de forma cada vez mais significativo lugar de moradia/lugar de trabalho/lugar das compras/lugar de lazer. Essa separação esvazia e muda o sentido do bairro, mas o faz, diferencialmente, no espaço metropolitano: nem ao mesmo tempo, nem do mesmo modo, mas inexoravelmente. Tempos e espaços diferenciados em função do tempo desigual das mudanças ocorridas de modo desigual no espaço, impõe modos diferenciados de perceber e viver as mudanças. No caso em estudo, a Operação Urbana mexe com a disposição dos lugares no bairro, transforma o habitar enquanto ato social que vai, aos poucos desaparecendo, na medida em que se enfraquecem os laços entre os habitantes; se limitam o uso das ruas e se modificam a função do bairro; como decorrência, as maneiras de frequentar o lugar se reduzem tendendo a transformar a habitação em abrigo ou fuga; desestruturação sentida no plano da vida cotidiana e no plano do terreno inscrito na dimensão prático-sensível, a pesar de articulado a plano, o institucional inserido em estratégias políticas, invadindo espaços e subordinando a vida. Aqui, o sentido da fragmentação do espaço invade a vida, separa os indivíduos, ligando-os a um modo de existência fragmentado.

217 217 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s As lembranças se apoiam nas pedras da cidade Ah! A gente eu não queria perder a casa, quando você é mais jovem, você encara de uma forma, quando você envelhece é de outra maneira que você encara as coisas, você tá mais apegado, diz dona Regina. Referindo-se à outro morador assevera ele não queria perder a casa porque ele adorava morar aí, ele nasceu aí. Outro ainda afirma nós gostamos da nossa casa, nós gostamos dos vizinhos, nós gostamos das coisas. Já dona Eunice argumenta, porque você vê eu e meu esposo já temos uma certa idade. Estamos acomodados, agora, se todos venderem as casas nós também nos vemos na obrigação de vender a nossa. Então temos que fazer a mudança, é um transtorno para nós também, não é? (o marido interrompe) novos relacionamentos, novos bairros. Dona Eunice continua novos relacionamentos, adaptar a um novo bairro; estamos aqui há 39 anos, já to acostumadíssima. É terrível. Dona Leonete nos fala: nós moramos aqui já faz 50 anos... tinha terreno, construí uma casinha lá na frente, depois aos pouquinhos. Então significa praticamente a vida da gente,...aqui a perda da casa aponta para um universo maior do que aquele do espaço privado, as entrevistas revelam o ato do habitar, onde a casa - marco geométrico da vida - se articula a um espaço mais amplo e repletos de significados. É por isso que desponta, na relação habitante metrópole, o sentido do estranhamento. É assim que as transformações nos bairros, revelam-se enquanto mudanças nos referenciais da vida cotidiana (para além daquele da casa, mas a partir dela). teve uma mudança muito grande, antigamente se tinha referência a igreja, se tinha como referência o Barateiro... hoje a Faria Lima mudou... então, está mudando os pontos. O conflito, portanto, é aquele que diz respeito à mudança na forma da metrópole e o que ela contém. Nas entrevistas as pessoas ao falarem de suas vidas o fazem referindo-se aos lugares do bairro que desapareceram, como a casa de vizinhos e amigos que se mudaram. Alguns até, se perguntam, em dúvida, ao se referir a um ponto determinado do bairro será que ainda existiriam? A casa aparece, inicialmente, como o grande referencial, segundo um dos entrevistados a vida das pessoas se estrutura na casa e mexer na casa é mexer na estrutura das pessoas; mas à casa se relacionam elementos importantes, posto que faz parte de um espaço mais amplo que envolvem relações mais amplas (tanto espaciais, quanto pessoais). É nessa perspectiva que dona Olga nos relata: olha eu gosto muito do Itaim. Depois que eu me casei descobri que era um bairro calmo... é um bairro que eu me adaptei logo, porque era típico do interior. Como eu vim do interior de Minas, então aqui para mim era uma continuação.... Aqui era a Sertãozinho [a rua que foi eliminada com a abertura da avenida incorporando-se ao seu traçado]... era uma delícia, saía, logo as vizinhas de frente: Oi como vai? Tudo bem? Aquela coisa, aquela amizade, aquele relacionamento, não é uma viver na casa da outra não porque isso aqui é São Paulo, já no interior, tem esse costume, aqui não tem, mas você podia contar com a vizinha da frente, do lado, tudo na hora que você precisasse elas tavam então aqui tinha muito disso, então terminou tudo, sentimos muito, só o fator dinheiro que valeu aqui, só,... Alguns mudaram aqui para o bairro, então às vezes a gente vai até a casa deles, e eles vem na casa da gente, aqui ficou mais

218 218 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole difícil porque muitos são mais velhos. Daqui a vizinhança era de pessoas mais velhas,... eu vou na casa deles, é que tá difícil agora... mas tem esse laço que ficou. Mas fica mais difícil agora eu não posso estar saindo e eles tem mais idade. Cruzar essa avenida é muito difícil, tem que depender de um filho para trazer, as vezes de um neto, então fica mais difícil. Mas é aquela amizade aqui a gente era uma família, era uma família mesmo... a maioria não ficou no bairro.... Olha aqui é uma clínica de dentista, aqui é depilação, comércio agora. Então durante o dia eles passam trabalhando... são gente boa, mas agente não tem aquela amizade. É um outro tipo de papo, Ah! Muda assim, porque são estranhos, são pessoas que, por exemplo, não perguntam como é que vai seu filho. O senhor Nelson (aposentado) afirma que o bairro é bom porque se pode andar a pé, passear; andando a gente conhece o bairro e de ônibus a gente não vê nada. E sua esposa completa a gente sempre tá em contato com alguém, a minha mãe sempre andou a pé, né, anda. É, justamente, é que senão de ônibus a gente passa assim e não vê nada, então assim andando a gente é que encontra os amigos e vai vendo o que está acontecendo. A especificidade dos bairros analisados em relação à metrópole no que se refere à existência da vida de bairro é reforçada pelo testemunho de Gerson, que morava no Tucuruvi (sua casa ficava numa avenida) afirma que não havia relações de vizinhança, praticamente não havia essa noção de vizinhança, que é um elemento definidor da vida de bairro, uma relação que marca o limite entre morar numa casa ou morar num bairro - aqui o bairro ganha importância na vida das pessoas. A maioria dos entrevistados enfoca este fato. Essa especificidade é sentida e vivida quando de sua transformação. É assim que para dona Leonete... a maioria tá vendendo a casa, ou alugando para comércio, já perdeu uma porção de pessoas que você estava acostumando a ver; tem assim um momento, eu não lembro, você vai perdendo o convívio das pessoas, muda. É Leopoldo que afirma que as pessoas que mudaram se perdem, não voltam. Como na área há muitas, vilas elas aparecem nas entrevistas como elemento que dá qualidade ao ato de habitar, sentido na possibilidade da vida com os vizinhos. Em alguns casos o morar numa vila, aparece como o morar com uma família posto que, na vila, as relações podem ser mais profundas, as pessoas estão mais próximas, dividem o mesmo quintal. Ah! É uma família, porque um toma conta do outro, que nem por exemplo quando a gente sai às vezes à noite, que eu vou numa festinha aqui por perto, então minha vizinha se preocupa a hora que a gente ta chegando, ela ascende a luz, abre a janelinha para ver a gente entrar, sempre tem; se entra uma pessoa estranha na vila um telefona para o outro, tá tudo bem?... todo mundo tem a chave de todo mundo, aqui diz Lia. Para Dona Regina a vila é apresentada também pelo que ela contempla na vida de relações na construção de laços de vizinhança. por aqui tudo que nós fazemos é conversado, um é dependente do outro, era muito bom, a segurança que se tinha, os meus filhos brincavam muito aqui então o pessoal gosta... as amizades. Fazíamos festa, São João, figueira e cada um fazia um prato... era uma delícia... agora não tem mais nada você esta entendendo, a situação foi ficando cada vez pior e o pessoal já com o aviso aí que ia passar a avenida, o pessoal foi se desinteressando a agora não tem mais nada (na realidade a avenida destruiu um lado da vila incorporando o que restou à avenida que esta escondida atrás de um conjunto de out doors). Mas aqui a gente conversa,

219 219 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s tem que lutar pelo bem comum, não é, agora nós estamos arrumando pra fazer um jardinzinho, tem que dar uma melhora, porque ficou um caos, a hora que demoliram tudo,... Sandra mora numa vila e, como nos bairros, há muitas vilas elas aparecem com um sentido especial para os moradores, pois aproxima os vizinhos, proporcionando um ambiente aberto a sociabilidade, preservado da rua; a vila cria uma espécie de hall entre a casa e a rua. Os moradores das vilas têm sempre uma posição convergente em relação ao seu caráter positivo. No final de semana parece rua de cidade do interior. Tem criança brincando, as pessoas ficam lavando carro, tem criança na piscina, agora que o pessoal cresceu ficam menos na rua, quando eram mais pequenos ficavam direto na rua da vila. Outros se referem a uma camaradagem, a segurança (um vizinho toma conta da casa do outro). Para os que vivem ainda em vilas, acham que as mudanças não são substanciais e sentem que as vilas ainda os preservam das mudanças radicais. Mas todos avaliam que o bairro, onde moram, mudou muito com a OUFL O espaço, sem as pessoas e sem referencias se esvazia no e pelo uso, gera o estranhamento, e esse sentimento não se refere apenas aos velhos. Flávia relata, por exemplo, que na Rua Pedroso Alvarenga, numa das casinhas que, hoje, deu lugar a uma aparthotel, ela fez um curso de datilografia, deu um pânico quando passou na porta e viu que a casa tinha sido vendida; para ela no bairro do Itaim vão pululando os prédios; é um tal de construir prédios onde não tinha; aquele barulho de bate estacas, pertenceu ao nosso cotidiano durante muito tempo. Insuportável. Poeira. Agora menos, mas ainda tem, ainda estão fazendo prédios. Tinha uma academia de balé perto da igreja que eu frequentava com minha irmã. O que aconteceu com a escola?... Primeiro a avenida comeu a escola depois comeu o CEFAM, evitei passar por lá para não ver. O que era difícil porque a gente começou a ver a destruição por trás da escola, nas ruas de trás que já estava vazio. Como a OUFL ainda é recente parece normal que as pessoas andem um pouco desconcertadas com as mudanças provocadas, é o que aparece em muitos depoimentos. Dona Guiomar afirma, por exemplo, que com a Faria Lima - o transito aumenta das 4 às 8 horas da noite, com os ônibus. O transito esta mal distribuído. Acredita que quando se constrói uma avenida ela resolve o problema e depois descaracteriza o bairro. Ficou muito estranho a gente passa e puxa! Pensa; aqui tinha uma coisa, ali tinha outra, a gente perde o referencial. Tudo muito rápido, muito rápido, em questão de meses eles destroem. Piorou o transito. Há prédios, os novos comércios, os barzinhos. A JK tem muito movimento de 2 anos para cá. O que mais atrapalha é o transito. Afirma que é reconhecida no Cinerama, no Peralta e no Barateiro, que são lugares que frequenta. Mas de resto, afirma não conheço ninguém mais, é estranho. É impessoal. Não conheço ninguém no bairro. Todos os nossos amigos que moravam se mudaram, o restaurante da esquina está numa casa de uma antiga amiga, a casa do sorvete se mudou. Mudanças eu acho ótimo a plaquinha no meio da avenida porque eu já perdi o referencial de onde é a rua Tabapuã, rua Aspásia, onde é a Leopoldo. Quando você vem da Faria Lima eu perdi o referencial que eu tinha. Então a placa é agora o meu referencial, não é mais o visual, perdi. O visual da Faria Lima é muito diferente do antigo Itaim. As placas impessoais são os novos referenciais da metrópole, os lugares agora têm a referência redefinida por sinais onde, antes, ocorriam os usos que produziam o reconhecimento.

220 220 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Para o jovem a referência é o colégio, a rua onde brincava, meu colégio foi embora, a quadra de baixo, onde eu vivi a minha infância não existe mais, o colégio teve que se verticalizar... ficou muito estranho, diz Mark. Para outros as mudanças são mais tênues; dona Rosa, por exemplo, diz que Pinheiros é um bairro sossegado cheio de moradias, vida simples porém gostosa, tem supermercado, tem feira, não precisa sair do bairro. Morar numa vila é bom em termos de segurança não entra carro, as crianças podem brincar na porta, a vizinhança é mais chegada. Antes todos se reuniam na frente da casa, hoje não tem muito disso, a vida é corrida, as pessoas trabalham. A vila ainda significa uma permanência nestes bairros. Rosangela afirma que como moradora não tenho muita noção de que as coisas estão mudando. Mas de repente, um amigo vem te visitar e diz, nossa! eu nem reconheci o bairro, mudou tanto! Então penso que você vai internalizando sem se dar conta do tanto que estas mudanças te afetam, como elas acontecem, mesmo porque a história é lenta você está envolvido nessa história e não se dá conta. Pra quem participou do movimento a gente se dá conta de que a transformação é muito grande. Para ela, que mora no bairro há muito tempo, a Vila Olímpia tinha uma ambiência específica e com características diferenciadas na metrópole, por exemplo, casas misturadas de pessoas ricas e pobres, aposentados e profissionais liberais; bairro que é uma amostra da população, ele é uma pequena cidade; o que está mudando. O bairro muda porque esta ficando comercial, antigamente tínhamos comércio, serviços, casas de tudo um pouco, e tinha as nossas necessidades, não havia uma área comercial grande, aí tudo podia ser satisfeito. Hoje o setor imobiliário vende uma outra necessidade. Eles chegaram aqui e disseram, olha vai se abrir uma grande avenida que vai ligar a cidade, portanto comerciantes, empresas, venham para cá. Outros interferiram, apoderaramse de um espaço só que essa avenida, esse projeto, o bairro é mais do que um espaço é uma vida, uma identidade, o bairro tinha um começo meio e fim, uma história. Agora é tratado apenas como um espaço comercial. A entrevistada acentua a ideia de que ao uso, à identidade, se sobrepõe o poder do valor de troca na cidade que se impõe em função de objetivos específicos que fogem e se sobrepõe àqueles dos habitantes de um modo coercitivo; o espaço tornado mercadoria está submetido às estratégias imobiliárias (onde o espaço se torna rentável, implodindo os referencias, desenraizando as pessoas. As atividades econômicas vão buscando novos lugares, dentro da metrópole, em função das novas especificidades fundantes das novas transformações dos setores da economia - no contexto dos novos parâmetros mundiais de lucratividade, o que significa que há um movimento do mercado imobiliário que aponta as mudanças no plano do econômico. A partir deste ponto, a identidade na metrópole vai se construindo a partir de novas bases, onde os direitos do cidadão se redefinem, diluindo-se à medida em que seu papel definha. Aqui o usador se transforma aos poucos em usuário, é assim que ganha seus direitos: de transporte coletivo, escolas, equipamentos de saúde, água, luz, esgoto, mas também, da tv a cabo, do telefone celular etc. O espaço da metrópole, fora da casa deixa de ser apropriado pelo tempo do não-trabalho, que agora se realiza no âmbito do espaço privado na intimidade, entre quatro paredes, diante da TV, do vídeo cassete, do computador,etc. A rua ganha novo significado (visível nas entrevistas) passando a configurar-se como o exterior; estranho à vida. Na rua, o movimento agora, é marcado pelo ritmo do automóvel, que ganha sempre mais visibilidade.

221 221 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s A invasão do valor de troca que recompõe o uso num outro patamar muda os sentidos do espaço: os carros invadem as ruas congestionando-as, os bares tomam as calçadas com suas mesas e cadeiras, os moradores fecham algumas ruas impedindo o trânsito, etc. A maioria dos entrevistados demonstra uma certa melancolia ou mesmo saudosismo em relação ao que era o bairro e no que se transformou; para muitos dos que participaram do movimento, há um sentimento de derrota depois de uma ampla movimentação contra a realização da OUFL. Mas será que esse sentimento deve ser, simplesmente, desconsiderado pela análise? O que ele esconde e revela? Que o antes era melhor? As contradições do processo de reprodução espacial se realizam criando conflitos e contradições que aparecem sob as mais diversas formas. O saudosismo mais do que revelar um antes melhor, revela o estranhamento que a alienação contida no processo de transformação cria. A alienação aparece como perda, daí a forma como saudosismo, desponta as vezes desconfortável. Os moradores acham que antes era melhor, mas apenas vislumbram, naquilo que mudou, a perda decorrente do processo de alienação. Para eles o processo conflituoso se revela numa subtração. É assim que o saudosismo revela na fala dos adultos a ideia de perda dos referencias, provocada pelo planejamento autofágico. Na realidade, revela a contradição entre tempos: o lento (da vida) e rápido da produção da metrópole que se revela nas transformações do uso do espaço: aquilo que se perde quando o bairro implode. É justamente a ideia, do que se pode perder na vida do bairro, que está na base da ação mobilizadora que vai reunir uma parte significadora dos habitantes contrários a realização da OUFL, num amplo movimento. Talvez a abertura da avenida os fizesse pensar e refletir o que ate então passava por desapercebido; a importância que o bairro tinha na vida de cada um ou para a vida cotidiana. Por isso mesmo, seria simplificador acreditar que a mobilização significou apenas a defesa da casa enquanto objeto, propriedade privada. Mas o que se revela como perda para os adultos vai se caracterizar como ganho para os adolescentes, isto porque o bairro e a vida no bairro tem significados diferentes para seus habitantes: adolescentes, adultos, velhos, como veremos adiante. O que é relevante é que a Avenida Faria Lima aparece como obstáculo redefinindo os limites da prática espacial, da vida de relações, dos percursos, e nessa direção a própria área do bairro diminui reduzindo a vida ao universo do espaço do privado. As relações agora se diluem na vida da metrópole - o espaço público da rua é substituído, agora, pelo espaço semi-público do shopping e a tv ganha mais espaço na ocupação do tempo. O comércio tem efetivamente, um papel importante para os moradores e é onde se situa, para muitos, a mais importante mudança, isto é, o pequeno comércio e os serviços de bairro trazem um elemento importante de intercâmbio propício a constituição de sociabilidades. As compras e os lugares de compras são importantes para se pensar as relações entre as pessoas no bairro e as transformações que o bairro sofre, tanto no aspecto do uso, da função, mas também no relacionamento das pessoas com o bairro e com as outras. O que se observa é que há profundas transformações no comércio, que se torna cada vez mais impessoal e massificado, em nome da diminuição dos preços dos mais variados produtos. Assim em função da concorrência, as farmácias são fechadas, pois seus preços não podem competir com as drogarias, e as relações entre o farmacêutico e os moradores se perdem. O reconhecimento que embasava as relações cede lugar à impessoalidade e à rotatividade que marca as novas relações no comércio e nos serviços.

222 222 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole É com tristeza, por exemplo, que um dos entrevistados revela que o farmacêutico que dava injeção no seu filho (que hoje é adulto, advogado como o pai) quando era pequeno e que conhece quase toda a família, terá que fechar suas portas em decorrência da chegada da drogaria no bairro, que com seus amplos estoques, conseguem vender seus produtos com preços mais baixos. Este sapateiro foi embora, as farmácias que você conversava com o farmacêutico, que era o primeiro médico que você passava foi embora... se perdeu muito... a farmácia ainda vivia daquilo que se chama caderninho que aos poucos vai sumindo. As pessoas estão indo embora diz Dr Camargo. Para senhor Nelson (aposentado, mora na Vila Funchal) na farmácia a gente faz amizade, hoje é mais supermercado, você chega lá e compra, leva a receita ele dá o remédio, pagou, vai embora, só fala obrigado por ele ter atendido a gente. Uma entrevistada leva um susto quando descobre que o sapateiro não é mais o mesmo. Outra fala do fechamento da cabeleireira com quem tinham relações cordiais - sua filha usava os serviços e depois ela passava lá pagava a conta. É assim também que o açougue e a mercearia dão lugar ao supermercado que a feira esta diminuindo cada vez mais cedendo espaço ao sacolão 381, que o sapateiro vai embora porque aumentou o preço do aluguel e o jornaleiro se muda com a avenida. A costureira do Itaim também se mudou se você comprar o tecido e mandar fazer, sai mais caro do que comprar pronto. A roupa pronta você vai lá e escolhe. No Itaim se observa que as mudanças das lojas se dá em menor grau as lojas já estão lá há tempos, muitas continuam as mesmas firmes e fortes, diz Eliana, mas completa tinha alí no meio uma loja que era legal de produtos nordestinos que fechou. Nossa era uma delícia! De todos parece resistir o supermercado O Barateiro 382, onde todo mundo ainda se encontra. Dona Regina, que mora na Vila Olímpia, parece mais conformada, assevera que o filho lhe disse certa vez, quando esta falava que todo o comércio estava se modificando; quem é que vai comprar a carne no açougue, mãe? Quem? Por aqui o bairro esta virando só escritório e comércio... então morador agora tem pouco, você esta entendendo? E tem muito comércio, então quem trabalha aqui vai comprar o quê? Essa situação de mudança no comércio decorrente das mudanças no bairro também é atestada por Ana (também moradora da Vila Olímpia) que diz abriu um restaurante por quilo na porta da vila, que além do cheiro ruim que invade a vila, há o lixo que colocam na porta da vila criando brigas. E Gerson completa, e o ruim é como o comércio ta hoje, tem um e amanhã já se mudou, você não sabe quem está na porta da tua casa, de repente abre uma oficina mecânica. Hoje em dia piorou a qualidade de vida além dos restaurantes, você tem loja de moto na frente da vila, você tem estacionamento para casa noturna, o dado Bier que é um verdadeiro inferno... o movimento por causa das casas noturnas aumentou, eles fecham a rua e você que se dane. Mas os moradores de mais idade não saem do bairro para fazer suas compras, constatando a permanência de alguns antigos hábitos. Dona Regina, por exemplo, informa que compra tudo no bairro porque eu ando a pé eu vou numa amiga que eu tenho no Itaim então eu passo ali na Marisa, 381 As donas de casa preferem a feira ao sacolão, afirmam que na feira os produtos são mais frescos e variados. 382 O supermercado, O Barateiro, tem um peso muito importante para os moradores da Vila Olímpia Itaim, é lá que todos parecem se encontrar; às vezes parece que vira ponto de reunião. Todos os entrevistados referem-se à ele como um marco na vida do bairro.

223 223 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s passo na rua Iaiá, tem uma senhora que eu compro roupas, até ela vende mais em conta porque é fábrica. Mas muitos moradores informam que, cada vez mais, fazem compras no shopping e que este apressa as mudanças no comércio de rua. Notamos uma mudança significa no comércio do Itaim; uma substituição do tipo de comércio; ele fica mais popular, no caso da João Cachoeira a existência de pequenos outlets, mudou o tipo e a qualidade da mercadoria vendida, substituiu as vitrines amplas e bem cuidadas, aqui o espaço é caro, os boxes das lojas se sucedem um, ao lado do outro, no comprimento do terreno, há ambulantes na rua (em pequeno número) vendendo lanches. Efetivamente o bairro oferece condições boas para você fazer tudo sem sair do bairro. Com o tempo a João Cachoeira que era uma rua chique de compras como a rua Augusta, transformou-se profundamente. Mas ainda há muito movimento nesta rua, muito embora, hoje, com o shopping o comércio de rua se atenua. As butiques diminuem, o público é outro, o mesmo ocorreu com a Rua Augusta, em número menor de outlets - mas as botiques, com suas lindas vitrines, migraram para os shoppings, que além de local de compras é também o novo ponto de lazer do paulistano. A gente vai ao shopping passear e tomar lanche, afirma Madalena. Nas entrevistas as casas que viram comércio e os serviços que mudam, apontam o empobrecimento da vida no bairro. Os mercados locais de bairro animam a vida, na medida em que não são só, exclusivamente, locais de troca de produtos mas que envolvem uma cultura, um tempo de encontro que é o de fazer as compras, conversar com os donos dos pequenos negócios numa relação pessoal de reconhecimento de gostos, de ideias apoiado num tratamento personalizado, onde o morador não é mais um cliente ; além do que acontece o encontro com as outras pessoas, do bairro, que também estão no local e que o frequentam em determinadas horas do dia. Para além de um sentido econômico essas locais tinham uma função de animação da vida urbana, lugar de sociabilidade; quando ele se transforma concorre ao esvaziamento porque os pontos de compras tem o sentido da centralidade, de atração é o cheio, é ponto de reunião. La Pradelle trabalha a ideia de que há uma diferença entre o mercado visto como engrenagem mais ou menos funcional do sistema de distribuição e os usos sociais ou culturais que o mercado pode ter. 383 Para a Autora, temos tendência a fazer do mercado, o lugar institucional onde se encontram compradores e vendedores, onde se efetuam as transações aparecendo como uma simples manifestação pontual ou um epifenômeno do Mercado no sentido abstrato: conjunto de transações para uma categoria de bens (o mercado de morango, o mercado de aço, etc.) uma área geográfica (o mercado europeu) ou mesmo, mais general, as leis da economia do mercado as transações mercantis nas sociedades modernas parecem revelar unicamente um sistema anônimo É preciso vencer esse tipo de existência que tende a crer que lá aonde os jogos econômicos são importantes as relações sociais se diluem ou se apagam, é lá aonde são limitados, desabrocha ao contrário, livremente, uma sociabilidade que se torna seu próprio fim O prazer da convívio capaz de colocar a vista as táticas do uso, de se apropriar dos códigos dos lugares que instaura a 383 La Pradelle, Michèle de. Les Vendredis de Carpentras. Paris, Fayard, Id. Ibid. p. 10/ Id. ibid. p Id. ibid. p. 12/13.

224 224 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole diferença. Como afirma Dr. Camargo (advogado, morador da Vila Olímpia) - a comunidade era residencial, você sabia aonde estava o encanador, eletricista, você tinha qualidade de vida. Tudo era centrado no bairro. É por isso que o comércio também revela a perda de referenciais num espaço que se produz em função da troca e com isso contribui para a dissolução da vida social; uma tendência que vai se realizando nos fragmentos da metrópole. Atividades que matam ou atenuam o desejo ou se realizam reproduzindo comportamentos estandardizados. Isto porque o produto é substituído pela sofisticação técnica, o que implica na pura passividade e redução do conhecer ao informacional. Hoje, através do espaço da metrópole, no bairro, a vida cotidiana realiza a passividade presa ao universo normatizado relegado a modelos reprodutivos de comportamentos. Nesse processo os velhos se sentem estranhos, antes conversavam com o farmacêutico que como amigo lhes atendia, solucionava suas dúvidas, nas drogarias se deparam com prateleiras de rótulos coloridos sem ninguém para conversar, tudo é frio e distante o homem se defronta diretamente com o objeto nas prateleiras e a máquina registradora, na saída do estabelecimento. A concorrência impõe outros padrões para o comércio que necessita se readaptar, na esteira da qual muitos fecham aqui o negócio se submete ao tempo imposto pelo lucro que redelineia os espaços que limitado em sua criatividade, esvazia as relações e elimina o diferente. Há 20 anos as mulheres tinham suas costureiras e através das revistas de moda construíam seus próprios modelos, mudando botões de lugares, trocando ou introduzindo pregas, fazendo provas nas salas atulhadas das costureiras onde sempre havia tempo para se tomar um café e papear. A costureira perdeu seu papel, de criadora àquela que conserta de roupas e com ela desaparecem a criatividade que as mulheres imprimiam em seus trajes (agora feito no estilo prêt à porter) e esvaziou-se a sala de espera para experimentar as roupas; bem como o sapateiro que não faz mais sapatos mas apenas os conserta e que também tende a desaparecer substituídos pelas sapatarias de luxo dos shopping centers, que com suas alas de serviços impõe uma nova cara ao setor de serviços, diluindo essas atividades nos bairros, em função de seu papel de centro de atendimento 387. Estes são elementos da vida cotidiana que marcam o eclipse da rua e atenuando as relações de vizinhança posto que esvazia as possibilidades de encontro das pessoas entre o fechamento dos locais de comércio de bairro onde os vizinhos se viam se falavam, trocavam ideias. Para Flávia suas referências no bairro é dada pela chegada da lanchonete americana Jack in the box na Joaquim Floriano no Itaim, que aparecia para ela como o máximo, aquele sanduíche grande era o máximo. Foi uma tristeza lá em casa quando ele fechou, pertenceu a minha vida de comer aos domingos com a família aos domingos na volta do clube. Depois quando adolescente ia já com os amigos, não mais com os pais, e com os amigos discutia as mudanças da lanchonete. Era o sanduíche que vinha dentro de um papel laminado todo colorido prateado, rosa. Quando ia com os amigos então se comia batatinha e tomava refrigerante, não era legal comer sanduíche, não era charmoso para um grupo de adolescentes. Ficávamos horas com batatinha e refrigerante. 387 É assim que, nos "balcões de serviços do shopping" se consertam sapatos, arrumam-se roupas,ou ad deixa para lavar ou mesmo tingir, leva-se um eletro doméstico para consertar, tira-se fotografias, etc.

225 225 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Depois o McDonnald s da Juscelino Kubistchek um grupo da igreja passou a frequentar o Mac e não o velho Jack. Assim as relações de compra e venda no pequeno e restrito comércio do bairro como a feira, o açougue, a mercearia, o sapateiro, o verdureiro, farmácia, tintureiro, etc. foram substituídos pela relação impessoal do supermercado e sacolões, aonde as mercadorias se enfileiram coloridas, nas gôndolas enfileiradas, semelhantes em seus rótulos coloridos e atrativos e pelos setores de serviços, nos shoppings. Com a hegemonia dos supermercados, depois com os hipermercados, com a generalização dos freezers e geladeiras a periodicidade das compras também se refaz, e as pessoas também saem dos bairros para irem aos grandes supermercados, com mercadorias mais baratas e mais numerosas. Esvaziam-se, com isso, as relações de compra que reduzidas ao seu objetivo final indicam, consequentemente, o empobrecimento da vida social. Com o supermercado ganhou-se em comodidade e perdeu-se em relacionamento, acabou-se a compra diferenciada, o bate papo com ao açougueiro, verdureiro, a impessoalidade domina; o que era uma relação amigável, que diferenciava a relação freguês/vendedor. Agora somos todos consumidores. São relações que apontam os modos de convivência, pontuam a relação com o espaço, marca o fim do consumidor diferenciado ganha novo sentido. Na Vila Olímpia, na ausência do açougue se faz compra no supermercado Barateiro, a carne não é mais fresca, é resfriada ou congelada. Mas o supermercado O Barateiro vai ganhando, na imposição da compra normatizada, tons de individualidade, como nada resiste a intransigência e a improvisação do ser humano aqui o supermercado Barateiro acaba virando local de referência e de encontro dos moradores. Desde que agente mora aqui agente compra no Barateiro. Aqui qualquer um conhece o Barateiro... e é gente antiga que a gente conhece... e geralmente agente encontra pessoas que volta e meia estão lá. A gente não sabe aonde moram, mas estão lá no Barateiro... a gente começou a se conhecer por causa disso, relata Dona Maria. Para o senhor João o supermercado tem até um sentido lúdico nós vamos no barateiro. Conheço até o gerente. Tenho até cartão do Barateiro. O nosso passeio é no Barateiro. A mudança no comércio do bairro também marca um antes que definia o momento em que atendia as necessidades dos habitantes do bairro; o depois constitui-se num outro tipo de consumo voltado para uma outra população - essa mudança esvazia a rua que aparece na questão do flanar muitos tinham o hábito de andar pelo bairro da Vila Olímpia que era arborizado, bonito, silencioso, um convite ao flanar, no ato de ir a pé às compras com um carrinho de feira, bebendo da atmosfera de um bairro residencial verde e sem carros. A isso se somava a possibilidade do encontro nas ruas com outros os moradores que iam, eles também, às compras, levar os filhos na escola, ou mesmo, a caminho do trabalho. Ruas pontuadas por rostos conhecidos. Sobre seu modo de fazer compras na Vila Olímpia, Sueli relata, eu gosto de ir andando fazendo minhas compras, comprando coisa pequena e não compensa ir de carro, porque não tem lugar para parar... eu passo no banco, preciso resolver alguma coisinha aqui outra ali, eu vou andando pela Clodomiro, eu gosto, gosto de ir cruzando coma as pessoas. Eu gosto muito; isso é uma coisa que eu curto muito... as pessoas que se mudaram eu não encontro mais, (algumas casas de comércio fecharam) o açougue aí na esquina vendeu, passou paras dois ou três donos e fechou, então mudou. Tem muita gente estranha andando pelo bairro, porque tem muito escritório, tem muita coisa, então tem

226 226 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole pessoas estranhas andando, tem camelôs pelas ruas, são pessoas diferentes que antigamente não tinha, não cruzava com esse pessoal. Marcio afirma que dos amigos de infância, no bairro, muitos se mudaram; agora, tem padarias e confecção aonde moravam. A vizinhança está dando lugar ao comercio: o vizinho que cede a casa a uma loja de informática, outra que saiu para dar lugar a um escritório, a maioria dos sobrados residenciais se transforma numa atividade comercial ou de serviços. Quando abriram o restaurante há 9 anos atrás só tinham ele na rua, agora tem 12 restaurantes só na rua, sem contar que entrando a direita e a esquerda tem outros. Os restaurantes ficam, mais os donos vão mudando. O que mata as pessoas é o aluguel dos imóveis para conseguir ficar com o restaurante por isso há o rodízio de restaurantes. A concorrência é grande. Nós não pagamos aluguel o que permite ficar com restaurante. Agora na Vila Olímpia, há, por exemplo, casas de antiguidades, restaurantes de comida a quilo, substituem antigas casas, já as drogarias, supermercado e varejão contemplam o universo possível do abastecimento familiar. Dona Alice reclama que não consegue mais andar na calçada em Pinheiros; diz que entre Faria Lima e Simão Álvares há camelos dos dois lados da rua; as barracas maiores ficam na beira das calçadas, as menores se amparam nas paredes, umas ao lado das outras com uma densidade alta de camelôs, não há espaços entre um e outro para colocar uma barraca, fica um espaço exíguo para passar, desconfortável, duas pessoas não passam juntas, sobra a rua para andar, mas esta tem ônibus e carros. Os camelôs ocupam os dois lados da rua, num cenário deteriorado, cheio de coisas que poluem a imagem. Esse fato é mais sensível em Pinheiros em função do aumento da área dedicada aos terminais de ônibus, criando um número grande de trabalhadores de passagem pelo bairro, de baixo poder aquisitivo, menos sensível no Itaim e em Vila Olímpia se bem que as vans vendendo sanduíches tomam conta, principalmente Vila Funchal, durante a semana no horário de almoço. Esses exemplos revelam o fato de que nos interstícios dessa sociedade efêmera de compradores e vendedores onde os sujeitos que trocam (sem rostos e sem qualidade) se reconhecem, apenas, através do equivalente dinheiro, também existe um outro tipo de troca, que dá um sentido adicional a simples troca de produtos, por dinheiro. Significa dizer que a troca necessita de um lugar para sua realização um lugar que reúne ou pode reunir, que historicamente teve esse sentido de reunião e reconhecimento; mas enquanto ato se esvazia com o shopping center, com as compras feitas pela internet, ou por telefone. A tendência, no horizonte é que as mudanças que ocorrem no comércio local dos bairros apontam para o esvaziamento das relações sociais contribuem para a perda do que os entrevistados chamam qualidade de vida. Perguntada sobre o que acha do bairro aonde mora diz dona Eunice, aqui temos tudo perto, lojas supermercados, farmácias, sacolões, então temos tudo, lojas de calçados, roupas, tem o magazine Mappin que é aqui pertinho, para nós nos favorece muito.... Faz 22 anos que eu tô no bairro, que eu amo neste bairro é que eu conheço o dono da padaria, o outro aqui da frente, Nós moramos numa cidade de 10 milhões de habitantes, mas aqui é o meu vilarejo. Outra senhora afirma era melhor, era diferente, era como cidade do interior, hoje em dia a mudança é maior, minha neta nasce apertando tecla de computador. Para as mulheres, no entanto, o que as faz gostar ou não do bairro é o que ele contém, e esta, geralmente associado, as facilidades de abastecimento ligam se a tipo e qualidade do

227 227 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s comércio / serviços do bairro. O Itaim é um bairro bom, tem tudo o que você precisa, tem mercado, padaria perto, tem farmácia, sou católica, tem a minha igreja da santa Tereza... Eu gosto moro aqui há 20 anos... O bairro fica perto do shopping, posso ir a pé, é gostoso... gosto de crochê, aqui no Itaim tem uma lojinha que vende linhas e tem professora que ensina o crochê, o tricô, o bordado, então tenho sempre oportunidade de fazer cursinho, encontrar novos pontos, aprender novos pontos - essa observação se generaliza em muitos depoimentos (inclusive dos homens) que também se reportam a importância de ter de tudo no bairro. Para Laerte, por exemplo, o bairro é bom por ter os serviços todos à mão, supermercado, padaria, hospital, muito próximo. Dá pra fazer praticamente tudo a pé e isso é maravilhoso. Mas quando a gente pensa em descansar temos um verde imenso no Ibirapuera, mas no bairro mesmo nós não temos uma praça. A especulação imobiliária é crescente, trânsito difícil. João afirma, quando você se cria num bairro as pessoas estão lá, então você nunca vai esquecer... sempre existia turma de amigos nós nos encontrávamos no lugar x que era uma antiga padaria na Horácio Lafer que não existe mais é a Lavínia.... também discorre, em sua entrevista sobre os nomes das ruas que foram se mudando no decurso das últimas 3 décadas e vai localizando pontos no bairro de lojas, doceiras, o asfaltamento das ruas, descreve as casas. As mudanças no comércio apontam para o fenômeno da implosão do bairro aparece na diluição das relações na vida cotidiana que tende a se reduzir a vida privada e aquela do trabalho (preso as coações) momento em que a vida se desloca para espaços privados manipulados, organizados, cooptados, e ligados a um outro plano espaço-temporal uma tendência na dinâmica metropolitana hoje. O sentido do que era antes o bairro é deslocado para a moradia e, nesta perspectiva, o lugar da casa resume o que antes era o bairro. Agora a familiaridade é dada de fora a identidade se constrói por elementos conferidos aos signos de bem-estar e felicidade definida por outros parâmetros. As transformações impostas a vida pelo processo de reprodução do espaço urbano impõem uma nova dinâmica reorganizada e dominada pela ação planejada. Com isso o esvaziamento do espaço do bairro, substituído pelo espaço semi-público, dominado pela reprodução econômica que se baseia na constituição de novos valores sociais aponta a mudança do ser alguém para o ter alguma coisa - que marca a nova coesão social a medida em que a marca impressa no objeto é agora o elemento definidor da relação social tanto que uma gangue de jovens se identifica pela vestuário e através dessa identificação apenas aparente delimita seu território e briga com a outra nas ruas da metrópole pelo simples fato de se encontrarem (identificados pela roupa que usam. A roupa também limita o ingresso nos bares da moda da Vila Olímpia, Pinheiros e Itaim. Nas entrevistas com adolescentes e a ideia e uso do shopping enquanto consumo de signos é muito forte; tem um papel importante assinalando o fato de que, na metrópole o lugar da identificação, criado através da familiaridade pode ser cada vez mais definido fora do bairro em função do esvaziamento da vida cotidiana do bairro reforçado pela tendência a criação de lugares de lazer privados ou semi públicos que substituem o lugar da rua, da praça, do comercio local. O mundo do lazer, cooptado pelo mundo da mercadoria invade e reestrutura o tempo/modo do lazer deslocando o morador do bairro para os sub - centros, especialmente construídos para este fim.

228 228 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Esse quadro aponta também uma outra a tendência; a medida em que o cotidiano se constitui enquanto condição da reprodução da sociedade decorrente da expansão do mundo da mercadoria, este sai da esfera do consumo de objetos para o consumo do espaço, redefinindo os usos (do espaço) e o modo de dispor o tempo. O cidadão reduzido a condição de usuário evidencia e caracteriza o momento da reprodução espacial do espaço em que o valor de uso cede cada vez mais lugar ao valor de troca. Os signos não são inocentes, assim como não são inofensivos: certos grupos ou agentes sociais os lançam ou apoderam-se deles. Fazem dele signos de exclusão ou de pertinência a um determinado grau de hierarquia significada por signos, que inicialmente parecem significar outra coisa (a técnica, por exemplo, no caso privilegiado do automóvel) são apenas paródias dos verdadeiros objetos técnicos e que a multiplicação desses pálidos simulacros realiza, na melhor das hipóteses, algo de complicado - que segue muito por baixo e muito de longe a complexidade da ciência e da técnica 388. No contexto da quantificação do tempo o espaço visto como tempo a ser suprimido produz a abstração do espaço. Assim ambos espaço e tempo viram medida determinando a ação no plano do vivido. Representação privilegiada na sociedade moderna o tempo se transforma ele próprio tanto quanto o espaço em mercadoria. As transformações nestes bairros apontam a existência para um novo modo de morar na metrópole baseado no anonimato, na rua esvaziada de moradores e tomada por levas de automóveis particulares e frequentadores dos bares, pelo lazer cooptado uma atividade que exige cada vez mais um consumo nas mudanças no comércio de bairro (elementos de socialização) arrasado pela concorrência do supermercado, pela atenuação das relações de vizinhança, aumento de horas de lazer diante da TV, que reforça o caráter da solidão e esvaziamento dos lugares de lazer no bairro. São elementos que definem a implosão do bairro como produto da renovação urbana caracterizada pela OUFL. A implosão da vida do bairro, com a generalização e pasteurização dos valores que orientam a vida de relações (como decorrência da redução do uso), passam a caracterizar, hoje, a metrópole; uma tendência que parece irreversível, que vai redefinindo as relações espaço-tempo da prática social. Agora sujeitos ao espaço-tempo da metrópole o que era específico de um lugar se dilui no espaço metropolitano, reorientando o uso. No horizonte um cenário de homogeneização da paisagem e dos modos de vida. Por sua vez a implosão produz centralidades que redefinem o fluxo de pessoas para fora do local de moradia em busca de lazer, ou do local da compra ou mesmo em busca de trabalho, cuja atividade tende a se distanciar cada vez mais do local de moradia, isto porque a centralidade se desloca no espaço da metrópole onde os momentos de produção geram centralidades diferenciadas. Também o lugar da realização extrema da diferença em relação a metrópole posto que os bairros conservam uma certa homogeneidade no que se refere a classe e renda revelada na condição de moradia que marca os limites ou a existência da segregação espacial Porque a apropriação tem como condição a propriedade privada da terra urbana que se realiza plenamente no aceso á moradia e na sua qualidade bem como daquela do espaço (característica da infra) que se revela no preço da 388 Lefebvre, Henri. Posição: contra os tecnocratas. São Paulo, Ed.Documentos, p. 22.

229 229 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s terra urbana definindo/delimitando acessos e usos. Nessa dimensão revela a fragmentação imposta pela propriedade e os modos diferenciais de acesso do habitante à cidade O depois : a implosão dos bairros A avenida criou uma cicatriz profunda cortou os bairros criando dois bairros, onde antes só havia um. Na representação ficou uma Vila Olímpia de cima uma de baixo, Pinheiros do lado de cá e do lado de lá. Dona Regina, moradora na Vila Olímpia e novo significado apesar dos pesares eu ando um pouco, eu vou ao banco, eu não quero parar de vez, porque eu trabalhei fora e tive uma vida muito ativa... então eu vou ao banco, eu vou ao supermercado, eu faço hidroginástica, eu vou a pé, eu prefiro ir pro lado de cá de baixo, do que pra lá que tem que atravessar a avenida... então eu vou por aqui pegando essas travessas que ficaram do lado de cá, tem menos perigo... Para muitos, a OUFL trouxe mudanças indeléveis: são os moradores de áreas um pouco mais distantes da avenida alguns chegam mesmo a afirmar, que não vêem as mudanças. Para estes a vida cotidiana vai se constituindo com pequenas transformações que se realizam, paulatinamente, o que torna difícil sua apreensão e sua origem; o momento e o quê as detonaram parece se perder no tempo, junto com a consciência de que há mudanças no modo como o repetitivo se realiza. Aqui o sentido do habitar passa pela fragmentação do espaço que escapa aos habitantes e onde a rua deixa de ser extensão da casa tornando-se um mundo exterior contra o qual se deve proteger; passa pelas transformações do sentido do espaço (de espaço da vida enquanto uso espaço) vinculado às estratégias do poder. O empobrecimento da vida de relações e da própria vida como consequência da fragmentação e da divisão espacial do trabalho é reforçada pela imposição das leis da propriedade privada e das necessidades da reprodução do processo de acumulação onde o habitar, enquanto ato social, desaparece diante da função econômica. Há mudanças que se circunscrevem a escala da família. As relações familiares definidas, por exemplo, pelo universo do trabalho; a Dona Odete, por exemplo, (moradora no Itaim) cuida do neto para a filha trabalhar, o que muda sua vida, pois a impede de ir as compras - onde se encontrava com os vizinhos - sua filha é quem a substitui nesta tarefa e leva as compras para a mãe. O carrinho do bebê, no entanto, não impede pequenas escapadas, mas não anda no bairro como antigamente, com a Faria Lima tem medo de sair com o neto pelo bairro. Continua saindo na rua e falando com os vizinhos, mas seus passos estão limitados pelo carrinho do bebê. Dona Maria mora na Vila Olímpia e cuida da mãe, que esta com 86 anos, dona Carolina, que gostava de andar pelo bairro, mas agora se acha impedida de ir tão longe os cuidados com a mãe limitaram sua participação no movimento contrário a OUFL, o que ela lamenta. Ana é dona de casa e vê as mudanças a partir do que ocorreu com a vila onde mora; estou há 30 anos e sempre morei aqui na vila. É um bairro que teve muita mudança de uns 10 anos para cá, cresceu muito, tem muito comércio.... eu acho que é um bairro fenomenal para morar, é tranqüilo, pelo menos era, mas ainda posso considerar. Eu também posso me considerar privilegiada porque eu moro numa vila, os vizinhos são bons e a Vila Olímpia ainda representa uma

230 230 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole qualidade de vida boa, apesar de tudo.... Eu posso falar da minha infância, a maioria das pessoas já não mora mais aqui na vila, porque o bairro vai se modificando e isso fez com que as pessoas mudassem... Existia uma amizade muito grande eu saia com o pessoal da rua, era festa ia com um ia com o outro, você sempre saia com as pessoas da vila. As amizades sempre foram aqui da vila e hoje muitas não moram mais aqui. A única que continua depois que casou fui eu.... Tenho contato até hoje porque você cria um vínculo muito forte... mudou muita gente, as pessoas hoje trabalham o dia inteiro e não tem muita criança como tinha antes. A criança aproxima os adultos, alguns pais são amigos.... A vila era para Ana como se fosse uma grande família, já hoje as pessoas quando vem morar na vila não entendem seu sentido trancam-se em casa não entendem que a vila é uma coisa aberta. O bairro tem para os jovens um outro sentido eles estudam, não raro, fora do bairro, muitos também trabalham (caso de nossa entrevistada) e nos finais de semana costumam sair com os colegas, não raro em pontos especializados de lazer cidade, isto é, os que estão na moda - o jovem é suscetível aos lugares in e out da metrópole e estes pontos variam muito. Raquel se refere a abertura de avenida dizendo que ajuda o motorista e que ficou legal mas destrói como era. Isso entristece muito, porque a gente não lembra mais como era, eu até me emociono, as pessoas que estão vindo por aí, que nunca viram como era antes, também não vão lembrar... as pessoas vão passar e vão ver nossa! que Avenida grande! que avenida nova! mas nem percebe o que aconteceu. A entrevistada aponta para o fato de que a reprodução espacial em São Paulo, nem sempre se revela preservando o acúmulo de tempo impresso em suas formas. A destruição constante dos lugares para dar passagem para o novo, produzem formas assépticas, que poderiam estar em qualquer lugar, pois destroem sua especificidade. Os habitantes que trabalham fora o dia todo (de todas as idades), mantêm uma relação de exterioridade com o bairro onde moram, portanto, são mais insensíveis às mudanças, pois suas teias de relação se constroem a partir do lugar de trabalho e aí se fecham. Para estes o bairro muda porque a metrópole, ela própria se transforma, no caminho pela busca do progresso inexorável; portanto qualquer transformação é aceitável. Para a maioria dos entrevistados, no entanto, a vida cotidiana vai se constituindo com mudanças bruscas, e não têm dúvidas quanto a origem e o momento delas. Para estas a realização da OUFL marcou, profundamente, o espaço e o tempo da vida, definido por um depois uma ruptura impossível de ser ignorada ou subestimada. O impacto da nova avenida em suas vidas é claro. E se revela, concretamente, na mudança do uso do espaço no bairro; as ruas que desaparecem, as vilas que perderam a configuração (ou porque parte delas foi demolida ou porque são ocupadas por carros que aí estacionam, ou pela instalação de escritórios ou ainda pela vinda de novos vizinhos); as caras novas que invadem o bairro, (percebidos como invasores pelos antigos moradores) o novo comércio, os setores de ponta de serviços, em seus novos e altos prédios. Esses elementos se impõem na paisagem e na vida cotidiana. Ruas congestionadas de trânsito. A Fiandeiras é agora uma rua parada á noite... a Chipre ficou intransitável depois da Faria Lima, eu evito ao máximo passar por aquele trecho porque vai ter dor de cabeça. 389 Os congestionamentos 389 Aqui os entrevistados se referem a algumas ruas da Vila Olímpia.

231 231 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s requerem estratégias novas, o marido de Mariângela liga para ela avisando que está saindo do trabalho para a esposa esperá-lo no porta para abrir o portão da garagem; outros mudam seus percursos o que significa dar voltas pelas ruas do bairro antes de acessar a casa. Mas o trânsito também significa aumento do barulho, poluição do ar novos constrangimentos. Por sua vez, finda a hora do rush, tudo muda novamente, aqui é vazio, vazio a noite, diz uma moradora da Vila Olímpia. Nos relatos vai aparecendo, naturalmente, a consciência de que as mudanças do bairro, são na realidade uma mudança na metrópole, pressentida, inicialmente, através da morfologia urbana: várias casas foram demolidas para dar lugar a um prédio de apartamento ou de escritórios, uma casa derrubada para dar espaço a um estacionamento, uma rua sai do mapa, um colégio, perde a área de recreio e, se verticaliza; uma casa pode dar lugar a um restaurante por quilo, ou a um consultório ou mesmo a uma loja. Assim, desapropriação é o capítulo de um grande drama na vida daquelas que viveram o processo. Os tratores passaram por cima da igreja Episcopal, do colégio Ceciliano Enes, cortou e tirou um pedaço da colégio Nossa Senhora do Carmo, engolindo lugares, onde estava instalado o pequeno comércio, foram demolidas 380 casas e com elas muitos sonhos. No plano da memória, a metrópole vai se construindo sobre ruínas. Mas, se o mais evidente são os sinais visíveis na paisagem dos bairros com a construção da avenida semi-expressa, a mudança tem um significado mais profundo, imperceptível ao observador. Revela-se enquanto drama que se desenvolve em dois atos: de um lado a desapropriação e a demolição, e de outro as consequências desses atos na vida cotidiana dos moradores, nos bairros envolvidos. A desapropriação seguida da demolição do imóvel é percebida e sentida como um ato de uma violência extrema. Uma decisão que lhes foi imposta, aparecendo como negação de seus desejos e necessidades, que os obriga a abandonar a casa que escolheram para habitar e reestruturar a vida cotidiana em outro lugar, ao lado de outras pessoas. No plano espacial impõe uma mudança radical ao bairro, invertendo o sentido que os habitantes lhes conferiam. Em ambos os casos, tanto para desapropriados quanto para muitos dos habitantes que restaram ainda nos bairros, a OUFL aparece enquanto perda. Não é apenas a perda da casa, mas de tudo que o habitar contempla. Há casos extremos, lembrados por muitos, sobre a morte de um morador de Pinheiros ocorrido no momento em que deixou para trás sua casa. Ele morava no bairro há 43 anos, para lá havia se mudado no dia de seu casamento; morreu no momento em que os operários entraram na casa que ele havia construído; ele sofreu muito, chorava muito. Quando recebeu a notificação ele entrou em pânico, afirma sua esposa. O padre Pedro Ivo descreve o senhor morto, conselheiro do São Paulo, como um homem forte, queimado de sol, um atleta, saudável, que andava pelo bairro e que teve um infarto... morreu de angustia, de nervoso, com a indenização conseguiram comprar um apartamento. A viúva sente saudades da casa, ela se queixa pra mim. Ai! Pedrinho, diz o padre. Muitos afirmam que ele participou ativamente do movimento VIVA ; sua esposa declarou no jornal que era a primeira vez que participava de um movimento como aquele. Apesar de terem conseguido uma indenização, baseado nos preços vigentes no mercado, as pessoas não queriam sair do bairro; não aceitavam a ideia da desapropriação, pois laços profundos ligam as pessoas às casas e ao lugar. Tal fato revela que nem tudo pode ser igualado a um preço,

232 232 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole transformado em mercadoria, trocado no mercado, portanto a indenização a preços de mercado não era a solução para a situação em que se encontravam. As pessoas não queriam sair do bairro; não viam a casa como mera mercadoria trocável, havia toda uma vida, impregnada nas suas paredes e que se desenrolava no bairro, dando conteúdo ao ato de morar. Eram elementos que construam uma identidade com o bairro, com as pessoas com os lugares e que se realizava tendo a casa como centro fundamental para a vida (que cria um jeito de morar e um estilo). O processo desapropriatório é muito perverso, chegavam a chorar e se abraçar quando recebiam a notificação, quando começavam a tirar as janelas, portas, os moradores se sentiram enxotados, foi muito duro, diz um entrevistado. A maioria conseguiu comprar um outro lugar para morar, mas tristes porque perderam uma casa onde tinham vivido por muito tempo e com a qual tinham criado laços profundos, por isso a desapropriação aparece com extrema violência, como perda irreparável. Uma casa não substitui, necessariamente, uma outra, a menos que a iniciativa da mudança decorra por iniciativa do morador no decurso natural de sua existência, como necessidade e desejo. No caso descrito acima, é a perda da vida, literalmente, a necessidade da mudança era uma imposição, e uma decisão que vinha de fora. Para outro, esta perda abre uma ferida que não cicatriza. Nesse sentido o relato do casal de velhos moradores do Itaim é bastante significativo. Na realidade, eu acho [a desapropriação] uma coisa muito violenta, afirma dona Sônia, há muita pressão, tratam a gente sem nenhuma consideração. Nós morávamos há 33 anos; a casa era minha, numa vila super gostosa, tinha 150 vasos de plantas, e vivíamos muito bem, todos os vizinhos amigos, tudo muito bem, aí veio a desapropriação. Então tivemos que sair. E a vila tinha o nome do pai dela, completa o senhor Frank. A rua tinha o nome do meu pai e desapareceu. Uma memória que também se perde, continua D. Sônia... então é uma coisa sua, que você tem há muitos anos e de repente você perde. É uma parte muito violenta, eles te pressionam; conforme as pessoas vão saindo, vão derrubando as casas. Então nós e mais dois vizinhos ficamos até o fim, quem era inquilino foi se mudando, então a impressão que a gente tinha era a de que morávamos num lugar que tinha tido uma guerra. O bairro é muito bom eu sempre disse eu não moro em São Paulo eu moro no Itaim. Eu acho o Itaim uma pequena cidade, onde você encontra de tudo... então eu tenho toda uma identidade aqui, as pessoas da farmácia, até da feira, se eu saio daqui ninguém mais vai me conhecer. Sobre o abandono da casa o casal conta que tem todo um trabalho de despejo que é ruim mesmo. A gente tá com uma certa idade e essas coisas mexem com a gente, o dia da mudança foi muito triste, no outro dia eu voltei na casa porque minha filha disse para a gente arrumar a casa e eu disse não vai derrubar? E ela disse, mas que seja derrubada com dignidade e a gente foi lá arrumar e isso foi triste, choramos e tudo. Eu não quis ver derrubar não. Limpamos, varremos, tiramos as coisas que ficaram, limpamos para ser derrubada, diz o marido. O casal mora, agora, num apartamento, no mesmo bairro, mas sem a filha que se mudou de São Paulo, minha filha foi embora, (sugere que em função da perda da casa onde havia nascido) minha empregada morreu, coincidência, ou não, mudou toda a minha vida. Não gosto muito de morar em prédio, mas eles pressionam muito depois que lhe dão o dinheiro, ficam telefonando para saber se já arrumou ou não, é muita pressão. E aqui a gente já conhece todo mundo não queríamos ir para outro bairro.

233 233 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Se a desapropriação significa a perda da casa, para outros, essa perda é dupla: a casa e o bairro, pois um dos problemas da desapropriação é que nem todos conseguiram ficar no bairro, suas casas eram pequenas demais, o dinheiro da troca não permitiu que muitos não continuassem no mesmo bairro. Em Pinheiros, por exemplo, a maioria dos desapropriados da Rua Cunha Gago mudou-se de bairro. Uma senhora teve que ir para Santana, diz que perdeu completamente a referência, pois teve que se mudar para o outro lado da cidade; já outra moradora tinha uma casa muito grande, o que lhe permitiu, com o dinheiro da desapropriação, comprar uma casa no bairro, na Rua Ferreira de Araújo, informa uma entrevistada. É também o caso de Beverlei, que afirma que tinha amor a casa. A casa foi desapropriada, o perito foi la, era a única casa da rua isolada dos dois lados, as outras eram geminadas de um lado, era a melhor casa da rua. Muito bem construída, bom material, não havia um ladrilho solto. Aqui o ladrilho significa o apego à casa revelando, na sua manutenção e nos cuidados, o carinho que lhe dedicava. Com a desapropriação vem a entrega da casa seguida de sua demolição. Peri conta que, em Pinheiros, a demolição do primeiro imóvel, deu-se às 8 da manhã, todos entraram, ocuparam a casa, chegou a imprensa - pessoas idosas com quase 70 anos, muitas delas malufistas se dispuserem a resistir na rua, é fantástico. Cada um tem uma responsabilidade, criou-se uma consciência solidária. Até política, as senhoras que não trabalhavam desenvolveram uma atividade de ir a Câmara. 390 São elementos que nos fazem pensar sobre o sentido amplo que a desapropriação encerra; a perda que desenraiza e desterra. A perda do bairro também aparece de modo elucidativo no depoimento de D. Regina sobre a Vila Olímpia, olha eu gosto muito do bairro, é como você ver uma criança que nasce e agora eu vejo tudo mudado até as pessoas, não é como era, porque tinha aquela amizade... eu tenho alguns amigos no bairro, mas muitos já se foram. Portanto, o drama da desapropriação não atinge apenas os diretamente envolvidos com a desapropriação da casa, estendendo-se para muitos moradores, pois as mudanças no bairro vão impor-lhes uma nova relação com o espaço do bairro, como um novo modo de usar a rua, um novo modo de se relacionar com os vizinhos ou com a inexistência. Em meio a tantas ausências a vida continua 391, buscamos saber de que modo. Descobrimos que para muitos há perdas significativas, enquanto outros não conseguem se dar conta do fato, entrando no fluxo normal dos acontecimentos da vida cotidiana. Dona Alice morava na rua Miguel Isasa, em Pinheiros (uma das ruas que desapareceu do mapa da cidade), a casa térrea, onde morou há 30 anos, foi destruída; continua morando no bairro, mas reclama da sujeira que há agora e que antes não havia. Morávamos perto da igrejinha, os vizinhos eram amigos, que você usava quando precisava, mas eram mais amigos do que você tem hoje, aqui não tem ninguém na vizinhança, antes eram rostos conhecidos de muito tempo. A maioria dos desapropriados se mudaram. Era muito gostoso antigamente. Participou do movimento contrário a extensão da avenida Faria Lima e acabou ficando muito próxima dos que participaram com ela; ficamos muito ligadas ao pessoal do movimento, a casa era um ponto onde também se encontravam, fomos os últimos a sair, já não tinham mais vizinhos à medida em 390 "Batendo na porta dos vereadores, questionando-os, perguntando como iriam votar. 391 Expressão emprestada do poeta Jacques Prevert.

234 234 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole que se ia derrubando tudo. Conhecemos muitos da Vila Olímpia. Era uma folia, diz que aprendeu muita coisa sobre política, você não sabe como é o mecanismo lá dentro (na Câmara) e conclui: nunca vivi tanto. Tinha várias coisas que você não conhecia, que só se lia no jornal, conhecemos lugares a partir do movimento, tinha lugares que só ouvia falar como o Museu da Casa Brasileira, o Museu da Imagem e do Som, conheci lugares, novos na cidade. Um dos líderes do movimento não mora em nenhum dos três bairros, na realidade mora no Tatuapé, são seus pais que moram na Vila Olímpia; perguntado sobre por que participa do movimento responde quando a família saiu do Tatuapé saiu desapropriada, porque ela estava no caminho do metrô e tive consciência do que significa desapropriação, da destruição de todo um tecido comunitário. Mesmo uma desapropriação feita com critérios e onde ela é, absolutamente, necessária, ainda assim, a legislação existente provoca essa destruição e impõe ao cidadão o poder do estado. O poder discricionário do estado. Eu faço um decreto e você tem que entregar a sua propriedade. Por um determinado preço que eu arbitro e se você não concordar vai defender seus interesses na justiça. E como percebi o que significou isso, a casa que foi desapropriada foi a casa onde vivi toda a minha infância, passei minha adolescência, minha juventude, formei meus amigos. E já antes do processo da Vila Olímpia já tinha uma visão que a desapropriação deve ser vista de outro ângulo, onde a comunidade desapropriada deva participar e onde o poder desapropriador deve resolver a situação em relação as exigências da comunidade desapropriada. Ninguém quer trocar uma casa por um palácio, elas querem apenas participar e se localizar dentro da cidade da forma que acharem mais adequada. A desapropriação atinge mais cruelmente os velhos que são as pessoas que já formaram a sua história, que tem condição da infraestrutura do local com a qual mantém relacionamento, quando vai fazer uma compra conhece o açougueiro, o jornaleiro, argumenta Leopoldo, sintetizando em sua fala, elementos importantes que apoiam a construção da identidade do habitante com o lugar que transcende a ideia da casa - objeto; vai ainda mais longe quando passa a falar de sua situação de desapropriado. Não posso mais ver a casa onde eu nasci onde eu passei minha adolescência, então existe uma relação de amor-cumplicidade, de identidade da pessoa com a cidade, que a medida em que vai se transformando, violenta e rapidamente, vai fazendo com que a pessoa vai perdendo as referências e isso é uma coisa muito grave, porque poderíamos fazer com que a cidade - através dos planos diretores - mantivesse setores onde se pudessem fazer torres mas com critérios e poderia manter a configuração geral da cidade para que a cidade pudesse manter sua história, ter um passado e hoje não tem, eu hoje não conheço São Paulo e sou paulistano. As pessoas perderam sua capacidade de conversar, perdemos os rios com o discurso da canalização, tem na Vila Olímpia uma rua que se chama Ribeirão Claro e ninguém sabe porque. Imagina-se que tinha um rio. Para Leopoldo, a vida se realiza nos reconhecimentos que caracterizam o espaço do habitar, base da construção da história individual reconhecida através da construção de um espaço social, gestor da identidade. A desapropriação que viveu no Tatuapé aparece como uma violência em si ; mesmo a desapropriação inevitável, a que precisa ser feita para fazer uma benfeitoria para a cidade, absolutamente necessária, é vivida como uma violência social. Se se tirasse uma foto do Tatuapé há alguns anos atrás e hoje você não o reconheceria, conclui.

235 235 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s O que se observa nos depoimentos sobre a desapropriação é que, para os habitantes, a casa e o bairro não se separam revelando o sentido do habitar que se contrapõe ao espaço concebido para a moradia. Há poderosas considerações afetivas que se baseiam no polo subjetivo da existência humana em relação a casa e o bairro. Sandra, por exemplo, afirma não deixar o bairro mesmo que lhe dêem uma casa nova do mesmo tamanho, pois ninguém reproduz para mim as mesmas condições de vizinhança, de bairro, outras coisas; nós amávamos esse bairro. Há uma história. O poder econômico aliado ao político decidiu mudar o perfil do bairro que deve servir a outros interesses. Cássio acha que o bairro está se tornando cada vez mais comercial, tem lugares que desde que eu nasci, tipo Largo da Batata sempre foi comercial, mas de um tempo para cá, lugares que eram residenciais passaram a ter lojas e bares. Quando eu era pequeno aqui na Fernão Dias não tinha o número de estabelecimentos comerciais que tem hoje, na rua de baixo a mesma coisa, acho que está se tornando mais comercial. Para Dona Alice, Pinheiros é perto de tudo e tem tudo; hoje o bairro está ruim, maltratado, sujo, o que tem de bom é que se tem farmácia, padaria. Tem escola; queria mudar o bairro mudou, não é mais um bairro residencial, tem muito comércio. Tudo é comércio desde camelôs até barzinhos e butiques, não tem mais moradores na rua, virou bairro de passagem. Dona Eunice é ambígua, para ela com abertura da Avenida Faria Lima ficou mais iluminado e posso passear na rua com o cachorro a noite, mas só com o cachorro, sem ele tem medo. Antes da Faria Lima andava mais a noite pelo bairro, hoje fico com medo procuro não sair na rua, tranco a porta cedo. Há mais insegurança. Não gosto muito das mudanças. Antes andava mais, sem susto. Há trechos das ruas com casas abandonadas sem ninguém, dá medo. Então cresce muito a insegurança. Talvez seja o preço do progresso. Para outro entrevistado, antes tinha um transito local, basicamente, causado pelo fluxo do colégio Palmares nos horários de entrada e saída, mas andava-se sozinho ; hoje não deixa mais as filhas andarem sozinhas na rua, pois tem medo o que se tem é uma pista de alta velocidade que mudou completamente o ambiente... aconteceram muitos assaltos a ponto de um homem ser morto na porta do prédio, há violência numa região que não tinha. É comum ouvir tiros de madrugada, as pessoas passam de carro e dão tiros para o alto. O porteiro do prédio conta os tiros que se dão de madrugada e comenta com os condôminos no dia seguinte. Para ele a vantagem da Faria Lima é a de conseguir aumentar o número de terminais de ônibus. Este é um dado polêmico, nem todos o aprovam. Para Pena, por exemplo, a avenida foi transformada nesse trecho [Pinheiros] em terminais de ônibus, que traz com ele uma série de problemas, camelos, muambeiros, sujeira, o que compromete o bairro; fizeram uma pracinha, em frente a igreja, em princípio, uma novidade, em tese um espaço público, só que se colocou do lado um terminal de ônibus você transforma a praça em lixo, num banheiro público cheio de lixo, acabou acontecendo que a prefeitura fechou com tela bloqueando o acesso ao espaço público; fecharam a praça e não há como acessá-la. Há ainda o depoimento de uma moradora, cuja casa em Pinheiros está localizada próxima a um dos terminais de ônibus e a escada de entrada de sua casa fica ocupada o dia todo por pessoas que esperam ônibus, gerando-lhe muito incômodo e isolando-a dentro de casa. Em Pinheiros, os terminais de ônibus que se proliferam na avenida, além do aumento do número de ônibus que circula nas ruas do bairro.

236 236 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Dona Deolinda afirma que na rua onde mora, não havia ponto de ônibus, nem nas travessas, mas estes aumentaram em número. Ia perder a casa, mas acabei ficando com ela graças ao movimento, lutei tanto pra não perder a casa agora me arrependeu, porque o bairro ficou tão ruim, estaria melhor desapropriada; podendo com o dinheiro comprar casa em outro lugar. Estou praticamente no inferno. Com os pontos de ônibus, aumentou a sujeira dos usuário dos ônibus, os pedintes, os ambulantes, você não pode mais passar pela rua, por exemplo, eu vou todo dia ao mercado Municipal, à peixaria, ao varejão e para eu chegar até lá tenho que passar na rua, não tem mais calçada está cheia de ambulantes - entendo que precisam trabalhar, ter um emprego, mas tiram a nossa liberdade de passar na rua, não se pode andar. 392 Em outro momento revela que ninguém sai mais a noite, pois têm medo de assalto, até colocar lixo na rua, além do que não se visita mais amigos e vizinhos, não se visita mais por causa da novela e dos assaltos. Depois das 7 tenho medo de abrir portão. Antigamente eram todos vizinhos, famílias, um deles tinha uma vitrola que punha alto pra todos ouvirem. O que percebemos é que a Faria Lima apresenta aspectos diferenciados em cada uma de suas pontas de seu prolongamento (Pinheiros de um lado, Itaim e Vila Olímpia de outro). Um morador de Pinheiros chama atenção para as diferenças ao longo da avenida em meu pedaço ficou o pior, com o terminal de ônibus, associado a zonas de degradação urbana que daí decorre. Na Vila Olímpia, o impacto maior foi causado pela cicatriz que a Avenida Faria Lima criou, dividindo o bairro em dois. Para Leopoldo o impacto principal para a mãe é a segurança, o movimento porque é uma pessoa que caminha, que anda a pé que faz suas coisas no bairro, mas é idosa e atravessar a rua, se movimentar pelo bairro era uma coisa simples e essas coisas se transformaram quase em barreiras intransponíveis, há lugares em que atravessar ficou muito difícil, a não ser que se seja jovem. Mas não é só o velho que sofre as consequências desse processo, porque também fica difícil para as crianças. A questão das barreiras arquitetônicas que vão se construindo na metrópole, vão deteriorando brutalmente o uso dos lugares da vida aprisionando as pessoas em espaços cada vez menores e essa questão é fundamental. O relato de Mariângela é significativo e comovente o que eu pude perceber, o que mudou é que tenho todo dia essa impressão é que tem muita gente diferente que não é do bairro e que transita por aqui. Você percebe quando são moradores, aqueles casais de velhinhos vão fazer compras; você não cruza mais com esse pessoal. Até cruza, eventualmente, mas não é mais como antes; estou lavando aí a frente e passa um velhinho. Oi, bom dia, tudo bem? Tem um senhor que passava aqui, ele parece o Rui Barbosa e eu não tenho visto últimamente eu fico pensando, aí meu Deus, onde será que ele está? Tem uma velhinha que todo dia passava pelo lado de lá, eu estou arrumando lá em cima e a vejo, ela vem com uma bengalinha, ela vai segurando no muro e tomava solzinho todo o dia... infelizmente eu nunca mais vi. Então essas coisas eu fico triste, porque eu não sei o que aconteceu com ela, mas talvez a família nem deixe mais, porque o perigo aumentou. 392 Mas não é só por causa dos ambulantes que a rua ficou inóspita: uma oficina mecânica de seguros de automóvel deixa os carros todos na rua às segundas, parados em frente à garagem da casa. Não tem aonde parar, chegaram a entrar na garagem da casa dela. Agora ninguém respeita ninguém. Não tem mais onde e como estacionar; às vezes amigas e o padre que trabalham juntos não podem mais parar. Agora na rua passa ônibus e ficou tudo um caos, completa.

237 237 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Para Sandra, a Rua Coronel Ferreira Lobo e a rua Chilon na Vila Olímpia, são ruas extremamente arborizadas, ruas que o Cândido 393 classificou como ruas vilas, embora não tivesse ruas fechadas tinha uma arborização, e tem o transito só na Atílio e na Ramos Batista. Então as pessoas tinham um padrão de vida, de ouvir passarinho, de ter muita árvore na rua, que era muito bom, a avenida corta e as ruas-vilas perderam a ambiência, muda a relação, Leo classifica as avenidas como barreira arquitetônica - o que é verdade. Eu não dirijo; aqui para baixo tem o sacolão, em relação a minha casa tem que dar uma volta imensa para chegar a pé lá, pois não tem como transpor, criou uma barreira enorme, minha tia tem um defeito físico e ia se encontrar com as amigas, na Clodomiro, e agora só se telefonam, ela vai só à missa, pois ela se sente insegura de atravessar a Faria Lima, pois você esta atravessando, quando está no primeiro trecho fecha o farol; é só um dos trechos que te deixa atravessar com segurança, no outro começa a piscar o vermelho, o que significa atravessar em dois tempos (e ficar na ilha com os carros passando em grande velocidade) então se você vai ao Barateiro - o supermercado que sempre frequentaram, na Clodomiro Amazonas, ficou do outro lado da avenida, não tenho carro vou ao supermercado de carrinho, ficar na ilha com um carrinho não dá, o sacolão também ficou do outro lado, na Quatá, ficou tudo lá pra cima, então a avenida para nós que moramos deste lado deixou tudo do outro lado. Passou a criar um transtorno, já houve morte na Faria Lima, então estas coisas vão interferindo e vão piorando, além do que na Faria Lima o fluxo de trânsito aumentou muito. 394 Trouxeram um público de passagem para um bairro muito grande. Mudou muito, hoje, até se encontrar com algumas pessoas ficou difícil, primeiro porque as pessoas foram embora. Muitos entrevistados insistem no fato de que antes da realização da OUFL eles tinham uma qualidade de vida que foi se perdendo. A ideia de qualidade de vida aparece de modo recorrente em muitas entrevistas e constitui-se na base do discurso contrário a Operação Urbana Faria Lima. Para dona Regina, por exemplo, a ideia está associada a um bairro-condomínio, como sinônimo de sossego, silêncio e tranquilidade. Para Madalena, a qualidade se define por não ter barulho e pela proximidade do comércio. Para Mariângela significa ruas arborizadas e a liberdade de poder andar, tranqüilamente, pelo bairro, em quaisquer de suas ruas. Muitos entrevistados na Vila Olímpia insistem no fato de que o que caracterizava o bairro eram as ruas tranqüilas caracterizando um bolsão verde; Não temos marcos, tinha uma praça - Dilson Funaro, que a avenida passou em cima - mas tínhamos como referência as ruas tranquilas arborizadas, as vilas - muitas vilas que tem festas, exemplo na rua Chilon, na rua Nigéria; tinha festa junina todo o ano, os moradores cada um faz um prato e se reúnem na rua - depois do movimento eles descobriram que haviam as festas, tinha festa da primavera no colégio (ainda tem), Festa da igreja Santa Teresa - a missa é um encontro. Com a Faria Lima fica mais difícil. Diariamente são lançadas obras. Mantovani esclarece que, para ele, qualidade de vida é poder viver tranqüilo numa rua sossegada sem centros comerciais geradores de tráfico e sem transito por isso para ele a vida piorou bastante depois da Faria Lima, mudando os usos e costumes, é com grande tristeza que na 393 Aqui se refere ao Cândido Malta Campos e ao seu plano diretor de bairro. 394 A Jesuino sempre foi uma rua tranqüila, passava a linha de ônibus Estação da Luz Vila Olímpia subindo e descendo o Santo Amaro circulava só na Ramos Batista e ia cortando o bairro por dentro. Hoje, a Jesuino passou a ter 3 linhas de ônibus, a gente se vê às tontas, já dá uma dificuldade para atravessar a rua para tomar um táxi.

238 238 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Vila Olímpia você vê as pessoas se mudando. Em seguida, passa a apontar o que muda, revelando, na transformação, o empobrecimento das relações no bairro e o esvaziamento da rua. Quando muda os usos do bairro você (está mudando o uso de residencial para comercial, escritórios, serviços)diria que mais da metade da famílias próximas a Faria Lima, depois da inauguração, se mudaram, então no lugar de uma casa com pessoas de uma família morando, você tem escritórios que na sexta fecham as portas, assim o bairro tem um movimento intenso durante o dia e a noite, você não tem mais uma pessoa andando na rua, elas ficam desertas como a Rua Boa Vista no centro da cidade, 15 de novembro, rua direita às 8 da noite, ou num sábado e domingo; fica tudo deserto. Antes na Vila Olímpia você ia a padaria a noite via as pessoas, elas estavam nas calçadas, alguém cumprimenta, bate um papinho, tinham crianças brincando, hoje não tem mais, há escritórios, pessoas diferentes na rua que não tem suas raízes no bairro, mas os negócios. Como você pode destruir um bairro, assim! Hoje, a maior parte do comércio que se instala no bairro são pequenos bares, casas noturnas, restaurantes, atrai uma população flutuante que não é do bairro. E que trazem problemas; são pessoas alcoolizadas andando na rua de madrugada fazendo barulho, quebrando garrafa, correndo de automóvel, é a chegada dos grandes empreendimentos imobiliários que provoca a descaracterização do bairro. No lugar onde havia três, quatro ou cinco casas, hoje tem um prédio equivalente a muitas casas, numa área em que havia poucos automóveis agora muitos mais carros se dirigem para o mesmo apartamento. Podemos observar que muitos são flats, as pessoas vêm e vão não ficam, não são do bairro, você não tem o que conversar com elas, por outro lado elas também não estão na rua, não compram pão na padaria da esquina. Então a cervejaria chega, as pessoas de carro estacionam na frente da sua casa, então degrada muito o bairro e descaracterizou o bairro. O primeiro passo descaracteriza depois ele fica insuportável. Degrada. Outro elemento significativo que aparece em muitas entrevistas (indiferentemente, nos três bairros) é a figura do estranho, que significa aquele que não é do bairro mesmo, a cara estranha a que não se reconhece quando se anda pelo bairro em contraste com as pessoas que se reconhecia antes. Esse novo personagem está associado a mudança de função destes bairros na metrópole, com a instalação dos escritórios (que cria a movimentação diária de pessoas que trabalham nestes novos locais) e daqueles que frequentam as casas noturnas. Para alguns o estranho esta associado a violência. Parece o invasor, sem direitos a ocupar um espaço que não lhe pertence - ele é o de fora significa o perigo, algo a ser temido hoje em dia tem muita gente estranha, antes quando passava um estranho a gente logo percebia... eu perdi minha liberdade, agora, eu já não posso mais sair com tanta frequência, agora eu olho muito para saber se posso sair ou não... era uma vida diferente, totalmente diferente diz dona Olga (do Itaim). Para dona Leonete, a vida noturna que o bairro assumiu é a responsável pelo aumento do número de pessoas estranhas no bairro. Também responsável pelo tiroteio que teve no bairro da Vila Olímpia. Para Deolinda o estranho é produto da mudança das funções do bairro. O bairro deixou de ser residencial, ficou praticamente só comercial. Aumentou o número de pessoas por causa dos pontos de ônibus e dos perueiros que se espalham pelas ruas antes só de residenciais. Aumentou o comércio ambulante que deteriorou, muitas lojas na Teodoro fecharam, a Brasília, Marie Claire, há uma substituição, as finas saem e fica só o comercio muito popular - de baciada, de

239 239 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s banca. Não há mais lojas boas na Teodoro onde antes haviam lojas de fazendas; faziam compras lá hoje se sentem obrigadas a ir ao shopping para as compras. Para Claudia o que está rolando de construção na Vila Funchal é grande, parece coisa de desenho animado, vai verticalizando e comprimindo os meus amigos ali. No limite da Z-9 ficou um monstro, as coisas enormes e eles (a casa do amigo) ficaram pequenininhos, o caso da Sandra ao lado do Dado Bier, suponho que aumentou muito a circulação de ônibus na Jesuíno, a grande mudança ainda vai rolar, estão construindo um hotel e esse refluxo mais imediato ainda não aconteceu no meu pedaço. Para outro morador da Vila Olímpia, uma coisa o bairro ficou com uma vida noturna muito acentuada, em seis meses eu contei umas 8 casas novas, o que superlota as ruas que não cresceram na mesma proporção, nem vão crescer no mesmo ritmo que a verticalização. Uma noite dessas estava muito calor/ quente e abafado e falei depois do jantar vamos dar uma voltinha, era tão gostoso a meses atrás apenas há meses atrás! Aquele transito em todo lugar que iam, fumaça, antes andavam muito pelo bairro, agora não, as ruas mudaram essa por exemplo nem tinha farol o transito era pequeno, agora a rua não tem mais jeito, vou buscar a filha na cultura inglesa na Horácio Lafer e demora um tempão. Com a Faria Lima você não tem mais sossego, a minha casa é uma travessa da Faria Lima, você perde o prazer de morar numa casa aconchegante; dentro da tua casa você escuta muitas buzinas, você está chegando pela marginal e vê uma nuvem de fumaça e penso, puxa eu moro naquele meinho dos prédios. Penso, puxa reformei minha casa fiz isso e aquilo e daqui a pouco vou ser obrigado a mudar porque as ruas estão virando comércio, tem pouca casa de moradia, está bem intercalado minha casa de um lado um restaurante de outro uma tinturaria, estou no meio, antes era tudo residência; na casa onde é a tinturaria tinha um casal de velhinhos que se mudaram, no final de semana, praticamente eu estou sozinho (essa é uma ideia que perpassa as outras entrevistas que é a consequência da mudança do uso) o comércio está fechado eu estou sem vizinho então você sai, procura ter um cachorro, põe um alarme, faz seguro porque você está desprotegido dos vizinhos que antes tomavam conta para você. Aqui era o sistema antigo, saía, ia viajar e falava com os vizinhos olhe a comida para o cachorro põe uma aguinha para o cachorro, toma conta para mim, hoje em dia nem com guarda noturno você vai viajar. Tinha relação com os vizinhos, falava quando saia para os vizinhos olharem, diz um entrevistado. Sérgio Carneiro, em seu depoimento, traça um quadro completo sobre as transformações, do bairro e, para isso, volta a história de sua ocupação para dizer que nem sempre, a Vila Olímpia foi um bairro completamente residencial havia chácaras, até há pouco tempo e era possível encontrar terrenos onde eram plantados verduras. O miolo que é, efetivamente, Z-9 é um quadrilátero formado pela Avenida Juscelino Kubitschek e pelas ruas, Elvira Ferraz Clodomiro Amazonas e Ramos Batista, Elvira Ferraz. Em função da lei de zoneamento, essa área se manteve com baixa ocupação, no máximo se pode encontrar alguns sobrados - trata-se de uma área, em essência, residencial. A partir da rua Clodomiro Amazonas já despontam os serviços, confecções uma área que durante uma época lembrava um Bom Retiro. Esse espaço mudou, radicalmente e, em pouco tempo. Já desponta na paisagem na área lindeira à Avenida Nova Faria Lima, os altos edifícios - um deles é um flat erguido, onde havia um conjunto de pequenas casas. Esse miolo foi

240 240 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole dividido ao meio pela avenida, seccionando o bairro, mas sobretudo, mudando o uso. É nesta parte do bairro, antes residencial, que numa velocidade muito grande, as casas vão se transformando em comercial e de serviços. Muitos escritórios de arquitetura, de publicidade, de contabilidade, muitos consultórios e os serviços e lojas que existiam, estão mudando de ramo. Essa nova atividade econômica se instala no espaço com alta rotatividade - muitos negócios abrem e fecham no mesmo lugar. Essa transformação produziu uma valorização desta área para ocupação de serviços e ou comércio; o que, consequentemente, causou um aumento nos aluguéis obrigando o velho comércio do bairro a se mudar (sapateiros, tintureiro, açougue). Uma pesquisa 395 realizada no quadrilátero Z-9 que compõe a Vila Olímpia (o placo da batalha realizada pelos moradores contrários a realização da OUFL), capta, num momento de transição do bairro em que se pode ler, através da paisagem, o processo de implosão que confirma os depoimentos dos habitantes. Nesse miolo pudemos ver algumas casas fechadas, muitas placas de vende-se ou aluga-se (indicando em alguns casos que o destino era para escritório), muito trânsito e a presença de pequenos estacionamentos - que chamavam atenção pela forte cor verde - recém pintada. Em meio a pequenas casas, muitas com jardins, pudemos perceber um número imenso de comércio e serviços. Na Rua Ministro Jesuíno Cardoso encontrava-se, num único quarteirão, 3 estacionamentos e 17 casas adaptadas para comércio (floricultura, copiadora, decoração, material escolar, loja de animais), ou escritórios (arquitetura, consultório), dois restaurantes que vendiam comida por quilo (um deles localizado na entrada de uma das vilas que existem nesta rua). A rua Joaquim Ferreira Lobo é estreita, limpa, com pequenas casas algumas azulejadas, e onde (pela manhã), nos deparamos com uma dona de casa que lavava a calçada. Aqui também encontramos casas fechadas, algumas com placas de vende-se outras de aluga-se e lojas escritórios (15 ao todo) além de 5 estacionamentos (um deles improvisado, derrubou-se a casa simplesmente e colocou-se uma placa). Na esquina com a nova avenida havia, à época um grande terreno vazio. Na rua Chilon encontramos, em meio as casas, 15 que se transformaram em escritórios, lojas, restaurante e muitas casas com placas de aluga-se (em 3 casas), 4 casas em reforma, 3 casas fechadas e 2 estacionamentos. Mas nem todos vêem esse depois como um momento de perdas. Uma pesquisa 396 com os alunos do colégio Nossa Senhora do Carmo na Vila Olímpia, evidencia o fato de que os adolescentes (na faixa de 13 a 16 anos) tem um modo de pensar o bairro, e suas mudanças, completamente diferente dos outros entrevistados. As resposta mostram que essa faixa etária vive a mudança como algo natural na sua vida cotidiana; na realidade é na sua vida que se pode perceber como o cotidiano vai se instaurando de modo hegemônico com a imposição de comportamentos, valores e gestos que são aceitos naturalmente, sem drama. Os jovens parecem presos a um presente sem espessura, manipulados pela mídia, situações que apontam a caracterização deste depois. Em relação à pergunta sobre o que acham da nova Faria Lima obtivemos respostas 395 Realizada em julho de Foram aplicados 94 questionários aos alunos numa aula de Geografia. Quero resgistrar aquí o simpático atendimento da irmã Cornélia e do professor de Geografia do colégio Nossa Senhora do Carmo, que prontamente, se dispuseram a nos ajudar. Infelizmente, essa não foi a atitude da diretora do Colégio Ceciliano Enes, que consultando os professores, afirmou que não havia interesse na aplicação do questionário.

241 241 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s muito interessantes: minha escola ficou pela metade (13 anos), mais ficou legal. A diminuição das distâncias ficou mais rápido para chegar em alguns lugares é a resposta de 44,7% dos entrevistados. O tempo enquanto locomoção é mais importante que o tempo da vida de relações. Esse novo sentido de tempo, enquanto efêmero faz parte das representações dos jovens quanto ao sentido do espaço público, é por isso que há uma discrepância entre as entrevistas junto aos adolescentes e as entrevistas com os adultos. Uma contradição pode ser detectada no conjunto das respostas; o aumento da circulação, da velocidade das comunicações ligando os lugares a uma rede, produz o espaço do isolamento, cada cidadão imóvel, fixado em sua casa. Tal fato é passível de ser visto no plano do bairro com a mudança do sentido do espaço público; os questionários aplicados entre 94 adolescentes mostram claramente este fato. Mas para essa geração esse processo faz parte de seu cotidiano, naturalmente. Não passaram pela mudança, fazem parte da geração que vive num mundo onde o presente perdeu a espessura é vazio de conteúdo, vive-se o dia a dia. Aqui o tempo efêmero e o espaço amnésico marcam as relações sociais, definem comportamentos. As perguntas aonde se encontram, somente 21% responderam que este local é o bairro no bairro, enquanto 22,3% se encontram com os amigos no shopping. Essa informação é indicativo significativo das mudanças de comportamento em função das mudanças no sentido do espaço público, pois os entrevistados têm entre 13 e 16 anos. A esta se soma a pergunta O que faz nas horas vagas?; e 50% afirma que fica em casa assistindo tv ou alguns ainda falando ao telefone, 33% vão ao shopping, e só 17% respondem que brincam ainda nas ruas do bairro. A pergunta sobre o hábito de ir ao shopping, 61,7% dos alunos responderam que o visita com frequência. A quantidade de tempo que o adolescente está diante da televisão é um dado fundamental deste novo comportamento e na determinação destes novos hábitos 397. Como resposta obtivemos que de 46% dos adolescentes passam 3 a 5 horas diante da tv; 14% gastam mais de 6 horas. Nos finais de semana o tempo em frente da tv aumenta; 9,5% dos entrevistados ficam mais de 8 horas, 20% de 4 à 6, 26% entre 2 e 3 horas. Quanto ao lugar das compras, mesmo ao lado da rua João Cachoeira - uma rua de comércio importante pela dimensão e variedade do comercio somente 19% dos entrevistados afirmaram que fazem aí suas compras, enquanto que 31% só compram no shopping e 50% compram no shopping e em outras lojas. O mesmo se reflete na reposta à pergunta sobre se eles marcam encontro no shopping, 63% afirmam que sim, o que aponta para o esvaziamento da rua como ponto do encontro e como elemento que anima a vida de relações. A metrópole cortada por vias de trânsito rápido, de anéis de articulação de corredores viários criam novos hábitos; são mudanças que representam o esvaziamento das ruas o que revela a nova ordem da metrópole imposta pela nova ordem urbana; a metrópole segrega, esvazia a vida de relações; a sociedade urbana com seus novos valores vai compondo uma nova identidade em espaços semi-públicos (particularmente os shoppings), a partir de valores impostos pela sociedade de consumo, sob a lei da troca de mercadorias. 397 Aqui é interessante a comparação com a entrevista de Mark sobre sua infância "longe da televisão".

242 242 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole A racionalidade exacerbada na metrópole moderna é marcada por mecanismos de planejamento, que ganha materialidade no traçado da metrópole e nas limitações do uso - que impõe o controle através do espaço, à sociedade urbana. O planejamento resumido à estruturação da circulação leva, no limite máximo, ao ideal de cidade funcional, onde o processo produtivo, assentado na diminuição do tempo e com isso das possibilidades do aumento da produtividade que transformam o tempo social num tempo produtivista invadindo o cotidiano e resumindo a metrópole em condicionante da circulação. Está presente, neste capítulo, a tendência da constituição de um espaço amnésico : o moderno impõe o efêmero de um lado, apostando num presente sem espessura, criando as bases para a instalação do cotidiano; de outro, o processo de reprodução espacial se realiza abalando, constantemente, as referências espaciais que sustentam a vida, com isso, gera o estranhamento. Mas essa orientação não se realiza sem contradições; vimos que há uma riqueza muito grande nas profundezas da vida cotidiana que explora o possível, uma vida fundada nas possibilidades que os modos de apropriação oferecem. O processo de reprodução das relações sociais aponta contradições, sob aquilo que se pretende hegemônico. Há sem sombra de dúvida um processo em direção ao estranhamento, que se revela também como reconhecimento. A dialética estranhamento - reconhecimento revela o processo de alienação. Esse parece ser o sentido que as entrevistas apontam.

243 243 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s O direito à cidade O processo de reprodução da metrópole aponta para a constituição de um espaço que se desenvolve priorizando o valor de troca em detrimento do uso e de suas possibilidades, gerando conflitos, que eclodem no plano da vida cotidiana, onde as contradições são percebidas em toda sua magnitude, posto que este nível é aquele da reprodução da vida revelando o fato de que o homem habita ativamente. Nesse processo, faz acréscimos, modificações e, com isso, constrói um espaço diferenciado a partir de suas exigências práticas, bem como de seus desejos. O que observamos nos bairros é indicativo do fato de que os usos transformam os espaços enquanto modo de apropriação particular e específica, como por exemplo, na cor das casas, no arranjo do jardim, nos móveis dos alpendres, na improvisação da garagem, no tipo de muro que circunda a casa, na altura do portão, etc. Como decorrência de uma prática social vivida, cada sujeito se situa num espaço onde se reconhece; o espaço incorpora atos de criação de um mundo habitado e habitável, reconhecido e identificado pelos habitantes. A identidade na metrópole 398 se constrói a partir do sujeito no plano da vida imediata, aquela do bairro, no lugar onde está se desenvolve através dos modos de habitar, nas relações de vizinhança, através do uso do espaço que marca as formas de sociabilidade, de reconhecimento, produzindo os referenciais que dão suporte à memória, porque sustentam a vida de relações e criam a identidade. A relação entre a organização do tempo na vida cotidiana e os modos de usos do espaço para a realização da vida contempla as possibilidades da invenção e da espontaneidade que tem lugar na metrópole. São os momentos das apropriações possíveis que privilegiam o uso em detrimento da troca, nascimento comum de desejos que querem mudar a vida ou intensificá-la e que se colocam como possibilidades de existência dos espaços do encontro, da troca, da informação, dos jogos, do divertimento, do prazer. Isto porque o espaço contém virtualidades que emergem e reproduzem o uso, restituindo e impondo um projeto de espaço. O que se constata é que esta situação vai sofrendo mudanças profundas impostas pela realização da Operação urbana Faria Lima, numa vasta área da metrópole. A vida cotidiana é o lugar onde se dá e se pode ler o conflito, a imposição da necessidade e a sua superação, o que explica a luta dos habitantes dos bairros atingidos pela manutenção do que denominam de qualidade de vida - onde a vida ainda não se banalizou, onde a permanência mantinha a identidade. Lugar de reconhecimento. Território demarcado, específico, particular. Expressão de uma realidade específica. Os movimentos que surgem, nesta área, contra o modo como se planeja e se concebe o espaço da metrópole permite concluir que a sociedade reinventa as situações reconstruindo o mundo, posto que a inventividade caminha junto com os processos de renovação urbana que, cirurgicamente, vão pontuando a metrópole, obrigando os habitantes a criação de estratégias sempre renovadas. Como afirma Lefebvre, é sobretudo o uso político do espaço que restitui ao máximo o uso 399, o que significa o questionamento da produção espacial 398 A identidade se constitui na ordem próxima, mas revela a ordem distante, aquela que diz respeito à constituição da sociedade urbana, com seus valores e modo de vida. 399 Lefebvre, Henri. La production de l espace. op.cit., p. 412.

244 244 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole voltada para a troca e o valor de troca. E, é nesta dimensão que eclode o conflito. O desejo contido na vida cotidiana pode abrir possibilidades reais de ruptura da trivialidade e monotonia do cidadão isolado na metrópole para a constituição de uma rede que o coloque em contato maior e mais denso com o vizinho na luta por um destino comum. OUFL é um instrumento de intervenção do Estado no espaço e aparece como necessidade imposta pela reprodução, no momento atual, que reforça a ideia de que estamos vivendo um momento (da reprodução) em que a produção cessa de assegurar espontânea e cegamente a reprodução das relações sociais, isto é, o estado interfere no espaço criando as condições indispensáveis a reprodução econômica. 400 No caso da OUFL, trata-se da constituição de uma nova morfologia espacial que se impõe como mudança funcional da região, e com isso, seu papel na hierarquização dos espaços na metrópole; mas também enquanto mudanças no uso se constituindo enquanto centro e expulsando habitantes e atividades para áreas menos nobres da metrópole do ponto de vista das necessidades da reprodução do capital. Esse espaço também se refragmenta pela reconstituição do mercado imobiliário através das possibilidades de remembramento de terrenos, da mudança do coeficiente de edificação promovidos pela mudança do zoneamento, pela imposição dos interesses privados do capital bancário, industrial, assegurados através da desapropriação dos habitantes. Nesse processo, o poder homogeneizante provoca uma mudança na paisagem dos bairros, Itaim e Vila Olímpia que estréiam no roteiro arquitetônico dos edifícios de concreto e vidro da metrópole pela programação dos lugares da vida, enquanto lugar do idêntico e repetitivo. Aqui, a renovação urbana, reproduz uma segregação, como consequência da hierarquização dos lugares (econômica e social). Esse processo que decorre da transformação dos usos gera a fragmentação das relações sociais na metrópole, colocando o indivíduo numa situação de mudança brusca que caracteriza o fenômeno de implosão dos bairros. Esta condição da modernidade, na qual o progresso técnico nos impõe a todos o efêmero - situações de conflito que se inscrevem nos espaços da vida - provoca o estranhamento. Essa pressão que tem uma certa história (o projeto de extensão da avenida foi apresentado, pela primeira vez em 1968) e expressa o ponto em que a existência da propriedade privada de pequenas parcelas do solo urbano metropolitano circunscrito nos três bairros que se desenvolveram de forma espontânea 401, representam um entrave à reprodução que se depara com a raridade do espaço urbano. Nesse exato momento, os interesses divergentes entre empreendedores imobiliários, setor financeiro e o Estado convergem no sentido de garantir a reprodução do capital que aparece como uma necessidade de circulação, na realidade a de liberação do espaço para outras atividades; mas o processo não se restaura sem conflitos, que se realiza enquanto contradição entre os interesses mencionados e os interesses dos segmentos sociais. 400 A reprodução no interior da empresa (investimento e amortização) e de fora (reprodução da força de trabalho na família operária), necessárias, não são mais suficientes. Impedir o afundamento do edifício que vai da mão-de-obra à casta política manter um conjunto hierarquizado dos lugares, das funções, das instituições tal é o principal papel do Estado moderno. O processo de reprodução não se autonomiza funcionalmente; ele se realiza num espaço, o espaço político, condição da reprodução generalizada. Lefebvre, Henri. De l État, tome IV, op.cit., p A Vila Olímpia e o Itaim, por exemplo, cresceram espontaneamente do parcelamento de uma chácara incorporada ao mercado imobiliário da cidade em função de seu crescimento, mas que num determinado momento entra em choque com as necessidades da economia moderna exigindo a intervenção do Estado para restaurar a ordem espacial.

245 245 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s O surgimento de um movimento de habitantes contrário à realização da OUFL, criando as associações de Vila Olímpia e Pinheiros, revela o fato de que a ação do Estado longe de eliminar a contradição do espaço produz outras. Isto porque, o Estado não engendra um novo espaço, mas um produto específico da telescopage 402 público privado. A capacidade racional e organizadora do Estado se exerce naquilo que permite a continuidade da passagem dos fluxos em lugar de se perder no caos dos espaços liberados aos interesses privados e locais; o resultado perceptível não é apenas caótico. Lá aonde o Estado abole o caos, ele se erige em espaços fascinantes pelo vazio social... lugares de passagem e somente de passagem. O absurdo aparente é o duplo caráter desse espaço homogêneo (o próprio) e quebrado (não pela diferença, mas pela ruptura no homogêneo que se esclarece desse modo. O resultado provém da telescopage entre duas práticas e duas concepções do espaço, uma logística (global, racial e homogênea), outra local (interesses privados, objetivos particulares). 403 Aqui os bairros da Vila Olímpia, Vila Funchal e Itaim, que tem sua origem numa chácara, no início do século, foram desmembrados e vendidos em pequenas parcelas que deram origem aos bairros atuais. Com o adensamento da cidade e a constituição do espaço enquanto raridade bairros ficaram a meio caminho. A ação do Estado no espaço tende a se impor destruindo fronteiras entre bairros (agora eles estão abertos e se constitui com a mesma fachada que domina outras áreas homogeneizando-as a partir de padrões construtivos semelhantes) e dentro dos bairros - posto que suas estratégias impõe ao espaço uma racionalidade que se quer homogênea e que através de grandes investimentos mudam superfícies imensas da metrópole. É essa ação que o movimento VIVA desmascara e questiona. O projeto de renovação urbana que criaria uma cicatriz viária, que provocaria a divisão dos bairros impõe-se como o extraordinário na vida cotidiana dos habitantes, gerando a necessidade de organização diante de um perigo comum e, neste caso revela a potência e a possibilidade da ação humana na metrópole. Nesse sentido, representa o que existe nos interstícios da sociedade enquanto resíduo, resistência e luta. O movimento unificado lutou contra a revogação da lei 7104 (aprovada pela Câmara em1968 por decurso de prazo que fundamenta a extensão da Avenida faria Lima nos dois trechos, em Pinheiros e Itaim) a partir de dois tipos de questionamento; o primeiro se referia ao fato da lei ter sido aprovada sem debate, sem apreciação devida, o que criava problemas quanto a sua legitimidade e necessidade. Em segundo lugar uma lei votada em 1968 retratava, no caso específico de São Paulo, uma realidade muito diferente daquilo dos anos 90. O movimento 404 dos habitantes 402 O Estado intervém no sentido de reestabelecer, através da reprodução do espaço, a reprodução do capital aqui a contradição no espaço entre o homogêneo e o fragmentado, produtos de práticas diferenciadas do Estado e dos promotores imobiliários, geram o que Henri Lefebvre chama de telescopage produto de duas práticas e concepções diferenciadas do espaço: de um lado, o logístico (global, racional, homogêneo), de outro o local (interesses privados, objetivos particulares). In D Etat tome IV, op cit, capítulo Lefebvre, Henri. De l état, tome IV, op.cit., pp. 299/ Sua primeira manifestação foi em maio de 1991 quando se reuniram para encaminhar ao então prefeito da cidade, Jânio Quadros, pedido para não realizar o projeto de extensão da Avenida Faria Lima conforme havia anunciado no que foram atendidos. Nesta época os moradores da Vila Olímpia e do Itaim reuniram-se num fórum de debates Projetos Urbanos para a Vila Olímpia e Itaim para discutir a extensão da avenida com vários técnicos e urbanistas - realizado na Biblioteca Anne Frank, no Itaim, em 16/05/1991. O movimento ressurge em janeiro de 1993 quando Paulo Maluf assume a prefeitura de São Paulo e anuncia a retomada do projeto baseado na lei de 1968.

246 246 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole dos bairros envolvidos na operação urbana cria duas associações, Vila Olímpia VIVA e Pinheiros VIVO 405, que vão empenhar-se numa batalha política e jurídica para derrubar a lei. Neste processo, desvendam o interesse do grande capital no processo de construção/valorização do espaço e destrincham o modo como o estado penetra na vida cotidiana - através do planejamento do espaço impondo uma outra relação às pessoas com o lugar e, com isso, mudando o conteúdo das relações, com isso revela-se o significado do espaço na reprodução da vida. O movimento começa com a defesa da casa, que aparece como uma estratégia de aglutinação das pessoas 406 ; os moradores correm para as reuniões para saber o que vai acontecer com suas casas, porque no início é muito grande o grau de desconhecimento sobre o projeto da prefeitura, mas num segundo momento, trata-se da luta pela manutenção do bairro, baseado numa concepção sobre a vida na cidade - é aí que surge a ideia de qualidade de vida e da existência de uma comunidade constituída nos bairros que vai embasar a ação e dirigir as estratégias que reforça o sentido de pertencer a um lugar e de ter uma vida de relações mais amplas que aquela confinada aos espaços privados da casa - uma tendência clara na metrópole, hoje. Para Maurício Faria, então vereador de São Paulo pelo PT 407, o movimento não se limitou a proteção dos interesses imobiliários dos possíveis, desapropriados em que uma simples remuneração poderia desmobilizá-los. Trata-se da defesa de suas raízes nesses bairros, dos vínculos afetivos, de sua memória, presentes no álbum de família, das relações de vizinhança, das histórias de vida, das tradições locais, de um modo enfim de morar e viver, coisas que o dinheiro não paga, nem repõe.... O primeiro ensinamento está na relação de cidadania que os moradores dos bairros atingidos estabelecem na Câmara Municipal. No caso do projeto Faria Lima a Câmara se viu levada a experimentar uma abertura pouco comum realizando várias audiências públicas, convocando secretários para prestar esclarecimentos, sendo cobrado a dar satisfações aos moradores. O movimento eclode e no seu desenvolvimento há o desenvolvimento da consciência do espaço através do entendimento do sentido do lugar diferenciado como identidade com o espaço, uma identidade que se descobre coletiva. A partir dessa consciência se desenvolve uma forma e uma estratégia de resistência. Desde 15/01/93 quando foi oficialmente anunciado pelo poder municipal o projeto de extensão da avenida Faria Lima provocou uma mudança muito significativa nos hábitos e relacionamento dos moradores da área envolvida. 408 Uma ideia profunda contida nesta observação num artigo escrito para a Revista Caramelo de 1994, encerra uma sensível avaliação de um processo que ainda não estava encerrado, mas que se mostra, hoje (depois de muitas entrevistas na área envolvida pela extensão da avenida Faria Lima) muito profícua. A participação das pessoas no movimento tem um papel fundamental para a história dos movimentos urbanos em São Paulo, mas encerra antes de tudo um exercício de cidadania quase 405 Num de seus manifestos endereçados à população, esclarecem sua posição como entidade a-partidária que luta pelos direitos do cidadãos... é a ação da prefeitura e não de qualquer partido que está fazendo a cabeça dos moradores. 406 Convém lembrar que muitos daqueles que participaram do movimento tinham apenas na casa sua motivação e quando a situação ficava definida eles abandonavam o movimento. Mas não é sobre esse grupo que se debruça nossa análise. 407 Cf. Revista Caramelo, nº 8, São Paulo, FAU-USP, 1995, pp.104/ Id. ibid. p.106.

247 247 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s esquecido, e que aponta para a riqueza das relações que nascem na vida cotidiana e que são capazes de mudar pessoas, relações, valores e comportamentos. Podemos aventar a hipótese que o movimento faz com que o indivíduo - pela mediação do coletivo - eleva sua ação no nível do político e da consciência política, onde o sujeito age e se reconhece na ação. A sociabilidade tem como ponto de referência o espaço e os habitantes desenvolvem a consciência de que a OUFL vai alterar, radicalmente, este quadro redefinindo as relações sociais pelo sentido e orientação que vai dar aos usos dos espaços dos bairros. O movimento vai trazer a baila, as diferenças espaçostemporais que compõe a metrópole o que resiste e existe nos fragmentos espaciais que compõe e dão identidade à metrópole de São Paulo. 409 A participação dos habitantes no movimento reorganiza a vida cotidiana com um novo controle do tempo das tarefas domésticas, bem como, e a divisão das tarefas no movimento em função da condição de trabalhar fora ou ser aposentado, e nessa atitude, saem da tarefa do estritamente privado, para a partir dela, participar do coletivo pela via da consciência política. Apoiam-se na ideia de que seu modo de morar, constitui uma comunidade que produziu aquilo que chamam de qualidade de vida. A ideia de comunidade aparece como uma ideia de coerência na existência do bairro como realidade urbana enquanto lugar dos encontros, intercâmbio de iniciativa de grupos e de indivíduos que se reconhecem enquanto tal, lugar possível da sociabilidade e da espontaneidade. Antes de tudo a ideia de comunidade revela o conhecido/reconhecido: é real mais do que ilusório e não se aproxima de uma visão idealizada da metrópole. Significa pensar o bairro como possibilidade do indivíduo participar da vida social em grupo; lugar da constituição da identidade que compõe o mundo afetivo. Para Mantovani, um dos entrevistados, a comunidade é formada por uma trama social que é o conhecimento das pessoas que vão ao mercado, que se conhecem, que se cumprimentam, e mantém uma vida harmoniosa. Outro entrevistado afirma que era um movimento de cabeças brancas pessoas ainda descendentes dos primeiros moradores; dos desmembramentos da chácara no início do século. A identidade se constrói na relação com o outro e na relação com o lugar: é essa consciência do pertencer a um grupo e a um lugar que acaba aflorando no movimento dos habitantes e que transcendem a luta pela moradia - pela casa. Na realidade aqui se constata que o habitar envolve mais do que um teto, na luta, as pessoas vão descobrindo o que o habitar indica ou implica sua profunda dimensão espaço-social. Essa relação se constrói na vida cotidiana e produz o suporte da memória. Mas a ideia de comunidade também se reforçou e em alguns momentos para ter se criado no processo de participação das pessoas no movimento VIVA, Sandra retrata bem esse fato com sua própria experiência no movimento. Afirma que no início de sua participação, via as pessoas nas reuniões com quem nunca tinha trocado um bom dia. Com sua participação no movimento passou a demorar para voltar para casa do sacolão, porque as pessoas a paravam na rua para perguntar coisas sobre o processo que estavam vivendo porque é difícil pra média das pessoas 409 A identidade da metrópole é dada por um processo de reprodução espacial profundamente desigual, compondo fragmentos articulados e justapostos de modo contraditório.

248 248 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole entender a coisa. No trabalho diário de participação do movimento vão se tecendo e aprofundando laços de amizades muito fortes para as pessoas que vão à Câmara, então se estabelece um a relação de extrema dependência entre aquelas que entendem os mecanismos e os que não entendem; por outro lado, vai se estabelecendo uma relação de carinho com as pessoas que tinham que pensar como levar os velhinhos para a Câmara, arranjar carros. Há respeito, devoção, você vive a reunião, as pessoas se ligam umas às outras, cria-se relação de respeito de ligação emotiva. Se estabeleceu uma relação de profunda amizade e respeito entre as pessoas. Fazíamos festas de aniversário conjunta e ficou uma amizade para sempre, são coisas que você não tira mais, nós vivemos momentos maravilhosos, feitos, visitas, de situações ímpar como ir ao palácio do governo, conversar ou sair uma foto no jornal com o governador do Estado, são poucas as pessoas que vivem isso. Ou vem a imprensa te entrevistando, a ida à TV, ir nas faculdades Morumbi falar com os estudantes. Então vivemos uma multiplicidade de situações, uma riqueza de vivência que não tem coisa igual, fomos participar de uma audiência pública para defender favelados - uma riqueza de situações, de estar junto, com algumas pessoas. Pessoas convivendo, as vezes diariamente, aproxima as pessoas no cotidiano da luta. As pessoas transferem o afeto; passaram a me conhecer aí passaram a saber que eu era filha da minha mãe, era sobrinha de não sei quem e vai tecendo uma rede de relações. E são relações de afeto. Da participação do movimento se constroem novas que perduram quando a luta acaba; se reúnem para conversar, e não necessariamente, sobre o movimento, falam de suas vidas, de suas coisas, para fazer festa. Conversamos porque somos amigos. Tem coisa rolando, acontecendo. Quando me mudei para essa casa era estudante e via os vizinhos quando saia de casa, não tinha relacionamento de afeto, o fato de ter se juntado a outras pessoas fazendo o movimento me fez descobrir o outro lado, então hoje, paro muito mais para conversar com todo o mundo e todo mundo me pára e acha que resgatou a vizinhança pela ameaça, mesmo com atrito, ampliou a vida de relações no bairro e com as pessoas, continua Sandra. A Associação VIVA 411 para Rosangela, fez o bairro virar uma comunidade porque nós nos conhecemos, todos se conheceram, então a Associação foi um elo, um ponto de apoio. Não tinha ideia do bairro que você vive e não tinha ideia do quanto isso é grande. Não tinha a dimensão que se pode interferir na cidade e as pessoas não se dão conta que podem. Sentimos a força de se unir - normalmente as pessoas se juntam para nada. A força de um grupo dá segurança, você se sente parte de uma comunidade. O movimento trouxe, para muitos, uma noção de comunidade, pois conheceram pessoas com as quais mantém relações que não se esgotaram no movimento, a gente se encontra, alguns vão se mudando você não vê mais é lento esse processo. A bandeira do movimento era o bairro é nosso, nós somos os moradores, nos temos o direito, de discutir um projeto que envolve nosso bairro, e o poder legislativo e o executivo estão a serviço da população, portanto senhores vereadores ouçam o que nós queremos, porque essa é a noção de cidadania que nós temos. As pessoas acordaram muito. O slogan assegurar a qualidade de vida da comunidade e manter a Vila Olímpia VIVA - a Vila Olímpia era nossa, queríamos viva e não destruída. A 410 Essa constatação é feita pela maioria das pessoas entrevistadas que participaram do movimento. 411 Os moradores criaram, juridicamente, uma associação para se fazerem representar e poderem dialogar com as instâncias políticas.

249 249 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s qualidade de vida que o movimento buscava era morar num lugar e se sentir seguro, ter suas relações com as pessoas, de forma que se tenha benefícios, ter o comércio que você precisa. E eu perdi isso, eu perdi o contato com as pessoas, eu perdi os lugares onde eu fazia compras eu estou hoje dependente do carro para ir para o lado de lá. Eu tenho crianças 412 aqui na escola que não podem mais vir a pé, a empregada não pode mais trazer, tivemos que contratar transporte para as crianças mesmo morando há duas quadras, agora tem que vir de transporte porque ficou perigoso, continua Rosângela. 413 Para Sérgio o movimento serviu para as pessoas se encontrarem e participarem, inclusive, de outros movimentos, além de ter criado uma outra sociabilidade no bairro, que extrapolou as relações de vizinhança e criou costuras de cidadania; gente preocupada com plano diretor da cidade, com votações na Câmara, em acompanhar o serviço do legislativo. Ao conviver com o movimento que mantinha relações com vereadores, associações, sindicatos, partidos políticos, acordou uma boa parte dos militantes do movimento para a questão da cidade, há várias senhoras que hoje acompanham o trabalho da Câmara e outras coisas que dizem respeito à cidade como um todo, em sua maioria mulheres. O movimento construiu e criou estratégias a partir do encontro e do diálogo nas ruas dos bairros, no seu pequeno comércio (no caso da Vila Olímpia e Itaim muitos deles ocorreram no Barateiro) nas andanças e passeios que os habitantes realizavam pelo bairro, nas situações da vida cotidiana. Englobou pessoas diferentes, com idades diferentes, com experiência diferenciada, porque é na vida cotidiana que se vive e percebe as mudanças e, elas atingem a todos. O movimento revela o sentido que o grupo confere ao espaço, através do bairro. Isto porque, os habitantes têm uma visão do espaço urbano e da metrópole a partir do lugar que ocupam no espaço, para a realização da vida cotidiana através da organização do tempo e do uso do espaço e que, junto com um modo de vida, traz consigo um modo de ver a metrópole, que vai direcionar a luta contra a proposta de operação urbana apresentada pela prefeitura da cidade. Um modo de ver e de morar na metrópole que se contrapõem ao sentido conferido ao desenvolvimento urbano em função das transformações nos setores econômicos com sua nova forma, nova arquitetura, novas relações de trabalho. Aqui o movimento global da economia invade a vida cotidiana pelo desenvolvimento da estrutura de circulação pela generalização do processo de mercantilização do espaço, pela imposição das condições de reprodução do capital; que aparece como renovação urbana. O movimento foi bastante intenso nos bairros de Pinheiros e Vila Olímpia -neste último envolveu uma parcela significativa de seus habitantes; mas mesmo assim não teve a participação efetiva da maioria dos moradores, como de resto acontece em todos os movimentos. Há pessoas que mesmo fora da área de desapropriação imediata (mas, habitantes do bairro), lutaram até o último minuto, há pessoas desapropriadas que não chegaram na porta onde ocorriam as reuniões, há pessoas que mesmo desapropriadas ficaram até o fim, há outras que se sentindo seguras em relação à desapropriação, deixaram de participar. Por outro lado, não há unanimidade no 412 Rosangela é, além de moradora, dona de um escola na Vila Olímpia. 413 Que tem uma escola no bairro da Vila Olímpia.

250 250 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole movimento, nem sobre as estratégias, nem sobre sua eficácia; mas todos concordam que sem ele os desapropriados não conseguiriam receber a indenização por suas casas, em função da história de outras desapropriações em São Paulo, tratando-se portanto, de uma vitória incontestável que deve ser creditada ao movimento. Por outro lado, há aqueles que classificam os participantes de baderneiros - esse é o discurso da prefeitura que tenta, como estratégia, desqualificar as reivindicações e que tem eco em alguns moradores. Há também aqueles que participaram e disseram que se tratava de um movimento baseado nas necessidades dos habitantes da Vila Olímpia. Mas, incontestavelmente, foi um movimento duradouro que aglutinou uma parcela significativa dos habitantes dos bairros, muitos aposentados que jamais haviam participado de um movimento antes. O movimento foi aproximando as pessoas da avenida poucas vieram e mais para se informar e quem foi ficando no movimento, não eram as pessoas mais atingidas, pois mesmo no caso da rua Miguel Isasa que depois virou Faria Lima, as pessoas queriam mais resolver a desapropriação. Eram comerciantes e juntamente foram amadurecendo o que era o projeto, fomos ao sindicato, o Júlio Neves apresentava sempre o projeto, nunca alguém da prefeitura que tratava o projeto como empreendimento. E tiveram um recuo grande, a ideia de derrubar tudo. As pessoas que ficaram eram aquelas que tinham o sentido do significado do bairro. A convivência e que queriam preservar isso, poder andar, no bairro, de não ter prédio, do lado das vilas, de não perder as referências, diz Fátima. Todavia, é simplista acreditar que se trata de um movimento visava apenas para fins individuais e um movimento típico de classe média, todavia, não se trata de um grupo de moradores de renda homogênea (essa também foi uma estratégia usada contra o movimento para desqualificá-lo e negar sua importância; para barrar suas possibilidades) uma luta que ocorreu impregnada de ideologia. A gestão tenta impedir que os interessados tomem a palavra, quando não consegue, a estratégia é desqualificá-los, denegrir os manifestantes como irresponsáveis. Os políticos e a mídia, raramente, reconhecem os moradores como sujeitos ativos com vontades e desejos e, com isso, tentam reforçar a ideia de que não há conflito no processo de construção da metrópole. Os habitantes diziam ter consciência de que o bairro era realmente diferente do resto da metrópole e lutavam pela manutenção desta diferença. E assim, acreditavam lutar, por um modo de vida, diferenciado numa metrópole que caminha a passos largos em direção a homogeneização dos modos de vida. Por que ele deve ser igual aos outros bairros, por que devemos viver todos do mesmo jeito? Por que o bairro precisa ser invadido por uma nova avenida se não precisamos dela?, perguntavam. E assim, lutavam por um modo de vida, que acreditavam diferenciado numa metrópole que caminha a passos largos em direção à homogeneização do uso do espaço e do modo de vida. O conflito é produto da contradição entre o espaço vivido enquanto valor de uso e o espaço que se reproduz, tendencialmente, enquanto valor de troca; um conflito que se desenvolve na vida cotidiana e se manifesta enquanto problema espacial. O problema urbano se coloca com extrema acuidade, pois se trata de espaços estreitamente submetidos à dominação da troca pela especulação, pelo investimento de capitais, enquanto que um espaço urbano representa um uso,

251 251 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s quer dizer um emprego de tempo. 414 Esse conflito é prático (social). Daí também reside a explicação para o fato de que os habitantes que participavam do movimento fazerem questão de realçar que não se tratava de um movimento reivindicatório, mas de um movimento contestatório. Mas qual o sentido que os habitantes conferem ao termo contestação? O arquiteto Zanetini, presidente da Associação da Vila Olímpia resume a maioria dos movimentos em São Paulo é reivindicatório, onde a população se aglutina em torno de um projeto e atingindo um objetivo se esgota; o nosso é contestatório, ele vai contra uma visão de mundo calcada na cidade negócio, mercadoria, como valor de troca e de uso, onde o valor de troca quase sempre supera o valor de uso. Nesse sentido a cidade é vista como investimento que deve ter uma aplicação e um retorno com o maior lucro possível. Esta visão está por traz de toda a questão urbana atual. 415 Ainda para Zanettini o maior ganho do trabalho de dois anos foi o crescimento gradativo do repertório cultural dos envolvidos no processo. As pessoas começaram a perceber que não tem sentido o seu pedaço quando ele não faz parte de um todo de vida coletiva. As relações de vida urbana, de trabalho, de vizinhança se aqueceram... os moradores se sentiam ligados ao bairro, mas não conseguiam perceber muito além de seus limites. Hoje conseguem perceber que há uma construção coletiva de inegável qualidade. 416 Mantovani afirma que o movimento é pioneiro na cidade porque é um movimento contestatório, contra a chegada do livre progresso, isso porque, a classe média sempre esteve engajada com o poder admirando e batendo palma para o progresso que viria com a abertura da avenida, mas entendeu que a abertura da avenida iria modificar seus hábitos, seu modo de vida e ia destruir uma trama social que existe no bairro. A vida da comunidade é formada pela trama social que é o conhecimento das pessoas, que vão ao mercado, que se conhecem, que se cumprimentam e a passagem da avenida destruiu a vida harmoniosa que existia no bairro; ruas tranquilas e arborizadas, sem movimento, era uma vida tranquila. Quando as pessoas perceberam que a passagem da avenida iria destruir isso, elas vão contra. Mas, existia uma conscientização que iria ser destruída aquela maneira de viver e não queria perder a qualidade de vida. Outra razão que motivou as pessoas a pensarem no assunto foi o susto; a situação que vinha de outras administrações de um projeto pedido pela prefeitura para um grande escritório de arquitetura de São Paulo e que iria inicialmente desapropriar quase imóveis cujo pagamento seria feito com base no valor venal dos imóveis e as pessoas não teriam o poder de escolha e teriam que deixar o bairro e as pessoas começaram a se organizar. Havia pessoas do bairro que começaram a se informar em várias instâncias da administração da prefeitura eram vizinhos. Sandra reforça a tese ao afirmar que o Leopoldo sempre dizia que a nossa grande coisa foi não ser um movimento reivindicatório, não se pedia água, luz, e, com isso eles não estavam acostumados, mas para contrapor uma ideia, é isso o que foi responsável por ter dado na mídia uma repercussão muito grande, então tinha fato, argumento, tinha coisas com que contestar, o que deu sustentação ao movimento. Tinha muito assunto para ser debatido, ideia para ser proposta, o 414 Lefebvre, Henri. De l État, tome IV, op.cit. p Siegbert Zanettini, entrevista na Revista Caramelo, nº 8, op.cit., p Id.ibid. p.117.

252 252 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole Cândido 417, duas vezes secretário começa a se aproximar do movimento, faz um plano diretor do bairro, com uma equipe de jovens pesquisadores, e com o pessoal de Pinheiros. Vila Olímpia VIVA representando Itaim, Vila Olímpia, Vila Funchal, na outra ponta Pinheiros VIVO, com Horácio de presidente, carregando atrás de si as pessoas as mais diferentes, é claro, pessoas que só queriam preservar a sua propriedade, que quando percebem que a propriedade está salva abandonam, outras que vão cada vez percebendo princípios de cidadania, tem ideias, criam vínculos de amizade, e a gente tem amigos para sempre aqui. O movimento nasce por um medo do desconhecido ( vou perder minha casa ). Ter salvo a maior parte do bairro da desapropriação é o fundamental dessa história, porque você tira o caráter que a desapropriação é involuntária. Aqui, a propriedade privada do solo urbano como condição e limite da reprodução do capital aparece no debate sobre a desapropriação; que por outro lado também expõe a contradição entre a luta pela sua manutenção e a possibilidade de seu questionamento como definidora da segregação espacial e dos processos de mercantilização do solo urbano. Esse movimento contraditório se revela como momento de reprodução do espaço da metrópole. Por sua vez, quando a luta deixa de ser aquela da manutenção da propriedade para ser uma luta pelo direito à cidade há no que se refere à consciência do espaço, uma mudança de patamar. É interessante observar como as senhoras (donas de casa) que participaram do movimento fazem a avaliação de sua participação. A Beverlei de Pinheiros diz que aprendeu a conhecer os políticos, sua falta de caráter, sua insensibilidade...; diz que fazia um pouco de tudo no movimento, ia às reuniões na Câmara, ao palácio dos Bandeirantes ao escritório do Júlio Neves, do Cândido, do Zanettini, fora as reuniões em secretarias. Afirma que conheceu muita gente no movimento, fez amizades com pessoas de outra rua, ou mesmo aquelas que só conhecia de vista. E a amizade hoje perdura, a gente se telefona, se encontra na igrejinha da comunidade japonesa, faz festas, encontros em aniversários, a gente vai pra Vila Olímpia ou eles vêm para cá. Se encontram para tratar de outros assuntos, que dizem respeito à metrópole, como por exemplo, bairros verdes. Diz que entrou no movimento por causa do direito de cidadania, a cidade está um caos e era uma obra que para ela tinha necessidade porque o objetivo era melhorar o trânsito e para ela isso não aconteceu. A conquista do movimento, para ela, foi um exemplo de cidadania; alguns movimentos surgiram desses nós ensinamos o pessoal, mesmo que a gente não consiga o objetivo nós demos um bocado de trabalho, íamos quase todas as semanas na Câmara. Aprendi muito com o movimento. Antigamente, não tinha uma noção política, agora já sei que tem que escolher bem o vereador é ele quem governa a cidade. O que estamos passando é porque a maioria dos vereadores não vêem que foram eleitos para trabalhar pelo povo, foram eleitos por um partido e se vendem para o Maluf. Dona Deolinda, habitante de Pinheiros, assim se expressa: foi bom ter participado porque se aprende muita coisa inclusive conhecer na mão de quem está a cidade, amor à cidade, ao país, na mão daquela corja. Vimos direito quem são e como trabalham, vimos isso lá indo toda semana na Câmara, onde a maioria é sem vergonha. Afirma que chegou a falar com um deles fiquei contente em ver tanta gente jovem aqui na Câmara, mas infelizmente vocês estão seguindo a mesma escola Refere-se ao arquiteto Cândido Malta.

253 253 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s escola que eu queria que acabasse. Eu sou uma cidadã, posso não conseguir nada, mas vou lutar. Dona Rosa assevera que entrou no movimento de medo de perder a casa, era viúva, teria muito problema; participar do movimento foi bom porque conheci muita gente, fui à Câmara Municipal e abri o olho, tinha muita coisa que eu não sabia. Comecei a andar e até me diverti. Conheci gente de outro bairro, Itaim e Vila Olímpia. O movimento começou grande, quando viram que a casa não seria desapropriada então saíram do movimento. A convivência no movimento produziu amizades, como a Beverlei que morava no bairro e que não conhecia, morava tão perto e não conhecia, depois do movimento fiquei amiga dela. Algumas nunca mais vi, as que foram desapropriadas. Dona Alice (68 anos) diz que ficou muito ligada ao pessoal do movimento, a casa era um ponto onde também se encontravam, foram os últimos a sair já não tinha mais vizinhos, a medida em que se ia derrubando tudo. Conheci muitos da Vila Olímpia. Era uma folia. Aprendi muita coisa sobre política, você não sabe como é o mecanismo lá dentro (na Câmara). Nunca vivi tanto. Tinha várias coisas que você não conhecia, que só se lia no jornal, conhecemos lugares a partir do movimento. Tinha lugares que só ouvia falar, como o Museu da Casa Brasileira, o Museu da Imagem e do Som. Conheci lugares. Dona Eunice, da Vila Olímpia, diz que ficou a amizade e um certo conceito de direito e do que é cidadania, que você pode protestar. Na mesma direção Rosangela afirma: eu aprendi muito com o movimento, eu faço hoje eu aprendi que se pode fazer para você, mas também para os outros. A partir de sua participação do movimento participa, hoje, de uma ONG e de associação latino-americana. A minha vida mudou encontrei sentido nesses trabalhos, fora dos problemas do dia a dia com a experiência que aprendi na Vila Olímpia. As pessoas não são as mesmas depois do movimento. Mudou a vida, o modo de entender a cidade não só ela como os outros. O movimento tomou força na Vila Olímpia os outros vieram a reboque, afirma Leopoldo. Foram falar sobre a experiência em Pinheiros, o pessoal do Itaim veio para a Vila Olímpia. Houve fusão de dois movimentos não de três. O chute inicial veio da Vila Olímpia. Momentos delicados de organização o resto era dona de casa que resolveu participar e acabaram tendo um papel imenso no movimento indo para rua para convencer as pessoas, coletar dinheiro, passar abaixo assinado. Caso da Beverlei (tem que ter alguém para fazer esse trabalho) e que comentava que ainda tinha que passar a roupa, mas trabalhou como ninguém, passou muita descompostura em vereador na Câmara. Há, portanto um ganho nesta participação, a consciência política do indivíduo e de seu papel na sociedade, vai se constituindo pela mediação do coletivo na ação. O movimento estava questionando o papel do poder político na gestão do espaço na metrópole, as contradições que a propriedade privada do solo urbano impõe ao desenvolvimento do capital. O que estava em questão era o entendimento do espaço enquanto mercadoria, no plano da reprodução do capital. Por sua vez, o espaço valorizado pela infraestrutura aufere lucros aos proprietários, definindo estratégias imobiliárias. Nessa dimensão, a sociedade se reduz à dimensão econômica, produto de uma leitura redutora da cidade enquanto quadro físico preso ao universo do valor de troca e das necessidades do desenvolvimento da acumulação. Enquanto condição da reprodução o espaço se reduz ao quantitativo. A OUFL enquanto projeto viário reafirma, nessa dimensão, o espaço enquanto distância a ser percorrida, ponto de passagem; nessa perspectiva, vira possibilidade e

254 254 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole limite da fluidez do transporte. Aqui o espaço tem como única qualidade possível, a quantidade de tempo. Tempo e espaço se transformam em quantidade. O espaço enquanto velocidade abole o tempo enquanto tempo da vida, portanto da realização possível do uso. Aqui ele é infraestrutura e a metrópole assume um rigor formal reduzida à forma esvaziada de seu conteúdo. O movimento aponta a produção do espaço da metrópole apoiado no modelo automotivo ; o espaço se produz considerando as necessidades de desenvolvimento do automóvel e com esse objetivo se reconstroem áreas inteiras da metrópole. 418 A necessidade de produção incessante de novas pontes, viadutos, avenidas cortando e interligando áreas da metrópole de modo estratégico produz o estado crítico; o congestionamento que imobiliza e que torna necessário mais vias e mais pontes, sacrificando o uso para esta forma de crescimento. E é esta uma das questões colocadas pelo movimento, o poder da indústria automobilística de influenciar a produção do espaço, através de sua articulação com o Estado e a possibilidade de criações de formas irredutíveis à circulação. O movimento revela que os habitantes envolvidos neste processo de transformação radical da área se deparam e tomam consciência de um estado crítico que os leva a pensar o espaço da vida - o bairro - de onde surge a necessidade urgente de propor outra coisa: o de manter o espaço do bairro como ele é. E com isso buscam e apresentam uma visão de espaço a partir do enfoque da vida no bairro e das necessidades e desejos dos habitantes, para quem a cidade é mais do que infraestrutura. Trata-se da insurreição contra os poderes estabelecidos, a construção da luta a partir do resgate de uma identidade entre os moradores e o bairro, que propõe um devir que foge a instrumentalização do espaço, questionando a mercantilização do espaço da vida, os sentidos dos espaços públicos, a dominação do Estado; nesse sentido se coloca como resíduo na metrópole. Seu sentido e existência refere-se, a meu ver, a ideia de que os habitantes utilizam os lugares para restituir os usos, a espontaneidade e a possibilidade dos encontros mesmo irrisórios, isto porque a satisfação das necessidades elementares não chega a matar a insatisfação dos desejos fundamentais como aquele da manutenção dos lugares onde se desenrola a vida de relações. Ao mesmo tempo lugar de reencontro, convergência, comunicação e informação, o urbano torna-se o que sempre foi, o lugar do desejo, desequilíbrio permanente, sede de dissolução de normalidades e coações, momento do lúdico e do imprevisível. 419 Este momento vai até a eclosão da violência latente, sob coações e normatizações da vida na metrópole. O que estamos desenvolvendo neste capítulo é a ideia de que as formas se ligam à temporalidades históricas, a construção da vida a modos de apropriação, a ideia de duração; atos que se apoiam na constituição dos marcos referenciais em que se baseia a memória. O processo de reprodução do espaço urbano, na metrópole, nos coloca diante de uma contradição: de um lado o espaço como condição da reprodução econômica, visto enquanto mercadoria ou condição material da produção, e de outro o espaço enquanto condição para a reprodução da vida na metrópole. O movimento escancara essa contradição, inerente ao processo capitalista de produção do espaço. Ilumina também uma outra contradição entre o espaço abstrato, concebido (global estratégico) e o 418 Nesta região, temos um caso típico: a abertura da avenida Juscelino Kubistischek e sua articulação com o complexo viário Ayrton Senna contemplando um complexo de túneis numa ponta e, na outra, o túnel sob o rio Pinheiros. 419 Id. ibid., p.87.

255 255 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s espaço fragmentado pelas estratégias imobiliárias, mas imediato vivido e percebido pelo indivíduo, através do uso, na vida cotidiana. Para Lefebvre essa contradição aparece no plano institucional entre os planos gerais de planejamento e os projetos parciais dos mercadores do espaço. 420 O contexto da urbanização generalizada amplia as contradições entre os habitantes e a gestão do espaço através de intervenções (muitas destas voltadas as formas materiais de circulação) que se apoiam numa forma de entendimento da cidade. A luta pelo espaço reveste estas contradições. As entrevistas dos moradores que participaram do movimento VIVA, revelam os fatos e análises feitas por aqueles que foram testemunhas de uma longa e intensa luta; podemos notar que as falas se completam, se enriquecem umas às outras porque tratam de fatos que tem ressonância coletiva, pois foram construídos coletivamente. Completam-se sem se contradizerem ajudando a montar um mosaico com os fragmentos que, ao se aproximarem, ganham uma vida múltipla e vão revelando a vida numa metrópole em transformação. Não se trata de uma história de vida, de lembranças remotas, mas da fala sobre um passado - presente, na composição de um quadro que nos possibilita entender os processos que explicitam hoje a metrópole. 421 Não resta a menor dúvida que há fatos significativos que diferem de sujeito para sujeito em função do modo como viveram esses fatos; aqui o que conta é a ação e a participação de cada um. Através da participação no movimento as pessoas se identificam, porque na vivência, construíram um passado, uma história comum o que faz com que os depoimentos sobre a participação no movimento apareçam cheios de nuances; todavia, convergem na construção da ideia de criação de uma identidade a partir do lugar e da ação surgida da consciência de que defendem a casa e o bairro enquanto lugares da vida. Claudia, expõe seu ponto de vista da seguinte maneira: eu como sou uma pessoa que não estava militando em nada, tinham pessoas que já estavam engajadas em outros movimentos e eu não, eu estava aqui na minha casinha. E Maluf tinha um projeto de bulevar que ia pegar o meu pedaço. Soube por moradores da rua que iria ter uma reunião e foi aí que conheci as pessoas... era uma faz tudo porque não era nada nem arquiteta, nem socióloga. Fazia o prático, descolava entrevistas nas rádios, ajudava. Fazia tudo como todo mundo fazia todas as tarefas. Avalia que todo mundo fazia de tudo, mas este todo mundo era pouco. O movimento teve um tempo em que numa etapa x pessoas fizeram e participaram. Uma coisa normal as pessoas vão entrando, a Angela na primeira etapa com a Sandra, Leopoldo, Camargo, Sérgio, quem não podia trabalhar até de madrugada estava lá presente ao longo do dia como Dona Regina dentro do cotidiano delas, do ritmo delas. O Maurício Faria esteve do lado do movimento do início ao fim 422 O movimento 420 Lefebvre, Henri. Le Droit à la Ville, op.cit. p Um dado também interessante a ser ressaltado é que este movimento teve um âmbito maior do que a luta pela preservação dos bairros envolvidos pela OUFL: criaram relações com outros movimentos que pipocavam na metrópole. Frank, dentre outros, revela que moradores de outros bairros da metrópole procuravam o pessoal da Vila Olímpia para saber como agir em determinadas situações e eles orientavam com sua experiência. 422 As pessoas se conhecem e/ou tem condições de descobrir os mecanismos da luta, por tratar-se de pessoas de uma classe média e média baixa que têm acesso (através dos profissionais liberais, professores etc.) à informação e que conseguem levar o debate tanto no plano da vida cotidiana quanto no plano técnico. A estratégia do movimento é bem inteligente e envolve várias frentes. Uma delas é destrinchar os meandros da burocracia encaminhamento junto à prefeitura, a Câmara Municipal, a relação com a mídia. Através de uma divisão consciente do trabalho, cada grupo se orienta para o desenvolvimento de um tipo de estratégia. Uma delas foi legalizar juridicamente a existência de uma Associação para que pudessem encaminhar petições. É assim que as donas de casa, principalmente as mais velhas, e os aposentados, fizeram o trabalho de convencimento da Câmara Municipal tentando conversar e convencer os vereadores sobre o projeto da OUFL, tentando convencê-los a votar contra, mas antes a debater uma visão de cidade. Sobretudo o

256 256 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole vai se constituindo na luta criando estratégias à medida em que vai acontecendo, é Fátima (Pinheiros) quem esclarece que o movimento vai aproximando as pessoas, foram amadurecendo o que era o projeto, fomos ao sindicato, o Júlio Neves apresentava sempre o projeto, nunca alguém da prefeitura; ele tratava o projeto como empreendimento. E tiveram um recuo grande, a ideia de derrubar tudo. As pessoas que ficaram [no movimento ] eram aquelas que tinham o sentido do significado do bairro, a convivência e que queriam preservar isso; poder andar, no bairro, de não ter prédio, do lado das vilas, de não perder as referências. Um fato aparece, para os participantes como extremamente rico para a convivência que foi o emplacamento das casas da Vila Olímpia 423, quando uma equipe organizada com camiseta, escada, martelo e muito bom humor percorreu, nos finais de semana as ruas do bairro, com muita vontade 424 para discutir com moradores o projeto Faria Lima e, para defender o seu pedaço. Decorrente desse processo, 98% das casas acabaram estampando nas paredes a vontade de seus moradores. Frank ressalta que nunca colocaram nenhuma placa a revelia, eles conversaram com todos e pediam licença para colocar a placa. O dinheiro saia do bolso dos principais organizadores do movimento e pedindo às pessoas. Sem porrada, só conversando com todos. O prefeito nos acusava de petistas. Não éramos petistas, mas foi graças ao PT que conseguimos muita coisa. Sempre quisemos ter um encontro com o prefeito, conversar, mas ele nunca atendeu, apesar de afirmar no jornal que queriam o diálogo. Leopoldo ao relatar as experiências do emplacamento afirma que muitos tinham medo de represália, como o caso de uma funcionária pública, que perguntou se não perderia a pensão se assinasse o abaixo-assinado contra a OUFL. Os homens com as escadas para pregar placas, as mulheres explicando para os habitantes. As pessoas passavam de carro, paravam e buzinavam mesmo aqueles, que não seriam prejudicados diretamente com a OUFL, pediam o adesivo, alguns moravam em apartamentos e colocavam-nos em suas janelas. Com isso, as pessoas despertaram para a possibilidade da luta. As pessoas têm uma atitude servil baseada na ideia de que o poder pode tudo e o movimento conseguiu, durante um tempo, romper com essa barreira, muitas pessoas nunca antes tinham participado de um movimento, e achavam legal porque falavam, pensavam, discutiam. Mas, depois a grande questão que fica é como as coisas podem crescer sem serem apenas fatos episódicos. As entrevistas 425 com os moradores, em geral, nos esclarecem sobre o sentido do lugar da vida expressando uma realidade social e, com isso, o que é a vida de cada um interpenetrado por vários planos - é o passado que irrompe no seio do presente para aí marcar o contraponto, o que era, o que é, como ficou o bairro depois da cirurgia urbana. O passado aqui não é um passado remoto, tem uma força apenas contrapontística em relação ao presente no contexto a partir do qual se inserem as mudanças espaciais dando o tom e a velocidade da transformação. Aqui, rapidamente, o presente virou passado, essa é a especificidade deste lugar da metrópole. movimento apresenta um debate maduro sobre o sentido e entendimento sobre a vida na metrópole, o que redundou num debate sobre qualidade de vida, que merece destaque e que ganha visibilidade na mídia da metrópole. 423 Significa a colocação de pequenas placas na frente das casas da Vila Olímpia com os dizeres Faria Lima. 424 Revista Caramelo, no 8 p Se convergem quanto a seu papel de cidadão, se indignam de modo diferente com o modo como o executivo e o legislativo tratam os cidadãos da metrópole: para muitas senhoras eles ironizavam-nas, havia um descaso de como o executivo e o legislativo tratavam a questão.

257 257 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Fátima afirma que Pinheiros vai se modificando aos poucos todo dia vai sofrendo mudanças que faz parte do cotidiano e que vão sendo absorvidas, nesse caso não [a OUFL impunha uma mudança], muito violento e era uma população muito antiga nesse pedaço, as vilas e aquela coisa: eu vou sair daqui para onde, quanto vão me pagar? A discussão girava em torno da qualidade de vida, da memória. A posição ditatorial da prefeitura. Enfim as pessoas achavam que a OUFL era uma grande violência. Não passa pela cabeça entregar um bem que demorou tanto para se realizar, para especular, para um setor fazer fortuna de um dia para o outro. O projeto vem de fora ele entra, destrói, para os especuladores chegarem e tomar conta disso. Para um grupo de mandarins da cidade que são incorporadores imobiliários, em cima de pequenos moradores, com pequenas propriedades. O segundo era o modo que o projeto iria destruir uma região. É uma ação de destruição o que acabou ocorrendo, pois separou fisicamente a região o lado de cá e o lado de lá. Você não passa de um lado para o outro, você isolou o bairro; vai quebrar as relações primárias (de vizinhança) na cidade motivada por ganância econômica de um grupo. É uma luta de interesses de classes. As entrevistas não dão margem de dúvida - não importa a idade ou o bairro onde moram os entrevistados: a Operação Urbana Faria Lima destruiu o sentido dos bairros abrangidos pelo projeto, um projeto imposto pelo executivo associado a interesses econômicos que foi capaz de mudar, radicalmente, em muito pouco tempo a vida neste lugar da metrópole. Para eles a construção da avenida transformou os bairros em lugares de passagem numa operação denominada arrasa quarteirão. Neste processo, o bairro conhecido vai, aos poucos, cedendo diante dos tratores que constroem a nova avenida que, segundo os técnicos, seria fundamental para diminui o trânsito na região, insustentável na hora do rush, mas que produziu contrário. Abrem-se para novos pontos de congestionamento; e expande-se o homogêneo nosso bairro ficou igual a qualquer outro, diz uma entrevistada. A abertura de avenidas, construção de túneis na metrópole se vincula à ideia de produção de uma cidade voltada para o uso do automóvel priorizando trajetos, tempo de percurso e com isso construindo os principais eixos viários da cidade, baseado no tratamento da metrópole enquanto possibilidade de deslocamento e assim, o que estiver no meio do caminho deverá simplesmente desaparecer, ceder seu lugar às novas e necessárias formas metropolitanas. Esse comportamento sinaliza um entendimento sobre a metrópole e a vida na metrópole, onde as políticas públicas se voltam para o projeto de obras que atestam a prioridade dada ao transporte individual em trechos valorizados da metrópole. Se de um lado a construção de uma avenida tende, em tese, a abrir caminhos mais curtos na ligação entre áreas da cidade, a nova avenida também reforça a valorização da área em questão e disso ninguém tem dúvidas. É assim que o moderno se realiza (ou aparece) num espaço cortado por túneis, viadutos e amplas avenidas que simbolizam a eficiência da gestão no espaço, e dão visibilidade a ação política (que se imprime na paisagem). Como aqui os moradores eram proprietários a propriedade precisava trocar de mãos; logo a estratégia tinha que questionar sua validade - é assim, que no discurso oficial - o interesse individual deveria se submeter ao coletivo, tendo em vista a modernização da metrópole. Mesmo sendo uma ação circunscrita a um fragmento da metrópole, ela ilumina o processo global de produção do espaço na metrópole (como intenção e como

258 258 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole prático). O progresso aparece em sua inexorabilidade definindo o destino dos cidadãos; onde e como morar, como se deslocar, o que e como consumir, que tipo de transporte usar, como educar os filhos, onde ir nos finais de semana, que livro ler e, assim por diante. Neste patamar a metrópole e a vida se redefinem e se reestruturam segundo uma lógica racional que impede contestações, redefinindo o presente e assim, impondo um futuro, um modo de vida, um modo de pensar e, basicamente, uma forma de calar-se Os históricos X Os Intrépidos O discurso da modernidade cria, na sua esteira, a personificação dos sujeitos que capitaneiam o processo de transformação necessários à sua plena realização, confrontados com aqueles que agem de modo a dificultar ou mesmo impedir a saga moderna. Nesse contexto a mídia cunha a imagem de históricos para aqueles que são contrários a OUFL, o que quer dizer que o mesmo que ultrapassados conservadores, os que negando o presente, enquanto império do novíssimo. É assim que, no debate em torno da OUFL, os discursos contrapunham os históricos e os demolidores 426, expressão que guardava o sentido positivo qualificando-os como homens de ação, que sabem agir e que, como Ulisses, navegam entre mares revoltos e perigosos; intrepidamente. Estes em seus discursos subestimavam o movimento na sociedade; a contestação não tem sentido num mundo onde a técnica - sinônimo do progresso - invade a vida positivamente: para uma racionalidade técnica certa demais, o qualitativo é inimigo. Seu espectro assombra os escritórios. É refutado, combate-se a preocupação com o qualitativo como sendo nostálgica, passadista, recordação de épocas findas. Toda efervescência, toda conduta inovadora e criadora - para retomar a linguagem de Georges Gurvitch - é percebida como incômoda, efeito ou causa de perturbação,... organizar é sistematizar. 427 E são essas concepções que vão opor os históricos e os demolidores. Estamos aqui no centro do debate sobre o sentido da cidade : alguns de seus porta-vozes revelam as ideias que embasam e orientam as estratégias do movimento e revela uma luta pelas possibilidades de manutenção de uma vida diferenciada na metrópole, possibilidades cada vez mais remotas posto que, os processos de transformação na metrópole se apoiam no processo de valorização do solo urbano - presentes e futuras - onde a vida nas suas dimensões mais ricas vai se reduzindo; uma redução que se dá ininterruptamente e de modo sempre escamoteado como imposição de uma vida metropolitana moderna. O movimento VIVA se contrapunha a essa tendência. O professor Antônio Cândido morador da Vila Olímpia assim se posiciona sobre o projeto da OUFL: é um projeto concebido num tempo em que a condição de ocupação da área era bastante diferente. É certo que ele facilitará a afluência do trânsito em benefício, sobretudo de quem tem automóvel. Mas destruirá muitas 426 Termo usado pela imprensa na manchete de um artigo sobre os projetos arquitetônicos realizados na metrópole por Júlio Neves e que é, ao meu ver, um vocábulo bastante significativo para exprimir as posições em conflito e seu sentido. 427 Lefebvre, Henri. Posição: contra os tecnocratas, op.cit., p.63.

259 259 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s casas, perturbará uma vida regional razoavelmente equilibrada e poderá promover o deslocamento forçado de grande parte dos moradores sob pressão dos interesses imobiliários privados. Ao longo do tempo o plano mudou, o que era antes o projeto de construção de um bulevar agora é apresentado como um prolongamento da avenida acarretando demolições indispensáveis prevendo áreas adjacentes, nas quais poderão ser efetuados acordos para empreendimento imobiliários. Um motivo partilhado por quase todos os moradores da Vila Olímpia que tomaram posição é o desejo de preservar além da moradia de cada um, em geral adquirida com muito sacrifício, a integridade de um bairro modesto, mas equilibrado que nesta cidade difícil consegue funcionamento adequado. Para o professor o quadro se delineia dentro da perspectiva de um urbanismo predatório e monumental da metrópole. Uma outra faceta do problema colocado pelo professor Antônio Cândido refere-se ao papel dos vereadores no processo, a votação na Câmara Municipal favorável ao projeto da Operação Urbana sob alegação de que estariam defendendo interesse da população. Na realidade, o movimento questiona o papel da Câmara na representação dos interesses da população. As mulheres que participaram assiduamente das pressões aos vereadores acreditam que a maioria dos vereadores não se importavam com os desejos da população e denunciavam o esmagador poder do legislativo sobre a população. 428 Antônio Cândido define o movimento como de legítima defesa e adverte não nos façam, portanto a injustiça de pensar e dizer que somos maus cidadãos, como não lhes faremos a de insinuar que estão defendendo, não o interesse da população, a qual se dirigem, mas outro a que englobam a política de depredação urbana sem planejamento racional diretor, em benefício de empreiteiros e incorporadores. O arquiteto Zanettini em palestra na Câmara Municipal 429 adverte que a lógica da ocupação do espaço paulista nos últimos quarenta anos se realiza pela abertura de avenidas como suporte efetivo para a abertura de espaços trazendo, como consequência, a especulação e forçando a mudança de uso. Essa lógica perversa é que vai construindo a cidade sob a égide de um urbanismo autofágico, um processo altamente destruidor do espaço urbano de caráter superficial de modo à dar suporte à lógica do automóvel. O projeto, inicialmente apresentado pelo arquiteto Júlio Neves, sob a forma do, Bulevar Sul, baseia-se numa visão de urbanismo de superfície baseada na engenharia de tráfico, onde o sistema viário acaba caracterizando o processo de desenvolvimento da cidade, onde a especulação imobiliária acaba caracterizando o processo de organização do espaço urbano. Chama a atenção para a tendência em São Paulo da homogeneização da paisagem urbana a Vila Olímpia vai se transformando numa massa uniforme; tanto faz você entrar num bairro ou noutro, Moema ou Santana, ou qualquer outro bairro que tenha essa característica, você não consegue ter mais referência da cidade. Você não consegue mais perceber a história da cidade e ver a silhueta da cidade. Em outro momento afirma que a avenida, como cicatriz, muda o uso de uma área superior aquela da avenida propriamente dita gerando o escombro com a pressão do tráfico e a mudança de uso; quando uma avenida dessas passa dessa forma, num bairro como esse, não sobra nada a 428 Daí a pertinente pergunta de Antonio Candido: Já pensaram em urbanismo predatório? Terão elementos seguros para achar que estão mesmo defendendo o interesse da população? Por que não analisam de perto o que está acontecendo? 429 Presidente da Associação Vila Olímpia VIVA, 29 de março de 1993.

260 260 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole não ser escombros. 430 Para Zanettini a OUFL como proposta isolada se restringiria a consolidar uma visão anacrônica da cidade, e como empreendimento reduziria a cidade a um negócio como uma mercadoria que se compra e se vende. Deste modo, o projeto reduziria a cidade àquela de cidade-negócio. Os Neros de São Paulo vêem a cidade como um negócio. Como uma mercadoria cidade, um investimento que precisa dar um retorno bom e rápido. São insensíveis aos princípios que tornam uma cidade boa para seus moradores para mim a cidade não é um projeto físico. Para a vereadora Adaliza Sposati presente ao debate reforça essa ideia, a Câmara de São Paulo tem sido muito mais uma bolsa de especulação imobiliária do que de fato um espaço para construir políticas globais para a cidade... não existe nada que dê diretriz à cidade. Então ela fica sendo, na verdade, um espaço de play ground do jogo de governantes que balançam para lá ou para cá, a favor de seus interesses pessoais. E nisso nós temos que dar um basta. 431 No bojo das necessidades da construção da cidade dos negócios, as estratégias envolvem 432 tirar até lei da gaveta, uma lei de 25 anos atrás para criar o fato consumado, quando na verdade o que se sabe é que o objetivo não é implantar uma avenida, o objetivo principal é implantar uma avenida para alterar os usos em torno da avenida; enfim, multiplicar o valor do solo para efeito dos interesses dos empreendedores imobiliários. Para o vereador Maurício Faria, o movimento coloca em discussão os rumos da cidade de São Paulo; se é possível uma cidade mais humana, planejada democraticamente. A força dos argumentos do movimento, para o vereador, o diferencia dos outros, que teve acesso nos seus dois mandato, pelo poder de argumentação pela força das ideias, e que colocou o poder público numa posição muito embaraçosa. 433 Nos jornais e revistas o debate entre Zanettini e Júlio Neves (arquiteto responsável pelo projeto e negociador da prefeitura) ganha tons fortes e revela, mais do que posições (em relação ao projeto), uma visão sobre a metrópole e a gestão do espaço. Para Júlio Neves a cidade aparece como investimento de capital que precisa de retorno; para Zanettini o urbanismo, defendido por Neves, se reduzia a uma construção de cenários que encobrem as condições da cidade pois referese a tapar, com um cenário de primeiro mundo, os bolsões de miséria que envolvem a cidade; para mim a cidade não é um desenho, um projeto físico, mas é um projeto cultural e coletivo, como lugar da vida, do encontro e convivência de seus habitantes... está na cabeça de muitos arquitetos que a cidade é um investimento de capital que precisa dar retorno. 434 Nessa reportagem, a posição de Zanettini, é taxada de retórica pelo articulista, e não como um modo de ver a cidade, e ironizando, afirma que Zanettini luta com palavras e ele é forte nisso. 435 Sérgio Carneiro avaliava, à época, que faltava um planejamento geral para a cidade com diretrizes de desenvolvimento e uma concepção futura de sua crise urbana. Afirmava 436 que o arquiteto Júlio Neves conseguiu se firmar como urbanista mais influente de São Paulo e que estava 430 Zanettini afirma ainda que o projeto do bulevar Sul não foi aprovado nas gestões anteriores dos prefeitos Jânio Quadros, nem de Luíza Erundina, porque não havia convergência entre os interesses políticos e econômicos e se pergunta se o que justifica esse momento não seria a necessidade do setor imobiliário associado a um momento de crise econômica. 431 Ata da Câmara de 23/?/ 1993 transcrição pp.55/ Verador Maurício Faria também presente na palestra do professor Zanettini na Câmara Municipal de São Paulo. 433 Id.ibid. pp. 48/ Zanettini, Jornal da Tarde, 13/05/ Jornal da Tarde, 13/05/ Tal qual citado na revista Construção, 03 de abril de 1995.

261 261 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s junto com o Maluf e o secretário Reinaldo de Barros à frente do progresso: a cidade dos interesses imobiliários e do consumo em escala, acima das pessoas e das comunidades que construíram seus espaços de moradia e de trabalho. 437 Os promotores imobiliários ganharam importância na medida em que, com sua ação junto ao Estado, propõe concretamente formas capazes de permitir a continuidade do processo de reprodução superando uma das contradições geradas no próprio processo de sua reprodução. Nesse caso, os interesses em conflito se unem no restabelecimento do espaço enquanto condição de reprodução necessária ao desenvolvimento do eixo empresarial, e construindo uma avenida como lugar de passagem e de articulação pelas áreas do eixo. Aqui, o Estado exerce sua capacidade racional de intervir no espaço, numa aliança com os empreendedores imobiliários uma articulação que aparece no discurso e ganha sentido nos personagens que tomam a defesa da Operação Urbana. O discurso dos históricos apontava para o fato de que o movimento era composto por pessoas que conseguiam pensar a metrópole e pensar a metrópole do próximo século e não era só um movimento de moradores, muita gente de projeção participou dele, não era só gente que ia perder a casa, mas pessoas que tinham um ideal de cidade. Estavam ligadas ao bairro, o movimento se formou porque existiam pessoas que moravam no bairro e que queria defendê-lo. A vida não é só dinheiro. Tentavam explicar para as pessoas que cidade é ambiência, é qualidade de vida, é vizinho, é ter os serviços perto, é relação, os moradores do Brooklin queriam uma passagem rápida para irem ao centro e achavam que nós estávamos impedindo, o trânsito não pode ficar emperrado, diziam. Não se tratava de uma questão de trânsito, a questão é aquela que vê a cidade como mercadoria. Essa perspectiva incomodava e em muitos momentos a repressão tomou o lugar do diálogo. Foi assim que o restaurante, onde as pessoas se reuniam na Vila Olímpia passou a receber a visita constante dos fiscais da prefeitura, que o presidente da Associação Pinheiros VIVO Horácio Galvanese teve suspensão funcional de 90 dias da prefeitura do município de São Paulo (em abril de 1994), e que se cria o Movimento Zona Sul, afirma Leopoldo. 438 Por outro lado, o arquiteto Júlio Neves capitaneia o grupo dos intrépidos e corajosos demolidores, desprendidos das formas e modelos ultrapassados. Para ele, literalmente, a OUFL pode ser definida como a possibilidade de realização do processo de valorização dela decorrente. Isto é, coma desapropriação e a mudança na lei de zoneamento haverá possibilidade do remembramento de terrenos e com isso, a possibilidade de se construir em altura, os empresários que quiserem fazê-lo (construir quatro vezes a altura do tamanho do terreno) deverá pagar à prefeitura por esse direito; assim com sua proposta o arquiteto pretende criar a possibilidade de redesenhar os lotes na área imediata aquela da avenida, com isso declara no lugar de casas 437 Operação Faria Lima: sobre o capítulo final texto mimeografado, abril de Faz parte dos cervo de documentos produzidos pelo movimento 438 O Movimento Zona Sul que era a favor do projeto fazia um jogo de interesse, na realidade esse movimento não existiu. Foi organizado para contrapor e aparecer na mídia como os amigos do Júlio Neves. Não tinha nenhuma expressão. Existiu uma figura que era o Siqueira, arquiteto e ele era uma invenção, era um contraponto. E era uma pessoa que só aparecia publicamente em audiência pública para falar. Quando se reuniam em plenário na Câmara, as pessoas dos bairros tomavam as galerias e para fazer o contraponto na Câmara, um grupo de pessoas dos gabinetes pressionadas para fazer números na galeria. Cooptou um número de pessoas que trabalhavam na prefeitura. O Siqueira assume os gastos com transporte, camisetas lanches e bonés para levar gente em manifestações aonde estaria o movimento VIVA, gente de chinelo havaiana, gente com marca de terra nos pés, gente que não tinha ideia do que era a operação Faria Lima, eram a clac pura. O líder comunitário é cooptado para levar pessoas às manifestações em troca de favores. Eles dividiam com o pessoal do movimento VIVA.

262 262 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole pequenas e sem valor poderão surgir edifícios maiores. Num lance de triunfo afirma vamos vender o ar. Associado a esse fato aparece também uma necessidade de organizar a circulação do sistema viário, em absorver o movimento da zona sul, a Marginal que é para o arquiteto a segunda via mais carregada de trânsito da cidade com veículos/dia. 439 A Vila Olímpia não tem nenhum monumento tombado e nada para ser preservado lá. Temos que reciclar alguns espaços para adequá-los a situação da realidade em função do seu desenvolvimento induzindo a ocupação de espaços que têm condições de serem verticalizados. Há ilhas de ocupação na cidade que carecem de uma ligação, o trânsito é muito ruim dentro delas e, como opção, só há as marginais, a 23 de Maio e mesmo assim entre o centro e o aeroporto. O projeto permite criar ligação de várias destas ilhas. 440 Na mesma direção de raciocínio, escreve, em outro artigo que: a Faria Lima é a melhor região da cidade. Todo mundo quer morar nos Jardins e no Itaim e trabalhar na região. É também onde mais se constrói em São Paulo, onde estão os melhores equipamentos de lazer. Evidentemente com um sistema viário que permita o adensamento, os empresários não terão dúvidas de investir ali. Para o arquiteto a operação urbana é um mecanismo que permite consertar áreas específicas dando um novo uso, nova cara para elas. 441 O arquiteto Carlos Bratke, faz coro com Júlio Neves, e acha que é urgente a construção de um caminho paralelo à Avenida das Nações Unidas, um fator significativo no projeto é promover a urbanização destes bairros caóticos e feios, conquistando áreas de grande interesse na renovação urbana. O esforço do arquiteto Júlio Neves, se concentra em substituir o caos pela dignidade que estas áreas merecem ter. 442 Carlos Bratke coloca de forma clara as bases que orientam este projeto, talvez existam formas mais simples, baratas menos demolidoras que o projeto apresentado. Toda via menos eficazes. Na verdade não estamos pensando 443 em uma simples avenida, mas sim na preparação de um novo centro para a cidade. 444 A posição do arquiteto em 93 é coerente com suas ações de homem de negócios, não podemos nos esquecer que seu discurso se apoia numa estratégia surgida nos anos 70 quando começou a construir na região da Avenida Luis Carlos Berrini. O croqui feito por ele, e apresentado no capítulo II, deste trabalho, embasa sua visão de São Paulo, como espaço de negócio. Aqui o que fala mais alto é o lucro e não sua formação de arquiteto. Bratke tem uma visão da cidade contestada pelos moradores, é Rosangela que afirma que se você está feliz no seu bairro você não pode valorizar apenas o preço do metro quadrado. Porque esse valor não te dá vantagem de viver em outro lugar. É que as pessoas também começaram a ver o bairro na vertente comercial e acho que a mídia teve um papel na construção dessa visão - a mídia vende isso. Sempre que se propõe uma avenida ela vem com o discurso do progresso, embute na cabeça das pessoas um valor, a mídia teve o papel de vender o espaço imobiliário. Venda de um negócio, o tempo todo aparecia na mídia, ah! Aquelas casinhas! 439 Segundo dados da CET de abril de Revista Projeto, nº 162, São Paulo, abril de Júlio Neves na Revista Construção de 03/ Folha de São Paulo, 16/04/93. Cabe lembrar que o anúncio do projeto elevou os aluguéis na área em 173,9% cf. Folha de São Paulo, 21/03/1993. Construir edifícios em Pinheiros e na Vila Olímpia é o sonho de todo empreendedor do setor imobiliário. 443 Grifo meu. 444 A Faria Lima de Júlio Neves, artigo escrito por Carlos Bratke para a Folha de São Paulo, 16/02/1993.

263 263 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Simplesinhas misturadas cada uma com um estilo, diziam, imaginem, vamos colocar prédios maravilhosos aquilo vai começar a se transformar, vai ser bárbaro, o progresso vai chegar a esse bairro, os paralelepípedos vão dá lugar a ruas asfaltadas. Vendem um progresso como se por si só ele te desse a vida. Aos arquitetos se junta Reinaldo de Barros, secretário de obras do prefeito Paulo Maluf. São Paulo está um lixo, é preciso criar opções viárias... não posso acreditar que a Câmara vai barrar um projeto que só vai melhorar a cidade... a ampliação da Faria Lima trará imensos benefícios à região, não sei porque tanta gritaria do pessoal da Vila Olímpia. Afinal aquele bairro não é nenhuma Brastemp. 445 Esses personagens da engrenagem política, não escondem o fato de que a Operação Urbana traz consigo um profundo interesse econômico como apontado ad nauseam pelos habitantes dos bairros envolvidos. Sérgio Carneiro escreve por exemplo, que a extensão da avenida Faria Lima está provocando altas e baixas nos bairros da Vila Olímpia e Itaim e que embora se procure apresentar a iniciativa como urbanística, o projeto em tramitação na Câmara dos vereadores, não esconde a vocação inspirada em interesses econômicos e financeiros. Os bairros em questão se converteram em espaços sedutores para os empresários da construção civil e do mercado imobiliário, pois se localizam entre um centro de negócio, atual região da Faria Lima e uma área de expansão de novos investimentos, a avenida Luis Carlos Berrini. 446 (Fato constatado em nossa pesquisa que aparece no capítulo II) O movimento aponta o possível? O grupo de moradores envolvidos no movimento contrário a realização da OUFL, contesta o modo como o espaço urbano é fracionado, modelado, e como se pode inventar através, de atos de apropriação, um modo de vida diferencial na metrópole. De certa forma se contrapõe a tendência de instauração do cotidiano enquanto programação do tempo e organização/normatização dos usos dos espaços que interfere e muda a vida do bairro, questionando a ideia de progresso e a ideologia que baseia o projeto que cria a cidade do negócio. Com isso apontam para a possibilidade de se pensar a cidade como objeto virtual que se constitui a partir de momentos presentes no horizonte, captáveis a partir do modo como a cidade é vivida através das possibilidades presentes nos usos do espaço - da e para a vida. O movimento revela que os habitantes envolvidos no processo de transformação radical da área se deparam e tomam consciência de um estado crítico que os leva a pensar o bairro como espaço da vida, de onde surge a necessidade urgente de propor outra coisa ou de lutar pela 445 Jornal da Tarde, 16/02/1993. Aqui, se refere à um comercial de televisão feito pela indústria Brastemp (produtoras de elétrodomésticos) que comparava seus produtos que apareciam superiores com outras marcas. Não é nehuma Brastemp era um bordão que significava que o produto não era tão bom, nem especial, apenas medíocre. 446 Os interesses em jogo na extensão da Faria Lima, artigo escrito para o jornal Folha de São Paulo,

264 264 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole manutenção do espaço do bairro e o bairro como ele é. A luta emerge e se refere ao nível da vida cotidiana - é neste plano que percebem, lutam e reivindicam. Desta prática, como vimos surge a consciência de que não se trata de lutar apenas pelo seu bairro; há uma preocupação em discutir o sentido da cidade, em torno da transformação da vida; nesse sentido o bairro é o ponto de partida para pensar uma totalidade mais ampla. No limite questiona-se o sentido da cidade submetida ao valor de troca, que vai criando limites para a realização da vida nos espaços apropriados que se esvaziam implodindo as possibilidades de sociabilidade e impedindo e limitando o uso - o espaço e tempo do bairro deve submete-se ao espaço e tempo da metrópole. Com esse embasamento se questiona o fim do comércio local, a invasão de um novo tipo de comércio que toma as residências, esvaziando-as de gente, e escurecendo o bairro; com isso questionam o uso do espaço e, consequentemente, um emprego de tempo que se refere aos modos como os habitantes se apropriam do espaço-tempo para a realização da vida que se contrapõe aos usos normatizados da sociedade de consumo: a rua ao invés do shopping ou da televisão, por exemplo. A rua envolve a sociabilidade possível, a televisão a solidão presente, consentida, desejada. Espaços e tempos abstratos geram a identidade abstrata esse é o presente que se impõe com a instauração do cotidiano no bairro implodido no processo de reprodução desigual do espaço da metrópole. Na realidade o que parece como possível na luta é a tentativa de superar a fragmentação que invade a vida cotidiana na metrópole planejada sob a égide do valor de troca - e que aparece, como imposição de um cotidiano programado pela base: o tempo e espaço submetidos à coação. Lutam pela manutenção dos pontos de encontro e reunião que podem acontecer sem prévio aviso no comércio local, na rua, no portão, no passeio matinal, etc... bem como o desejo das funções lúdicas que essas possibilidades oferecem a sociabilidade, contra a fragmentação imposta pela generalização do espaço como mercadoria. De nossa pesquisa pudemos elaborar um raciocínio; o processo de urbanização em São Paulo, construindo a metrópole se realiza de modo fragmentar e desigual. Portanto esse processo não se estabelece em todos os lugares da metrópole; as relações vão se instalando de modo contraditório, e desigual - nesse contexto presenciamos, nestes bairros, um fenômeno que não se realiza de modo igual em toda a metrópole: a instauração do cotidiano a partir da exigência de uma nova organização do tempo e dos usos do espaço; um novo modo de habitar e viver na metrópole. Aqui esclarece-se o cenário da implosão do bairro como consequência da renovação urbana : o anonimato, a massa, a rua invadida pelo automóvel, o lazer cooptado, o fim do pequeno comércio do bairro, a amenização das relações sociais, etc. Aqui aparece uma impossibilidade de separação da vida cotidiana da vida de bairro; de um lado o ritmo da vida determina o encontro, de outro a produção do espaço define e delimita o uso. Isto é, à medida em que as relações sociais passam a ser medidas cada vez mais pela mercadoria, que vai se definindo um modo de organizar o tempo e um modo de usar o espaço, vai se criando uma nova estrutura na qual se apoia a vida. O bairro implode enquanto modo de uso do espaço, o uso manipulado, cooptado liga-se a um outro plano espaço-temporal. As formas da reprodução marcam uma nova coesão a construção e a reprodução do cotidiano passam pela ideia de que os homens se relacionam com um conjunto de objetos, que cada vez mais, regem as relações entre os

265 265 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s homens e são convertidos em elementos distintivos na construção da sociabilidade ou de sua negação, pois as relações com os objetos substituem cada vez mais as relações diretas entre as pessoas. 447 O cotidiano que se gesta enquanto tendência, numa metrópole fragmentada, se lê, assim nos interstícios da implosão do bairro. O cotidiano em constituição - ainda fragmentar e pontual, na metrópole - não ocorre de modo homogêneo, porém parece ser uma tendência que se apresenta como hegemônica e pode ser percebida em todos os lugares da metrópole - mesmo onde os indivíduos se encontram no limite da sobrevivência. O cotidiano como produto e condição da reprodução das relações sociais, no mundo moderno, só se revela nos fragmentos da metrópole. Esta é a especificidade da metrópole paulista: temporalidades diversas e desiguais se associam a espaços fragmentados, explodidos, revelando, pelos usos a segregação. O sentido dado, aqui, à noção de cotidiano é aquele desenvolvido por Henri Lefebvre 448 para quem o cotidiano é produto e resíduo - nesse caso se refere ao universo do processo de reprodução das relações sociais de produção (isto é, o cotidiano como elemento fundamental da reprodução da sociedade num determinado momento da história). Significa dizer que a existência social dos seres humanos requer a relativização da ideia do cotidiano enquanto cenários de atos repetitivos. O cotidiano, se de um lado apresenta numa massacrante rotina, do outro apresenta-se como cenário da superação das necessidades; o lugar onde nasce o novo, onde se dá sua busca como modo de se romper o igual, isto porque o vivido ocorre no plano do imediato que corresponde ao nível de realização da sociedade e dos modos como é produzida a existência dos homens, em sua plenitude. Para Lefebvre, o cotidiano não coincide com a realidade, pois compreende o vivido, subjetividade fluída, emoções afetos, hábitos comportamentos e imagens. São aspectos que se referem, portanto, ao conjunto da civilização e que dizem respeito à vida do homem. Nesse sentido, a vida banal, em aparência deixa transparecer pouco a pouco seus mistérios que se revelam dando conteúdo às formas. Assim pode-se afirmar que o cotidiano é muito mais que o inconsciente fluir de dias sempre iguais, no cotidiano o cidadão se encontra diante de coações e vigilância; mas na repetição, também, pode surgir a essência do imaginário, pois há brechas no cotidiano que abrem espaço para o criativo e para o virtual que é o que temos encontrado nas resistências ao projeto de abertura da avenida nos bairros por que passou, enquanto apelo da vida humana na cidade. Isto porque o cotidiano também é o lugar de conflito e o lugar onde se formula os problemas; portanto o lugar da ação. A respeito da vida cotidiana, sustentamos que ela é um simples nível da realidade social, mas é mantido e sustentado como tal pelo peso do conjunto. Não é a vivência de alguns filósofos, ainda que seu conceito envolve a vivência. A cotidianidade se define por um conjunto de coações e persuasões que obtêm e a mantém como resultado. Esta -se nela. Entre esse nível e os níveis superiores existem buracos, hiatos, e no entanto o conjunto pesa. 449 A gestão é por excelência, um momento em que toda atividade se vê submetida ao poder institucional que se estende a toda sociedade através da invasão do cotidiano - onde o consumo não 447 Carlos, Ana Fani A. O lugar no/do mundo. op.cit. 448 Lefebvre, Henri. Critique de la vie quotidienne, 3 volumes. Paris, L Arche, 1947, 1962 e Lefebvre, Posição: contra os tecnocratas, op.cit. p. 147.

266 266 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole é mais deixado ao sabor dos antigos mecanismos de mercado e passam a constituir uma verdadeira colonização da vida cotidiana através da difusão de modelos que manipulam os habitantes reduzindo-os à condição de consumidores, através do estabelecimento de limites muito precisos da ação ancorada nos signos, onde o mundo é apresentado como espetáculo. O cotidiano se revela nas transformações dos conteúdos das relações sociais segundo Henri Lefebvre, não é somente a atomização do social em indivíduos separados, em individualidades hostis, mas é a divisão sem limites dos conteúdos da sociedade, que é o suporte das relações sociais, ligadas aos modos de existência. Essa situação revela o plano de constituição do estranhamento. O que quero destacar e reforçar é que a análise do cotidiano aponta para o fato de que o social não é redutível ao econômico, mas refere-se às relações dos indivíduos com o grupo e, deste, com a sociedade. Nesse sentido manifesta-se, também como o lugar do conflito entre o racional e o irracional, entre o efêmero e o que persiste. Nessa perspectiva, a metrópole é também a possibilidade do lugar do encontro-reencontro, das alianças além de palco de conflitos. Nesse contexto, o cotidiano contempla a magia e a paixão contidas num gesto ou num olhar interceptado, isto é, o desejo presente na existência dos homens. No cotidiano está posta a possibilidade de que algo prazeroso possa existir, provocado pelo encontro com o outro, pela quebra da rotina, da esmagadura mesmice. A improvisação e a espontaneidade liga-se ao nível do vivido que emerge e caracteriza o cotidiano de um determinado lugar, marcando a sua especificidade, testemunha a existência do movimento da análise dialética que incorpora o irracional, enquanto elemento fundamental do real, que articula o essencial ao acidental, a essência e a aparência, apontando para que Le Goff chama de uma criatividade urbana. A vida urbana supõe encontros, confrontações das diferenças, conhecimento e reconhecimentos recíprocos (aí compreendidos os afrontamentos ideológicos e políticos) modos de viver, modelos que coexistem na cidade - isso cria a intensidade da vida urbana, as possibilidades dos encontros das reuniões, produzindo uma urbanidade, reavivando o uso. 450 Para Dostoiévski, a vida de um indivíduo não se torna verdadeiramente viva senão quando ele participa da vida comum do universo. Em Noites Brancas 451, por exemplo, o personagem central se auto-define como um sonhador, uma pessoa que vive só, sem falar com ninguém, sem relacionar-se com os outros, sem relações de parentesco e vizinhança. Minha história?... não tenho história. Absolutamente sem a menor história! Tenho vivido como se diz num buraco, isto é perfeitamente só... ver as pessoas eu vejo e entretanto estou só (...) no sentido estrito da palavra não falo com ninguém (...) Sou um sonhador tenho tão pouca vida real que, minutos como este, como agora, São tão poucos, que não posso deixar de revive-los em meus sonhos, revela o personagem 452. Mas essa existência se transforma radicalmente no encontro com uma jovem, quando descobre o amor e, uma história começa então a ser construída a partir da relação que estabelece com o outro, num encontro fortuito, numa rua em São Petersburgo. Nos momentos dos encontros (numa relação de amor não correspondido) todas suas misérias desaparecem cedendo lugar à riqueza de um mundo interior cheio de impressões pungentes. Nós nos construímos 450 Le Goff, J. Por amor às cidades. São Paulo, Editora da Unesp, 1997, p Id. Ibid. pp Id. Ibid. pp.149.

267 267 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s vivendo em sociedade... Claro a sociedade por si mesma não é mais o mundo natural. É o mundo construído, materialmente também! (...) o homem quando sai de sua casa construída, onde já não vive mais naturalmente, entrando em relação com seus semelhantes, constrói-se ele também, eis tudo. 453 Os caminhos rotineiros, da cidade percorridos todos os dias, agora ganham novo significado, humanizando o personagem. Dentro da rotina de um dia, numa determinada hora, o tempo e o espaço, adquirem conteúdo substancial dando um novo significado à vida e, consequentemente transfigurando a vida cotidiana e a percepção da vida e da cidade, pois o sujeito cria a cada instante segundo sua fantasia. 454 O amor toca a alma, na relação de troca o outro adquire a dimensão de objetivo e não de objeto, onde cada hora deixa de ser igual a outra, redefinida, isto porque, mesmos os sonhos nascem da vida. 455 A relação amorosa ou de amizade envolve a troca no plano do vivido, uma troca capaz de transformar o plano do imediato, que na obra de Dostoiévski, é o ponto de partida e chegada e nesse caso ascende uma nova luz sobre o vivido em sua dimensão subjetiva, resgatando aquilo que se convencionou chamar de irracional, o mundo dos sonhos e utopias que só podem emergir na vida de todo o dia, em suas relações simples e diretas, em seus contatos. Esta obra de Dostoiévski ajuda a compreender o plano do vivido, os sofrimentos, a humilhações presentes, mas também, a alegria, a emergência do desejo, o acaso que produz as metamorfoses da vida dando importância ao acidental e ao subjetivo que muda o sentido do repetitivo; nessa dimensão, o repetitivo contém coisas novas capazes de engendrar diferenças, ele contém o devir. A arte, visando à intensificação do vivido aponta para a diferença máxima, para a surpresa e o desequilíbrio criador, para os conflitos fecundos. 456 Dostoiévski capta, assim, o sentido da aventura presente na vida cotidiana pondo as esperanças no vivido, em sua intensificação. Desta exposição pode-se concluir que, na universalidade contida na grande cidade, o indivíduo e a vida ganham sentido múltiplo e conteúdos diversos que se realizam nos modos de apropriação do espaço. O debate que associa apropriação do espaço e tempo à arte permite a aproximação de um sentido profundamente humano na relação de apropriação: o mundo como apropriação de espaços e tempos da vida e para a vida. A cidade é o centro da vida para a vida social e política, onde se acumulam não somente riqueza, mas obras e conhecimento, bem como, uma dimensão explicativa da realidade, que está na base da reprodução da vida. É nesta direção que podemos afirmar que o movimentos trouxe ganhos na medida em que mudou a vida das pessoas que dele participaram. O movimento VIVA tinha a ideia de preservar as características do bairro, a Faria Lima passou e as características dos bairros foram profundamente alteradas. Os movimentos VIVA, produto do circunstancial que ganhou valor na vida cotidiana, num determinado momento se esgotou. Enfraqueceu-se, definhou, isto é, não permanecendo os motivos pelos quais ele se organizou, acabou. Mas não se pode simplesmente afirmar que com a realização da OUFL tudo 453 Pirandello, Luigi. Cadernos de Serafino Gubbio Operador. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1990, p Id. Ibid. p Id. Ibid. p Lefebvre, Henri. De L État, tome III. Paris, UGE, 1977, p.257.

268 268 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole implodiu. Existe um sentimento de comunidade que nasceu do processo de luta que ainda não se extinguiu. No quarto domingo do mês - ainda se pode encontrar, na igreja japonesa de Pinheiros, as pessoas da Vila Olímpia. Existe uma comunidade que se criou, mas o bairro se dividiu, diz um entrevistado. Sobra uma grande lição; a interferência do cidadão em São Paulo num projeto para o seu bairro. Servimos de exemplo para outros movimentos, o movimento constituiu um conjunto de estratégias próprias e foi esse o processo que passaram para outros movimentos (como organizar um cotidiano de um movimento social: agregar a população no bairro, estruturar a ida à Câmara, a conversa com vereadores etc.). A participação das donas de casa e dos aposentados mudou a relação dessas pessoas com o plano político. O movimento aproximou a população da política. São cidadãos mais participativos, as pessoas mudaram, mudou o modo de enxergar o político, elas vão até eles, se juntam para resolver hoje problemas do bairro eles descobriram esse caminho, alega Rosangela. Para Mantovani ficou uma lição importantíssima, você entender as pessoas, os políticos, deu para conhecer/compreender muitas coisas importantes, a solidariedade, amigos, como as pessoas podem se unir, como funciona a política - que é obrigatório - todo cidadão deveria poder frequentar um pouco a Câmara para saber como funciona, como agem os vereadores, (não tinham a menor ideia); aprenderam um pouco como as coisas funcionam, a troca de experiências, foi muito legal conviver com esse pessoal. Foi muito importante a convivência com Sérgio, Zanettini, Saruê, enriqueceu a pesar do desgosto, valeu o aprendizado. Desta época guardo o que aconteceu como um aprendizado, hoje quando se vota e se escolhe o representante tem-se outra consciência. E aconteceu com todos, hoje sabem muito bem o que não querem. Valeu a pena, a pesar de tudo, foi um período rico da vida. Isso é o exercício da cidadania, deveria ser normal para as pessoas. Tinham um objetivo; assegurar a qualidade de vida - um local onde você vive tranqüilo, onde tem infraestrutura e um local seguro para os filhos ; o bairro que escolheu para morar e criar os filhos. Frank revela que aprendeu a: falar, discutir, lutar pelo que é meu. A saber que tinha um direito que foi a casa, o lar, a família e que tinha que lutar, então foi um aprendizado, aprendeu muito dentro do movimento; de exercer o direito de cidadão, o direito de moradia; então valeu muito a pena e valeu bastante. A vida de Claudia também mudou depois de sua participação no movimento, falando com muita ênfase para que suas palavras não sejam colocadas em dúvida, afirma eu tenho saudades das pessoas que participaram do movimento, elas fazem parte do meu mundo afetivo. Uma parte muito intensa do meu mundo afetivo; o que era um barato no movimento era a diversidade de pessoas e como conseguiu-se resolver afetivamente. Eu adoro o Leopoldo, por exemplo, e, no entanto, falamos línguas diferentes, o Sérgio talvez seja um pouco mais próximo, mas não importa, gosto dele. Acabado o movimento, construído a Faria Lima, fica um reunião quinzenal eu sinto que estabelecemos um grau tão íntimo de relação que não importa muito isso, não houve um distanciamento; mas com o trabalho não dá tempo. Ângela afirma que entrou no movimento pois, queria fazer alguma coisa, porque achava a ideia de bulevar absurda, a princípio a sua casa iria para o chão, mas não era só por isso, queria entrar para o movimento, queria ajudar porque era da área de comunicação. Aí foi conhecer mais o bairro, as pessoas, falavam com os alunos, enfim acabou conhecendo mais as pessoas da rua, da

269 269 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s vizinhança; descobriu a importância de se morar e trabalhar no mesmo bairro, ajuda a criar referências porque se anda pelo bairro, se reconhece a paisagem, vê-se os mesmos rostos todos os dias. Para ela estar no movimento provoca uma mudança no roteiro de seu trajeto casa - trabalho; não é mais compartilhado a cada dia com pessoas diferentes, rostos estranhos. Hoje vou andando o pessoal - os velhinhos - vão reconhecendo; hoje não gostaria de sair mais daqui, conheço pessoas maravilhosas que amo de paixão, meu ponto de referência é uma pessoa. Nossa o que eu aprendi no movimento! O quê? Tudo o que eu não aprendi a vida inteira. Já formada, com a filha no colo, com essas pessoas eu cresci no sentido do lado humano, não por estar nesta situação. Comecei a pensar. Vi o outro lado, continua, o político era a-partidária. As ideias que tinha tomaram um ouro rumo. Puxa conhecemos tanta gente dos outros bairros da outra ponta do Itaim ou Pinheiros, esse negócio de sair pelo bairro chamando para reuniões do movimento aproximava as pessoas que perguntavam Ah! Você que é o filho da Wilma? Ah! A gente te conhecia de pequeno! O contato de passar com o carro as pessoas paravam a gente para conversar. Esse contato foi tão bacana parava para conversar passava a ser amigo, agora quando você passa cumprimenta. Achava a Sandra antipática, nunca gostei dela, agora mudou, puxa a gente gosta tanto da Sandra. Foi uma das principais articuladoras do movimento, sempre teve argumentação, visão boa do que podia acontecer, sabia falar, é desembaraçada, abafa todo mundo. E fala tudo bem encaichadinho. A gente se encontra no mercado, dá carona para ela, a mãe faleceu a gente foi lá, tem um contato legal. Fiz muitas amizades com o movimento que ficaram; a dona da escola Ticos que era onde meu filho estudou a Ro, o Luis Carlos, o Francisco, relata Mill. a igreja vira pó para dar lugar a nova Faria Lima 457 Houve durante a luta fatos que os envolvidos consideram significativos, algumas manifestações - como a corrida na Avenida Faria Lima em frente ao shopping Iguatemi realizada juntamente com o Green Peace 458, ou mesmo a ocorrida na então praça Dílson Funaro (que foi destruída com a extensão da avenida), quando os manifestantes abraçaram a praça. Mas o que aparecem nos relatos como o mais significativo e emocionante foi o episódio da igreja da colônia japonesa (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil) localizada em Pinheiros, e que tinha uma parte desapropriada para dar lugar a Avenida Nova Faria Lima. A desapropriação da Igreja num determinado momento, foi o centro das atenções e o símbolo da resistência dos habitantes dos três bairros, unidos contra a realização da OUFL e contra a prefeitura. A igreja passou a ser o símbolo do movimento. Como a igreja estava na rota de destruição os habitantes pensaram na possibilidade de seu tombamento pois para eles não era só uma igreja japonesa, passamos a trabalhar; há um dossiê da igreja que conta toda a história da Igreja; como era a edificação e as pessoas se 457 Título da reportagem do Jornal O Estado de São Paulo de 12/01/95, p.c-1. No editorial do mesmo jornal de 11/01/95, em destaque aparecia a ideia Para Maluf o prédio da igreja é apenas cimento e tijolo. Não o mesmo para quem tem fé. 458 Realizado em 18/05/93 o lançamento da campanha internacional a cidade livre de carros realizado em 12 cidades do mundo com o objetivo de tirar o maior número de carros possíveis das ruas. Seu coordenador afirmava que a operação urbana Faria Lima seria uma obra que privilegiaria o transporte individual. O ato era também para chamar a atenção das pessoas para a operação urbana, por isso, os movimentos fizeram a manifestação conjunta.

270 270 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole envolveram, e começaram a participar mais, das reuniões na Igreja, que se abria enquanto espaço para as reuniões e cada vez mais pessoas se integravam ao movimento. Para Leopoldo o episódio revela a questão da cultura e da fé daquela comunidade e da força de representação que isso tem para o povo. Essa comunidade que vem do Japão para um país estranho se formou a partir da igreja, não importa o valor arquitetônico, mas a preservação de uma parte da história das pessoas. A igreja, fundada em 1933 por imigrantes japoneses, capitalizou a atenção de todos, mesmo sem a frequentarem. É o padre Pedro Ivo (filho do fundador da igreja, a primeira no Brasil) quem afirma que entraram com mandado de segurança, para impedir a derrubada de parte da igreja que era um símbolo dos moradores, enquanto se esperava pelo resultado do pedido de tombamento. Mas um juiz derrubou a liminar deu causa de ganho a prefeitura e dois dias depois vieram com tudo - o condephaat mudou os conselheiros, mudou o parecer favorável ao tombamento da igreja mudou o parecer. 459 O episódio a que todos se referem é a ocupação da Igreja pelos moradores dos bairros, iniciando-se com os japoneses, moradores de Pinheiros, para em seguida abranger também aqueles do Itaim e Vila Olímpia. Com seus corpos esperavam poder deter a saga do trator, não conseguiram. Mas a experiência comoveu a todos que dela participaram. Peri se refere à Igreja como o símbolo do movimento, não só como resistência, mas também como perda. Sobre a ocupação da igreja pelos habitantes derrubada diz é interessante observar como um lugar, marcado para cair, começa a receber gente da Vila Olímpia, aí se processa uma relação muito importante; a prefeitura e os moradores, Dom Paulo, vereadores, o poder público, a rede globo [isto é,] a cidade, através das suas instâncias de representação, intelectuais, bispo da igreja anglicana, a polícia, começam a se movimentar em torno desse espaço... Era uma coisa inédita com a participação dos velhos. Uma cena de demolição os jovens da igreja no momento em que as máquinas começam a derrubar subiram num muro mostrando capacidade de resistência, apesar da pressão. Mas os tratores começaram a derrubar a igreja à meia noite. A igreja continua até hoje a agregar as pessoas não só os japoneses, como também os que vem da Vila Olímpia para as missas de aniversário que existe uma vez por mês. Manteve um simbolismo, caiu de forma muito violenta. Foi muito forte, quando caiu não restava mais nada,... acabou a gente não conseguiu. Fátima argumenta que a igreja não tinha muita relação com a coletividade, mas ela captou o que estava acontecendo e abriu suas portas e foram se incorporando quando foi derrubada ficamos 2/3 dias dentro da igreja com um revezamento; o tempo todo dentro da igreja as pessoas do bairro, as pessoas velhas, senhoras, pessoas, que você nunca esperava ver, estava lá dentro tentando sitiar a igreja até onde dava, japoneses idosos indo para a delegacia, negociando. Senhoras de idade trancadas dentro da igreja sem poder sair, nem para ir ao banheiro, foi uma coisa muito emocionante, muito forte. individual. O ato era também para chamar a atenção das pessoas para a operação urbana, por isso, os movimentos fizeram a manifestação conjunta. 459 Segundo padre Pedro Ivo, muitas pessoas que não tinham relação com a igreja passaram a ter depois do movimento. Porque faziam reuniões aquela passou a ser um lugar para reunião. Então começaram a usar o local, a igreja, não enquanto membro. Mas depois do que aconteceu começaram a se entrosar com a igreja e começaram a freqüentar a igreja. Todo quarto domino do mês é uma prática da igreja é a missa dos aniversariantes do mês, e o pessoal do movimento, começou a participar efetivamente a relação das pessoas com a igreja tornou-se mais simpática e começaram a freqüentar, mas não é todo o mundo. Antes ninguém entrava, hoje as pessoas conhecem. O que ficou do movimento foi a sensação de coesão. O prédio era um símbolo do passado, da igreja japonesa no Brasil. Houve muita pressão para vender o terreno da igreja.

271 271 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Figura 9 - Cenas da demolição da Igreja. Fonte: Sandra Santo Ambrósio.

272 Figura 10 - Vila Olímpia I. Fonte: a própria autora. 272 Espaço-Tempo da Vida Cotidiana na Metrópole

273 273 Ana a F a n i A l e s s a n d r i C a r l o s Figura 11 - Vila Olímpia II. Fonte: a própria autora.

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