A internet e seus impactos sobre o fazer jornalístico
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- Isabel Vilanova Gonçalves
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1 A internet e seus impactos sobre o fazer jornalístico Aurelio José da Silva * Resumo Neste artigo, propõe-se analisar alguns pontos da teoria da notícia buscando evidenciar se critérios adotados, até então, pelos profissionais do jornalismo se mantêm os mesmos ou se, no ambiente Web, sob a influência das novas práticas digitais e o impacto das redes sociais, tais valores estariam sendo alterados em sua estrutura basilar. Palavras-chave: Internet. Práticas jornalísticas. Critérios de noticiabilidade. * Jornalista. Mestre em Ciências Sociais pela PUC Minas. Professor dos cursos de Jornalismo da Fumec e da UNA.
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3 Introdução Ao longo de sua história, o jornalismo se apropriou e continua se apropriando de técnicas e linguagens de outros meios de comunicação para a produção noticiosa. Foi assim pós-revolução industrial (século XIX) e não seria diferente agora com a internet. A prática do jornalismo no ciberespaço tem aberto perspectivas diversas de estudo e, ao mesmo tempo, revelado uma complexa área em construção, mas que, de certa forma, já evidencia seu poder de desestabilizar fronteiras que, até então, delimitavam a profissão. Motivado pela hipótese de que a internet possa estar influenciando alguns fundamentos basilares do jornalismo, neste artigo inicia-se uma discussão sobre alguns pontos da teoria da notícia buscando evidenciar se os critérios adotados até então pela prática profissional se mantêm os mesmos ou se, num novo ambiente neste caso a internet, tais valores jornalísticos estariam em mutação. Para tanto, faz-se necessário pontuar brevemente as mudanças significativas que o jornalismo atravessou desde sua constituição. Marcondes Filho (2000) sistematiza o desenvolvimento do jornalismo desde suas primeiras manifestações até a contemporaneidade, em cinco fases. O marco zero, ou seja, a pré-história da profissão, para o autor, remonta ao período em que informações e conhecimentos restritos a grupos detentores de poder passam a ser divulgados por jornalistas nos idos de 1631 (Revolução Francesa). De 1789 a 1830, a fase chamada de primeiro jornalismo se caracteriza pela profissionalização dos jornais, com fins didáticos e de formação política. A segunda metade do século XIX é marcada pela formação da imprensa moderna, regida pelo capitalismo. Nessa fase, chamada segundo jornalismo, tem destaque as noções de informação e opinião. O início do século XX é caracterizado pelo monopólio das empresas de comunicação. Na década de 1960, as práticas jornalísticas são tensionadas pela publicidade e pelas relações públicas, configurando o terceiro jornalismo. A partir de 1970, com a introdução dos computadores no processo editorial, chega-se ao quarto jornalismo. A popularização da internet, a partir da década de 1990, impulsiona o amplo uso das tecnologias digitais. A Web se constitui, então, uma nova mídia e entra em pauta o debate sobre o futuro do jornalismo. O impresso vai ou não acabar diante da proliferação dos sites noticiosos (MEYER, 2007; SANT ANNA, 2008)? Até que ponto a internet é capaz de influenciar ou mudar o modo de produzir para as mídias tradicionais, como a TV e o rádio? Como integrar as mídias áudio, vídeo, imagens e animação (FERRARI, 2006)?. Ressaltam-se Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de
4 Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de 2014 seus efeitos sobre a rotina produtiva: linguagem, visualidade, agilidade, facilidade de revisão, correção, alteração e atualização de informações, dentre outras características. Com certeza, as novas ferramentas digitais têm remodelado o exercício da profissão, a produção da notícia, a relação com as fontes, com as empresas de comunicação, com o público, com os governantes e outros atores da sociedade. Apesar de as mudanças serem abrangentes, percebe-se entre estudiosos uma tendência em priorizar o enfoque mais operacional. Para Ramonet (1999), Wolton (1999), Kunczik (2001), Kovack e Rosentiel (2004), parece haver um consenso sobre a influência das tecnologias da informação na reestruturação da organização jornalística e de suas rotinas de trabalho, e, ao mesmo tempo, uma descrença quanto a possíveis mudanças na concepção de jornalismo e de seus valores fundamentais consagrados, a partir dessas mesmas tecnologias. Levando-se em consideração o desenvolvimento do jornalismo até o final do século XX, torna-se coerente o raciocínio dos autores citados de que uma inovação tecnológica por si só não leva a uma transformação nos fundamentos de uma atividade profissional, neste caso, o jornalismo. Pelo menos até então. Isso porque a internet, diferentemente de outras tecnologias do passado, vem se distinguindo por seu potencial de interferir na relação entre produtores e receptores da informação e no uso que fazem das redes 1 sociotécnicas para produzir/acessar, perceber e interpretar essa informação, noticiosa ou não, para o consumo de bens culturais ou para gerir o próprio cotidiano. Junto com a tecnologia digital, surge, segundo Fernandez Vicente (2008, p. 111), um regime estético 2 singular: A intermediação da linguagem digital em nossas impressões sensíveis instaura uma nova relação do homem e o mundo: mudam os modos de perceber, o alcance, a intensidade, os esquemas mentais. Com isso, conceitos fundamentais para muitos campos do saber são colocados em xeque e não seria diferente para o campo jornalístico 3. Nesse sentido, a internet como fator de mudança no jornalismo não estaria provocando mutações somente num nível superficial, ou seja, apenas das rotinas produtivas e de linguagens, e, sim, bem mais profundas, passando a minar valores basilares da prática jornalística Uma rede é um conjunto de nós interconectados. Os nós podem ter maior ou menor relevância para o conjunto da rede, de forma que os especialmente importantes se denominam centros em algumas versões da teoria das redes. (CASTELLS, 2009, p. 45) 2 A estética se ocupa de teorizar a recepção sensível e seu conhecimento de acordo com a definição de Baumgarten: alude ao percebido diretamente, é experiência individual. Também é a teoria da beleza sensível, das sensações que servem para acrescentar nosso conhecimento do mundo. Conhecemos de acordo com o que percebemos e atuamos de acordo com o que conhecemos. Ao mudar o estatuto perceptivo, mudamos os modos cognitivos, nossas fontes epistemológicas: aquilo que podemos ou não conhecer. (FERNANDEZ VICENTE, 2008, p. 113) 3 A noção de campo pertence à categoria dos instrumentos sociológicos elaborados por Pierre Bourdieu, que a utilizou em seus trabalhos sobre o jornalismo. Ela designa um espaço social relativamente autônomo, estruturado por jogos de rivalidade cujo limite é uma adesão comum dos participantes ao que ela implica e a seus valores. (NEVEU, 2006, p. 65)
5 Depois de os sistemas de produção jornalística experimentarem diferentes fases de conformação nas plataformas tecnológicas reaproveitamento de conteúdos e transposição do impresso para a web; lançamentos de produtos adaptados ao novo meio e criação de alguma funções diferenciadas para as sistemáticas produtivas, as experiências chegaram a uma nova fase com o desenvolvimento de produtos articulados em torno de bases de dados mais complexas. Levando-se em conta a relevância que as plataformas tecnológicas têm, na medida em que estruturam as sistemáticas produtivas jornalísticas, Machado (2002) destaca dois usos distintos da rede de computadores: um em que ela auxilia na coleta de dados para o desenvolvimento de material para os meios clássicos, e outro em que todas as etapas produtivas se dão no espaço da rede, da pesquisa à circulação. Nessas condições, ou seja, considerando que os processos produtivos incorporam cada vez mais a automatização e as bases de dados da Web, ponderações quanto à desestruturação do espaço e do tempo na análise da mídia feitas por Galimberti (2006) passam a valer também para a internet, já que se tornou a vedete em alta entre as mídias: Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de 2014 A representação do mundo oferecida pela mídia altera a presença, não só porque impede um real contato com o mundo, mas também porque, contraindo a sucessão temporânea na instantaneidade do presente, a extensão espacial da pontualidade do ponto de observação, priva o homem daquela dimensão espaço-temporal que até agora esteve na base da sua experiência do mundo. (GALIMBERTI, 2006, p. 728) Ainda sob o raciocínio de Galimberti (2006), tornando o distante próximo, o ausente presente e disponível o que de outra forma estaria indisponível, a internet também nos desobriga de ir até o lugar e a fazer a experiência direta. Assim, não propicia um contato com os eventos, mas com a experiência que outros fizeram dos eventos, portanto, com experiência indireta. Para Bianco (2004), a internet está se configurando como uma ferramenta de percepção, princípio gerador de novas realidades. Ao se apropriarem das inovações tecnológicas, os profissionais estariam convertendo a realidade virtual em um novo modelo de conhecimento do mundo e das pessoas. As mídias sociais estariam, muitas vezes, sendo usadas como fonte seja para verificar se um assunto é tendência, checar uma informação, monitorar assuntos, para vasculhar o perfil de personalidades, seguir perfis de famosos. Com elas, às vezes, nem é preciso sair às ruas para escrever uma matéria. 101
6 Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de 2014 Esse comportamento, ainda conforme Bianco (2004), sugere pensar se o real, principal objeto da notícia e, consequentemente, do fazer jornalístico, estaria disponível na tela do computador e não seria mais necessário ver com os próprios olhos, bastando a mediação tecnológica. O conhecimento do real viria pela internet, capaz de ampliar o olhar da redação sobre os acontecimentos. Concomitante à questão do real, intrínseco ao fazer jornalístico, o fator tempo constitui outro eixo fundamental da profissão. Segundo Traquina (2005), se o campo jornalístico fosse um país, sua paisagem estaria marcada pela presença de relógios em todo lugar. O tempo, além de definir o jornalismo, condiciona todo o processo de produção. O imediatismo é definido como um conceito temporal que se refere ao espaço de tempo (dias, horas, segundos) que decorre entre o acontecimento e o momento em que a notícia é transmitida, dando existência a esse acontecimento. (TRAQUINA, 2005, p. 37) Também fundamentais para um acontecimento existir, conforme o autor, são os critérios de noticiabilidade, ou seja, um conjunto de critérios e operações que forneçam ao fato a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia. Assim, os critérios de noticiabilidade são o conjunto de valores- -notícia que determinam se um acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável e, por isso, possuindo valor-notícia. (TRAQUINA, 2005, p. 63) Dentre os critérios mais referenciados por diversos autores (ver quadro abaixo), o fator proximidade parece ser unanimidade, liderando a lista de especificidades. Segundo Lino e Francisco (2010), a proximidade significa uma informação local, perto de onde vive o receptor. Já para Lage (2006), esse fator estaria condicionado ao interesse da classe social e de sua relação com o mundo (comércio, trocas culturais e migrações locais). Traquina (2005) também destaca a proximidade como valor notícia fundamental na cultura jornalística, sobretudo em termos geográficos, mas também em termos culturais. Quanto ao tempo, o autor o classifica como valor notícia na forma de atualidade ou como gancho para outro acontecimento ligado ao assunto (news peg). No entanto, como ficam esses principais critérios hoje, no contexto de uma sociedade em que, muitas vezes, é a internet que estabelece a 102
7 AUTOR Carrol Warren [19-] Fraser Bond (1962) Luiz Amaral (1969) Categorias de noticiabilidade Elementos básicos da notícia: atualidade, proximidade, proeminência, curiosidade, conflito, suspense, emoção, consequências. Valor notícia: oportunidade, proximidade, tamanho, importância, conflito, o incomum, culto do herói e da fama, expectativa, interesse humano, acontecimentos que afetam grupos organizados, disputa, descoberta e invenção, crime. Atributos fundamentais: atualidade, veracidade, interesse humano, amplo raio de influência, proximidade, raridade, curiosidade. J. Galtun e M. Ruge (1965) Critérios de noticiabilidade: momento do acontecimento, intensidade ou magnitude, inexistência de dúvidas sobre o seu significado, proeminência social dos envolvidos, proeminência das nações envolvidas, surpresa, composição tematicamente equilibrada do noticiário, proximidade, valores socioculturais, continuidade. Mar de Fontcuberta (1993) Mario Erbolato (1978) Natalício Norberto (1969) Nilson Lage (2001) Interesse do público: atualidade, proximidade, proeminência, conflito, consequências. Critérios de notícia: proximidade, marco geográfico, impacto, proeminência (ou celebridade), aventura e conflito, consequências, humor, raridade, progresso, sexo e idade, interesse pessoal, interesse humano, importância, rivalidade, utilidade, política editorial do jornal, oportunidade, dinheiro, expectativa ou suspense, originalidade, culto do herói, descoberta e invenções, repercussão, confidências. Valor notícia: interesse pessoal (dinheiro, sexo, solidariedade) interesse pelo próprio, proximidade, o incomum (conflito, crimes, expectativa, objetividade) tamanho, importância, oportunidade. Critérios de avaliação: proximidade, atualidade, identificação social, intensidade, ineditismo, identificação humana. P. J. Shoemaker (1991) Critérios de noticiabilidade: oportunidade, proximidade, importância, impacto ou consequências, interesse, conflito ou controvérsia, negatividade, frequência, dramatização, crise, desvio, sensacionalismo, proeminência das pessoas envolvidas, novidade, excentricidade, singularidade. Teun A.Van Dijk (1990) Valores jornalísticos: novidade, atualidade, pressuposição, consonância, relevância, desvio e negatividade, proximidade. Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de 2014 Fonte: LINO; FRANCISCO,
8 Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de 2014 lógica para o fluxo das notícias? Na perspectiva da sociedade em rede 4 de Castells (2009), duas formas sociais de tempo e espaço emergem e passam a coexistir com formas anteriores. O espaço de fluxos e o tempo intemporal. O espaço de fluxos refere-se à possibilidade tecnológica e organizativa de praticar a simultaneidade sem contiguidade. Também se refere à possiblidade de uma interação assíncrona na distância do tempo. A sociedade em rede vai se estabelecer a partir desses espaços de fluxos, por meio dos quais as informações se articulam. A descentralização dos fluxos de notícias torna-se uma característica determinante dessa sociedade. Como as práticas estão conectadas em rede, o espaço também está. Desde que as práticas em rede se baseiam em fluxos de informação processados por tecnologias de comunicação entre diferentes lugares, o espaço da sociedade em rede está constituído pela articulação de três elementos: os lugares em que se localizam as atividades (e as pessoas que as executam); as redes de comunicação material que vinculam essas atividades; e o conteúdo e a geometria dos fluxos de informação que desenvolvem as atividades em termos de função e significado. Este é o espaço dos fluxos. (CASTELLS, 2009, p. 63) Na sociedade em rede, a relação com o tempo também vem definida, segundo Castells (2009), pelo uso das tecnologias da informação e comunicação em um incessante esforço para aniquilar o tempo negando o sequenciamento. Isso se dá, por um lado, comprimindo o tempo e, por outro, desfocando a sequência das práticas sociais, incluindo passado, presente e futuro em uma ordem aleatória, como acontece com o hipertexto na Web 2.0, por exemplo. As notícias tornam-se instantâneas na rede, rompendo a lógica do tempo de atualização até então em vigor na mídia tradicional. O tempo assume características da alinearidade, da reversibilidade, da imensurabilidade e imprevisibilidade. Diferentemente da sociedade industrial organizada em torno da ideia de progresso e desenvolvimento das forças de produção, em que o chegar a ser estruturava o ser e o tempo moldava o espaço; na sociedade em rede, o espaço de fluxos dissolve o tempo ao desordenar a sequência de acontecimentos e o faz, simultaneamente, instalando a sociedade em uma transitoriedade estrutural: o ser anula o chegar a ser. (CASTELLS, 2009, p. 64) Nessa perspectiva, há a ruptura de uma lógica da linearidade, anterior à internet, para uma lógica da ausência de sequencialidade, característica Para Castells (2009), as sociedades sempre se articularam em rede, mas, no contexto contemporâneo, uma sociedade de rede é aquela cuja estrutura social está composta de redes ativadas por tecnologias digitais da comunicação e da informação baseadas na microeletrônica, ou seja, as transações de múltiplas ordens são realizadas por meio da internet.
9 da era tecnológica, embora uma não exclua a presença da outra. Com a passagem de um modelo de comunicação linear para um não linear, percebe-se que as mudanças no jornalismo hoje parecem mais profundas do que se mostravam à primeira vista, quando foram introduzidas. Como afirma Lage (2006), as mudanças tecnológicas bateram às portas das redações nas últimas décadas do século XX, mas não chegaram a se sentar diante da mesa de trabalho de repórteres e redatores. Se inicialmente a internet era utilizada para a prática de técnicas instrumentais navegação e busca, utilização de planilhas de cálculos e de banco de dados, consulta e processamento de informações primárias, ou seja, intermediárias entre a constatação empírica da realidade e a produção de mensagens compreensíveis ao público (LAGE, 2006), hoje, pelo menos no cotidiano das redações de mídias tradicionais, qualquer observador poderá constar que a internet tem se tornado instrumento de acesso direto às fontes, agências de notícias e outras informações prontas, independentemente de tempo e espaço. Um fato ou uma fonte podem estar em outro país, em outro fuso horário e, ainda assim, acessíveis e disponíveis online. Com isso, a internet passa a integrar o próprio método de checagem e apuração de informações jornalísticas. Essa nova cultura da imprensa, totalmente dependente da tecnologia, enfraquece, de certa forma, o processo de checagem da informação, metodologia criada ao longo do tempo pelos próprios jornalistas e que, até então, também fundamenta seus princípios. Os profissionais passaram a ter acesso, como dito, sejam por sites, blogs, mídias sociais (Twitter, Facebook, Youtube, portais noticiosos, dentre outros), a declarações e outros dados sem precisar apurá-los. Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de 2014 Os fatos são fáceis de obter, de se reescrever e depois redirecionar. Nesta era de notícias 24 horas, os jornalistas agora passam mais tempo procurando alguma coisa para acrescentar às suas matérias, geralmente interpretação, em lugar de tentar descobrir e checar, de forma independente, novos fatos. (KOVACH; RO- SENSTIEL, 2004, p. 119) Além de ter contribuído para remodelar a experiência da produção da notícia, esse novo modo como o jornalista está se relacionando com as informações e as mudanças no processo de apuração das informações também sinaliza uma mudança da experiência perceptiva desse profissional. Como afirma Fernandez Vicente (2008, p. 124), não se vai ao presente virtual. Se está nele. 105
10 Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de 2014 A partir disso, outra tendência que parece querer emergir na atualidade é a de as mídias com suporte na internet pautarem as mídias tradicionais. Vários fatos surgem primeiro na internet para depois ganharem corpo e destaque na imprensa tradicional. Um desses casos é a história da cadela-guia Pucca e de sua dona, Camila Araújo Alves, 21 anos, barradas num restaurante no Rio de Janeiro, no início do mês de julho de Depois de recorrer à Policia Militar para que a lei que regulamenta o acesso de cães-guia a locais públicos fosse cumprida, sem obter resultado, a jovem usou como último recurso o Facebook. A reação foi instantânea, o clamor cresceu na internet e, nos dias seguintes, a história chegou aos jornais. (FERNANTES, 2011, p. 11) Outros exemplos são os casos do menino australiano Casey Haynes que reagiu ao bullyng e virou herói, noticiado pela TV norte-americana depois de o vídeo ter recebido milhares de acessos e comentários na internet; e do morador de rua da cidade Columbus, Estado de Ohio, Estados Unidos, Ted Williams, que se tornou celebridade na internet em menos de 24 horas depois que um vídeo feito por um motorista foi parar no Youtube, revelando seu talento para locução de rádio. Essa forma de olhar para os fatos utilizando o prisma da Web, de seus valores e lógica comunicativa, parece estar se tornando nova referencialidade para o jornalismo. A internet torna-se um pulso do que a população está pensando, fazendo e falando. Nesse caso, não é mais o jornalista que pensa a pauta, define o enfoque da matéria e as fontes a serem ouvidas. Ele passa a monitorar essas tendências. Assim, embora essa suposta nova referencialidade seja ainda pouco perceptível, ela tende a ganhar espaço no processo de seleção dos acontecimentos noticiados pelas mídias. No entanto, além da tentativa de entender essas mutações em curso, típicas de um momento de transição, é preciso atentar também para o uso indiscriminado da internet no fazer jornalístico, bem como para o acesso à realidade por seu intermédio. Na visão de Sarlo (2005), encontrar algo na rede é bastante complicado. Para acessar informações que estão dispersas, sem hierarquias, fragmentadas, por exemplo, é preciso recorrer a ferramentas de buscas para obter um resultado coerente e organizado. O maior mal-entendido sobre a rede consiste em ignorar que o verdadeiramente necessário para navegar nela é uma capacidade muito alta de leitura e habilidades conceituais e substanciais de busca. [...] A rede é uma massa imensa de textos cujas hierarquias sintáticas e semânticas são invisíveis e difíceis de hipotetizar. Extrair algo da rede é muitíssimo mais complicado que extrai-lo de qualquer outro sistema de referências conhecido, precisamente porque a 106
11 árvore sintática do sistema não tem nenhum mapa prévio à sua exploração: a exploração traça o mapa e estabelece o sistema sintático. Passar por alto algumas conexões, por ignorância ou por distração, pode frustrar qualquer busca que supere os limites de algumas páginas em particular. (SARLO, 2005, p ) A autora ainda alerta que as hierarquias sintáticas do material disponível na internet podem não corresponder às hierarquias culturais: o artigo péssimo de um professor desconhecido está ali tão acessível como a última tradução de um clássico ou a surpreendente conferência de um filósofo transcrita por seus alunos. Nada certifica nada. Onde abrir aspas??? Por isso, a rede seria democrática. Mas cada um entra nela com o que tem e tira dela em proporção o que sabe. (SARLO, 2005, p. 32) Outro desafio, além de atentar para as questões acima colocadas, é também construir uma metodologia para tornar palpáveis essas ações de diferentes atores sociais na internet, que acabam dando a alguns temas a notoriedade suficiente para transformá-los em notícia. A teoria do ator-rede de Latour (2008) parece fornecer algumas pistas. O filósofo e antropólogo francês considera, em sua teoria, tanto o ator quanto a rede em que está inserido. Sugere, entre outras coisas, que se sigam as conexões, os rastros contínuos, sem saltar as estruturas. Para compreender as profundas mudanças pelas quais o jornalismo vem passando, um dos caminhos seria começar a entender melhor e de forma permanente como está se configurando essa comunicação em rede. Isso porque, se essas transformações que atingem hoje a profissão continuarem a acompanhar o ritmo da evolução das tecnologias da informação, a tendência é que se tornem permanentes. Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de 2014 The internet and their impacts on the journalistic do Abstract This article intends to analyze some points of the theory of the news looking for to evidence adopted criteria, until then, by professionals of the journalism, they stay the same ones or if, in the Web environment, under the influence of the new digital practices and the impact of the social nets, such values would be altered in their basic structure. Keywords: Internet. Journalistic practices. Newsworthiness criteria 107
12 Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 19, jul./dez. de 2014 Referências BIANCO, Nelia R. Del. A internet como fator de mudança no jornalismo Disponível em: < Acesso em: 12 maio CASTELLS, Manuel. Comunicacion y poder. Madri: Alianza, FERNANDES, Nelito. Vítima de cegueira moral. Época, São Paulo, n. 687, p , 18 jun FERNANDEZ VICENTE, Antonio. El presente virtual: cadenas digitales. Madri: Fragua, FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, GALIMBERTI, Umberto. Psique e techne: o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus, KOVACK, Bill; ROSENTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo: Geração, KUNCZIK, Michael. Conceitos do jornalismo: Norte e Sul. São Paulo: Edusp, LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, LATOUR, Bruno. Reensamblar lo social: una introducion a la teoría del actor-red. Buenos Aires: Manantial, LINO, Eduardo; FRANCISCO, Nicole. Critérios de noticiabilidade: o fator proximidade Disponível em: < -Noticia>. Acesso em: 10 jun MACHADO, Elias. O ciberespaço como fonte para jornalistas Disponível em: < bocc.uff.br/pag/machado-elias-ciberespaco-jornalistas.pdf>. Acesso em: 10 maio MARCONDES FILHO, C. J. R. Comunicação e jornalismo: a saga dos cães perdidos. São Paulo: Hacker, MEYER, Philip. Os jornais podem desaparecer?: como salvar o jornalismo da era da informação. São Paulo: Contexto, NEVEU, Érik. Sociologia do jornalismo. São Paulo: Loyola, RAMONET, Ignácio. A tirania da comunicação. Petrópolis, RJ: Vozes, SANT ANNA, Lourival. O destino do jornal: A Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo na sociedade da informação. Rio de Janeiro: Record, SARLO, Beatriz. Sensibilidad, cultura y política: el cambio de fin de siglo. In: MARTINEZ, J. T. Observatorio siglo XXI. Buenos Aires: Paidós, TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: a tribo jornalística: uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, WOLTON, Dominique. Sobre la comunicación. Madrid: Acento, Enviado em 14 de setembro de aceito em 1 de novembro de
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