VIOLÊNCIA E DIREITO: A DIGNIDADE ESFACELADA DO OUTRO
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- Anderson Quintanilha Aquino
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1 II FÓRUM MINEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA POLÍTICAS PÚBLICAS E VIOLÊNCIA URBANA: REFLEXÃO SOBRE AS PRÁTICAS JURÍDICAS E BIOPOLÍTICAS E DE SEGREGAÇÃO SOCIAL VALDÊNIA GERALDA DE CARVALHO PRÓ-REITORA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA
2 A VIOLÊNCIA E O OUTRO Em A Conquista da América, Tzvetan Todorov nos relata as práticas de extrema violência impostas pelo conquistador europeu, no século XVI, contra as populações nativas da América, interpretando tal fenômeno como fruto da negação da natureza humana do indígena e, por isso, o nativo como não portador de direitos iguais. Contemporaneamente, outras abordagens defendem que a questão da exclusão do outro é fruto do seu não reconhecimento, derivando desse fenômeno atitudes e atos de unilateralidade e de seletividade dos socialmente integrados e do poder institucional para com os excluídos.
3 A VIOLÊNCIA E O OUTRO Inspirados nessas abordagens de âmbito histórico, sociológico e filosófico, podemos dizer que a violência tem uma natureza múltipla, de ordem moral, econômica, social e política, a partir da qual se manifesta a violência contra o outro, não reconhecido em seus direitos e nem como igual. Para nossos objetivos nessa breve palestra, definimos como o outro, o ser humano que nasce e se desenvolve em espaços urbanos e sociais distanciados e desiguais em relação aos valores da ordem social dominante, numa situação de segregação social, de forma que, como vítima da violência, não há solidariedade e nem reconhecimento dos seus direitos e de suas garantias constitucionais.
4 FUNDO HISTÓRICO Natureza histórica do Estado brasileiro é caracterizada por uma tradição autoritária, elitista, segregacionista e antipopular. Legado de três séculos de escravismo e, posteriormente à escravidão, questões de ordem étnico-racial e social, como o racismo e o preconceito social, determinaram a visão de mundo e de nação que as elites brancas brasileiras abraçaram desde fins do século XIX, modelo de nação que não reconhecia as massas empobrecidas e negras.
5 NAÇÃO E AUTORITARISMO Ideia de nação não integrou processos participativos e democráticos dos grupos étnicos e sociais. Processo modernizador do Estado e da sociedade, iniciado nos anos de 1930, caracterizou-se pelo autoritarismo estatal, conservadorismo e tutela sobre os movimentos sociais. Modelo autoritário de desenvolvimento atingiu seu ápice em 1964, com a tomada do poder pelos militares e seus aliados civis.
6 HERANÇA HISTÓRICA RECENTE Redemocratização iniciada em 1985 e coroada com a promulgação da Constituição de 1988, apesar dos avanços da ordem democrática, ainda não conseguiu extirpar as práticas discriminatórias e autoritárias entre Estado e os grupos socialmente vulneráveis. Relatórios de Organizações de Direitos Humanos, por exemplo, constatam recorrentemente que a tortura e as agressões aos direitos humanos ainda vigoram nas prisões do país. A violência que se difunde nos estratos mais vulneráveis da sociedade encontra nos órgãos e agentes estatais um elemento ativo e decisivo.
7 SIGNOS DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL Em 20/06/2011, na Baixada Fluminense, quatro policiais executam o menino Juan de Moraes, de 11 anos, e depois desaparecem com o corpo, posteriormente encontrado pelas autoridades. Em Fortaleza, em 25/07/2010, Bruce Cristian, um adolescente de 14 anos sentado na garupa da moto do pai, é morto pelas costas por policial com tiro na cabeça, durante uma desastrada abordagem em um sinal de trânsito.
8 SIGNOS DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL Em Belo Horizonte, na madrugada do dia 19/02/2011, durante operação, policiais matam, à queima roupa e com tiros de grosso calibre, dois moradores na favela Vila Marçola, no Aglomerado da Serra. Moradores do aglomerado, Jeferson Coelho da Silva (17 anos) e seu tio, Renilson Veriano da Silva, (31 anos), foram as vítimas da desastrada ação policial.
9 NÃO-RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DO OUTRO A violência que se verifica entre e contra os segmentos populacionais caracterizados pela vulnerabilidade social e urbana é fruto de uma lógica seletiva e discricionária que guarda raízes ainda nas práticas autoritárias do Estado Brasileiro. Exclusão dos aglomerados e das favelas configura os locais de onde nascem os estigmas, os estereótipos os mais variados sobre o outro. Omissão estatal e impunidade contribuem para que a vida das populações de vilas e favelas se caracterize por baixa qualidade de vida urbana, violência sem fim e uma presença frágil dos serviços públicos essenciais.
10 NÃO-RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DO OUTRO Tal situação contribui para que as favelas e seus moradores sejam vistos como estrangeiros em sua cidade, um outro ao qual não se reconhece os direitos humanos e a garantia dos direitos de cidadania. Na prática cotidiana, políticas públicas inclusivas, geralmente isoladas e setoriais, pouco avançam na superação das distâncias e da segregação entre as culturas urbanas. Configura-se, pois, uma vida social limitada pela solidariedade às identidades socialmente reconhecidas, daí resultando a indiferença, os excessos nos mecanismos de controle e de segurança pública e a não solidariedade para com esse outro.
11 VIOLÊNCIA SELETIVA O III Relatório Nacional de Direitos Humanos demonstra que a tortura e o crime violento são ainda corriqueiros no Brasil atual. Vítimas e agentes da violência guardam vínculos com órgãos/agentes estatais, sinalizando não só para uma ineficiência do estado face à violência, mas, o que é grave, sua responsabilidade e estímulo à impunidade. As vítimas e os agentes de crimes violentos, em parte significativa, são jovens negros, brancos empobrecidos, do sexo masculino, geralmente moradores de áreas urbanas carentes e vulneráveis, desassistidas dos serviços públicos essenciais e sem acesso às instâncias do judiciário.
12 PARADOXOS Violência institucional atual ocorre em contexto de vigência do Estado Democrático de Direito, expansão e reconhecimento de direitos para grupos vulneráveis, direitos de minorias, como as garantias de direitos de proteção ao meio ambiente, de proteção aos homossexuais, às mulheres, às crianças, aos idosos etc. Políticas de reforma urbana têm sido executadas nas grandes capitais e centros urbanos brasileiros, mas com impactos ainda limitados no controle da criminalidade violenta e na mudança das perspectivas culturais e de inclusão do outro na sociedade formal.
13 NÃO-RECONHECIMENTO E VIOLÊNCIA 1 - O não reconhecimento do outro: o diferente como não cidadão ou com direitos parciais, fragilizados e limites das políticas públicas de âmbito universal. 2 Participação social restrita a determinados grupos: baixa capacidade de negociação e de comunicação entre os segmentos organizados e não organizados. 3 Sociedade cindida: o não reconhecido é o carente de direitos humanos e vítima privilegiada da violência e da indiferença social.
14 NÃO RECONHECIMENTO E RETROALIMENTAÇÃO Grupos socialmente vulneráveis desenvolvem culturas próprias, identitárias e, por força de uma tradição de exclusão, tendem seus membros mais jovens, do sexo masculino, a ingressar no mundo da criminalidade organizada e compor as estatísticas do crime violento. O não reconhecimento gera a objetificação do outro, sua reificação, e favorece uma consciência seletiva e funesta ao Direito, na medida que uns são cidadãos plenos, enquanto outros ou não o são ou o são parcialmente.
15 VIOLÊNCIA COMO PATOLOGIA SOCIAL A sociedade cindida restringe as solidariedades sociais e humanas, cultiva a indiferença e estimula a impunidade dos atos lesivos à dignidade. O esquecimento é o corolário nefasto do não reconhecimento: a memória dos atos e atitudes lesivos contra o outro cai no esquecimento pela inoperância estatal em fazer justiça e integrar todos os grupos sociais.
16 O LUGAR DO DIREITO A resposta à violência urbana e social contra o outro morador de vilas e favelas - no plano do direito, exige que se estimule e garanta a participação e o protagonismo desses grupos sociais/populacionais nos destinos da sociedade. Aos órgãos e agentes de segurança deve ser incutido o valor e a necessidade de preservação da vida nas ações de segurança, na perspectiva de se reconhecer o outro o ser humano vítima da exclusão urbana e social - como ser humano pleno, portador de direitos inalienáveis como o usufruem as camadas privilegiadas da sociedade.
17 O LUGAR DO DIREITO No campo da segurança urbana, propiciar ao agente estatal responsável pela segurança pública a consciência do outro como detentor de direitos iguais. A conscientização nasce da aplicabilidade do direito, no caso, atos lesivos ao direito do outro impetrados por agentes estatais devem ser punidos, como ação pedagógica inibidora da violência. Os currículos formativos do agente de segurança devem assumir o paradigma do reconhecimento do outro, como reconhecimento de sua alteridade, da solidariedade com um ser igual e pleno de direitos.
18 O LUGAR DO DIREITO Incrementar a participação civil como antídoto à indiferença e à contemplação passiva. Implementar com efetividade o III Programa Nacional de Direitos Humanos que defende no Eixo Orientador IV: Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência, na Diretriz 17, sob o título Promoção de sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, para o conhecimento, a garantia e a defesa dos direitos, materializada em VI objetivos estratégicos, os quais vale a pena citar literalmente:
19 O LUGAR DO DIREITO: OBJETIVOS DO III PNDH I: Acesso da população à informação sobre seus direitos e sobre como garanti-los; II: Garantia do aperfeiçoamento e monitoramento das normas jurídicas para proteção dos Direitos Humanos; III: Utilização de modelos alternativos de solução de conflitos; IV: Garantia de acesso universal ao sistema judiciário; V: Modernização da gestão e agilização do funcionamento do sistema de justiça; VI: Acesso à Justiça no campo e na cidade.
20 CONCLUSÃO Reconhecimento: necessidade de uma política pública inclusiva, fundada no reconhecimento dos direitos do outro. Eficácia do Estado Democrático de Direito: políticas públicas de acesso ao Judiciário, em conjugação com a execução de ações universais e particulares de inclusão social. Aprofundamento da Democracia: maior efetividade dos mecanismos decisórios relativos à participação civil. Dignidade da Pessoa Humana: todos os grupos étnicosociais portadores de direitos e de dignidade.
21 CONCLUSÃO Para uma efetiva inclusão social, desenvolvimento de ações públicas de garantia da autoconfiança, do autorrespeito e da autoestima a todo ser humano habitante de áreas urbanas de baixa integração social. Pacificação das favelas: polícia de mãos limpas, sem envolvimento com a criminalidade e plena observância dos direitos humanos. Políticas públicas universais e específicas devem se conjugar, de forma a prevenir os estigmas e estereótipos sobre o público-alvo dos programas.
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