Endarterectomia Carotídea com Anestesia Loco-Regional
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- Dina Andrade Caires
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1 ARTIGO DE OPINIÃO * Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Medicina do Porto Assistente Hospitalar de Angiologia e Cirurgia Vascular no Hospital de São João Coordenador da Unidade de Angiologia e Cirurgia Vascular do Hospital CUF Porto Endarterectomia Carotídea com Anestesia Loco-Regional Carotid Endarterectomy under Local Anaesthesia Armando Mansilha* A b s t r a c t R E S U M O The efficacy of carotid endarterectomy (CEA) in preventing the stroke in patients with symptomatic and asymptomatic carotid stenosis has been established in different multicentre randomised controlled trials. CEA under local anaesthesia versus general anaesthesia has been associated with potential benefits concerning reduction in the odds of stroke, death and hospital costs. This review will analyse the published results, particularly those from last Cochrane meta-analysis and from GALA trial, the largest randomised surgical/anaesthetic trial ever performed in this field. It will be also analysed the recommendations published by the European Society for Vascular Surgery (ESVS) and the singular results from a personal experience. A eficácia da endarterectomia carotídea (CEA) na prevenção do acidente vascular cerebral (AVC) em doentes com estenose carotídea sintomática e assintomática foi estabelecida em vários estudos randomizados multicêntricos. A anestesia local tem sido associada a um potencial benefício comparativamente à anestesia geral, em termos de diminuição da morbilidade neurológica e mortalidade, bem como redução de custos hospitalares. Este artigo procura analisar e discutir os resultados publicados, particularmente a mais recente meta-análise da Cochrane e o estudo GALA, o maior estudo randomizado cirúrgico/anestésico alguma vez efectuado nesta área. São também referidas as recomendações publicadas pela European Society for Vascular Surgery (ESVS) bem como os resultados de Key words Carotid stenosis endarterectomy uma experiência pessoal. local anaesthesia general anaethesia Palavras-chave Estenose carotídea endarterectomia anestesia loco-regional anestesia geral Angiologia e Cirurgia Vascular Volume 7 Número 1 Março
2 Introdução Apesar dos excelentes resultados que foram sendo progressivamente alcançados em muitos centros na execução da endarteriectomia carotídea com anestesia geral (AG), tem sido crescente o interesse no papel da anestesia loco -regional (AL) como possível alternativa anestésica, com potencial vantagem. Com efeito, a possibilidade de ter o doente acordado permite uma monitorização neurológica contínua, com consequente diminuição da percentagem de utilização de shunt per -operatório e possível melhoria em termos de morbilidade cardíaca e pulmonar, conforme vários estudos e publicações [1-14]. Potenciais vantagens da AG Muitos cirurgiões vasculares acreditam que a melhor forma de operar uma estenose carotídea requer o doente adormecido, quieto e estável. Desta forma será possível prolongar a cirurgia todo o tempo que for exigido para a sua boa execução, incluindo a necessidade de prolongar distalmente ou proximalmente a incisão, efectuar procedimentos adicionais imprevistos bem como dispor de mais tempo para a formação de jovens cirurgiões. É igualmente referido na literatura que a utilização de determinados fármacos anestésicos na AG, diminui em teoria o metabolismo cerebral do oxigénio, aumentando o fluxo cerebral e consequentemente conferindo um grau acrescido de neuroprotecção [2]. Potenciais desvantagens da AG O maior problema associado à AG decorre da dificuldade em ter um conhecimento objectivo preciso de uma eventual isquemia cerebral mais acentuada durante a clampagem carotídea. Os cirurgiões que defendem a utilização selectiva de shunt durante o procedimento cirúrgico avaliam o fluxo sanguíneo cerebral e função neurológica através de diferentes técnicas que incluem nomeadamente a medição de pressão de retorno, doppler transcraniano, electroencefalografia e potenciais evocados [3]. Apesar da fiabilidade e sensibilidade associadas a alguns deles nenhum revelou uma eficácia absoluta na avaliação do estado neurológico per -operatório. Em doentes operados com AL foi possível constatar uma não total correlação entre os métodos utilizados e o estado neurológico do doente durante a clampagem, particularmente se se mantinha desperto e sem défices [4]. Alguns dados publicados referem taxas de utilização de shunt que podem ser de 50% para a AG e apenas 10 15% para a AL [4]. É importante considerar nesta análise a variabilidade individual em termos anatómicos bem como a susceptibilidade alterada particularmente em doentes sintomáticos, com evidência de área de enfarte e penumbra isquémica adjacente. Outro factor referido na literatura é uma maior instabilidade hemodinâmica associada à AG, apesar da hipotética neuroprotecção farmacológica, que implica manipulação pelo anestesista no sentido de evitar diminuição da pressão e assim preservar uma circulação cerebral colateral suficiente [5]. Uma forma de evitar o problema da hipoperfusão durante a clampagem carotídea envolve a utilização regular de shunt em todas as intervenções. A técnica de colocação do shunt requer treino de equipa de forma a evitar nomeadamente a sua exteriorização e necessidade urgente de re -inserção. Este procedimento não é isento de riscos uma vez que o movimento de inserção do dispositivo pode ocasionar problemas de embolização e dissecção, particularmente grave na artéria carótida interna distal [6]. Esta dificuldade técnica pode ser maior em artérias de menor diâmetro, particularidade anatómica mais frequente na mulher. Potenciais vantagens da AL A mais evidente é o facto do doente se manter acordado e cooperante durante a cirurgia o que permite quer ao cirurgião quer ao anestesista uma monitorização neurológica contínua. Esta avaliação pode ser efectuada oralmente, referindo como se sente e respondendo ao solicitado, bem como pela movimentação dos membros superior e inferior. É prática comum em várias instituições em que a endarterectomia carotídea com AL é o procedimento de rotina, colocar uma bola na mão contra -lateral do doente que emita som pela movimentação, o que permite, mesmo 8 Angiologia e Cirurgia Vascular Volume 7 Número 1 Março 2011
3 sem acesso directo quando se encontra coberta pelos panos operatórios, confirmar a resposta ao estímulo solicitado. Outras vantagens potenciais incluem uma possível preferência do doente que não quer AG, recobro operatório facilitado e alta mais precoce, com consequente diminuição de custos hospitalares. Em situações de necessidade de drenagem de hematoma no período pós -operatório precoce (2-4 horas) e dependendo do anestésico local utilizado, é possível reintervir cirurgicamente utilizando a anestesia original, sem dose adicional. Potenciais desvantagens da AL A mais importante relaciona -se com o potencial desconforto acrescido durante o procedimento, particularmente se demasiado longo ou história prévia de patologia osteoarticular degenerativa da coluna, que conduzam o doente a uma situação de agitação e consequente movimentação excessiva prejudicial ao desenrolar da cirurgia, necessariamente delicada na sua essência. É absolutamente relevante um bom bloqueio regional que produza um efeito anestésico local eficaz e permita uma intervenção não sentida pelo doente. Qualquer pequeno sinal de desconforto à manipulação deverá ser acompanhado por um reforço anestésico por infiltração local por parte do cirurgião, o que é frequentemente mais evidente na abordagem da bainha carotídea. Este facto pode, por si só, ocasionar teoricamente um prolongar do tempo cirúrgico, mas está longe de ser um dado consensual. Um outro ponto importante na redução de ansiedade tornando o doente mais relaxado tem a ver com a preparação psicológica na conversa pré -operatória com o cirurgião, tal como a utilização de ansiolíticos, embora seja imperativo evitar uma dosagem excessiva que torne difícil avaliar a resposta neurológica, perdendo -se a vantagem principal desta técnica com AL. Tal como qualquer técnica, exige uma curva de aprendizagem, que se repercute na diminuição da taxa de conversão anestésica com o acumular de experiências. Também pode paradoxalmente conduzir a uma diminuição do tempo operatório pela não necessidade de preparação, inserção e remoção do shunt. Evidência Um interessante estudo [11], prospectivo e randomizado, foi efectuado para avaliar o efeito do tipo de anestesia no fluxo sanguíneo cerebral durante a endarterectomia carotídea (CEA). Foram quantificadas a velocidade média na artéria cerebral média (VACM) através de doppler transcraniano e a pressão arterial média (PA) avaliada continuamente através de linha intra -arterial, em doentes submetidos a CEA com AL (n=34) ou AG (n=33). Estas determinações foram comparadas em três momentos: no período pré -operatório (pré -op), antes (pré -clamp) e após (pós -clamp) a clampagem carotídea. A VACM e a PA tinham valores similares antes da cirurgia. A VACM pré -clamp era semelhente nos dois grupos e não diferia dos valores pré -op. Com a clampagem a VACM diminuiu significativamente nos dois grupos, como esperado. A VACM pós -clamp era significativamente menor no grupo AG (p<0.05). A PA pré -clamp diminuiu significativamente no grupo AG e aumentou significativamente no grupo AL, comparativamente ao verificado no pré -op. A PA pré -clamp foi significativamente menor com AG (p<0.001). A PA pós -clamp não diferiu dos valores pré -clamp em ambos os grupos. Não se verificou correlação entre a VACM e a PA, pelo que, segundo os autores, as variações na VACM não poderiam ser explicadas por variações sistémicas da PA. Com base nestas observações, concluíram estar a CEA com AL associada a uma melhor preservação da circulação cerebral ipsilateral e maior tolerância aos efeitos da clampagem carotídea. Uma meta -análise efectuada em 2004 pelo grupo Cochrane [14] envolveu 41 estudos não -randomizados (NR) ( doentes) e 7 estudos randomizados (R) (554 doentes). Os resultados em termos de redução da taxa de AVC e mortalidade foram claramente favoráveis à AL para estudos NR (OR 0.39; IC 95%: ) e R (OR 0.37; IC 95%: ). A validade destes resultados foi bastante questionada Angiologia e Cirurgia Vascular Volume 7 Número 1 Março
4 Analisando o procedimento cirúrgico TABELA II e apesar da utilização mais frequente de patch para encerramento da arteriotomia no grupo AG, não se verificou qualquer diferença na duração total da cirurgia. Em termos anestésicos foi significativa (p<0.001) a maior necessidade de manipulação para cima da PA no grupo AG. No grupo AL a taxa de conversão para AG foi de 1.4%. Cada doente foi avaliado por um neurologista independente 1 mês após a cirurgia. Não se verificou uma diferença estatisticamente significativa entre as duas técnicas em termos de resultados aos 30 dias TABELA III, sendo necessários 1000 CEAs com AL (OR 0.94; IC 95%: ) para prevenir 3 eventos (IC 95%: 11 a 17). Contudo no subgrupo de doencientificamente por múltiplos aspectos: a maioria de resultados era proveniente de estudos não randomizados, retrospectivos, com selecção heterogénea dos doentes (frequentemente não consecutivos, com duração variável de follow up, distribuição dos factores de risco não ajustada, percentagem variável de assintomáticos e sintomáticos), ausência de neurologista independente na avaliação dos resultados, técnica cirúrgica e antiagregação plaquetária com variações significativas. Em 2008 foram publicados os resultados do estudo GALA (General Anaesthesia versus Local Anaesthesia for carotid surgery) [15], multicêntrico, randomizado e prospectivo. Este estudo decorreu em 95 centros de 24 países, tendo sido definido como endpoint primário a incidência de acidente vascular cerebral (AVC), enfarte agudo do miocárdio (EAM) e mortalidade nos primeiros 30 dias após a cirurgia. A análise foi feita com base na intenção de tratar e foram incluídos 3526 doentes (AL 1773 e AG 1753), com as características demográficas mais relevantes referidas na TABELA I. Cada cirurgião participante tinha que efectuar pelo menos 15 CEAs por ano, com qualquer uma das técnicas anestésicas. TABELA 2 Procedimento cirúrgico e anestésico CEA convencional 78% 72% Shunt 43% 14% Patch 50% 42% Manipulação PA para cima 43% 17% Manipulação PA para baixo 13% 28% TABELA 3 Resultados aos 30 dias AG AG AL AL AVC 4% 3.7% TABELA 1 Características demográficas no estudo GALA EAM 0.2% 0.5% AG (n=1753) AL (n=1773) Mortalidade 1.5% 1.1% Idade AVC / EAM / Mortalidade 4.8% 4.5% Sexo masculino 70% 71% Hipertensão arterial 76% 78% Doença arterial periférica 24% 25% Doença coronária 37% 35% ASA grau I / II 65% 65% Oclusão carotídea contra-lateral 9% 9% Assintomático 39% 38% Estenose carotídea média 81% 81% Diagnóstico por ultrassonografia 95% 94% 10 Angiologia e Cirurgia Vascular Volume 7 Número 1 Março 2011
5 tes com oclusão carotídea contra -lateral verificou -se uma diferença clara em favor da AL (1.2%) versus AG (4.7%) (OR 0.47; IC 95% ; p=0.098). Não foi encontrada qualquer diferença com significado em termos de hematoma com ou sem necessidade de reoperação, lesão de nervos cranianos ou infecção. Também não foi registada qualquer diferença substancial em termos de avaliação de qualidade de vida aos 30 dias ou duração do internamento hospitalar. Embora sem significado estatístico os custos associados ao procedimento com AL foram inferiores ao grupo AG [16]. Adicionando os resultados do estudo GALA aos da meta -análise da Cochrane persiste uma ligeira vantagem a favor da AL em termos de prevenção do AVC e mortalidade (OR 0.85; IC 95%: ), mas sem significado estatístico. Experiência pessoal Inclui 255 endarterectomias carotídeas em que a morbilidade neurológica foi de 0.78% (2/255) e a mortalidade de 0.78% (2/255). A preferência clara foi efectuar a CEA com AL (90.2%: 230/255) e apenas 9.8% com AG (25/255), incluindo as intervenções conjuntas a nível coronário e carotídeo. A grande maioria de doentes tinha estenose carotídea sintomática (76%: 194/255), idade média de 73 anos, sexo masculino (89%) e diagnóstico exclusivo por ultrassonografia (92%). A técnica cirúrgica foi convencional em 100% dos casos e a utilização de patch sintético para encerramento da arteriotomia em 92.5% (236/255). Nenhum doente foi cancelado ou convertido para AG por problemas técnicos ou morbilidade associada à técnica de AL. Durante a cirurgia com AL houve necessidade de converter um doente (0.43%: 1/230) por ansiedade e movimentação excessiva. A utilização de shunt foi rara na AL (2.6%), apenas de forma selectiva e por alteração do estado neurológico (6/230). A morbilidade cardíaca nos doentes operados com AL foi de 0%. Conclusão A CEA com AL parece associar -se a um ligeiro benefício comparativamente à AG, mas sem tradução com significado estatístico. Este benefício é claramente superior nos doentes com oclusão carotídea contra -lateral. De acordo com as recomendações publicadas pela ESVS [17], ambas as técnicas anestésicas são seguras, devendo ser utilizada a mais confortável pela equipe cirúrgica e anestésica e de acordo com a preferência do doente, desde que as taxas de morbilidade neurológica, cardíaca e mortalidade se situem abaixo dos valores limite actualmente aceites pela comunidade científica. Bibliografia [1] Tangkanakul C, Counsell CP, Warlow CP. Local versus general anaesthesis in carotid endarterectomy: a systematic review of the evidence. Eur J Vasc Endovasc Surg 1997; 13: [2] Campkin TV, Turner JM. Anaesthesia for the surgery of cerebral arterial insufficiency. In: campkin TV, Turner JM (eds) Neurosurgical anaesthesia and intensive care, pp London: Butterworths, [3] Hobson RW, Wright CB, Sublett JW, Fedde W, Rich NM. Carotid artery back pressure and endarterectomy under regional anaesthesia. Archives of Surgery 1974; 109: [4] Benjamin ME, Silva MB, Watt C, et al. Awake patient monitoring to determine the need for shunting during carotid endarterectomy. Surgery 1993; 114: [5] Luosto R, Ketonon P, Mattila S, takkunem O, Eerola S. Local anaesthesia in carotid surgery. Scandinavian Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery 1984; 18: [6] Halsey JH. Risks and benefits of shunting in carotid endarterectomy. Stroke 1992; 23: [7] Allen BT, Anderson CB, Rubin BG, et al. The influence of anesthetic technique on perioperative complications after Angiologia e Cirurgia Vascular Volume 7 Número 1 Março
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