Oportunidades e desafios no trabalho com diferentes disciplinas: um estudo de caso
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- Luiz Felipe Bugalho Monsanto
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1 A partir de um estudo realizado em um setor industrial, desenvolveu-se um modelo holístico de controle com vistas à redução da prevalência e severidade da dor lombar em uma população específica de motoristas de empilhadeiras e, consequentemente, do absenteísmo e do tempo perdido associados a distúrbios osteomusculares. Para o desenvolvimento desse modelo, empregou-se a transdisciplinaridade como forma de assegurar uma avaliação holística dos fatores de risco e o subsequente controle dos resultados. Como base para o exame, utilizou-se uma hierarquia genérica de controles. A abordagem tradicional da higiene ocupacional, no caso de motoristas profissionais expostos à vibração de todo o corpo, normalmente abrangeria a utilização de instrumentos técnicos para a medição das vibrações a que o corpo está exposto. Essas medições seriam, então, comparadas a padrões de exposição reconhecidos, que permitiriam decisões quanto à exposição do motorista e posteriores considerações sobre o controle. No entanto, em uma inspeção mais minuciosa, o problema torna-se muito mais complexo e requer uma investigação adicional de fatores influentes importantes, como os que ocorrem em nível micro (indivíduo e veículos) e em nível macro (organização e ambiente de trabalho), no ambiente humano. Além da medição tradicional da vibração do corpo inteiro, examinaram-se outros fatores relacionados aos motoristas a partir de dados do questionário, coletados com um instrumento baseado no Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (Kuorinka, Jonsson, Kilborn, Vinterburg, Biering-Sorenson, Andersson & Jorgensen, 1987), traduzido para o Zulu (língua africana predominante na região de estudo). Questões sobre condições de trabalho e operacionais locais foram adicionadas, além de perguntas sobre trabalho em turnos, períodos de descanso, tipos de empilhadeira utilizadas e hábitos pessoais, como a prática de esportes e outros exercícios físicos e atividades de lazer. Limitações de espaço não permitem uma discussão mais complexa sobre como essas questões
2 foram examinadas i ou sobre quais outros aspectos foram considerados; entretanto, alguns fatores de risco descobertos e considerados importantes a partir dos quais um modelo holístico para controle poderia ser desenvolvido estão ilustrados na Tabela 1. TABELA 1. Fatores de risco macro e micro associados a motoristas profissionais em disciplinas de ergonomia e higiene ocupacional FATORES DO MOTORISTA (Nível micro) Posturas estranhas (durante a inversão, carregamento e levantamento de materiais) FATORES DO AMBIENTE E DO VEÍCULO (Níveis micro e macro) Design inadequado de assento (p. ex., assentos sem mecanismo de amortecimento de FATORES ORGANIZACIONAIS (Nível macro) Demandas cognitivas de trabalho (períodos de trabalho intenso alternados com períodos de inatividade) Natureza sedentária do trabalho (permanecer sentado por períodos prolongados sem outro trabalho manual ou atividades de levantamento) Idade e atributos físicos (predominam os trabalhadores em idade avançada, sedentários e Defeitos ergonómicos (no design do veículo e no posicionamento dos assentos e controles) Pneus (a borracha maciça aumenta os níveis de Sistema de salário por peça (motoristas alocados por turno terminam o trabalho e retornam para casa) Trabalho em turnos (turnos de até 12 horas com apenas uma pausa na metade do turno)
3 em sobrepeso) Nível de escolaridade (geralmente baixo) Idioma (a maioria fala inglês como segunda língua ou não fala inglês) Vibração produzida pelo motor e pelo veículo (aumento dos níveis de controle de vibração inadequada e falta de manutenção) Velocidade do veículo (velocidades maiores aumentam a exposição à Falta de inspeções précondução e falta de manutenção dos assentos Compra de equipamentos (motoristas não são considerados nas decisões de compra) Estilo de vida (geralmente sedentários, com pouca atividade física e alimentação deficiente) Cargas transportadas (cargas altas exigem que o motorista dê a ré com postura torcida ) Superfícies de condução (superfície áspera com má manutenção aumenta a produção de Treinamento inadequado (na identificação do perigo, dos efeitos e na utilização dos mecanismos de assento para controle de O emprego do conceito de "trabalhador-atleta" (industrial athlete) a essa abordagem transdisciplinar requer um entendimento sobre o que um ambiente ideal fornece para o melhor desempenho do trabalhador e para o seguimento de considerações de controle em um determinado ambiente (como exposto no estudo acima). O
4 trabalhador-atleta ideal, assim como o desportista ideal, é uma pessoa saudável preparada física, mental e emocionalmente para responder às exigências que seu papel requer no âmbito social, cultural, físico e organizacional em que a função é desenvolvida. Embora este artigo não possa abranger todos os aspectos do estudo como preparação física do indivíduo para o desempenho de suas funções, ele fornece algumas ideias interessantes, com foco na otimização do ambiente de trabalho. Enxergar os trabalhadores dessa forma garante que os resultados sejam coerentes com uma visão holística da natureza multifatorial dos perigos; além disso, garante que os resultados sejam voltados a todos os níveis, o que auxilia o controle de risco no local de trabalho e outros fatores associados e permite que os trabalhadores desenvolvam o melhor de sua capacidade. E, para chegarmos a esse resultado, foi necessário o conhecimento sobre muitas áreas. A abordagem de controle tradicional na higiene ocupacional abrange a hierarquia de controle um conjunto amplo de medidas de controle destinadas a alterar e controlar os fatores e circunstâncias ambientais relacionados a perigos ocupacionais. Essas medidas vão desde a aplicação de controles de engenharia (nível mais alto na hierarquia) até a utilização do equipamento pessoal de proteção (nível mais baixo). De acordo com a National Occupacional Health and Safety Commission (Comissão Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional) da Austrália, essa é a ordem preferencial de controle a ser aplicada para minimizar os riscos na saúde ocupacional e na segurança (NOHSC, 2005). A hierarquia de controle indica uma preferência por controles que evitem a intervenção humana ou que independam do comportamento humano. Entretanto, falha ao desconsiderar outros aspectos importantes na produção de perigo, como fatores humanos e organizacionais no local de trabalho, onde se espera que os trabalhadores, às vezes em condições cruéis e implacáveis, respondam ao aumento das demandas consequentes de um mínimo de tempo perdido por
5 absenteísmo e por licenças médicas. Tais trabalhadores estão sujeitos a muitos fatores ambientais, físicos, sociais e mentais que afetam a maneira como interagem com o ambiente e com os perigos nele existentes. A disciplina de ergonomia auxilia os higienistas ocupacionais a compreenderem o contexto de trabalho e os sistemas e fornece o quadro holístico para sua discussão e controle. A transdisciplinaridade oferece uma boa oportunidade para a resolução de problemas e a construção de conhecimento a partir de disciplinas atuais. O estudo de caso ilustra seu potencial em criar conhecimentos relevantes, habilidades e entendimentos que estão ao mesmo tempo entre, atravessadas por e para além das disciplinas envolvidas. No entanto, apesar das ricas possibilidades de descobertas oferecidas, existem também alguns obstáculos a serem superados dentre os quais está o nosso treinamento disciplinar, que fornece métodos de pesquisa, linguagem e socialização para profissionais. É necessário muito cuidado ao se colocar em prática as virtudes de respeito, tolerância e flexibilidade quando se trabalha com outras disciplinas a fim de preencher essa lacuna (Toft, Howard & Jorgensen, 2003). Esse esforço também exige confiança para que a integridade de cada disciplina seja mantida, contribuindo-se assim com a equipe e com resultados promissores em um desfecho mais rico e relevante. Esse estudo de caso foi realizado para ilustrar o potencial de criação de conhecimento, competências e práticas relevantes, que estão ao mesmo tempo entre, atravessadas por e para além de todas as disciplinas envolvidas. O conceito de trabalhador-atleta exigirá esforços colaborativos para que modelos transferíveis para o local de trabalho em um quadro holístico sejam atingidos; entretanto, a pesquisa apresentada neste artigo pode servir de incentivo a um diálogo frutífero e pode oportunizar a
6 contribuição dos participantes no desenvolvimento do quadro conceitual desta e de outras práticas. Daniellou (2001) sintetiza as questões epistemológicas sobre as quais os ergonomistas precisam se concentrar e que normalmente não são um problema na prática de apenas uma disciplina (talvez fosse útil estender esse pensamento para problemas de ergonomia em geral). Para o autor, a ergonomia: lida com dispositivos técnicos e seres humanos em sistemas em que as leis são de naturezas diferentes é orientada para a ação em situações reais leva em conta a saúde e questões de eficiência lida com situações sociais que envolvem questões de liberdade e luta pelo poder lida com sistemas complexos, caracterizados por respostas não lineares, incertezas sobre o estado inicial, variações no contexto e o número de fatores influentes como uma disciplina do design, trata com coisas que ainda não existem, cuja existência são tanto uma questão de viabilidade técnica quanto de vontade política enfrenta continuamente dilemas éticos altera os fenômenos para produzir conhecimento (conhecimento por meio da ação) (Daniellou, 2001, p.46). Talvez a prática ergonômica e a nossa profissão sejam transdisciplinares por natureza e, por isso, ergonomistas (e outros profissionais) tenham tanta dificuldade em definir a disciplina de ergonomia. Acreditamos que os objetivos implícitos na definição da International Ergonomics Association (IEA Associação Internacional de Ergonomia) da disciplina sejam alcançáveis no nível macro da prática, mas que a profissão de ergonomia seja apenas idealmente adequada para a resolução de problemas
7 complexos e dinâmicos. No entanto, esse quadro pode ser otimizado por meio do envolvimento de outras disciplinas e das partes interessadas de um modelo colaborativo. É provável que façamos isso (ocasionalmente) subconscientemente com base nos conhecimento das nossas próprias disciplinas de origem (p. ex., engenharia, SSO, saúde, epidemiologia). A transdisciplinaridade pode oferecer uma nova oportunidade para entendermos por que a prática da ergonomia ao nível macro é tão bem-sucedida e permite um resultado tão mais rico do que se praticada apenas junto a uma única área disciplinar. i i Traduzido e adaptado de TOFT, Y.; JOUBERT, D. (2005). Transdisciplinarity a new opportunity for team problem solving between, across and beyond the disciplines? A case study. Proceedings of CybErg The Fourth International Cyberspace Conference on Ergonomics. Johannesburg: International Ergonomics Association Press.
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