Superior Tribunal de Justiça

Transcrição

1 RECURSO ESPECIAL Nº SP (2011/ ) RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA RECORRENTE : BANCO DE COMÉRCIO EXTERIOR DE COLÔMBIA S/A ADVOGADO : LUIZ FERNANDO VALENTE DE PAIVA E OUTRO(S) RECORRIDO : BANCO SANTOS S/A - MASSA FALIDA REPR. POR : VÂNIO CÉSAR PICKLER DE AGUIAR - ADMINISTRADOR ADVOGADO : JOÃO CARLOS SILVEIRA E OUTRO(S) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA: Trata-se, na origem, de agravo de instrumento interposto pelo BANCO DE COMÉRCIO EXTERIOR DE COLÔMBIA S.A. E OUTROS contra decisões proferidas pelo Juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do foro central da comarca da capital de São Paulo nos autos da falência do Banco Santos S.A. As decisões agravadas são homologatórias de acordos de compensação de obrigações entabulados pelo administrador judicial com as empresas Termotécnica Ltda. e Termotécnica da Amazônia Ltda. Sustentaram os então agravantes que os recursos devidos pelas referidas empresas pertenciam a eles e não integravam a massa falida da instituição financeira, não podendo, por isso, ser objeto de compensação. Afirmaram tratar-se de empréstimo com destinação específica, a saber, financiar determinada operação de importação, figurando o Banco Santos como mero repassador dos recursos por eles desembolsados. Como consequência, pleitearam o indeferimento dos pedidos de compensação. Pediram ainda, sucessivamente, fosse declarado que a mencionada compensação e o não pagamento do empréstimo FINIMP pelas empresas importadoras não afetariam seu direito à restituição dos valores que disponibilizaram. Do agravo de instrumento se conheceu em parte e, nessa parte, negou-se-lhe provimento por meio de acórdão assim ementado: "Falência do Banco Santos S/A Contratos de Financiamento à Importação (FINIMP's) Valores que teriam sido adiantados por bancos estrangeiros ao banco brasileiro Alegação de que os créditos decorrentes de FINIMPs, celebrados pelo Banco Santos com recursos provenientes de instituições financeiras estrangeiras, não pertencem e não integram a massa falida, e, portanto, poderiam ser objeto de pedidos de restituição Conhecimento em parte do recurso, ou seja, apenas em relação ao banco colombiano, que, consoante reconhece a massa falida, forneceu 15% dos recursos para as operações questionadas A restituição, na Lei ll.101/2005 (art. 85), Documento: RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 7

2 só é possível se fundada em direito de propriedade ou em casos especiais, definidos na própria Lei de Falências e de Recuperação de Empresas ou em leis especiais O contrato de financiamento à importação não se enquadra em nenhuma das hipóteses em que a lei de falências ou leis especiais asseguram ao banco estrangeiro o direito à restituição dos valores adiantados ao banco nacional Agravo de instrumento conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido." ementa: Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. O acórdão recebeu a seguinte "Falência do Banco Santos S/A Contratos de Financiamento à Importação (FINIMP's) Valores que teriam sido adiantados por bancos estrangeiros ao banco brasileiro Inexistência de omissão e de obscuridade No tocante à omissão, nítido intuito infringencial do julgado No que concerne à obscuridade, inexistência até de interesse recursal Embargos de declaração rejeitados." Interposto recurso especial, sobreveio decisão de inadmissibilidade do apelo. Por meio de decisão monocrática proferida em agravo de instrumento, o Ministro Massami Uyeda determinou a subida do recurso especial para melhor exame. desprovimento. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo conhecimento parcial do recurso e seu É o relatório. Documento: RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 2 de 7

3 RECURSO ESPECIAL Nº SP (2011/ ) EMENTA FALÊNCIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO À IMPORTAÇÃO (FINIMPs). REPASSE DE BANCO ESTRANGEIRO A BANCO NACIONAL. CRÉDITO DAS IMPORTADORAS JUNTO AO FALIDO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE RELAÇÕES JURÍDICAS AUTÔNOMAS. 1. A estrutura das operações FINIMPs desenhada nos autos mostra a existência de duas relações jurídicas autônomas. A primeira decorre do crédito concedido pelo banco estrangeiro ao banco nacional; a segunda, do banco nacional às importadoras. 2. Nessas circunstâncias, estando incontroverso nos autos que as importadoras são também credoras do banco nacional em razão de aplicação financeira realizada antes da quebra, é válido o acordo de compensação entabulado entre eles e homologado judicialmente. 3. Eventual pedido de restituição por parte do banco estrangeiro, a ser formulado pela via própria, poderá, na hipótese de procedência, ser suportado por recursos da própria massa. 4. Recurso especial desprovido. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA: Esclareço que, embora o agravo de instrumento contra a decisão de primeiro grau tenha sido interposto pelo Banco de Comércio Exterior da Colômbia S.A. (Bancoldex) e Outros, o recurso especial que ora se examina foi oferecido somente pelo banco colombiano. Aduz o recorrente ter o acórdão regional violado os seguintes artigos: 85 da LFR; 368 e 380 do Código Civil; 1º e 2º do Decreto-Lei n. 857/1969; 535, I e II, e 458, II, do Código de Processo Civil. Sustenta ainda ter o aresto divergido de julgados de outros tribunais. Passo à análise das proposições deduzidas. O recurso especial submetido a julgamento está assentado em algumas premissas fáticas e argumentos que poderiam ser assim sintetizados: (i) o recorrente afirma que repassou ao Banco Santos determinada quantia em moeda estrangeira para financiar específicas operações de importação a serem realizadas pelas empresas Termotécnica Ltda. e Termotécnica da Amazônia Ltda.; (ii) o Banco Santos seria mero repassador dos valores emprestados, sendo ele, banco Documento: RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 3 de 7

4 estrangeiro, o verdadeiro credor das importadoras; (iii) comprovaria essa assertiva o fato de que os recursos tinham, por disposição contratual, destinação vinculada, não podendo o Banco Santos utilizá-los para outra finalidade; (iv) os valores financiados deveriam ser considerados dinheiro de terceiros em poder da massa falida; (v) tais recursos foram ou deveriam ter sido mantidos em rubrica segregada na contabilidade do Banco Santos, de acordo com as normas do Banco Central do Brasil; (vi) os FINIMPs são repassados em moeda estrangeira e deveriam ser pagos da mesma forma, o que comprovaria a relação direta das importadoras com o banco colombiano; (vii) vencida a dívida, os valores correspondentes deveriam ser entregues pelas importadoras ao Banco Santos, a quem caberia repassá-los ao banco estrangeiro; (viii) as importadoras seriam credoras do Banco Santos em razão de aplicações financeiras mantidas naquela instituição financeira; (ix) o acordo visando à compensação de obrigações recíprocas envolveria o crédito das importadoras no Banco Santos e o crédito do banco colombiano em relação às importadoras, o que não seria admissível; (x) caso seja ultimada a compensação, os recursos de que seria titular o banco colombiano não retornariam à massa e não poderiam ser objeto de pedido de restituição. É necessário registrar que na documentação que instruiu o agravo de instrumento não se incluíram os contratos celebrados entre o Banco Santos e as importadoras, mas apenas um modelo de contrato usualmente adotado nesse tipo de operação. Esse fato foi anotado no acórdão recorrido, que, no entanto, admitiu a existência das operações em razão de reconhecimentos expresso e tácito da massa falida e do próprio falido em peças processuais encartadas nos autos. O exame da controvérsia, portanto, será feito a partir dessa circunstância delineada no acórdão recorrido, tal como se deu no Tribunal de origem. Lembro que o recurso de agravo de instrumento que deu origem ao presente especial ataca ato judicial praticado nos autos da falência do Banco Santos consistente na homologação de termos de compensação celebrados entre o falido e as empresas Termotécnica Ltda. e Termotécnica da Amazônia Ltda. envolvendo créditos supostamente recíprocos. No entanto, a partir de determinado momento, toda a discussão desviou-se para a possibilidade de o recorrente buscar a restituição dos valores que repassou ao Banco Santos para financiar referidas empresas e de como a compensação deferida teria potencial para inviabilizar o pedido de restituição. Considero, todavia, que a decisão deve limitar-se a definir se é ou não cabível a compensação dos créditos discutidos à luz dos dispositivos legais que regem a matéria. Documento: RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 4 de 7

5 Inicio por dizer que não vejo vulneração alguma dos arts. 535, I e II, e 458, II, do CPC. Com efeito, o acórdão regional analisou e decidiu todas as questões que lhe foram submetidas, com a profundidade necessária para o deslinde da controvérsia. Não é necessário incursão por todas as teses apresentadas pelas partes quando o julgador encontra razões suficientes para justificar suas conclusões. Não cabe, ademais, ao magistrado definir todas as consequências jurídicas da decisão que adota, cabendo às partes e a seus procuradores avaliar os riscos e benefícios do ajuizamento de novas demandas ante os termos da decisão transitada em julgado. Quanto ao mérito propriamente dito do especial, estabelece o art. 368 do Código Civil que, "se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem". No caso em exame, não tenho dúvida em afirmar que a estrutura da operação de crédito desenhada nos autos apresenta duas relações jurídicas distintas, embora interligadas. A primeira tem a ver com o repasse de recursos do recorrente, Banco de Comércio Exterior de Colômbia S.A. (Bancoldex), para o recorrido, Banco Santos S.A., retratada nas mensagens SWIFT de fls. 105/107 (tradução às fls. 109/111) e 112/114 (tradução às fls. 116/118). Vê-se ali, claramente, que figura o recorrente como credor e o Banco Santos S.A. como devedor da operação. Embora se faça menção nos documentos a determinadas operações de crédito, cuja numeração coincide com as operações contratadas com as importadoras, em nenhum momento se estabeleceu que seriam estas, e não o falido, o responsável pelo adimplemento das obrigações contraídas. A segunda relação jurídica envolve o Banco Santos S.A. e as empresas já mencionadas e, apesar de não terem sido juntados aos autos os contratos respectivos, é fato incontroverso admitido inclusive pelo recorrido que tais operações existiram e que seguiram o mesmo figurino do modelo padrão apresentado às fls. 119/122. Também dali se pode extrair, sem hesitação, que o Banco Santos S.A. é credor e que as importadoras são as financiadas ou devedoras. Ora, embora não haja dúvidas de que os recursos obtidos pelo Banco Santos S.A. no exterior tivessem destinação específica, ou seja, financiar importação realizada pelas empresas devedoras, não se pode extrair do contexto dos autos que o recorrente seja credor dessas empresas. Documento: RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 7

6 Elas se obrigaram perante o falido, tão somente. O Banco Santos S.A. é que deve ao banco estrangeiro, tendo de honrar o pagamento da dívida na época convencionada, mesmo em caso de inadimplemento das financiadas. Frise-se que não há nenhuma relação jurídica entre essas empresas e o Bancoldex. Em nenhum momento elas se obrigaram perante tal instituição financeira, não obstante estar evidente que os recursos que tomaram para financiar a importação têm sua origem naquele banco. A vinculação dos recursos não altera a natureza do negócio jurídico entabulado, sendo mera característica da operação FINIMP, a permitir a contratação em moeda estrangeira dentro do território nacional, não havendo, por essa razão, falar-se em ofensa ao Decreto n. 857/1969. Constato, a propósito, que a cláusula n. 5.2 do modelo de contrato apresentado (doc. de fls. 119/122) esclarece que o pagamento será feito em moeda nacional. Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "a exegese do artigo 1º, do DL 857/69, conduz ao entendimento de que não existe óbice a que se celebrem pactos em moeda estrangeira, mas a estipulação de seu pagamento em outro valor que não o da moeda nacional, restringindo seu curso legal ou recusando seus efeitos" (REsp n /SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de ). Por outro lado, é também fato incontroverso que as importadoras são credoras do Banco Santos S.A. em razão de aplicações financeiras existentes por ocasião da decretação da falência. Estão presentes, portanto, todas as condições para a concretização da compensação discutida, nada havendo que impeça tal ajuste. Aliás, a possibilidade da compensação está expressamente prevista no próprio modelo de contrato juntado aos autos pelo recorrente (cláusula n. 10, doc. de fls. 119/122). Diante dessas circunstâncias, não vejo razão para definições quanto a eventual pedido de restituição por parte do recorrente, o qual, de resto, não foi formulado nestes autos, ficando prejudicada, quanto ao particular, a análise de eventual violação do art. 85 da LFR. Dada a natureza eminentemente fungível do dinheiro, eventual procedência do pedido de restituição quando vier e se vier a ser feito poderá ser suportada por recursos da própria massa. Ante o exposto, embora por outro fundamento que não aquele adotado pelo acórdão Documento: RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 7

7 recorrido, nego provimento ao recurso especial. É como voto. Documento: RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 7 de 7