A IGREJA NO CONTEXTO ATUAL E A EDUCAÇÃO CRISTÃ COMO PONTE DE DIÁLOGO COM A SOCIEDADE
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- Márcio Vasques Sequeira
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1 A IGREJA NO CONTEXTO ATUAL E A EDUCAÇÃO CRISTÃ COMO PONTE DE DIÁLOGO COM A SOCIEDADE Roney Ricardo Cozzer Mestrando em teologia pela FABAPAR roneycozzer@hotmail.com RESUMO O presente texto considera algumas características que delineiam nosso tempo e que também incidem sobre ele. Utilizando-se da expressão pós-modernidade, para caracterizar nossa era, discorre sobre fatores que são observáveis e perceptíveis na realidade da vivência social. Reconhece, contudo, que o termo pós-modernidade, por si só, já indica a complexidade que é definir nosso tempo, afinal, existem várias expressões e conceitos que são também tentativas conceituais. Com relação à isso, não há unanimidade, como é sabido. A igreja, como espaço educador, deve assim considerar a realidade que a cerca e produzir um diálogo, com vistas a contribuir com a sociedade em suas demandas. Isso porque a igreja não apenas está na sociedade, mas é, ela mesma, parte integrante e até fundante da sociedade. Sua presença deve ser não apenas religiosa, mas também social e integradora, assumindo assim uma postura de empatia com as necessidades do outro, e não uma postura apática a isso. O conhecimento de nosso tempo e da maneira como pensa o homem pós-moderno poderá ser assim usado para reduzir o abismo que existe entre a igreja e a sociedade, abismo esse que contribui para a criação de caricaturas de ambas as partes, o que impede uma visão mais completa, integral e precisa para ambos os lados. A educação cristã será assim uma importante aliada na redução, senão remoção, desse espaçamento. Palavras-chave: pós-modernidade. Igreja. Educação Cristã.
2 INTRODUÇÃO Pós-modernidade é um assunto que toca áreas vitais da realidade humana: sociedade, Igreja, família, educação, religião, filosofia, cosmovisão, saúde, etc. A expressão pós-modernidade, escolhida aqui como uma forma de identificar o tempo em que vivemos, abarca todos esses temas, perpassa todas essas realidades da vida, dando-lhes forma e sendo formatada por elas. A pósmodernidade é um movimento cultural, marcado pela rejeição de valores absolutos, princípios universais. Vê com desconfiança os dogmas e tem um senso extremamente crítico, rejeitando uma postura apenas passiva, inerte. É orientada assim, em grande medida, por uma hermenêutica da suspeição. Lança raízes no Iluminismo, uma era que deu grande ênfase à racionalidade. O Iluminismo, também referido como Esclarecimento, teve Paris (França) como principal centro de suas ideias e pensadores. Ele inicia-se em fins do século 17 e desenvolve-se durante o século 18. Os iluministas defendiam a criação de escolas para que o povo fosse educado e a liberdade religiosa. Para divulgar o conhecimento, os iluministas idealizaram e concretizaram a ideia da Enciclopédia (impressa entre 1751 e 1780), uma obra composta por 35 volumes, na qual estava resumido todo o conhecimento existente até então 1. Foi essencialmente um movimento filosófico, intelectual e cultural europeu que procurou romper com: a. O absolutismo europeu que tinha como características as estruturas feudais, b. A influência cultural da Igreja Católica e seu domínio sobre a ciência, as artes, o comércio, a política e o pensamento e, c. A censura das assim chamadas ideias perigosas 2. A base do Iluminismo foi a valorização da razão humana. Os franceses referiam-se ao Iluminismo como Siècle dês Lumières ou apenas Les Lumières ( século das luzes ou as luzes ), enquanto que os alemães o traduzem como Aufklarung, que 1 Site InfoEscola. Disponível em: < Acesso em 27 out Idem
3 significa filosofia das luzes 3. A base do Iluminismo era que através do uso da razão o homem teria condições de aperfeiçoar sua própria condição. Entre os grandes pensadores do Iluminismo, destacam-se Montesquieu ( ), Voltaire ( ), Diderot ( ), Rousseau ( ), entre outros. Não devemos ignorar o fato de que o Iluminismo, embora sobrepondo a razão à fé, o que inclusive se viu depois na aplicação do método racional à própria religião (vemos aí as raízes do Liberalismo teológico), trouxe contribuições notáveis à humanidade, dentre elas o fato de quebrar o monopólio da Igreja Católica sobre as artes, a religião, o pensamento, a filosofia. Mas, como explica Gregory J. Miller, Durante a Era da Razão ( ), as descobertas sobre o mundo natural incentivaram a visão de que o progresso pela ciência e tecnologia era inevitável. Os lideres do Iluminismo acreditavam que a razão humana podia retirar o véu da ignorância e superstição e revelar um universo formosamente ordenado 4. Todavia, mesmo com todos os avanços técno-científicos que marcaram o século 20 e continuam agora no início do século 21, os problemas da humanidade persistem 1. CARACTERÍSTICAS DE NOSSO TEMPO A pós-modernidade possui muitas características distintivas que vêm sendo indicadas pelos estudiosos do assunto. Para Zygmund Bauman (2003), nosso tempo é marcado por uma fragilização, uma liquefação e de esfacelamento de relações e estruturas, outrora seguras, estáveis, firmes. Na pós-modernidade, não há solidez, as relações são líquidas, isto é, se desfazem, se amoldam facilmente aos contornos propostos. Edgar Morin talvez tenha percebido esse sintoma da pósmodernidade ao escrever sobre a importância de considerar o elemento compreensão como um saber necessário à educação do futuro. A situação é paradoxal sobre a nossa Terra. As interdependências multiplicaram-se. A consciência de ser solidários com a vida e a morte, de agora em diante, une os humanos uns aos outros. A comunicação triunfa, o 3 Enciclopédia Barsa, ed. Encyclopedia Britannica do Brasil Publicações Ltda, vol 9, 1993, p Panorama do Pensamento Cristão. Compilado e editado por Michael D. Palmer, 1ª ed., CPAD, p. 129.
4 planeta é atravessado por redes, fax, telefones celulares, modems, Internet. Entretanto, a incompreensão permanece geral. Sem dúvida, há importantes e múltiplos progressos da compreensão, mas o avanço da incompreensão parece ainda maior. [...] (MORIN. Edgar. p. 93). A pós-modernidade também é um tempo difícil de ser definido. Isso é refletivo inclusive na multiplicidade de termos e conceitos que são aplicados. Com efeito, Luiz Roberto Benedetti afirma: Não há nada mais ambíguo do que o termo Pós-Modernidade. Expressão usada a torto e a direito, no pressuposto de que o interlocutor participe de um mundo comum no interior do qual a linguagem adquire significado. Essa ambiguidade constitui, entretanto, a sua marca. Ela é o pós-moderno da Modernidade: indefinível, fluido e inconsciente. Ninguém ousa definir a Pós-Modernidade. A tentativa de definição é, por si só, uma atitude que contraria seus cânones (se é que existem). Situá-la no espaço e no tempo segundo características marcantes é a única atitude plausível... (BENEDETTI, 2003, p. 53). Outor grande desafio frente à proposta da igreja é o individualismo, outra dessas marcas de nosso século. Importante aqui é não confundir individualismo com individualidade. Esta última é o conjunto das características distintivas individuais de cada pessoa. Seu bojo intelectual, opiniões, cosmovisão, etc. A individualidade não pressupõe isolamento social ou afastamento do outro; pelo contrário, ela é formada a partir do outro. De fato, muito de nossa individualidade desenvolve-se a partir do outro. Uma vez que a proposta do evangelho considera fortemente a outridade, o individualismo de nossa era constitui fator de grande desafio (a ser superado pela igreja). A sociedade, ao longo dos anos, vem criando mecanismos que favorecem esse individualismo. Os meios de entretenimento e lazer hoje, direcionados a crianças, favorecem o egoísmo e a falta de solidariedade com o semelhante. Nossa era é também a era do hedonismo, onde as pessoas buscam o prazer pelo prazer e o prazer a todo custo. Não há limites estabelecidos quando a questão é satisfação. E nessa busca pelo prazer a todo custo, sentimentos, valores e importâncias alheias são pisoteadas, pois afinal o que importa é o prazer.
5 Os resultados de todo esse processo são preocupantes, senão alarmantes. Os efeitos ou resultados dessas condutas sociais e individuais que dão forma à pósmodernidade estão causando um tremendo impacto negativo à vida coletiva, familiar, psicológica e emocional das pessoas. A educação cristã, como propagadora de valores eternos, sente maior resistência nessa era de existencialismo, hedonismo, individualismo e tantos outros ismos considerados assim nocivos. Diversas instâncias dos relacionamentos humanos são afetadas: a educação, o casamento, a família, o trabalho, dentre outras. II. A IGREJA FRENTE À PÓS-MODERNIDADE Nos dois últimos séculos tem havido um interesse muito grande do Ocidente pelas religiões e filosofias religiosas orientais. Estamos contemplando uma orientalização do Ocidente 5, guardando-se as devidas proporções, é claro 6. E isso se percebe em maior ou menor grau até mesmo no ambiente eclesial. Algumas denominações vêm adotando, por exemplo, práticas judaicas, como a inserção de objetos e práticas do judaísmo em suas liturgias de culto. Há igrejas evangélicas que estão tocando shofar e carregando réplicas da arca da aliança, além de pronunciarem nomes e termos bíblicos em hebraico e usar adornos e outros objetos típicos da cultura hebraica, tudo isso como condição para o culto. Se percebe uma espécie de adaptação dos conceitos pós-modernos, aqui mencionados, ao ambiente eclesial, dando-se a eles uma roupagem teológica. Com o avanço das teologias da prosperidade e da confissão positiva por meio do neopentecostalismo, além de outras práticas que mesclam elementos de outras religiosidades ao contexto evangélico, a igreja vem assumindo novos contornos que devem ser considerados e também criticados. A Educação Cristã no Contexto da Pós-Modernidade Nesse momento, compete perguntar como pode a educação cristã produzir um diálogo entre a igreja e a sociedade, criando assim um elo que permita uma 5 Assim também como se percebe uma ocidentalização do Oriente. 6 A referência aqui é à absorção de muitos conceitos, práticas e paradigmas do Oriente pelo Ocidente. Um exemplo é a presença hoje, marcante, da Cabala no Brasil, uma seita de origem judaica, além de outras em franca expansão. É claro que essa absorção se dá também em termos de cultura.
6 contribuição, mútua inclusive, em alguns aspectos. A igreja precisa estar em diálogo com a sociedade, justamente numa era em que, como bem pontua Stott (1989, p. 9), o abismo entre a igreja e o mundo secular já é tão grande que restam poucas pontes pelas quais estes dois mundos possam entrar em contato. Assim, a educação cristã pode ser assim usada como meio de interligar a igreja e a sociedade. A produção de conhecimento e de criticidade, oferecida pelo ambiente educacional cristão, em sua maneira de encarar o mundo, é uma das maneiras como isso pode ser feito. Os discentes precisam ter condições de avaliar o seu entorno existencial, as vicissitudes que o cercam, bem como as formas como ele pode responder à essas demandas, não apenas compartilhando o evangelho, mas produzindo uma ação evangelizadora que seja também seguida por uma ação concreta no mundo. Com efeito, a vida cristã precisa ser seguida por uma práxis cristã, diária e fundante de uma ética bíblica e cristã. É salutar entender que a educação cristã não está restrita ao conhecimento bíblico dominical de determinada comunidade, mas ela possui a importante tarefa de mostrar que o conhecimento real ou verdadeiro procede de Deus e tem sua causa última nele; com isso, explicita que essa é a educação que permite ao homem de fato conhecer Deus, a si mesmo e ao mundo, o que resulta na glorificação a Deus. É óbvio que somente a abordagem cristã da educação terá condições de cumprir essa finalidade (LOPES, 2010, pp. 109,10). CONCLUSÃO É inegável que precisa haver uma identificação de nosso tempo, de nossa realidade, com suas demandas específicas, frente à nossa identificação enquanto igreja. Pensar a igreja como um claustro, isolada do mundo com suas nuances e caracteríticas próprias, incidirá de maneira negativa na maneira como nos comunicamos com o homem pós-moderno. É compreendendo sua mentalidade e cosmovisão que teremos condições de se dirigir a ele. A educação cristã, em suas várias instâncias, poderá assim ser usada como uma forma de interconectar esses dois mundos, essas duas realidades que se imbricam.
7 REFERÊNCIAS BAUMAN, Zigmund. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, CURY, Augusto. Nunca desista de seus sonhos. Rio de Janeiro: Sextante, Enciclopédia Barsa, ed. Encyclopedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. vol 9, São Paulo: KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. São Paulo: Círculo do Livro. LOPES, Edson. Fundamentos da educação cristã. São Paulo: Mundo Cristão, MORIN, Edgar. Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Cortez: RICARDO, Roney. Família Cristã: Projeto e Criação de Deus. Vila Velha: SENET, STOTT, John R. W. O perfil do pregador. São Paulo: Editora Sepal, 1989.
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