ANÁLISE DA OBRA MENINO DO MATO

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1 ANÁLISE DA OBRA MENINO DO MATO por Henrique Landim 1 O AUTOR O poema é antes de tudo um inutensílio. Manoel de Barros Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá no dia 19 de dezembro de Morou com a família até seus oito anos em uma fazenda na cidade de Corumbá. Em seguida, foi para um colégio interno em Campo Grande, onde permaneceu por 10 anos. Depois disso, mudou para o Rio de Janeiro para completar seus estudos e formou-se bacharel em Direito em Ainda na Cidade Maravilhosa, Manoel de Barros conheceu pessoas engajadas na política e afiliou-se ao Partido Comunista. Aos 18 anos, escreveu a sua primeira obra, que, infelizmente, não foi publicada, mas o livrou da prisão. No auge de sua paixão pelo comunismo, pichou, em uma estátua, a seguinte frase: Viva o comunismo!. Quando a polícia foi buscar o jovem comunista na pensão em que morava, a dona da pensão interveio e pediu que o menino não fosse preso, disse ao policial que era um bom rapaz e que até havia escrito um livro, com o título Nossa Senhora de minha escuridão. Comovido com o título da obra, o policial livrou o rapaz da cadeia, mas levou consigo o único exemplar da obra. Logo após Luiz Carlos Prestes ser solto, Manoel foi ouvir o discurso de seu ídolo político, estava ansioso para ouvir um discurso inflamado contra o governo Vargas. Ao invés disso, ouviu o discurso de apoio ao governo assassino de Getúlio Vargas. Barros rompe definitivamente com o Partido Comunista e volta para o Pantanal. Mas sua alma de poeta, livre e faminta por coisas novas, não se prendeu às terras do pai, resolveu viajar para a Bolívia e, em seguida, passou um ano estudando cinema e arte no Museu de Arte Moderna em Nova York. Esse período foi muito importante na construção intelectual do poeta, pois ele conheceu novas veredas (concepções) da arte moderna, o que influencia significativamente a obra de Barros. Ainda no Rio de Janeiro, o contato com a experimentação poética deu-se ainda enquanto estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, nele Barros teve seu primeiro contato com o poder da criação plástica que a escrita pode ter. Essa experiência aconteceu quando o jovem estudante descobriu os livros do Padre Antônio Vieira. Assim comenta o autor: A frase para ele era mais importante que a verdade, mais importante que a sua própria fé. O que importava era a estética, o alcance plástico. Foi quando percebi que o poeta não tem compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança. Nesse sentido, no documentário a respeito da desbiografia de Manoel de Barros, Só dez por cento é mentira, Pedro Cezar (2009) afirma que o poeta, em Padre Antônio Vieira, aprendeu a habilidade do ver e do ouvir e passou a pintar sem lápis, por isso Manoel de Barros diz: desenho verbal é quando você consegue colocar uma imagem na vista do leitor (CÉZAR, 2009). Foi nessa época que Manoel de Barros descobriu qual seria a sua verdadeira vocação: Ter orgasmos com as palavras (CÉZAR, 2009). O poeta estudou dez anos em um internato, momento em que pôde adquirir a disciplina necessária para a escrita e, ao mesmo tempo, a liberdade estética da qual o artista necessita para exercer a sua criatividade. O que mais chama a atenção na escrita desse poeta é a importância da estética, e não da verdade do conteúdo. O que ele quer mostrar é como as palavras podem ter imagem e vida próprias, como ele mesmo afirma: Anoto tropos. Palavras que normalmente se rejeitam, eu caso, eu himeneio. Contiguidades anômalas, seguro com letras marcadas em meu caderno. De repente uma palavra me reconhece, me chama, me oferece. Eu babo nela. [ ] As palavras querem me ser. Dou-lhes à boca o áspero. Tiro-lhes o verniz e os voos metafísicos. [ ] As palavras compridas se devem cortar como nós de lacraia. O verso balança melhor com palavras curtas. Os ritmos são mais 1 Graduado em Teoria Literária pela Universidade Federal de Uberlândia e mestre em Teoria Literária pela mesma instituição. variados se você trabalhar com dissílabos, com monossílabos. Exemplo: Parou bem de frente pra tarde um tordo torto (CAMPOS, 2007, p. 222). Mas foi ao sair do colégio que ele descobriu que poderia misturar sentidos e imagens: após ler Rimbaud (famoso poeta francês e considerado precursor do surrealismo literário), ele descobriu a liberdade em seu sentido mais amplo. Contudo, em sua fase de explorador de territórios, Barros descobriu, no cinema e nas pinturas, uma nova maneira de ver o mundo e de trabalhar a verossimilhança. E, como um verdadeiro poeta das experiências, ele conseguiu, e consegue até hoje, fabricar imagens incríveis em seus poemas. O poeta cuiabano Manoel de Barros começou a ter importância no cenário literário brasileiro a partir dos anos 70, com o apoio de amigos famosos como Millôr Fernandes e Antônio Houaiss, e sua poesia começou a ser publicada em revistas de grande circulação nacional. Manoel de Barros faleceu em novembro de 2014 em virtude de problemas ocasionados por uma prisão de ventre. BIBLIOGRAFIA Poemas concebidos sem pecado (1937); Face imóvel (1942); Poesias (1956); Compêndio para uso dos pássaros (1960); Gramática expositiva do chão (1966); Matéria de poesia (1974); Arranjos para assobio (1980); Livro de pré-coisas (1985); O guardador das águas (1989); Gramática expositiva do chão: Poesia quase toda (1990); Concerto a céu aberto para solos de aves (1993); O livro das ignorãças (1993); Livro sobre nada (1996); Das Buch der Unwissenheiten - Edição da revista alemã Akzente (1996); Retrato do artista quando coisa (1998); Ensaios fotográficos (2000); Exercícios de ser criança (2000); Encantador de palavras - Edição portuguesa (2000); O fazedor de amanhecer (2001); Tratado geral das grandezas do ínfimo (2001); Águas (2001); Para encontrar o azul eu uso pássaros (2003); Cantigas para um passarinho à toa (2003); Les paroles sans limite - Edição francesa (2003); Todo lo que no invento es falso - Antologia na Espanha (2003); Poemas Rupestres (2004); Riba del dessemblat. Antologia poètica Edição catalã (2005); Memórias inventadas I (2005); Memórias inventadas II (2006); Memórias inventadas III (2007); Menino do Mato (2010); Poesias Completas (2010). ESTILO DO AUTOR E CARACTERÍSTICAS CENTRAIS DO LIVRO A POÉTICA DO INÚTIL Como poeta marcante e único que é, Manoel de Barros tem traços bastante peculiares em seus poemas. Dono de um estilo inconfundível, o eterno menino do mato traz, em suas obras, uma carga imagética 2 enorme, transmite ao seu interlocutor uma visão única acerca do mundo, ele acredita na desutilidade das coisas, das palavras e da poesia. Manoel de Barros passou dez anos na fazenda herdada do pai no Pantanal a fim de fazê-la produzir receita. Não que o dinheiro trouxesse a completude material, na verdade, deu-lhe a opção de ficar à toa, quer dizer, ficar à disposição da poesia, isto é, como ele mesmo disse numa entrevista, eu comprei o ócio para ser um vagabundo profissional (CÉZAR, 2009). Abílio, irmão do poeta, na mesma entrevista, disse que ele é o único poeta do mundo em tempo integral (CÉZAR, 2009). Viver em uma sociedade em que tudo é medido por um valor de troca (uso) constrói uma noção pragmática para tudo, assim todas as coisas que nos cercam guardam um valor objetivo, estrutura que moldou a nossa maneira de dar significado à realidade. Essa organização do mundo imperativamente nos faz estabelecer eixos paradigmáticos a fim de demarcar fronteiras entre o falso e o verdadeiro, o útil e o inútil, o certo e o errado, entre tantos outros valores forjados pela noção de troca. Foucault, em seu livro intitulado As palavras e as coisas, debruça-se sobre as relações de representação e nos leva a compreender que o valor é um atributo 2 Sobre a capacidade imagética de sua obra o próprio autor comenta: Desenho verbal é quando você consegue colocar uma imagem na vista do leitor (CÉZAR, 2009). É claro que essa imagem aparece sempre torta, mesmo porque Manoel de Barros não é um poeta decorativo, que procura realizar em seus textos descrições do meio. Na verdade, é preciso transver o mundo, isto é, lançar um novo olhar sobre as pequenas coisas que estão ao nosso redor. 1

2 acidental e que depende unicamente das necessidades do homem como o efeito depende de sua causa (FOUCAULT, 1992, p. 65). Portanto, de acordo com Foucault, o valor dado a tudo que está ao nosso redor depende das necessidades do próprio homem. É num contexto utilitarista que Manoel de Barros compôs a sua produção poética, que ultrapassa a tirania do utilitarismo. Nos poemas do autor, são oferecidos a nós pensamentos imprevisíveis, que possuem um fim em si mesmos, dissociados de qualquer conotação lógica e pragmática. Como se vê, Manoel de Barros dá-nos a liberdade para lançarmos outro olhar sobre a realidade que ultrapassa aquilo que nos é oferecido no cotidiano. Cabe aqui a reflexão de Heidegger para sublinhar que é o pensamento que transforma o mundo (p. 202). Nas palavras de Manoel de Barros, a invenção é a única coisa que serve para aumentar o mundo (CÉZAR, 2009). Assim, como o próprio poeta comentou no documentário citado, sobre a sua infância no Mato Grosso, frente a inúmeras carências de seu lugar de origem, que não possuía nada, era preciso construir com a imaginação o seu próprio mundo. Para tanto, o artista usou das palavras, fertilizando-as, para dar sentido e preencher o vazio da realidade. Manoel de Barros passou a vida inteira com um lápis e bloquinhos, e os últimos eram construídos por ele mesmo. É por meio de um olhar sobre as coisas desimportantes que Manoel de Barros constrói toda a sua riqueza poética, marcada pelo avesso das coisas. Agora o pequeno se torna máximo, infinito, isto é, grandioso em cada poesia do autor. Eis o poder de sua palavra poética: tornar monumentais as miudezas do mundo. São inúmeros os desutensílios que aparecem na poesia de Manoel de Barros, isto é, ciscos, restos, lixos, coisas, despropósitos, nascem por meio da palavra poética como uma maneira de transver o mundo, ver além do horizonte, abre a cabeça e faz enxergar além, segundo Marcelo D2, para se pensar o homem e a sociedade. A visão torta de Manoel de Barros é uma afronta a um sistema que condicionou o nosso olhar. A desutilidade nada mais é do que uma (re)construção do mundo, uma nova maneira de ver as coisas e, para isso, como dito anteriormente, é preciso transver o mundo, ou seja, aguçar a nossa capacidade de sonhar, transgredir, criar, imaginar, pensar, voar. Raspas, restos, vazio, lixo, a terra, a infância, elementos excluídos pela sociedade, interessam profundamente a Manoel de Barros, que lhes dá fertilidade para nascer perspectivas a partir das quais se possa transver o mundo. Passa a ser matéria de poesia tudo aquilo que escorrega entre as mãos controladoras do poder disciplinador: o que está no campo semântico do imprevisível, do não pragmático, do devaneio (RODRIGUES, 2006, p.95). A LINGUAGEM ( manoelês castiço ) Os objetos que aparecem nos textos de Manoel de Barros não o fazem da mesma maneira cotidiana a qual estamos acostumados. Ao contrário, surpreendem a nossa imaginação ao manifestar o imperceptível nunca visto, pois a força do hábito os cobriu com um denso velame. Assim comenta o estudioso: No texto, a força criadora chama à existência aquilo que não existe no mundo social, ao mesmo tempo em que trata os utensílios do cotidiano como se não existissem. Por esse manejo, o poema é batizado de Oficina de desregular a natureza, lugar onde são inventados alguns desutensílios para acionar a diferença nos/dos seres: parafuso de veludo, prego que farfalha, alicate cremoso, peneira de carregar água, fazedor de amanhecer etc. Aqui, por exemplo, a delicadeza sugerida pelos epítetos veludo e cremoso apontam para qualidades opostas às que realmente apresentam tais objetos (RODRIGUES, 2006, p.19). Os textos são carregados de expressões sinestésicas criadas a partir da quebra do paralelismo sintático e semântico. Normalmente os conectivos são aplicados de maneira subversiva, como também as construções sintáticas, estratégias comumente empregadas pelo autor a fim de provocar descontinuidade e, por conseguinte, proporcionar uma pluralidade de sensações ( Nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor e não por sintaxe [...] A gente gostava bem das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais BARROS, 2010, p ) O livro Menino do mato é composto de poemas curtos que possibilitam um enorme número de leituras. Nas várias interpretações, o leitor é convidado a compreendê-los, impregnar-se de suas sujeiras : (lama, lodo, gosma, cisco...), ler e reler até ficar diferente. A cada contato brotam novas sugestões de leitura, pois a fragmentação da unidade frasal suspende toda relação de causalidade ou direcionamento de sentido. É pelo fluxo do despropósito e do inesperado que segue essa poesia (RODRIGUES, 2006, p.21). É bastante comum certo incômodo por parte do leitor ao ler os poemas de Manoel de Barros, pois sempre falta algo para a nossa inteligência conseguir compreendê-los. Essa escrita de sintaxe líquida parece uma espécie de devaneio, pensamento frouxo e volátil, que nos conduz ao desguarnecimento dos sentidos e, como consequência, nos deixa a sós com o mundo. Quando os olhos saem do papel, por um momento, não é mais o mundo habitual que vemos (RODRIGUES, 2006, p. 22). Os poemas são marcados pela espontaneidade do pensamento, que foge à racionalidade a fim de nos distrair, ou seja, tirar o espírito das ocupações diárias e, a partir disso, notar associações até então improváveis segundo a maneira convencional de ver o mundo. Ao certo, os poemas metaforizam a natureza e hábitos da vida do Pantanal, configurando quadros cuja sensação de leveza nos remete à ambiência onírica (RODRIGUES, 2006, p. 22). É bastante comum, nas entrevistas e nos próprios poemas, o prefixo des (despalavra, desutensílios, desexplicar, desobjeto), que pode apontar para um modo desconfiado de ver, poderia ser lido como quem acredita poder alongar mais a visão sobre as coisas. O trecho abaixo muito bem ilustra essa condição poética do autor: [...] Arte não tem pensar: O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo. Isto seja: Deus deu a forma. Os artistas desformam. É preciso desformar o mundo: Tirar da natureza as naturalidades. [...] (BARROS, 2004, p. 75) A função do poeta é oferecer a nós leitores uma possibilidade de ampliação dos nossos horizontes cósmicos, deixar de lado a natureza que está posta gratuitamente a nossos olhos por meio de imagens soltas e confusas tal como aquela pronunciada pela boca das crianças. Manoel de Barros leva a linguagem ao extremo, expondo os confins da razão, Manoel de Barros deixa exposta a ausência de sentido que torna possível todo sentido, selando uma aliança definitiva entre a palavra e a loucura. Dessa forma, em vez de subordinar a fala delirante à racionalidade, a poesia barreana lhe dá voz, desvelando um poder e profundidade que até então eram ignorados (RODRIGUES, 2006, p. 22). A poesia de Manoel de Barros é apresentada como um imenso trabalho da linguagem em que a palavra convertida em imagem (a despalavra) traz a marca de uma sintaxe imaginária. Por isso, ela se inscreve no mesmo materialismo poético de Bachelard (1998), caracterizado assim pela manipulação da matéria, concreta ou abstrata. Eis aqui o ponto de intercessão entre poesia, devaneio, ciência e razão (RODRIGUES, 2006, p ). O PANTANAL Manoel de Barros não é um historiador, muito menos um geógrafo que procura retratar em seus textos a realidade de seu estado de maneira tal e qual que é percebida pelo olhar condicionado. A natureza pantaneira expressa pelos poemas parece desconfiar do natural incutido no íntimo dos homens. Há inúmeras menções geográficas e culturais ao Pantanal mato-grossense, embora as produções do artista não revelem qualquer pretensão de retratar a sua terra natal para fazer compilações memoriais. Mais do que qualquer informação regional, a natureza de seu estado é transfigurada em entes constituídos de linguagem. No espaço do Pantanal também surge o inominado, as coisas que ainda não foram nominadas pela inteligência humana. A imaginação criativa do poeta pantaneiro sobrepõe-se à observação com fins explicativos e não permite aos elementos da natureza e lembranças de sua infância comporem simples cenário para o desenrolar de histórias. Os traços biográficos são usados para desenhar um quadro de expressão 2

3 universal, cuja amplitude é percebida com a problematização de valores e conceitos largamente empregados na rotina de toda estrutura social (RODRIGUES, 2006, p ). No primeiro poema da obra Menino do mato, Manoel de Barros lança mão de uma referência ao Pantanal, lugar imenso e com poucas possibilidades para o ócio criativo: Onde a gente morava era um lugar imensamente e sem nomeação / Ali a gente brincava de brincar com palavras [...] Então era preciso desver o mundo para sair daquele lugar imensamente e sem lado (BARROS, 2010, p.9-10). Já que as possibilidades para a satisfação do eu no Pantanal eram mínimas, o artista passa a desvê-lo para fugir do tédio. Desver o mundo é uma maneira de completá-lo com a inventividade, condição que serve para ampliar o mundo. Tudo isso seria uma forma de o menino do mato incorporar ao estado de árvore uma nova condição, isto é, o estado de palavra, como diz o próprio artista. NA ESTEIRA DA MODERNIDADE Principalmente Baudelaire, Mallarmé e Rimbaud contribuíram de maneira bastante significativa para mudar o pensamento literário no século XIX ao radicalizar os fundamentos da poética clássica. Até o aparecimento desses três autores, grande parte da tradição artística valorizava o rigor estético apostando na continuidade e coesão das partes de um texto para articular uma mensagem. Na acepção clássica, o texto funciona como um signo linguístico dividido em significante, cuja unidade corpórea se forjava no padrão de ordenação das letras e da seriação de frases, parágrafos, capítulos, volumes... e a outra metade que completaria a totalidade desse signo: o significado depositado e sedimentado pelo rigor gramatical (RODRIGUES, 2006, p. 38). Assim, o sentido moderno da literatura passa a ser formulado graças à criação do conceito de arte criativa, forjada, sobretudo, na insatisfação do pensamento romântico com a consolidação da burguesia enquanto classe dominante dos bens de produção e culturais. Na esteira do pensamento moderno, Rodrigues (2006) afirma: a concepção crítica da linguagem enfoca o seu caráter artificial e assinala a utopia existente entre signo e referente, o que irá favorecer as experiências com o código linguístico, testando seus limites e expondo as fragilidades. Essas experiências textuais passaram a exigir do leitor novas habilidades de leituras. Consequentemente, a escrita de sintaxe quebrada faz com que o significado perca a posição central no texto, conduzindo o autor para reflexão na própria escrita. O escritor moderno é aquele que reflete sobre o objeto estético, expõe seu fazer, discorre sobre a criação, assume a artificialidade do ato poético (RODRIGUES, 2006, p. 40). Ler a poesia de Manoel de Barros é pensar nas ideias modernas, que rompem com a tradição clássica, visto ser um poeta da atualidade, leitor dessa tradição moderna do poeta-crítico da palavra, para nos ajudar a pensar essa reflexão sobre os papéis do escritor que se desdobram em poeta crítico teórico e as relações entre leitor e texto (RODRIGUES, 2006, p. 41). Os poemas de Manoel de Barros são perpassados por uma agitação de intertextualidades, em que se fazem presentes textos variados cuja autoria varia ou já se perdeu dentro do complexo literário pelo qual foi incentivado e hoje faz parte. Manoel de Barros coloca-se como crítico de si mesmo e dos outros ao apresentar comentários sobre um outro discurso (inclusive o que ele escreve é visto como um texto estranho que não lhe pertence) fazendo ressaltar a relação entre a linguagem do escritor e suas ideologias. Pois cada produção humana guarda no seu interior as relações mais estreitas com a sociedade e época em que vive (RODRIGUES, 2006, p. 41). A literatura de Manoel de Barros pode parecer assustadora para aqueles que procuram um texto literário guiado pelo ideal mimético, não há uma representação aproximada da realidade. Não se deve perguntar: o que isso quer dizer? Pois a resposta sempre estará mergulhada em um campo movediço de significados. Sem dúvida, o esforço exigido dos leitores é grande, pois há uma radicalização com a linguagem (quebra do paralelismo sintático e semântico), além da (re)invenção de palavras favorece o surgimento de uma nova concepção de leitura que difere daquela dita clássica, pautada no tripé início-meio-fim (RODRIGUES, 2006, p. 43). Nessa perspectiva moderna do pensamento literário, não é o conteúdo que assinala a diferença entre linguagem da comunicação e linguagem literária. Agora, é a forma que expressa a divergência entre esses dois campos. E se a forma como é escrito o texto aponta para uma percepção de que o objeto anunciado não pertence ao campo da vida prática, o leitor pode usar de toda fantasia e imaginação para conceber tal objeto (RODRIGUES, 2006, p. 49). Todos os artifícios da língua são utilizados para se criar uma linguagem única, portanto, bastante diversa daquela usada em situações cotidianas. Consciente da distinção entre o prosaico e o poético, Manoel de Barros nos diz: A poesia está guardada nas palavras é tudo que eu sei (BARROS, 2004, p. 19). A modernidade literária colocou em segundo plano o caráter conteudista da produção literária. Antes, avaliava-se um texto literário pelo seu conteúdo, agora a consciência sobre a linguagem adquirida na Modernidade redefiniu o modo de ver e produzir arte (RODRIGUES, 2006, p. 50). Para articular melhor os fundamentos acerca da modernidade no campo literário, citamos Valèry, que discute o exercício poético da seguinte maneira: O poeta, sem saber, movimenta-se em uma ordem de relações e transformações possíveis (VALÈRY, 1999, p. 74). Dessa maneira, o poeta deve saber combinar inúmeras possibilidades dispostas no código linguístico, isto é, explora ao máximo as combinações da língua. Essas combinações são feitas sob a livre associação de ideias, algo similar ao que vemos numa pintura de cunho abstrato. Toda abstração, seja pintura ou poema, ostenta um pode ser ou um como se referente ao movimento oscilante de mostrar e esconder. A quebra do paralelismo sintático e semântico deixa a obra entregue à sorte de infinitas possibilidades interpretativas, guardando sempre um oculto, uma surpresa, como numa brincadeira de lance de dados sugerida por Mallarmè (RODRIGUES, 2006, p. 52). Essa livre associação de ideias, bem aos moldes da poética moderna, é um recurso bastante frequente nos poemas de Menino do mato. BERNARDO Bernardo, antes de aparecer nos livros de Manoel de Barros, trabalhou 3 por vários anos na fazenda do poeta. Analfabeto, sujeito ingênuo que falava pouco, soube transmitir a Manoel de Barros sensações primitivas (sem afetação 4 do meio social) oriundas do contato com o mundo, por isso é constantemente retomado em vários poemas com outras existências: árvore, pedra, animais... Sua estrutura é frágil porque é vulnerável a variações do estado de espírito (RODRIGUES, 2006, p. 72). Bernardo povoa com mais constância a primeira parte do livro Menino do mato e restringe-se a uma tímida aparição em um único poema da segunda parte da obra, no texto (poema) de número dezoito. Isso se dá, sobretudo, em função dos temas apresentados nessas duas partes do livro de Manoel de Barros, a primeira está mais intimamente relacionada ao universo originário de Bernardo, isto é, o Pantanal. Já na segunda parte, ocorrem inúmeras reflexões sobre o fazer poético (discussões metapoéticas), e Bernardo, sujeito analfabeto, dá lugar a outro elemento fundamental da obra de Manoel de Barros, a poesia. No passeio sobre os textos de Menino do mato, deparamo-nos com personagens infantilizados (como Bernardo), que assumem comportamentos débeis, numa espécie de investida para redescobrir o homem primitivo, um símbolo do Pantanal, naturalizado e silenciado. A figura de Bernardo aparece por meio de uma idealização ao reverso numa espécie de marginalidade romantizada. O grande luxo desse sertanejo é ser ninguém, aspecto que permite um descompromisso com as regras de uma sociedade marcada por exigências inúmeras. Bernardo está em compasso com outra ordem, a primitiva, do reino natural. Barros, em sua poética, descarta a 3 Antes de trabalhar para Manoel de Barros, Bernardo serviu à família a cuidar de uma tia louca. Curiosamente, a tia de Manoel não permitia nenhuma outra pessoa em seu quarto; apenas Bernardo, com a sua maneira infantilizada, conseguia domar o espírito furioso da enferma. Somente após a morte da mulher, Bernardo passou a trabalhar na fazenda herdada por Manoel de Barros e de lá não mais saiu. Comenta-se que o sertanejo tinha a inocência de um animal. Normalmente porcos, galinhas, pássaros gostavam de ficar perto de Bernardo, os bichos sentiamse muito à vontade perto dele. A figura mais recorrente das produções de Manoel de Barros é Bernardo, espécie de alter-ego do autor, que certa vez declara: Bernardo é o que eu queria ser (BARROS, apud, Menezes, 1998). 4 Falta de naturalidade; melindre. 3

4 produtividade e a integração ao mundo da posse, com isso, o marginal é seu símbolo, estandarte, sua bandeira, seu lema, e ficar distante da civilização é, na maneira do poeta, estar mais perto de Deus. Em 2003, Bernardo faleceu no Asilo São João Bosco, localizado em Campo Grande, e foi enterrado embaixo de uma árvore. Só sei escrever sobre a INFÂNCIA 5 Nessa obra, como em tantas outras, ele usa das imagens de sua infância para nos mostrar a maneira como uma criança pode dar novas utilidades a objetos e animais, já que um adulto não tem essa capacidade. Novamente retomamos o contraste entre o olhar de Manoel de Barros em contraposição ao racionalismo exacerbado que move a nossa sociedade. O olhar desdobrado sobre o mundo é infantil, pois é livre, mais próximo do que há de mais natural no humano. Aqui o artista busca o olhar da criança, que é perpassado pela liberdade de criação e imaginação e, sem sombra de dúvidas, por um profundo encantamento daqueles que ainda veem o mundo de maneira contagiante, pois ainda guardam a alegria da descoberta. Temos uma espécie de nascimento de um poeta-menino, que foge à habitualidade e se vê maravilhado também diante das próprias possibilidades de linguagem. Alegoricamente poderíamos ver na obra em questão um profundo desejo de se congelar num estado infantil, pois é a partir das emoções das primeiras descobertas da infância que surgem os rompantes 6 mais inusitados, por isso mais poéticos. Assim, em Menino do mato, o trabalho poético constrói-se no desejo de regresso àquela visão de mundo infantil, como bem expressa Manoel de Barros no posfácio de Memórias: Eu tenho um ermo 7 enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta 8. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um servinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua 9 das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichos. Era o menino e o sol. O menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores (BARROS, 2003, p.13). É a poética da visão oblíqua, isto é, infantil, que remete a um tempo áureo no qual havia um desconhecimento das limitações do universo do adulto. Manoel de Barros retoma/ressignifica um tempo primordial de descobertas fabulosas que não voltam mais a se repetir, salvo por meio da memória e da criação poética criada pela ótica do menino. Há no livro uma atualização do olhar de descoberta associado ao menino que continua a operar no encantamento do adulto diante das coisas que o rodeiam, especialmente aquelas que não parecem significar nada para os demais. Manoel de Barros, com esse processo único da desutilidade, da construção e da reconstrução das coisas, escreve poemas cheios de imagens e formas que transformam nossa maneira de ver um mundo que julgávamos conhecer. Por meio de seus poemas, ele cria pinturas de um cenário incrível e único, o Pantanal, lugar que, como já dito, tem real importância na vida do menino e do poeta Manoel de Barros: 5 Sobre a poesia e a infância o autor comenta: Além disso a poesia tem a função de pregar a prática da infância entre os homens. A prática do desnecessário e da cambalhota, desenvolvendo em cada um de nós o senso do lúdico. Se a poesia desaparece do mundo, os homens se transformariam em monstros, máquinas, robôs (BARROS, s/d, p.311). 6 Reação impetuosa e/ou violenta. 7 Lugar sem habitantes; deserto. 8 Bras. Diz-se de, ou criança travessa. 9 Torto. A minha poesia é fertilizada pelo sol, pelas águas, pelo chão, o pantanal. Ela é fertilizada, mas a palavra não me serve para descrever fenômenos, paisagens. A poesia não é um fenômeno de paisagem, é um fenômeno de linguagem. Eu sou nascido no pantanal, sou filho do pantanal, tenho amor pelo pantanal, sou criado pelo pantanal. O que me dá dinheiro, o que me dá o ócio é o pantanal [...] não sou poeta de paisagem, não sou poeta ecológico, sou um poeta da palavra, não quero fazer folclore, não quero expressar costumes, não sou historiador. Eu sou poeta e o poeta é um ser que inventa. Eu invento o meu pantanal (CÉZAR, 2009). A influência que recebeu dos pintores Chagall, Van Gogh e Pablo Picasso revolucionou sua forma de escrever, e isso parece estar enveredado em Menino do mato, produção em que o artista pinta com as palavras as paisagens do grande Pantanal, dá novas dimensões para os bichos que correm pela mata e reafirma a grandeza das águas do Pantanal. Muitos buscam correspondência direta entre o Pantanal de Manoel de Barros e o Pantanal enquanto lugar geográfico, aquele que pode ser fotografado, documentando. Contudo, Manoel de Barros transvê o Pantanal, por meio da palavra, que produz no leitor arrebatamento e encantamento capazes de produzir em nós uma maneira nova de ver o mundo. Mas não podemos pensar que, por buscar uma destruição de palavras e conceitos, Barros não quer chegar a algum lugar. Essa desconstrução visa à volta ao início de tudo, uma busca ao originário da linguagem, das palavras. Vamos ver isso ao longo de nossas leituras dos poemas deste livro. O livro Menino do mato é dividido em duas partes. A primeira é intitulada com o próprio nome do livro, e a segunda recebe o nome de Caderno de aprendiz, ambas se completam de maneira espetacular. Embora usando, muitas vezes, ao longo dos poemas deste livro, imagens infantis, as angústias dos adultos não deixam de aparecer, como a solidão e o tédio, pois, em um lugar que "quase só tinha bicho solidão e árvores", era necessário todo o ludismo existente dentro do menino do mato. Esse livro traz uma suposta mitologia pessoal do poeta, mas não podemos confiar e acreditar que todos os fatos narrados sejam verdades, pois o próprio poeta se diz um mentiroso. Mentiroso por criar novos mundos e novas maneiras de expressar suas dores e memórias. À primeira vista, temos a impressão de que o livro trata de apenas um tema, a infância de uma criança solitária no Pantanal cercada de árvores, rios e bichos, mas, ao entendermos a desutilidade da palavra, vemos que o menino faz poesia ao tentar se livrar do tédio daquele "lugar imensamente e sem nomeação" (BARROS, 2010, p. 9-10). I - PRIMEIRA PARTE: MENINO DO MATO Essa primeira parte do livro é composta por seis poemas longos. Neles aparecem como temáticas centrais a infância, o ambiente pantaneiro, o processo de aprendizagem infantil e tantos outros aspectos que iremos abordar ao longo de nossa análise. Antes de iniciarmos a leitura dos inutensílios (poesia) é necessário que entendamos o sentido da epígrafe, que antecede os poemas em ambas as partes do livro. Vale recordar qual é o intuito desses elementos textuais, que é o de preparar o leitor para o que vem pela frente. A epígrafe sugere o que será encontrado na obra. Nessa primeira parte, a epígrafe é: O homem seria metafisicamente grande se a criança fosse seu mestre. (Sören Kierkegaard) Para entendermos a epígrafe, primeiramente precisamos conhecer quem a disse. Kierkegaard foi um filósofo e teólogo dinamarquês, que, em suas obras, tratava de questões existenciais, por isso sua corrente filosófica é chamada de Existencialismo. A sua obra explora as emoções dos indivíduos que estão sendo confrontados com as escolhas que a vida lhes oferece. A citação escolhida por Manoel de Barros traduz um dos temas (senão o maior) que é tratado ao longo do livro, o poder de mudança e o olhar que as crianças têm. Segundo a fala de Kierkegaard, se os adultos deixassem que suas vidas fossem envolvidas pelos sentimentos ditos infantis, a vida deles seria mais bela em consequência disso, com menos dores e sofrimentos existenciais. A proposta de Kierkegaard é que o adulto transforme o seu olhar automatizado por anos de condicionamentos, que o levou a 4

5 perder a magia e alegria de observar as coisas mínimas que estão a nossa volta e de se admirar com elas, por uma maneira infantil de ver o mundo, condição que traria novamente o encanto perdido. No livro O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder (1991), o interlocutor de Sofia afirma que a única capacidade que devemos ter para sermos bons filósofos é a de nos admirarmos com as coisas que estão ao nosso redor e, para que isso ocorra, não podemos perder o olhar infantil que nasceu conosco: Todo mundo sabe que os bebês possuem essa capacidade. Depois de alguns meses na barriga da mãe, eles são empurrados para uma realidade completamente diferente. Mas depois, quando crescem, parece que essa capacidade vai desaparecendo. Como se explica isto? Será que Sofia Amundsen é capaz de responder a esta pergunta? Vamos ver: se um bebezinho pudesse falar, na certa ele diria alguma coisa sobre o novo e estranho mundo a que chegou. Pois apesar de a criança não saber falar, podemos ver como ela olha ao seu redor e quer tocar com curiosidade todos os objetos que vê. Quando vêm as primeiras palavras, a criança pára e diz Au! Au! toda vez que vê um cachorro. Podemos ver como ela fica agitada dentro do carrinho e movimenta os bracinhos dizendo Au, au, au!. Para nós, que já deixamos para trás alguns anos de nossas vidas, o entusiasmo da criança pode parecer até um tanto exagerado. Sim, sim, é um au-au, dizemos nós, os vividos. Mas agora fique quietinho. Não ficamos muito entusiasmados, pois já vimos outros cachorros antes. Esta cena insólita talvez se repita algumas centenas de vezes, até que a criança passe por um cachorro, ou por um elefante, ou por um hipopótamo sem ficar fora de si. Mas muito antes de a criança aprender a falar corretamente ou muito antes de ela aprender a pensar filosoficamente -, ela já se habituou com o mundo (GAARDER, 1995, p ). Podemos utilizar a mesma discussão proposta pela obra de Gaarder à produção Menino do mato, de Manoel de Barros, pois a primeira condição para sermos bons poetas é não perdermos a nossa sensibilidade de criança. O poeta, no documentário Só dez por cento é mentira (2009), afirma que a melhor fonte da poesia é a infância. Uma particularidade dos poemas da primeira parte do livro é que eles não têm títulos verbais, mas são numerados com algarismos romanos. Outro detalhe da parte intitulada Menino do mato é que nela ocorre o que chamamos de prosa poética, isto é, Manoel de Barros retrata paisagens de seu lugar de origem que formam uma geograficidade em um sentimento de pertencimento. Assim, o autor conduz nós leitores pelas entrâncias do Pantanal, com os seus rios, personagens e cenários, como um contador de histórias. Por meio de sua prosa poética, Manoel de Barros expressa a sua inclinação para uma poesia obliqua, o que faz alargar as produções do autor, aumentando as possibilidades do que é narrado, em detrimento da mera linearidade da prosa. Com isso, da união das duas formas, surge a expressividade máxima, isto é, a união do lírico com o narrativo, abrindo uma via mais larga para a linguagem se desenvolver. Dessa maneira, propomos a leitura e compreensão de alguns poemas da obra Menino do mato, evidentemente que a construção de significados por parte do próprio leitor jamais poderá ser substituída por qualquer análise literária, visto que riqueza que está envolta de um texto literário: I Eu queria usar palavras de ave para escrever. Onde a gente morava era um lugar imensamente e sem nomeação. Ali a gente brincava de brincar com as palavras tipo assim: Hoje eu vi uma formiga ajoelhada na pedra! A Mãe que ouvira a brincadeira falou: Já vem você com as suas visões! Porque formigas nem tem joelhos ajoelháveis e nem há pedras de sacristia por aqui. Isto é traquinagem 10 de sua imaginação. O menino tinha no olhar um silêncio de chão e na sua voz uma candura 11 de Fontes. O Pai achava que a gente queria desver o mundo para encontrar nas palavras novas coisas de ver assim: eu via a manhã pousada sobre as margens do 10 Travessuras. 11 Substantivo feminino. Relativo a inocência, pureza. rio do mesmo modo que uma garça aberta na solidão de uma pedra. Eram novidades que os meninos criavam com as suas palavras. Assim Bernardo emendou nova criação: Eu hoje vi um sapo com olhar de árvore. Então era preciso desver o mundo para sair daquele lugar imensamente e sem lado. A gente queria encontrar imagens de aves abençoadas pela inocência. O que a gente aprendia naquele lugar era só ignorâncias para a gente bem entender a voz das águas e dos caracóis. A gente gostava das palavras quando elas perturbavam o sentido normal das ideias. Porque a gente também sabia que só os absurdos enriquecem a poesia. (BARROS, 2010, p ) COMENTÁRIOS: Desde o poema que abre o livro, fica evidente a temática que nos envolverá ao longo de toda a obra, isto é, o poder que as palavras têm na vida do homem e como elas podem preencher de significado a nossa existência. Logo no primeiro verso, nota-se a nova significação que o poeta dá às palavras. Nesse poema, o eu-lírico pinta uma lembrança de sua infância, na qual tinha a vontade de recriar imagens e funções das coisas; no primeiro verso, vemos como o sujeito poético troca a palavra que deveria ser dita/usada: Eu queria usar palavras de ave para escrever (BARROS, 2010, p. 9). Normalmente no lugar de palavra usa-se pena, que era o instrumento utilizado nos séculos passados para se escrever. Mas essa troca não é feita de maneira indiscriminada, já que é a palavra que dá origem às coisas, tal como a pena, que dá origem aos textos. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2006) em seu importante dicionário de símbolos, a palavra traz em si o poder de germinar, como uma manifestação divina (2006, p. 679) que dá sentido e forma às coisas do mundo. Seguindo a leitura do poema que abre o livro, no segundo verso, o eu-lírico demonstra como o local onde se vive influencia na maneira de ver e sentir o mundo. Viver neste mundo imensamente e sem nomeação (BARROS, 2010, p. 9) dava força e instrumentos para que essa criança brincasse com as palavras. E, nessa brincadeira, dava joelhos às formigas e novas funções às pedras. Mais à frente nesse poema, aparecem as figuras do pai e da mãe, grafadas no texto com letra maiúscula, as quais têm forte influência na vida de uma criança, na maneira de ela ver e conhecer o mundo. Nesse poema, tem-se a impressão de que a mãe reprime e tenta trazer ao mundo real essa criança que vê o universo com outros olhos, enquanto o pai vê que essa nova maneira de desver o mundo tem uma função maior, a de encontrar nas palavras novas coisas de ver, ou seja, novos mundos, novas possibilidades. Essas novidades que os meninos criavam davam ânimo a eles, era uma maneira de fugir da prisão em que esse lugar tão grande se tornava. Ainda nesse poema, surge a imagem de um personagem que aparece em outras poesias desse mesmo livro e de tantos outros do poeta Manoel de Barros, Bernardo. Aqui Bernardo é companheiro do eu-lírico, ele acompanha o colega nesse mundo de criações e de recriações. Talvez a imagem de Bernardo seja tão frequente e importante porque, segundo o próprio poeta mato-grossense, ele era totalmente preso à natureza, natureza essa que preenche as linhas de Manoel de Barros. II Nosso conhecimento não era de estudar em livros. Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos. Seria um saber primordial? Nossas palavras se ajuntam uma na outra por amor e não por sintaxe. A gente queria o arpejo. O canto. O gorjeio das palavras. Um dia tentamos até de fazer um cruzamento de árvores com passarinhos para obter gorjeios em nossas palavras. Não obtivemos. Estamos esperando até hoje. Mas bem ficamos sabendo que é também das percepções primárias que nascem arpejos e canções e gorjeios. Porém naquela altura a gente gostava mais das palavras desbocadas. Tipo assim: Eu queria pegar na bunda do vento. O pai disse que vento não tem bunda. Pelo que ficamos frustrados. Mas o pai apoiava a nossa maneira de desver o mundo 5

6 que era a nossa maneira de sair do enfado 12. A gente não gostava de explicar as imagens porque explicar afasta as falas da imaginação. A gente gostava dos sentidos desarticulados como a conversa dos passarinhos no chão a comer pedaços de moscas. Certas visões não significavam nada mas eram passeios verbais. A gente sempre queria dar brazão às borboletas. A gente gostava bem das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais. Quando o menino disse que queria passar para as palavras suas peraltagens até os caracóis apoiaram. A gente se encostava na tarde como se a tarde fosse um poste. A gente gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala. Esses meninos faziam parte do arrebol 13 como os passarinhos. (BARROS, 2010, p ) COMENTÁRIOS: Esse poema, como a maioria dos que compõem o livro, traz ao poeta recordações puras de sua infância, matéria primordial da primeira parte da obra. Nele o sujeito lírico narra as desconstruções feitas por ele enquanto criança. Tais desconstruções remontam ao cenário lúdico 14, no qual os elementos da natureza norteavam as descobertas da infância. Logo nos dois primeiros versos, o eu lírico deixa claro o método utilizado por ele próprio para apreender o conhecimento: Nosso conhecimento não era de estudar em livros./ Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos (BARROS, 2010, p. 11). Esse conhecimento é comum à maioria das crianças, que têm como maior instrumento de aprendizagem a imaginação. Quando crianças, aprendemos naturalmente o que são as coisas e devagar vamos dando a cada coisa um sentido único e diferente do usual. Assim como o eu lírico faz, cruzamos árvores com passarinhos, tentamos tocar na bunda do vento, e tantas outras criativas ligações. Mas, acima de tudo, vemos nesse poema que, para se obter um conhecimento, não é necessária a sintaxe ou qualquer outro tipo de regulamentação, pois o sentido primeiro das coisas é o que realmente nos dá a percepção do mundo e de tudo que nele vive. O sentido global deste texto é a pureza da infância, das imagens que vemos e temos do mundo que nos cerca, pois, quando crianças, a única arma que temos para sair do enfado é desver o mundo, é desarticular os sentidos para descobrirmos a realidade. Mais uma marca recorrente nos poemas de Manoel de Barros é o uso de imagens como caracol, borboleta, vento, passarinho e outros seres que cercam o homem pantaneiro. A maioria desses elementos tem em comum a capacidade de mudança, mobilidade e metamorfose, mas, antes de tudo, o poder de serem livres. Tanto a mudança quanto a liberdade são importantes na vida de um poeta, e, talvez, o uso recorrente de imagens infantis venha sustentar o grande valor do desver e desconstruir as coisas do mundo concreto. VI Desde o começo do mundo água e chão se amam e se entram amorosamente e se fecundam. Nascem peixes para habitar os rios. E nascem pássaros para habitar as árvores. As águas ainda ajudam na formação dos caracóis e das suas lesmas. As águas são a epifania da criação. Agora eu penso nas águas do Pantanal. Penso nos rios infantis que ainda procuram declives para escorrer. Porque as águas deste lugar ainda são espraiadas 15 para a alegria das garças. Estes pequenos corixos 16 ainda precisam de formar barrancos para se comportarem em seus leitos. Penso com humildade que fui convidado para o banquete dessas águas. 12 Cansaço, aborrecimento. 13 Vermelhidão do nascer ou do pôr do Sol. 14 Relativo a jogos, brinquedos e divertimentos. 15 Espalhadas. 16 Braço de um rio. Porque sou de bugre 17. Porque sou de brejo. Acho agora que estas águas que bem conhecem a inocência de seus pássaros e de suas árvores. Que elas pertencem também de nossas origens. Louvo portanto esta fonte de todos os seres e de todas as plantas. Vez que todos somos devedores destas águas. Louvo ainda as vozes do habitantes deste lugar que trazem para nós, na umidez de suas palavras, a boa inocência de nossas origens. (BARROS, 2010, p ) COMENTÁRIOS: O poema traz mais um traço particular do poeta Manoel de Barros, o uso de imagens eróticas. Ao longo de todo o poema, as temáticas de fecundação, fertilidade, nascimento e perpetuação estarão presentes. Os três versos iniciais explicitam o romance entre água e terra. O elemento (água) tem, em muitas culturas, o significado de fonte de vida e meio de purificação, já a terra tem como simbologia a fertilidade em seu traço feminino. Ou seja, a partir do encontro desses dois elementos fundamentais, acontece a vida. Muitos símbolos são utilizados pelo eu lírico nesse poema, tais como peixes, rios, novamente pássaros, árvores, lesmas, entre outros. Cada um, de maneira distinta, ornamenta o cenário, aqui o Pantanal, mas são distintos e complementares, já que, além de romper barreiras em seu caminho, o rio serve como casa para os peixes, que por sua vez simbolizam a renovação da vida nele. Esse pode ser um sinal de que o poeta assumiu, no auge de seus 94 anos (idade que tinha quando foi publicado esse livro), para si próprio, o que todos os seus leitores já sentiam desde o primeiro contato com a obra do poeta: o Pantanal sempre esteve dentro do poeta. Esse poema é a declaração de amor do menino que passou sua infância preso dentro de um mundo imensamente e sem nomeação (BARROS, 2010, p. 9), rico de imagens que ficaram habitando a imaginação desse menino, mesmo depois de ter se afastado quilômetros e quilômetros do Pantanal mato-grossense. Vemos que o Pantanal é o elo do menino com as águas, com a terra e com o céu, como se esse menino fosse uma imensa árvore habitada por pássaros, cercada por caracóis e lesmas e que estivesse alegremente presa às margens de um majestoso rio pantaneiro. A Água surge repetidas vezes ao longo do poema, água que purifica, que dá vida, água que é fonte de todos os seres e de todas as plantas, e que, além de tudo, traz consigo palavras, que são a verdadeira fonte de vida e purificação do menino. II- SEGUNDA PARTE: CADERNO DE APRENDIZ A segunda parte do livro é composta por 36 poemas, os quais, diferente dos que compõem a primeira parte, são concisos e breves, mas isso não tira de maneira nenhuma a complexidade e a genialidade deles. A temática central desses poemas será a descoberta do mundo pelas palavras, o quão significativa e nova pode ser uma experiência pautada na invenção de novos significados para as palavras, fazendo, assim, total relação com o título da segunda parte. A maioria dos poemas - para não dizer todos - são metapoéticos. Chamamos de metapoéticos poemas que tratam do próprio fazer literário, da experiência da escrita, trabalham, mais uma vez, o poder das palavras na vida do poeta. Um detalhe pertinente dessa parcela do livro é a numeração dos textos: agora não são apresentados por números romanos, como na primeira parte do livro - os quais sinalizam um ponto de contato com a herança clássica -, usa-se o sistema de numeração associado ao nosso cotidiano. A escolha pela numeração arábica pode indicar uma arte mais prosaica marcada, sobretudo, pela simplicidade poética, visto ser uma parte escrita por um aprendiz. Assim como a primeira parte do livro, a segunda é aberta por uma epígrafe: Poesia é a descoberta das coisas que eu nunca vi. Oswald de Andrade Antes de analisá-la, vamos conhecer um pouco de seu autor. Oswald de Andrade foi um dos muitos artistas que promoveram a Semana de Arte Moderna em Conhecido também pelo seu Manifesto Antopofágico, Oswald revolucionou a estética da literatura 17 Indivíduo rude, inculto. 6

7 brasileira. Junto com sua terceira esposa, Tarsila do Amaral, o poeta paulistano acreditava que, deglutindo várias influências, a arte ficava mais rica. Oswald de Andrade contribuiu fundamentalmente para a renovação estética da arte brasileira, sobretudo em função dos pontos de contato com as Vanguardas Europeias. A frase escolhida por Manoel de Barros retrata aquilo em que a maioria dos poetas acredita, a poesia (Literatura) tem o poder de transportar o indivíduo para mundos novos, e também dá ao menino a possibilidade de conhecer/descobrir inúmeras realidades. A epígrafe da segunda parte do livro de Manoel de Barros tem o poder de expressar de forma simples o que descobrimos com a leitura dos poemas do poeta mato-grossense. Quando usamos a palavras simples, não se deve entender isso como fácil, pois é algo que a poesia de Manoel de Barros não o é. O poeta consegue, de uma maneira deslumbrante, criar todo um mundo de palavras que nos transporta para o lugar onde vive esse menino peralta, que é conseguido com o que de mais singelo a humanidade tem: as palavras. Nesse livro, temos a metáfora do homem como um menino que vive se descobrindo e conhecendo o mundo por meio das palavras, do poder que elas têm sobre o mundo, ou seja, sobre o homem. Palavras que são vistas, nessa segunda parte, muito além da sintaxe, pois a ordem e a disposição delas nos versos não serão apenas parte de uma regra, mas um complemento aos seus múltiplos significados. POEMAS COMENTADOS 2 Invento para me conhecer. (BARROS, 2010, p. 27) COMENTÁRIOS: Nesse poema, encontramos um dos papéis fundamentais da Literatura, o poder de nos conceder novas experiências. A primeira leitura possível é que, ao escrever novos poemas, o eu lírico tem a possibilidade de conhecer a si e às suas limitações. Ao desenhar um mundo novo, o sujeito pode se posicionar sobre acontecimentos diversos, divagar sobre como ele seria em um lugar diferente. Outra possibilidade é o da poesia como fuga, escape de uma realidade enfadonha. Vemos isso em alguns poemas da primeira parte do livro, quando o menino dá aos animais novas possibilidades de ser, imaginando um Pantanal singular, imaginando-se enquanto criador de um mundo novo. O verbo que abre o poema de somente um verso é a ação que move o poeta. Um dos muitos significados para o verbo inventar é o de criar, mas outros significados pautam a poesia de Manoel de Barros como descobrir, imaginar e mentir. Mentira aqui significa criar novas histórias, como as contadas pelo menino na primeira parte do livro. Mas, acima de tudo, o que o eu lírico descobre de si é o que importa ao inventar com as palavras uma nova poesia. 4 Escrever o que não acontece é tarefa da poesia. (BARROS, 2010, p. 31) COMENTÁRIOS: Mais uma vez, o eu lírico declara o que ele acredita ser a função da poesia. Sempre que pensamos em poesia, ou em qualquer outra forma de fazer literário, imaginamos histórias fantásticas que, no mundo real, não aconteceriam, pelo menos não da maneira narrada. Na poesia encontramos um lirismo exagerado; mas, nas poesias de Manoel de Barros, o que encontramos são inúmeras possibilidades de ser das coisas. O eu lírico, na maioria das vezes, dá a animais, rios, terra e plantas novas formas de ser. Manoel de Barros toma para si uma face de cientista maluco, que cria formas híbridas de seres, com novas funções no mundo. Escrever o que não acontece é expressar o que se sente, o que fica preso dentro de um lugar imensamente e sem nomeação que é o interior, a alma desse poeta, que consegue manifestar e libertar tudo o que o atormenta e o aprisiona dentro de si mesmo. 6 Eu gosto do absurdo divino das imagens. (BARROS, 2010, p. 35) COMENTÁRIOS: Como já afirmado, Manoel de Barros possui fortes pontos de contato com as artes plásticas. Em sua estada em Nova York, conheceu e apaixonou-se por pintores como Picasso, Klee, Chagall e Van Gogh; todos têm em comum o dom de causar desconforto com suas obras, o mesmo dom que Manoel tem ao fazer poemas. Em seus textos, ele cria pinturas de paisagens nunca vistas, dá novas formas aos animais e plantas no Pantanal mato-grossense. Talvez venha daí sua paixão pelo absurdo divino das imagens, é uma quebra da expectativa, pois o que o senso comum acredita já foi dito na frase célebre: Uma imagem vale mais do que mil palavras. Mas, para Manoel de Barros, as palavras estão acima de qualquer outra coisa, a paixão é por criar novas imagens com elas. Insistindo na plurissignificância das palavras, são elas que dão forma ao mundo que o menino vive. E é por meio delas que ele consegue criar e existir nesse imenso mundo. Citamos novamente um trecho do documentário que bem se relaciona ao texto em questão: desenho verbal é quando você consegue colocar uma imagem na vista do leitor (CÉZAR, 2009). 9 Pra meu gosto a palavra não precisa significar é só entoar. (BARROS, 2010, p. 41) COMENTÁRIOS: Nesse poema, o eu lírico expressa o sentido primeiro da palavra, que é o logos, o somente ser. Para Manoel de Barros, a palavra não precisa ter um sentido único e estabelecido, basta que ela seja entoada, para que sua ideia seja liberta. Manoel é avesso ao sentido real das palavras, a cada poema ele dá novos sentidos às coisas que o cercam, tanto as físicas como as que transcendem a carne. Como temática recorrente, o poder e significado da palavra é o alvo perseguido por Barros: ao descrever uma paisagem natural, o poeta não quer simplesmente relatar, ele quer criar uma pintura, desenhar todo um mundo novo, e a tinta que ele usa é a palavra. Quando se olha um quadro, admiram-se as formas, as cores e a expressão das imagens, assim também é a poética de Manoel de Barros, com sua forma, cor e expressão únicas, o poeta mato-grossense consegue, ao entoar palavras, transmitir suas mais profundas memórias e ideias. 15 A maneira de dar canto às palavras o menino aprendeu com os passarinhos. (BARROS, 2010, p. 53) COMENTÁRIOS: Mais uma vez, a natureza influencia diretamente a obra de Manoel de Barros. Mas não podemos ter em mente que a natureza representada na poesia de Barros é a pura natureza do Pantanal. A natureza aqui representa a pureza e o significado primário das coisas. Manoel dá novas possibilidades ao que é natural, novas funções, novos papéis. O que é natural no mundo dos leitores, é redundante no menino que vive preso no Pantanal. Quando o eu lírico dá aos pássaros um poder que é dos homens, poder de ensinar o papel da sintaxe e da semântica, ele modifica o papel de cada um no mundo. Mas não podemos nos esquecer de que este mundo é diferente, é lotado de palavras que somente existem, não significam, não têm papel definido. Quando o menino aprende com os passarinhos a dar voz às palavras, pode-se ver um novo significado nelas, essa voz que passa a existir é a quebra da alienação do ser que desconhece o valor das palavras. Ao aprender o real sentido das palavras, o menino cresce e entende seu real valor no mundo. 22 Eu estava parado no meio de uma oração como se eu tivesse desenvolvido a vermes. Veio a minha professora e me ensinou: Tudo o que você tem de fazer é tirar do seu texto as palavras bichadas de seus próprios costumes falou! Poesia é um desenho verbal da inocência! (BARROS, 2010, p. 67) 7

8 COMENTÁRIOS: Nesse poema, como em tantos outros dessa parte, o fazer poético é a temática central. Como já dito no trecho introdutório da segunda parte do livro, essa é uma temática muito recorrente nessa parte da obra. O eu lírico, nesse poema, depara-se com um obstáculo no momento da escrita. Pode-se ler esse texto como uma pequena história do início do trajeto do menino como poeta, as dúvidas sobre as palavras escolhidas, a maneira de dispôlas no papel, todas as dúvidas que cercam a consciência dos que se descobrem poetas. Nesse poema a solução encontrada é a de ignorar as palavras bichadas, as palavras do dia a dia. Fica impossível deixar de se fazer ligação entre esse poema e a escrita de Manoel de Barros, pois ele não se deixa influenciar pelo cotidiano das palavras em suas poesias. O último verso marca o que se entende da poesia dele, sobretudo neste livro, a inocência, a pureza e, acima de tudo, a palavra em seu sentido primeiro é o que forma a bela poesia, pois ela nada mais é do que a expressão do que se sente e as palavras não são capazes de traduzir. 34 Ele sabia que as coisas inúteis e os homens inúteis se guardam no abandono. Os homens no seu próprio abandono. E as coisas inúteis ficam para a poesia. (BARROS, 2010, p. 91) COMENTÁRIOS: No poema 34, ele desconstrói o sentido de inutilidade. Aqui o ser inútil não é algo ruim, pelo contrário, na poesia de Barros a inutilidade tem um significado maior, a inutilidade guarda em si o que os homens escondem. Nos três primeiros versos, somos mergulhados em um sentimento total de abandono: primeiro o abandono das coisas inúteis, segundo, do próprio homem. Mas cada um tem seu sentido uno, o primeiro trata da própria poesia, como vemos no último verso, já o segundo expõe as feridas do homem que não consegue se construir, não consegue se conhecer, e é por isso e para isso que existe a poesia, é ela que dá aos homens uma nova maneira de ver o mundo e as coisas que o cercam. Outra peculiaridade encontrada nos poemas de Manoel de Barros é que, quando o mote se direciona para as coisas profundas, para algo que parta para os sentimentos humanos, o eu lírico usa a terceira pessoa, como se ele fosse um espectador das dores e abandonos humanos, como se o menino olhasse, mas não compartilhasse os mesmos sentimentos. 35 Eu queria fazer parte das árvores como os pássaros fazem. Eu queria fazer parte do orvalho como as pedras fazem. Eu só não queria significar. Porque significar limita a imaginação. E com pouca imaginação eu não poderia fazer parte de uma árvore. Como os pássaros fazem. Então a razão me falou: o homem não pode fazer parte do orvalho como as pedras fazem. Porque o homem não se transfigura senão pelas palavras. E isso era mesmo. (BARROS, 2010, p. 93) COMENTÁRIOS: Nesse poema, são evidenciados, mais uma vez, o poder e o papel das palavras. Aqui o eu lírico percebe que ele conseguirá ser uma nova criatura usando as palavras como meio para que isso aconteça. Nos quatro primeiros versos, o eu lírico declara sua vontade de fazer parte das árvores e do orvalho; mais uma vez, há a necessidade de mudança, de que aconteça uma metamorfose. Nos próximos versos, ele continua explicando o que ele quer dessa metamorfose: eu só não queria significar./ Porque significar limita a imaginação./ E com pouca imaginação eu não poderia/ fazer parte de uma árvore (BARROS, 2010, p. 93). Novamente o eu lírico fala que significar limita a existência e a vivência das coisas. Mas mesmo com a limitação da significância, ele consegue entender (com a ajuda da razão) que a única maneira que ele tem de se transformar é pelas palavras, pois só elas têm o poder de ser sem significar. É só por meio das palavras que o homem/menino consegue ser o que ele quiser, é só por elas que consegue transcender o sentido da existência. 36 O primeiro poema: O menino foi andando na beira do rio e achou uma voz sem boca. A voz era azul. Difícil foi achar a boca que falasse azul. Tinha um índio terena que diz-que falava azul. Mas ele morava longe. Era na beira de um rio que era longe. Mas o índio só aparecia de tarde. O menino achou o índio e a boca era bem normal. Só que o índio usava um apito de chamar perdiz que dava um canto azul. Era que a perdiz atendia o chamado pela cor e não pelo canto. A perdiz atendia pelo azul. (BARROS, 2010, p. 95) COMENTÁRIOS: Este é o poema que encerra o livro. Contraditoriamente o último poema tem como subtítulo O primeiro poema (BARROS, 2010, p. 93). Nesse poema o eu lírico se depara com uma voz de cor azul. Mas essa voz não tinha boca que falasse, havia apenas um índio que dominava essa cor. Segundo o dicionário de símbolos de Chevalier e Gheerbrant (2006), a cor azul é a mais profunda, imaterial, fria e pura das cores. Ela tem o poder de transcender as outras cores, o dom da verdade. Podemos entender a cor azul como metáfora de poesia, porque esta é considerada a mais profunda, imaterial e pura das artes. Vimos isso ao longo da leitura dos poemas de Manoel de Barros: o poder de somente existir das palavras, é só assim que a poesia existe, sem significar, somente entoar é suficiente para que uma poesia exista. A poética de Manoel de Barros encontra-se nesse somente existir, entoar, sem significar, pois é por meio dessas simples coisas que a poesia do mais sublime dos mato-grossenses existe. REFERÊNCIAS BARROS, Manoel. Livro sobre nada. 11. ed. Rio de Janeiro: Record, Memórias Inventadas: A infância. São Paulo: Planeta, Menino do mato. São Paulo: Leyla, Gramática expositiva do chão. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,s/d. BACHELARD, Gaston. Os Pensadores. Bachelard. São Paulo, Nova Cultural, Campos, Maria Cristina de Aguiar. Manoel de Barros: O Demiurgo das Terras Encharcadas Educação pela Vivência do Chão (tese de doutorado). CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 20. ed. Rio: José Olympio, FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: Uma Arqueologia das Ciências Humanas. São Paulo: Martins Fontes, ed GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Trad. João Azevedo Jr. São Paulo: Companhia das Letras, HEIDEGGER, M. Ensaios e Conferências. Petrópolis, RJ: Vozes. MENEZES, Cynara. O artista quando coisa. O Povo. O Jornal do Ceará. Fortaleza-CE, 14 nov Disponível em: < Acesso em: 08/02/2005. RODRIGUES, Alexandre Rodrigues. A Poética da Desutilidade. Um passeio pela poesia de Manoel de Barros (Dissertação de mestrado). Valéry, Paul. Variedades. São Paulo: Iluminuras,

9 Filme citado - Site oficial: - Título: Só dez por cento é mentira: a desbiografia poética de Manoel de Barros - Direção e Roteiro: Pedro Cezar. - Produtora: Artezanato Eletrônico. - Produção Executiva: Pedro Cezar, Kátia Adler e Marcio Paes. - Direção de Fotografia: Stefan Hess. - Montagem: Julio Adler e Pedro Cezar. - Direção de Arte: Marcio Paes. - Música: Marcos Kuzca - Ano: 2009 Um romance em preto e branco Clara dos Anjos 18 Por Henrique Landim 19 Lima Barreto Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu em 1881, no Rio de Janeiro, no dia 13 de maio, data que, posteriormente, também marcaria o fim, pelo menos na lei, da escravatura no Brasil. É importante dizer que a situação do negro e da escravatura é bastante representada em algumas obras do autor, mesmo no romance Clara dos Anjos conseguimos perceber uma discussão étnica ao longo das páginas. Grande parte da vida do escritor se passou no período da Primeira República ( ), embora o olhar lançado sobre esse momento, às vezes, subverta aquilo que é comumente dito sobre o período, uma vez que quase tudo passa pelo jugo problematizador de Lima Barreto. João Henriques e Amália Augusta, pai e mãe de Lima Barreto, tiveram uma vida bastante difícil para manter a existência dos quatro filhos (Lima Barreto, Evangelina, Carlindo e Eliézer). Mudaram de residência por inúmeras vezes em virtude dos problemas de saúde de Amália e por problemas financeiros. Tudo isso fez que João Henriques deixasse de lado o seu grande sonho de ser médico. O ano de 1887 é marcado pela tristeza e sofrimento pela morte da mãe de Lima Barreto, vítima da tuberculose. Com a Proclamação da República, em 1889, o patriarca da família acabou sendo perseguido por defender o regime anterior (Monarquia). Em virtude da posição monárquica, o pai de Lima Barreto perderia o seu cargo na Imprensa Nacional, mas antes que ele fosse demitido, desligouse dessa instituição, indo trabalhar como almoxarife na Colônia dos Alienados da Ilha do Governador. Esse novo cargo trouxe uma série de complicações psicológicas para o pai do escritor, que não conseguiu equacionar uma diferença de caixa, abalando-se de forma irreversível. Com o desequilíbrio psicológico de João Henriques, Lima Barreto teve que assumir a liderança da família e procurar um meio de aposentar o pai enfermo. O autor de Clara dos Anjos abandona o curso superior de engenharia na Escola Politécnica em É nesse período que Lima Barreto começa a escrever para jornais e ingressa no funcionalismo público. Do ponto de vista profissional, é a partir de 1905 que o escritor ingressa no importante jornal Correio da Manhã. Porém, a sua vida como escritor não lhe facilitou muito a sua existência material. Enquanto as lutas no interior da família de Lima Barreto lhe roubavam a tranquilidade, o Rio de Janeiro se configurava como o espaço fervilhante do processo de regeneração no âmbito político, social, arquitetônico, cultural. Com a Proclamação da República, em 1889, tivemos um novo ideal de país que norteava o imaginário da maioria dos cidadãos. Essa nova ordem se configurava repleta de sonhos e desejos, embora a barreira do atraso social, às vezes, ganhasse uma dimensão dantesca para certa parcela da população. Os negros se viram libertos, mas a sociedade não estava preparada para recebê-los como mão de obra livre. No final do célebre romance 18 Explicação do título: Clara (que não é clara, e sim mulata) dos Anjos (conflita com o desejo/sedução que envolve a personagem). 19 Graduado em Teoria Literária pela Universidade Federal de Uberlândia e mestre em Teoria Literária pela mesma instituição. Triste Fim de Policarpo Quaresma, o narrador-personagem expressa essa oposição entre o desejo da integração social do Brasil na modernidade e os atrasos sociais: A pátria que quisera ter era um mito (BARRETO, 1997, p. 254). O Rio de Janeiro, naquele momento, era o estandarte da modernidade brasileira, por isso essa cidade passou por tantas remodelagens em sua estrutura urbana. Algumas ruas foram alargadas, portos emergiram no mar a fim de receber navios maiores, cortiços foram extintos, entre outras medidas que procuravam alinhar a cidade à modernidade. Nas palavras de Nicolau Sevcenko (2003) sobre a reestruturação do país preciso, pois, findar com a imagem da cidade insalubre e insegura, com uma enorme população de gente rude plantada bem no seu âmago, vivendo no maior desconforto, imundície e promiscuidade, pronta para armar em barricadas as vielas estreitas do Centro ao som do primeiro motim. Somente oferecendo ao mundo uma imagem de plena credibilidade era possível drenar para o Brasil uma parcela proporcional da fartura, conforto e prosperidade em que já chafurdava o mundo civilizado (2003, p. 41). Enquanto as operações modernizadoras ocorriam, parte da população humilde (os mestiços, negros) sofria. Lima Barreto, em algumas obras, se coloca contrariamente a esse progresso que legitimava uma elite branca no poder. Em 1914 e 1919, Lima Barreto esteve internado por causa de seu envolvimento com o álcool. Mesmo diante desses problemas com a bebida, o escritor se candidatou por três vezes à Academia Brasileira de Letras, não sendo eleito como membro dessa instituição. Por fim, Lima Barreto morre aos 41 anos, em 1922, vítima de problema cardíaco. Compreensão do título do livro: O romance de Lima Barreto, Clara dos Anjos, possui em seu interior a personagem central cujo nome é Clara dos Anjos. A expressão dos Anjos é herdada pela moça em virtude do nome de seu pai, Joaquim dos Anjos. Porém, vale dizer que tanto o pai quanto a filha não são brancos (claros) como o sobrenome poderia sinalizar. Assim, o primeiro nome da moça contradiz a sua etnia, o que é reforçado pela acepção de pureza do segundo termo ( dos Anjos ). A filha de Joaquim é uma mulata, portanto é de ascendência negra. Ela vive em um país cuja maior parte da elite faz questão de considerá-lo branco. Sobre isso comenta a estudiosa: Uma mestiça com o nome de Clara já é um indicativo de um desejo de uma outra etnia, uma etnia aceita na sociedade e, logicamente, uma insatisfação com a própria condição racial. Os pais, ao batizarem a filha com esse nome revelam uma ideologia em relação ao contraste étnico existente em nosso país internalizada em seu pensamento, assim como o nome inglesado Cassi Jones diz muito dele e de D. Salustiana. Ambas as personagens, Cassi e Clara, apresentam em seus respectivos nomes uma posição em relação ao meio social: ela, um movimento de inserção e de aceitação do esquema social: ele, a busca de um diferencial de superioridade para exercer sua cidadania malandra. Em relação aos nomes analisados, vale lembrar que o signo é ideológico, como afirma Bakhtin. Nesse detalhe da filha de D. Engrácia está a ponta de um fio que se puxado cuidadosamente revela todo o movimento e pensamento da família dos Anjos de tentativa de inserção em um sistema branco e, logicamente, se há uma tentativa de inclusão é porque se está excluído. Uma filha mulata, mas que no nome a família deseja clara. Além de a palavra estar relacionada com a etnia, sua carga semântica também apresenta a significação de pureza, inocência. Era exatamente essa inocência a que o casal aspirava para a filha. Uma moça de boa família, pura de alma e de corpo, uma moça refinadamente educada, de acordo com tudo aquilo que os rigorosos modelos morais de educação branca propõem. A pureza angelical da moça Clara nada mais é, para o narrador, do que cegueira e despreparo para ver o mundo e lutar contra as suas estruturas iníquas 20. Clara dos Anjos não conseguia perceber que moças de sua condição étnica, social e econômica serviam de instrumento para o prazer masculino e, automaticamente, como um meio do sistema para preservar a pureza e, de acordo com o pensamento vigente, a dignidade das moças brancas e burguesas. 20 adj. Que se opõe à equidade; injusto: julgamento iníquo. Característica do que é perverso; mau. (Etm. do latim: iniquus.a.um) 9

10 São conhecidas e populares as aventuras sexuais de rapazes favorecidos economicamente com jovens mestiças, negras e empregadas domésticas, ao passo que o casamento deles se dá com uma moça branca de boa família (GUEDES, 2005, p ). A protagonista do romance, Clara, ao longo de sua vida, viveu num sistema familiar que não permitia que ela percebesse com criticidade o seu lugar diante da sociedade republicana marcada por hábitos escravocratas. Sendo assim, era caracterizada pela pureza e ingenuidade, que talvez mascarem a ânsia pela inserção em um mundo diverso do seu. Clara é vítima fácil do jovem branco Cassi Jones. O contexto da obra (Pré - Modernismo) O romance Clara dos Anjos nasceu num período em que, na Europa, os movimentos vanguardistas estavam em plena atividade cultural propondo novas perspectivas artísticas. De outro lado, na literatura brasileira, ainda se via resquícios de manifestações como, por exemplo, Parnasianismo, Simbolismo, Realismo e Naturalismo. Escritores como Graça Aranha, Euclides da Cunha, Augusto dos Anjos, Monteiro Lobato e Lima Barreto, nas suas produções literárias, sinalizavam o rompimento com essas quatro tendências, contudo, demonstravam a coexistência de traços conservadores herdados dessas manifestações em seus textos. A esse conturbado período transitório marcado pela concomitância de diversas vozes culturais, convencionou-se dar o nome de Pré-Modernismo. Lima Barreto, do ponto de vista das inovações que o aproximam do Modernismo, inovou, por exemplo, a linguagem. Segundo Nolasco- Freire (2005), o escritor promove uma aproximação entre a linguagem equivalente ao público leitor ao qual a obra literária é destinada. Os críticos da época, acostumados com o modelo rigorosamente formal, observavam na obra de Lima Barreto um desleixo e uma falta de conhecimento da norma culta, contudo não perceberam que essas eram as marcas de um processo de ruptura com os modelos vigentes. Apesar do aspecto inovador da linguagem de Lima Barreto no romance Clara dos Anjos, podemos notar certos pontos de contato com a estética Realismo-Naturalismo, visto que o livro possui um olhar cientificista e determinista sobre as ações humanas, considerando que a conduta do sujeito é produto de leis naturais (fatores deterministas: meio, momento e genética). Os naturalistas procuravam explicar a conduta humana por meio do rigor científico, por isso, as ações de Clara são justificadas, em grande parte das vezes, pela deficiente educação recebida em seu meio familiar. O pai e a mãe da protagonista eram indivíduos incapazes de transmitir qualquer noção de autonomia feminina à filha, uma vez que ambos também são seres frágeis do ponto de vista de suas condutas. O momento também é um fator determinante do comportamento da jovem que vivia os efeitos da febre das modinhas, estilo musical que também moldou o caráter dela. Do Determinismo, o escritor adota um olhar para o qual as deliberações morais são determinadas ou são resultado direto das condições psicológicas e outras de natureza física. O homem nada é senão uma máquina guiada por fatores sociais, físicos e hereditários (COUTINHO 1997, p. 12/13). A questão do preconceito étnico vivido pelos negros e mulatos como nas obras O Mulato e O cortiço, denunciado na obra do naturalista Aluísio de Azevedo, traço marcante do Naturalismo e também do Modernismo, aparece bem demarcada nos livros de Lima Barreto, mesmo porque o autor viveu pessoalmente preconceitos de ordem étnica, problema da nossa identidade cultural retratado com tintas críticas na obra do escritor. Para Sérgio Buarque de Holanda (1978), a obra Clara dos Anjos bem expressa essa temática na produção de Lima Barreto: Em Clara dos Anjos relata-se a estória de uma pobre mulata, filha de um carteiro de subúrbio, que apesar das cautelas excessivas da família, é iludida, seduzida e, como tantas outras, desprezada, enfim, por um rapaz de condição social menos humilde do que a sua. É uma estória onde se tenta pintar em cores ásperas o drama de tantas outras raparigas da mesma cor e do mesmo ambiente. O romancista procurou fazer de sua personagem uma figura apagada, de natureza "amorfa e pastosa", como se nela quisesse resumir a fatalidade que persegue tantas criaturas de sua casta: "A priori", diz Lima, "estão condenadas, e tudo e todos parecem condenar os seus esforços e os dos seus para elevar a sua condição moral e social. "É claro que os traços singulares, capazes de formar um verdadeiro "caráter" romanesco, dando-lhe relevo próprio e nitidez hão de esbater-se aqui para melhor se ajustarem à regra genérica. E Clara dos Anjos torna-se, assim, menos uma personagem do que um argumento vivo e um elemento para a denúncia (1995, p.42) Essa denúncia das mazelas étnicas e sociais nos permite associar a produção de Lima Barreto ao Naturalismo, vertente literária que sempre preferiu realizar a sua crítica associada ao universo dos mais pobres, diferentemente do Realismo que se ateve às classes mais abastadas. Enredo Subúrbio Antes de residir nos subúrbios cariocas, Joaquim dos Anjos tivera a sua origem e experiências iniciais de vida nos arredores de Diamantina, em cujas festas de igreja a sua flauta brilhava, e sob o comentário de muitos era tido como o primeiro flautista do lugar. O personagem chegou a criar adiante, na sua vida, valsas, tangos e acompanhamentos de modinhas. Aos vinte e dois anos, desgostoso com a existência em sua cidade natal, aceitara o convite de um engenheiro inglês explorador dos terrenos diamantíferos do lugar, partindo para o Rio de Janeiro. Joaquim dos Anjos, em Minas Gerais, serviu ao inglês como seu pajem, guia, encaixotador e servente. Terminadas certas pesquisas no solo mineiro, o inglês John Hebert Brown, da Real Sociedade de Londres, resolveu não voltar mais para Diamantina, indo com Joaquim ao Rio de Janeiro, de onde partiu para Londres. O inglês partiu, enquanto Joaquim permaneceu sem nenhuma ocupação formal no Rio de Janeiro, até que o seu dinheiro acabou. Foi então obrigado a prestar serviço como empregado de um escritório de advocacia. A função lhe retribuía com um pequeno ordenado, assim, Joaquim sonhava com um cargo público que lhe desse direito à aposentadoria e a montepio 21 para a família que fundaria adiante. Passados dois anos junto ao escritório de advocacia, Joaquim ascendeu ao ofício de carteiro, vaga ocupada até o final do romance Clara dos Anjos. Depois de nomeado no cargo público, Joaquim dos Anjos casou-se, herdando em seguida uma casa e umas poucas terras, em Inhaí, de sua falecida mãe. Todos os bens foram vendidos, em seguida tratou de adquirir uma humilde casa no subúrbio carioca, nas proximidades da estrada de ferro Central do Brasil: Agora, porém, e mesmo há vários anos, estava em plena posse do seu buraco como ele chamava a sua humilde casucha. Era simples. Tinha dois quartos; um que dava para a sala de visitas e outro para a sala de jantar, aquele ficava à direita e este à esquerda de quem entrava nela. À de visitas, seguia-se imediatamente a sala de jantar. Correspondendo a pouco mais de um terço da largura total da casa, havia, nos fundos, um puxadito, onde estavam a cozinha e uma despensa minúscula. Comunicava-se esse puxadito com a sala de jantar por uma porta; e a despensa, à esquerda, apertava o puxado, a jeito de um curto corredor, até à cozinha, que se alargava em toda a largura dele. A porta que o ligava à sala de jantar ficava bem junto daquela, por onde se ia dessa sala para o quintal. Era assim o plano da propriedade de Joaquim dos Anjos (BARRETO, 1997, p. 23). Lima Barreto, em suas obras, é um observador astuto do subúrbio do Rio de Janeiro. Como se nota, a residência de Joaquim dos Anjos dá vida a essa zona periférica carioca. A casa não possui planejamento, na verdade, ela é toda remendada de inúmeros puxadinhos que avançam diante da necessidade da família. A precariedade da casa de Joaquim dos Anjos parece o reflexo daquilo que é vivido lá fora, na rua: A rua em que estava situada a sua casa desenvolvia-se no plano e, quando chovia, encharcava e ficava que nem um pântano; entretanto, era povoada e se fazia caminho obrigado das margens da Central para a longínqua e habitada freguesia de Inhaúma. Carroções, carros, autocaminhões que, quase diariamente, andam por aquelas bandas a suprir os retalhistas de gêneros que os atacadistas lhes fornecem, percorriam-na do começo ao fim, indicando que tal via pública devia merecer mais atenção da edilidade (BARRETO, 1997, p. 24). 21 Pensão destinada a prover o sustento de um beneficiário. 10

11 Clara dos Anjos é um romance que realiza longas descrições do subúrbio, quase todas expressam o abandono do poder público que parece ignorar a condição precária de vida dos moradores. Na rua onde Joaquim mora, quando há chuva, o cenário é desolador, embora a movimentação diária no lugar peça maior atenção do Estado. É com olhar ácido que o subúrbio carioca, em alguns momentos do romance Clara dos Anjos, é descrito. Mesmo o gosto religioso dos moradores, perpassado por uma espécie de sincretismo, passa pela sua verve crítica. Adiante no livro temos a caracterização de um religioso estrangeiro que ergueu uma chácara a fim de realizar as suas atividades ecumênicas: O povo não os via com hostilidade, mesmo alguns humildes homens e pobres raparigas dos arredores frequentavam-nos, já por encontrar nisso um sinal de superioridade intelectual sobre os seus iguais, [grifo meu] já por procurarem, em outracasa religiosa que não a tradicional, lenitivo para suas pobres almas alanceadas, além das dores que seguem toda e qualquer existência humana (BARRETO, 1997, p. 24). Os frequentadores da chácara de Quick Shays se colocavam numa condição superior à dos habitantes do subúrbio, o que deixa transparecer um fio do discurso da suposta superioridade racial dos brancos protestantes. Soma-se a esse pensamento, a nossa condição simbiótica do ponto de vista religioso, uma vez que nas páginas iniciais do romance temos registrados o catolicismo e o protestantismo: Joaquim dos Anjos não frequentava Mr Shays nem o reverendo padre Sodré, do Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, pois, apesar de ter nascido numa cidade embalsamada de incenso e plena de ecos sonoros de litanias e o continuo repicar de sinos festivos, não era animado de grande fervor religioso. Sua mulher, Dona Engrácia, porém, o era em extremo, embora fosse pouco à igreja, devido às suas obrigações caseiras. Ambos, porém, estavam de acordo num ponto religioso católico-romano: batizar quanto antes os filhos, na Igreja Católica Apostólica Romana. Foi assim que procederam, não só com a Clara, o único filho sobrevivente, como com os demais, que haviam morrido (BARRETO, 1997, p. 27). O subúrbio parece ser terreno fértil para inúmeras manifestações religiosas, o casal dos Anjos dava uma preferência especial ao catolicismo, religião em que a filha acabou sendo batizada. Esse ritual católico oferecido à Clara também é um elemento formador da personalidade frágil da menina, ele também faz parte de um conjunto de elementos que condicionam a jovem a valorizar uma típica conduta feminina estereótipo da mulher no início do século XX no Brasil. O catolicismo, cujos adeptos são os membros da família dos Anjos, tem no subúrbio o seu representante mais ilustre por meio da figura do padre Sodré e, de outro lado, a figura do protestantismo metaforizada na imagem de Mr Shays. O carteiro Joaquim dos Anjos casara-se com dona Engrácia havia quase vinte anos, o casal teve dois filhos, sendo a Clara dos Anjos a primeira, orçava dezessete anos, possuía uma educação exclusivamente voltada para os afazeres domésticos, no entanto, raras vezes, dirigia-se ao cinema do Méier ou do Engenho de Dentro. Essa alusão feita ao cinema sinaliza para um contexto de transformações, marcado pela melhoria dos meios de comunicação, novos meios de transporte (como os caminhões citados num fragmento anterior), o telefone, o cinema, novos objetos e bens de consumo, além de arranha-céus, elevadores e outros símbolos que indicam uma inserção do Rio de Janeiro numa condição moderna. Entre o rol de amizades de Joaquim dos Anjos, estão dois importantes personagens, Marramaque e Lafões, os quais, todos os domingos, pelas nove horas, estavam na residência do carteiro. Os amigos logo se dirigiam aos fundos da casa onde estava localizada a mesa com tentos para os semanais jogos: Horas e horas, esperando o "ajantarado", que quase sempre ia para a mesa à hora do jantar habitual, deixavam-se ficar jogando, bebericando aguardente, sem dar uma vista d'olhos sobre as montanhas circundantes, nuas e pedroucentas, que recortavam o alto horizonte (BARRETO, 1997, p. 28). No último domingo, na residência de Joaquim dos Anjos, Lafões pediu autorização ao dono da casa para convidar um mestre de violão e da modinha para tocar no aniversário de Clara. Nesse momento, temos a primeira aparição do personagem central do texto, Cassi Jones. Marramaque, padrinho da aniversariante, frente ao pedido de Lafões, exaltou-se de maneira negativa contra a presença do músico. Ao longo da narrativa, o padrinho de Clara se posiciona veementemente contra o violeiro. A postura contrária do amigo de Joaquim confere a Cassi Jones um tom de mistério. O malandro A caracterização do malandro na história aparece mais bem demarcada adiante no texto, o escritor não poupa sua ironia para iniciar a descrição de Cassi Jones: O Jones é que ninguém sabia onde ele fora buscar, mas usava-o, desde os vinte e um anos, talvez, conforme explicavam alguns, por achar bonito o apelido inglês. O certo, porém, não era isso. A mãe, nas suas crises de vaidade, dizia-se descendente de um fantástico Lord Jones, que fora cônsul da Inglaterra, em Santa Catarina; e o filho julgou de bom gosto britanizar a firma com o nome do seu problemático e fidalgo avô (BARRETO, 1997, p ). A origem nada precisa do nome de Cassi Jones sinaliza para a condição malandra desse sujeito que faz parte de um núcleo de classe média mais abastada carioca. Ele possui pouco mais de trinta anos, é branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo (BARRETO, 1997, p. 33), contudo, mesmo assim, é considerado um elegante dos subúrbios (1997, p. 33). O violeiro Cassi é um conquistador de virgens ingênuas e mulheres casadas, não tinha melenas de virtuose do violão, nem outro qualquer traço de capadócio (1997, p. 33). A sua tez branca e o nome de origem ao certo inglesa confere ao malandro uma visualidade étnica singular no subúrbio, o que adiante no romance contrastará com a mulata Clara dos Anjos, a quem ele seduz. O narrador, ao descrever Cassi como o deflorador da jovem mulata, expõe o código de conduta dos brancos daquele tempo, antecipando a epígrafe do texto: Alguns as desposavam (as índias); outros, quase todos, abusavam da inocência delas, como ainda hoje das mestiças, reduzindo-as por igual a concubinas e escravas (BARRETO, 1997, p. 20). Esse fragmento, inserido nas primeiras páginas do livro de Lima Barreto, bem expressa a relação dos brancos para com as minorias (índios, negros e mestiços). As mestiças/mulatas como Clara dos Anjos, naquele contexto de publicação do livro, tinham o papel de servir aos caprichos sexuais dos homens brancos que, quando desejavam casar, procuravam brancas. Isto é, sexo com as negras e casamento com as brancas. Cassi Jones sabe encantar e seduzir as damas com o seu irresistível violão (1997, p. 33). Cassi Jones, mesmo com tão pouca idade, contava perto de dez defloramentos e a sedução de muito maior número de senhoras casadas (BARRETO, 1997, p. 33). Os crimes cometidos pelo jovem Cassi permaneciam impunes e, usando de sua relativa posição social, quase sempre conseguia se livrar das ordens judiciais. Essa liberdade diante da lei que o personagem possui nos leva a refletir sobre a questão da justiça na sociedade carioca. Lima Barreto nos convida a pensar nas falhas do sistema judiciário e, em decorrência delas, nas possibilidades das ações malandras de mesma ordem. Sobre essa condição jurídica, comenta Amadeu da Silva Guedes (2005): Suas ações tinham o efeito desejado, mas ações daqueles desfavorecidos, que tentavam seguir uma linha moral dominante, acabavam passando por um processo de nulidade diante da justiça. A partir dessa circunstância de Cassi Jones e dos códigos legais, poderia se dizer em uma breve paródia: somos todos desiguais perante a lei (2005, p. 140). Essa desigualdade expressada pelo livro tem as suas raízes, sobretudo, nas questões de ordem étnica e social. Ao certo, poderíamos vincular essa situação de beneficiamento à vida de Lima Barreto, que em virtude de sua origem social e étnica, vivenciava inúmeros processos de segregação, condição análoga de inúmeros negros e mulatos no início da República Brasileira. Dentro de casa, Cassi possuía o respaldo e conforto da figura da mãe que se recusava ver o filho como malandro. Dona Salustiana se desesperava ao pensar que o seu filho pudesse se casar com uma negra, preferível seria tê-lo na delegacia. A condição de detido seria mais positiva do que um casamento com uma negra para a mãe, de Cassi. Na delegacia, pelo menos, o filho poderia se livrar com facilidade usando o benefício da cor, de outro lado, na concepção de Dona Salustiana, a vergonha de casar-se com uma mulata seria uma nódoa incurável. A mãe vencia os seus 11

12 preconceitos de fidalguia e alta estirpe e não relutava a ir com o marido livrar o filho da cadeia ou de algum casamento. A mulher, ironicamente segundo o narrador, tinha fumaça de grande dama, de ser muito superior às pessoas de seu meio (BARRETO, 1997, p. 35). Essa maneira pretenciosa provinha de duas fontes: a primeira, por ter um irmão médico do Exército, com o posto de capitão; e a segunda, por ter andado no Colégio das Irmãs de Caridade (1997, p. 35). Diferentemente da mãe, o pai de Cassi, Manuel Borges, era um homem sério, tinha a capacidade de julgar lucidamente e punir as ações do filho. As irmãs de Cassi possuíam um verdadeiro desprezo pela baixeza da conduta moral do irmão e também pela sua ignorância cavalar e absoluta falta de maneiras e modos educados (BARRETO, 1997, p. 36). No início da carreira de pícaro de Cassi, o pai ainda aceitou que o jovem permanecesse na mesa com o restante da família, porém apenas a mãe lhe dirigia a palavra, as irmãs se esquivavam de qualquer relação com o irmão. Um dos primeiros casos mais incômodos de Cassi se dera com uma amiga de Catarina (irmã do malandro), Nair, moça órfã de pai que, pelo despreparo psicológico, sem ter ninguém para orientála, caiu nas garras do violeiro. Nair frequentava a casa de Cassi a fim de aprofundar os seus estudos musicais com Catarina. Os encontros entre os amantes se davam às escondidas de todos, uma vez que o rapaz temia algum tipo de retaliação por parte de seu pai. Para concretizar o seu plano, Cassi enviou uma carta copiada, o que expõe a desqualificação do malandro para com o uso da escrita, à moça inexperiente, que em plena crise de sentimentos deu um passo errado cedendo ao inimigo. Pouco tempo depois, Nair via o seu ventre crescido, tinha ali um filho do violeiro. A mãe da moça tentou inutilmente conversar com Dona Salustiana, em seguida fora à polícia, mas a boa condição financeira da mulher eliminava qualquer ação da justiça no caso. No dia seguinte, a mãe de Nair suicidava-se com lisol 22. Os jornais expuseram o caso nos mínimos detalhes para o desespero e raiva de Manuel de Azevedo, pai do malandro, que expulsou o filho de casa. Cassi, a pedido da mãe, exilou-se na casa do tio doutor (Baeta Picanço) que logo tratou de mandá-lo embora, visto que o sobrinho já estava se aventurando ao arredor do sítio. De volta à casa da família, a mãe reservou um lugar às escondidas no porão da casa, lugar onde o Manuel não poderia vêlo. Incapaz para o trabalho, Cassi vivia de pequenas apostas em rinhas de briga de galo: galos de briga eram a força de suas indústrias e do seu comércio equívocos (BARRETO, 1997, p. 40). Sobre a conduta ergofóbica de Cassi comenta o narrador: Nunca suportara um emprego, e a deficiência de sua instrução impedia-o que obtivesse um de acordo com as pretensões de muita coisa que herdara da mãe; além disso, devido à sua educação solta, era incapaz para o trabalho assíduo, seguido, incapacidade que, agora, roçava pela moléstia. A mórbida ternura da mãe por ele, a que não eram estranhas as suas vaidades pessoais, junto à indiferença desdenhosa do pai, com o tempo, fizeram de Cassi o tipo mais completo de vagabundo doméstico que se pode imaginar. É um tipo bem brasileiro (BARRETO, 1997, p. 41). Com isso, Cassi se coloca numa condição similar a outro importante malandro da nossa literatura, Leonardinho, personagem do livro Memórias de um sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida. A roupa, o violão e a modinha são os companheiros inseparáveis do malandro Cassi em sua jornada em busca do prazer. Ele é um sujeito de sexualidade diversa dos padrões morais dominantes de sua época. Segundo o narrador, os relacionamentos do personagem atendem exclusivamente os seus prazeres sexuais, se relacionados a mulheres; quando relacionados a pessoas do mesmo sexo, visam a suas ações sórdidas e criminosas: Se já era egoísta, triplicou de egoísmo. Na vida, ele só via o seu prazer, se esse prazer era o mais imediato possível. Nenhuma consideração de amizade, de respeito pela dor dos outros, pela desgraça dos semelhantes, de ditame moral o detinha, quando procurava uma satisfação qualquer. Só se detinha diante da força, da decisão de um revólver empunhado com decisão. Então sim... (BARRETO, 1997, p. 41). Quase sempre fora difícil dominar a personalidade transgressiva de Cassi, a família bem que tentou inseri-lo em alguma instituição que pudesse, quem sabe, incutir algum princípio moral no jovem: O pai, então, voltou à ideia de pô-lo em uma oficina, a ver se o trabalho manual, já pelo cansaço, já pela convivência com pessoas honestas e de trabalho, desviava-o do mau caminho que ele estava iniciando (BARRETO, 1997, p. 47). Mesmo diante do esforço insistente do pai, Cassi preferia guiar-se pelo caminho da desordem. O dinheiro exercia sobre ele um fascínio absoluto, embora para tê-lo quase sempre fazia uso de operações ilícitas. Cassi Jones é cercado por um núcleo de malandros formado de quatro indivíduos: Ataliba do Timbó é um mulato claro, faceiro, bem apessoado (BARRETO, 1997, p. 43), sendo morador do horrível subúrbio de Dona Clara (1997, p. 43), onde vive com a mulher com quem tivera que se casar em virtude da gravidez. Os filhos e a mulher sofriam infinitas privações, enquanto ele andava muito suburbanamente elegante (1997, p. 43) pelas ruas, na companhia de Cassi. Ataliba tira seus proventos do jogo do bicho e do football por ser considerado um bom jogador. Entre seus companheiros, consta também Zezé Mateus, um imbecil, que bebia e se dizia valente, vivendo de serviços braçais, como capineiro e ajudante de pedreiro. É branco, com rugas precoces no rosto, sem dentes e com cabeça de mamão-macho (1997, p. 45); na definição do narrador, um ex-homem e mais nada (1997, p. 45). Franco Sousa, por sua vez, é malandro apurado, fingindo-se de advogado para atrair presas ingênuas como roceiro e viúvas simplórias. E, por fim, Arnaldo, o último dos asseclas de Cassi, ladrão de pequenas coisas, chegou a roubar dinheiro de crianças. De pequenos furtos conseguia se manter vivo, pode ser considerado, segundo um narrador, uma espécie de ladrão barato. O malandro Cassi possui inúmeras pessoas que acompanham semanalmente as suas ações veiculadas no jornal, uma delas é o padrinho de Clara dos Anjos, o contínuo do ministério da Agricultura, ocupação indicada a ele devido ao estado de invalidez (paralisia do lado esquerdo do corpo), chamado de Marramaque. Além de Marramaque, Joaquim dos Anjos também era cercado por um grupo de amigos. Outro importante é Edurdo Lafões, português de origem, é uma espécie de guarda público. Desde cedo conseguiu uma vaga na repartição de água da cidade e, devido ao rigor de sua conduta, fizeram-no chegar a seu generalato de guarda de encanamentos e de torneiras que vazassem nos tanques de lavagem das casas particulares (BARRETO, 1997, p. 30). Vivia, na condição de chefe de um serviço público, muito contente com a sua posição (1997, p. 30), algo constatado na importância ingênua do campônio que se faz qualquer coisa do Estado, e a solenidade de maneiras com que ele atravessava aquelas ruas do subúrbio (1997, p. 30). Esses indivíduos eram o braço direito de Joaquim dos Anjos, que aos domingos se reuniam para inevitáveis partidas de solo regadas a taças de parati. Após ter ganhado uma centena no jogo do bicho, Lafões resolveu ir a um bar a fim de comemorar o prêmio, mas acabou sendo preso em virtude do distúrbio provocado no botequim. Na prisão, Lafões conheceu Cassi Jones, os dois logo iniciaram um diálogo amistoso. O violeiro estava preso em virtude de mais um caso amoroso. Ele se envolvera com a esposa de um oficial da Marinha que, ao descobrir o caso, tirou a vida da mulher e foi preso em seguida. Na delegacia, o assassino relatou todo o caso ao delegado, que efetuou a prisão de Cassi. Este, por meio de uma inusitada sorte, conseguiu se aproximar de Lafões dizendo que conseguiria livrá-lo da prisão: Estás aqui, estás na rua. Mandei o soldado falar ao meu chefe político: e ele vai se interessar para ser solto (BARRETO, 1997, p. 55). Tempo depois o companheiro de cela de Cassi estava solto. Talvez por saber da amizade entre Lafões e Joaquim dos Anjos, Cassi usara dessa estratégia para se aproximar de Eduardo Lafões. Como se percebe, Lafões é o grande responsável por trazer Cassi para dentro da casa de Joaquim dos Anjos. 22 Espécie de desinfetante. 12

13 Aniversário Muito diferente de Marramaque, que bem conhecia a ficha criminal de Cassi, Lafões ingenuamente resolveu convidar o malandro para tocar no aniversário de Clara dos Anjos. Dessa maneira: Joaquim dos Anjos, afinal, tendo o assentimento da mulher e também curioso de conhecer as habilidades de Cassi, no violão e na trova popular, consentiu que Lafões o trouxesse em sua casa, no dia do aniversário de Clara. Viria aquela vez e não viria mais... (BARRETO, 1997, p. 55). Como de costume, no dia da festa, Joaquim convidou alguns vizinhos e amigos. A grande atração da noite seria Cassi Jones. Naquele dia, Clara estava bem vestida, procurou disfarçar a sua grande emoção para receber o violeiro que ainda não tinha chegado. Finalmente o trovador apareceu: Entrou. Houve um estremecimento que percorreu os convivas, como um choque elétrico. Todas as moças, das mais diferentes cores, que, ali, a pobreza e a humildade de condição esbatiam e harmonizavam, logo o admiraram na sua insignificância geral, tão poderosa é a fascinação da perversidade nas cabeças femininas. Nem César Bórgia, entrando mascarado, num baile à fantasia, dado por seu pai, Alexandre VI, no Vaticano, causaria tanta emoção. Se não disseram: "É César! É César!" codilharam: "É ele! É ele!" (BARRETO, 1997, p. 62). O primeiro olhar de Cassi lançado sobre a aniversariante fora em direção aos seios da jovem. O baile se animou. O violeiro juntouse ao terno de cavaquinho, flauta e violão. Pediram que o convidado cantasse, porém ele insistia não ser possível. Vendo que o pai tentava convencer o sujeito a cantar e não obtendo nenhum resultado positivo, Clara lançou o seu pedido: Por que não canta, Seu Cassi? Dizem que o senhor canta tão bem... (BARRETO, 1997, p. 64). Diante do pedido da aniversariante, Cassi resolveu ceder e cantou. A música cantada, sob o título de Na Roça, vinculase à temática do livro: Mostraram-me um dia Na roça dançando Mestiça formosa De olhar azougado [...] Sorria a mulata Por quem o feitor Diziam que andava Perdido de amor (BARRETO, 1997, p ). A música cantada por Cassi Jones é uma composição de Gonçalves Crespo (jurista e poeta de influência parnasiana). A canção tem como elemento central a mestiça, mulher que deixou o seu feitor perdido de amor. O trecho da canção condiz com o enredo do romance de Lima Barreto, isto é, o envolvimento amoroso entre um branco (Cassi/feitor) e uma mulata (Clara). Na verdade, poderíamos ver o trecho da composição e Gonçalves Crespo como um prenúncio daquilo que ocorreria entre a filha de Joaquim dos Anjos e Cassi Jones. O narrador chama a atenção para a maneira como o personagem canta a modinha: Cantando, revirava os olhos e como que os deixava morrer. O cardeal de Retz diz, nas suas famosas Memórias, que Mme. de Montayon, ou uma outra qualquer duquesa, ficava mais bela quando os seus olhos morriam. Cassi talvez ficasse mais, se ele tivesse alguma beleza; entretanto, esse seu tic impressionava as damas (BARRETO, 1997, p. 64). A música de Cassi proporcionou um forte prazer artístico na aniversariante, levando-a à perpétua felicidade, de satisfação, de alegria, de amor, a ponto de quase ela suspender, quando as ouvia, a vida, ficar num êxtase místico, absorvida totalmente nas palavras sonoras da trova [...](BARRETO, 1997, p. 65). Cassi foi interrompido 23 Cheio de vida. por Praxedes e Marramaque, que recitaram poemas. O violeiro, nesse momento, antipatizou-se com a figura do padrinho de Clara pensando: Este pobre-diabo me paga (BARRETO, 1997, p. 68). Cassi saiu. A festa ainda durou algumas horas. Clara se retirou para dormir. Joaquim e a mulher ficaram na sala conversando sobre o comportamento do violeiro. Não queriam mais um devasso dentro daquela casa. Clara estava deitada no quarto, havia ouvido toda a conversa e pôs-se em silêncio a chorar. A educação recebida pela menina no seio familiar teve inúmeras consequências negativas para a sua formação enquanto adulta. A mãe Engrácia foi incapaz de transmitir à filha o que é verdadeiramente educação (BARRETO, 1997, p. 71). A mãe não soube apontar, comentar com exemplos e fatos, que iluminassem a consciência da filha, reforçassem-lhe o caráter, de forma que ela mesma pudesse resistir aos perigos que corria (1997, p.71). Dessa maneira, era resguardada no ambiente doméstico, de onde só saía aos domingos para ir ao cinema no Méier ou no Engenho de Dentro, sempre acompanhada por uma vizinha, dona Margarida, ou pela professora de costura. Segundo o narrador, todo o posicionamento frágil de Clara é atribuído à mãe, que não a ajudou a compreender as relações humanas e a saber conhecer e se livrar dos perigos do mundo: Enganava-se com a eficiência dela; porque, reclusa, sem convivência, sem relações, a filha não podia adquirir uma pequena experiência da vida e notícia das abjeções de que está cheia, como também a sua pequenina alma de mulher, por demais comprimida, havia de se extravasar em sonhos, em sonhos de amor, de um amor extra-real, com estranhas reações físicas e psíquicas (BARRETO, 1997, p. 72). Além da frágil educação recebida no interior, o narrador aponta outro aspecto que também moldou negativamente o caráter da filha de Joaquim, isto é, a modinha. Todos ao redor da menina admiravam esse gênero musical: Acresce, ainda, que era geral em sua casa o gosto de modinhas. Sua mãe gostava, seu pai e seu padrinho também. Quase sempre havia sessões de modinhas e violão na sua residência. Esse gosto é contagioso e encontrava, no estado sentimental e moral de Clara, terreno propício para propagar-se. As modinhas falam muito de amor, algumas delas são lúbricas até; e ela, aos poucos, foi organizando uma teoria do amor, com os descantes do pai e de seus amigos. O amor tudo pode, para ele não há obstáculos de raça, de fortuna, de condição; ele vence, com ou sem pretor, zomba da Igreja e da Fortuna, e o estado amoroso é a maior delícia da nossa existência, que se deve procurar gozá-lo e sofrê-lo, seja como for. O martírio até dá-lhe mais requinte... (BARRETO, 1997, p. 72). A conduta da mãe e do pai para com a filha e a apreciação das modinhas tiveram reações negativas no caráter de Clara, deixando-a incapaz de compreender por si mesma as adversidades do mundo. Assim, a menina torna-se uma presa frágil para o malandro Cassi, sujeito experiente no campo amoroso. Na aproximação entre os dois, Clara dos Anjos já não era capaz de julgar, entre todas as informações que obtinha de Cassi, o que era falso ou verdadeiro. Para ela, tudo não passava de um jogo de inveja dos méritos do rapaz. Alguns questionamentos, em seu limitado contingente de experiência acabaram sendo levantados, porém sempre eram concluídos de maneira positiva: Uma dúvida lhe veio; ele era branco; e ela, mulata. Mas que tinha isso? Havia tantos casos... Lembra-se de alguns... E ela estava tão convencida de haver uma paixão sincera no valdevinos, que, ao fazer esse inquérito, já recolhida, ofegava, suspirava, chorava; e os seus seios duros quase estouravam de virgindade e ansiedade de amar (BARRETO, 1997, p. 73). Cassi tentou uma nova aproximação com a família de Joaquim, a qual não lhe recebeu como na primeira vez. Clara, ao saber do episódio, ficou aborrecida, cheia de desgostos para com o pai e a mãe. O tratamento recebido na casa do carteiro fizera Cassi meditar sobre os possíveis obstáculos que se opunham à sua aproximação de Clara. Pensou em duas pessoas que estariam lhe atrapalhando, Dona Margarida ou o aleijado (Marramaque). O malandro pensou em ir a procura de Lafões, o qual poderia dar-lhe algum informação útil sobre o seu caso. Enquanto Cassi se dirige à 13

14 casa do amigo, o narrador aproveita para descrever um pouco mais o subúrbio carioca sob uma ácida ótica: O caminho era então pitoresco, não só pelos restos de capoeira grossa que ainda havia, mas também pelas casas roceiras de varanda e pequenas janelas de outros tempos. Caminho de "tropa", talvez, os engenheiros da Light só se deram ao trabalho de fazer sumários nivelamentos. Os altos e baixos, os atoleiros e atascadeiros, consolidados com gravetos e varreduras de capinas, transformaram o caminho do bonde, naquele trecho, numa montanha-russa, com a lembrança, de um lado e outro, do espetáculo do que seriam ou do que são os caminhos do nosso interior, pelos quais nos chegam os cereais e a carne que comemos (BARRETO, 1997, p. 83). Clara dos Anjos é uma das obras mais emblemáticas sobre os subúrbios cariocas, e foi a primeira narrativa totalmente ambientada às margens dos trens da Central. Para a estudiosa Lúcia Miguel Pereira, o romance Clara dos Anjos trata-se do mais suburbano, o único rigorosamente suburbano dos romances desse grande escritor que quis ser e foi o cronista de seus muitos amados subúrbios (PEREIRA, 1948, 49-50). Inúmeros trabalhos feitos sobre Clara dos Anjos ressaltam a maneira como os subúrbios são descritos e retratados por Lima Barreto. Quase sempre essas descrições expressam ironicamente a opulência da metrópole reformada e o abandono dos subúrbios semirrurais e semiurbanos, em condição de subalternidade. Essa condição bem pode ser verificada no seguinte trecho: O Rio de Janeiro, que tem, na fronte, na parte anterior, um tão lindo diadema de montanhas e árvores, não consegue fazê-lo coroa a cingi-lo todo em roda. A parte posterior, como se vê, não chega a ser um neobarbante que prenda dignamente o diadema que lhe cinge a testa olímpica... (BARRETO, 1997, p. 98). No romance, temos uma visão panorâmica do subúrbio, a qual abrange desde os falsos aristocratas do lugar militares, pequenos proprietários e funcionários públicos e o estrato mais baixo da sociedade pequenos funcionários do governo, costureiras, golpistas, dentre outros. O subúrbio é representado como uma espécie de refúgio dos infelizes, é visto como um desterro, um não lugar, o qual aos poucos se sedimenta na consciência e na experiência dos que nele habitam. O próprio Joaquim dos Anjos viu no lugar uma espécie de asilo para a sua estada no Rio de Janeiro. Diferentemente da casa de Joaquim dos Anjos, na residência de Lafões, o tratamento dado a Cassi fora outro. O violeiro articulou uma visita com um falso intuito de emprego ( -Disseram-me que, no seu escritório, o inspetor está admitindo escreventes, para não sei que serviço extraordinário. BARRETO, 1997, p. 85). No lugar, por intermédio da filha de Lafões, a Edméia, Cassi escutou o que desejava: Agora mesmo, tivera a confirmação dessa suspeita com a ingênua denúncia de Edméia, a filha de Lafões, de que Marramaque, padrinho de Clara, não gostava dele. Era, portanto, prevenir-se contra as intrigas do aleijado e arredá-lo de vez (BARRETO, 1997, p. 88). Diante disso, Cassi pediu para Arnaldo ir à venda de seu Nascimento a fim de obter alguma confirmação da suspeita do violeiro acerca de Marramaque. No lugar, o malandro do grupo de Cassi teve a confirmação que desejava de que realmente o velho aleijado insistentemente criticava a conduta do violeiro em todos os lugares onde estivesse. Na estação de trem, Cassi encontrou com o advogado Praxedes, o qual lhe deu uma importante informação: Clara dos Anjos fazia um tratamento dentário com o doutor Meneses. Cassi procurou o dentista e lhe propôs que arranjasse uns versos do poeta Leonardo Flores. Subentendia que o malandro iria usá-los como uma modinha, porém no fundo Cassi sabia que o poeta não aceitaria esse tipo de negociação. Quando tivesse a negativa do literato, articularia o seu verdadeiro plano. O malandro pagou por isso entregando, no ato, certa quantia a Meneses. Com isso, o dentista dirigiu-se à casa do poeta amigo. O diálogo entre Meneses e Flores não se deu como o visitante esperava. O poeta se recusou veementemente a fazer versos por encomenda. No romance, Flores é colocado como um grande escritor, embora entregue ao alcoolismo que parece corrompê-lo de maneira inexorável. Esse artista é igualmente um refugiado do subúrbio, tivera seu momento de celebridade no passado, com influência sobre a geração de literatos posterior à sua. Para alguns estudiosos, Flores seria uma espécie de alter ego de Lima Barreto, o qual também fora vitimado pelo álcool. Não muito raro seria vê-lo vagando pelas ruas de Todos os Santos, ou mesmo quando passava pelo delírio da bebida despia-se todo, como o personagem Leonardo Flores: gritando heroicamente numa doentia e vaidosa manifestação de personalidade: Eu sou Leonardo Flores (BARRETO, 1997, p. 113). Outra analogia feita a Lima Barreto se dá quando o poeta diz Nasci pobre, nasci mulato (BARRETO, 1997, p. 114), ou mesmo em suas utópicas considerações sobre a incorruptível ligação com a arte: O quê? fez indignado Flores, erguendo-se, num só e rápido movimento, da cadeira, e deixando a xícara sobre a mesa. Pois tu não sabes quem sou eu, quem é Leonardo Flores? Pois tu não sabes que a poesia para mim é a minha dor e é a minha alegria, é a minha própria vida? Pois tu não sabes que tenho sofrido tudo, dores, humilhações, vexames, para atingir o meu ideal? Pois tu não sabes que abandonei todas as honrarias da vida, não dei o conforto que minha mulher merecia, não eduquei convenientemente meus filhos, unicamente para não desviar dos meus propósitos artísticos? Nasci pobre, nasci mulato, tive uma instrução rudimentar, sozinho completei-a conforme pude; dia e noite lia e relia versos e autores; dia e noite procurava na rudeza aparente das coisas achar a ordem oculta que as ligava, o pensamento que as unia; o perfume à cor, o som aos anseios de mudez de minha alma; a luz à alegoria dos pássaros pela manhã; o crepúsculo ao cicio melancólico das cigarras tudo isto eu fiz com sacrifícios de coisas mais proveitosas, não pensando em fortuna, em posição, em respeitabilidade. Humilharam-me, ridicularizaram-me, e eu, que sou homem de combate, tudo sofri resignadamente. Meu nome afinal soou, correu todo este Brasil ingrato e mesquinho; e eu fiquei cada vez mais pobre, a viver de uma aposentadoria miserável, com a cabeça cheia de imagens de ouro e a alma iluminada pela luz imaterial dos espaços celestes. O fulgor do meu ideal me cegou; a vida, quando não me fosse traduzida em poesia, aborrecia-me. Pairei sempre no ideal; e se este me rebaixou aos olhos dos homens, por não compreender certos atos desarticulados da minha existência; entretanto, elevou-me aos meus próprios, perante a minha consciência, porque cumpri o meu dever, executei a minha missão: fui poeta! Para isto, fiz todo o sacrifício. A Arte só ama a quem a ama inteiramente, só e unicamente; e eu precisava amá-la, porque ela representava, não só a minha Redenção, mas toda a dos meus irmãos, na mesma dor. Louco?! Haverá cabeça cujo maquinismo impunemente possa resistir a tão inesperados embates, a tão fortes conflitos, a colisões com o meio tão bruscas e imprevistas? Haverá? (BARRETO, 1997, p ). Leonardo Flores vive em função do seu ideal estético, todo o seu esforço é válido para se atingir a construção de um texto poético nas condições idealizadas por ele. O artista abriu mão de quase tudo para viver a sua arte e, com isso, ele lê a vida por meio da ótica da poesia. O pedido do dentista fora recusado por meio de um inflamado discurso sobre sua vida de resignação, sobre o amor pela poesia. O discurso de Flores nos permite associá-lo a um pensamento romântico no que se refere à arte, visto a defesa cujo artista lança utopicamente. O poeta recusa a sua inserção em qualquer ordem econômica e, em consequência disso, vive sacrificadamente de ideias e sonhos. Portanto, Flores é mais um sujeito dos subúrbios marcado pelo deslocamento social. Dias depois, Cassi procurou Meneses para buscar os versos encomendados: Não; estava bom. Como já lhe disse em certa ocasião, Flores é por demais orgulhoso, quando se trata de versos dele; e, ao falarlhe no "negócio", deitou-me um discurso enorme, dizendo que era isto e aquilo, tinha feito tais e quais coisas e, por fim, que não vendia versos. Nem dados? Não lhe propus; mas estou certo que não daria. Pelo que disse, os versos que lhe saíam da cachola eram dele e só dele. E com quem arranjou? Fi-los, eu mesmo. Não serão... Vamos ver, doutor (BARRETO, 1997, p. 125). 14

15 Na falta dos versos do poeta maior, Meneses escreveu de próprio punho os seus: A minha Querida pena Nas grades de uma prisão, Mas o Amor lhe ordena Sossego no coração (BARRETO, 1997, p. 125). A temática do poema é o amor, tema universal bastante aceito naquele momento, elemento influenciador das almas femininas. Cassi ficou insatisfeito com a produção do dentista, logo conseguiu articular uma nova maneira de estabelecer contato com Clara: necessário era encontrar alguém que fizesse modinhas. Ingenuamente, Meneses disse que Joaquim talvez servisse. Cassi pediu ao dentista que levasse uma carta à Clara, pedindo a ela que falasse com o pai, pois assim talvez ele escrevesse uma modinha para o violeiro. Dessa maneira, Meneses tornou-se o porta voz de Cassi dentro da residência de Joaquim dos Anjos. No princípio, Meneses teve um leve sentimento de culpa, deu-lhe vontade de rasgar o dinheiro dado por Cassi, mas a sua condição financeira acabou lhe obrigando a sujeitar-se ao pedido do malandro ( [...] mas já estava sem força moral, temia tudo, temia o menor sopro, o mais inocente farfalhar de uma árvore. [...] Que hei de fazer? As coisas me levaram a isso e... BARRETO, 1997, p ). Cassi leu a carta e a entregou a Meneses. O dentista ambulante, insatisfeito com a sua condição diante da carta, procurou durante todo o dia beber o bastante para perder o discernimento, procurou todos os meios de esquecer o acordo feito com o violeiro. A presença de Cassi desencadeou uma profunda crise no interior de Meneses, o qual procurava acalmar a alma com doses elevadas de bebida. O dentista havia se deixado levar pelos caprichos de sua miséria, agora mais do que nunca se sentia humilhado. A carta chegou às mãos de Clara. Cassi, no outro dia, já tinha uma resposta da virgem. Meneses não esperava mais o violeiro oferecer-lhe dinheiro, simplesmente pedia-o. No início, Cassi satisfazia inteiramente os pedidos, depois, fazia-o pela metade, por fim, dizia não ter dinheiro e se recusava a dar. Enquanto isso, Meneses desempenhava o indigno papel. Não se julgava mais um homem. Clara recebia as cartas com uma emoção de quem recebe mensagens divinas (BARRETO, 1997, p. 129). O encantamento da moça impedia que ela ouvisse qualquer crítica ao violeiro. Para ela, ele era o modelo do cavalheirismo e da lealdade (BARRETO, 1997, p. 129). O comportamento de Clara não era o mesmo, o seu humor oscilava da alegria ao choro sem nenhuma razão específica, o casal não sabia da aproximação entre a filha e o violeiro. Engrácia, vendo o estranho comportamento da filha, logo avisou o marido: É verdade, Engrácia. Essa menina tem alguma coisa... Antigamente, as suas cópias de música eram limpas e certas; agora, não. Vêm cheias de raspagens, erradas, borradas... Que terá ela? Vou levá-la a um médico que achas? (BARRETO, 1997, p. 129). O pai levou a filha ao médico, que lhe receitou remédios mesmo sem que ela tivesse alguma enfermidade. Certo dia, Clara saiu com a alemã, Dona Margarida, e pôs-se em confissão, contoulhe a origem de seus temores. A vizinha se colocou contrariamente ao violeiro. Clara contra-argumentou dizendo: Ele confessa que está arrependido do que fez, e agora quer se empregar e casar-se comigo (BARRETO, 1997, p. 130). Margarida procurou a mãe da jovem e contou-lhe a origem dos transtornos psicológicos da menina. Joaquim também soube do caso da filha. O carteiro expôs tudo ao amigo Marramaque, que se colocou veementemente contra Cassi. Clara ouviu todo o relato do pai ao aleijado e, no outro dia, sob o pretexto de copiar uma música, escreveu uma grande carta narrando todos os últimos ocorridos em sua casa. Cassi Jones não perdeu tempo e tratou de executar a morte daquele que se colocava como um obstáculo para o seu plano. De noite, ao sair da venda do seu Nascimento, Marramaque sucumbiu às pauladas de dois sujeitos, caiu sem fala sobre um lado. Malharam-no ainda com toda a força e raiva, sem dó nem piedade; e fugiram, quando lhes pareceu momento azado (BARRETO, 1997, p. 134). No dia seguinte, as pessoas que passavam na rua viram o sujeito aleijado morto no chão: E, assim, morreu o pobre e corajoso Antônio da Silva Marramaque, que, aos dezoito anos, no fundo de um "armazém" da roça, sonhara as glórias de Casimiro de Abreu e acabara contínuo de secretaria, e assassinado, devido à grandeza do seu caráter e à sua coragem moral. Não fez versos ou os fez maus; mas, ao seu jeito, foi um herói e um poeta... Que Deus o recompense! (BARRETO, 1997, p. 134). Marramaque, diferentemente de Joaquim dos Anjos, não se alienava diante das situações que lhe desagradavam, o velho aleijado foi capaz de ver Cassi por inúmeros ângulos, era uma espécie de caçador voraz dos casos horrendos do malandro. Afrontou paulatinamente Cassi, procurando destruir a imagem do malandro, no interior da família de Clara. As críticas vorazes de Marramaque abalaram o malandro, que temia o velho não somente em função das pretensões para com a moça, mas por ser alguém que dialoga com a imagem do malandro diferentemente da maneira com que ele gostaria de ser lido. Em outras palavras, Cassi se irrita por Marramaque não aceitar a versão de si que ele oferecia (GUEDES, 2005, p. 104). O assassinato de Marramaque mexeu com toda a imaginação da cidade, não houve nenhuma pista e nem mesmo suspeito para o fato. A vítima não era rica, não trazia consigo algum valor. No sábado, à noite, antes de ser assassinado, Marramque, na venda de seu Nascimento, explicou a todos a expressão ovo de Colombo : Muito simplesmente, Meneses. Vou contar a história como a li: "Num banquete, procuravam os nobres de Espanha rebaixar o mérito da descoberta de Colombo, e dizia um: 'As Índias já lá estavam e, se o senhor não as descobrisse, qualquer um outro as descobriria'. Colombo, sem responder, pediu um ovo; trouxeram-lhe e ele desafiou a que alguém o pusesse de pé, 'Impossível!' bradaram. Então, o navegador tomou o ovo, bateu com ele, quebrando ligeiramente a mais rombuda das extremidades, e fêlo ficar de pé. 'Ora, isto também eu faria!...' replicaram. 'Sim, depois que me viram fazer. É simples, mas é preciso pensar no caso, e achar o meio"'. Está ai como foi a coisa. Não tem nada de gravidade, nem de rotação, nem de translação, nem de constelação, nem de repulsão nada tem em "ão", Meneses! (BARRETO, 1997, p. 137). Todos riram da explicação dada por Marramaque, mas mal sabiam que o assassinato do homem também seria uma espécie de ovo de Colombo. A expressão é uma metáfora famosa da cultura italiana narrada por toda a Espanha para referir-se a soluções muito difíceis, porém quando reveladas mostram-se óbvias. Se as pessoas do convívio de Marramaque pensassem um pouco sobre a sua condição de crítico voraz de Cassi, logo descobririam que o caso estava mais próximo do esclarecimento do que todos imaginavam. Portanto, a alusão feita a um episódio da cultura italiana pode ser vista como uma metáfora do caso, aparentemente obscuro, de Marramaque, pois uma vez revelado, todos pensariam ser lógico que a vítima tivera sido morta por Cassi, visto que este via naquele uma barreira intransponível para os seus planos. Efetivamente, apenas duas pessoas podiam colocar as autoridades na pista verdadeira: eram Clara e Meneses. Cassi, atônito com a morte de Marramaque, prevendo uma cartada final em seu caso com Clara, vendeu os galos que serviriam como certa quantia financeira em mãos. O violeiro já temia as consequências do desfecho de sua relação com a filha do carteiro. Clara, dias depois do seu encontro às escondidas com Cassi, meio debruçada na janela do seu quarto, de madrugada, observava o céu estrelado. Não sabia ao certo o nome das joias expostas no céu, das quais apenas distinguia o Cruzeiro do Sul: Voltou ao Cruzeiro, em cujas proximidades, pela primeira vez, reparou que havia uma mancha negra, de um negro profundo e homogêneo de carvão vegetal. Perguntou de si para si: Então, no céu, também se encontram manchas? (BARRETO, 1997, p. 152). A filha de Joaquim, ao observar o céu e sua imperfeição representada pelas machas escuras, parece perceber ali a própria alegoria daquilo que ela deixava de ser, isto é, agora ela não era a menina virgem, pura e protegida pela família. A sua condição 15

16 intocada é algo tão distante como as estrelas inacessíveis que ela observa no céu. O seu envolvimento com Cassi manchara para sempre a existência de Clara dos Anjos. Dessa maneira, veio-lhe então perguntar a si mesma como se entregou. Como foi que ela se deixou perder definitivamente? (BARRETO, 1997, p. 152). A menina analisava todas as etapas que passou até chegar à fatídica noite em que perdeu a sua virgindade. Cassi, habilmente conseguira envolver a moça, ganhara sua confiança aproveitando-se do despreparo da menina: Rememorando conversas e fatos, ela punha todo o esforço em analisar o sentimento, sem compreender o ato seu que permitiu Cassi penetrar no seu quarto, alta noite, sob o pretexto de que precisava se abrigar da chuva torrencial prestes a cair. Ela não sabia decompô-lo, não sabia compreendê-lo. Lembrando-se, parecia-lhe que, no momento, lhe dera não sei que torpor de vontade, de ânimo, como que ela deixou de ser ela mesma, para ser uma coisa, uma boneca nas mãos dele. Cerrou-se-lhe uma neblina nos olhos, veiolhe um esquecimento de tudo, agruparam-se-lhe as lembranças e as recordações e toda ela se sentiu sair fora de si, ficar mais leve, aligeirada não sabia de quê; e, insensivelmente, sem brutalidade, nem violência de espécie alguma, ele a tomou para si, tomou a sua única riqueza, perdendo-a para toda a vida e vexando-a, dai em diante, perante todos, sem esperança de reabilitação. (BARRETO, 1997, p ) Sem usar da força, simplesmente com a esperteza de malandro, finalmente Cassi obteve o seu triunfo. Clara, em seu reduzido universo familiar, sem maiores expectativas de que o casamento representaria a solução de vários problemas, vê a sua virgindade transformar-se numa maneira de ingressar no universo dos brancos. Mesmo se sentindo menor diante do amante (branco), a jovem parece apostar na sua condição de virgem para tentar galgar os degraus de um mundo de valores brancos e burgueses, acreditando que Cassi seria o seu marido. Vale dizer que este representa os valores da metrópole higienizada e embranquecida, segundo a ótica europeia, condição essa que procura apagar a nódoa (mancha como a própria moça se refere) de sua etnia. A filha de Joaquim ainda permaneceu na janela por um tempo, acreditava que Cassi viria vê-la, porém conclui: Ele não vinha; os galos começaram a cantar (BARRETO, 1997, p. 155). Ainda ouviu ao longe os galos cantando, ave bastante associada a Cassi ao longo do texto, uma vez que o moço os criava para vender aos apostadores da rinha. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2006), o galo é conhecido como o emblema da altivez, arrogância, orgulho, soberba, traços que podem ser vinculados ao malandro da narrativa. Antes de dormir, Clara ainda olhou para o céu e novamente constatou: lá estava a indelével mancha de carvão (1997, p. 155). O único que ainda frequentava a casa de Joaquim dos Anjos era Meneses, que procurava fugir de todas as conversas, temia falar sobre Cassi Jones. O dentista sofria com um sentimento de culpa por ter favorecido o violeiro em seu caso com Clara. Meneses passou a frequentar diariamente a casa de Leonardo Flores, que dizia ao outro: - Só tu me procuras, Meneses! Os outros me abandonaram... Ah! A Poesia! Ela me tem dado bons momentos, mas me fez ir longe demais no meu grande serviço... (BARRETO, 1997, p. 157). Certo dia, Flores convidou Meneses para gozarem o prazer de um crepúsculo. A contragosto, o dentista saiu com o poeta, isso se dera em virtude do pedido de Dona Castorina, a esposa de Flores, a qual não gostava de ver o marido andando sozinho, pois temia os exageros dele. Meneses caminhava com muita dificuldade, com isso pediu a Flores para sentar um pouco. Sentaram distantes da rua, próximos de uma moita. O dentista não se demorou muito tempo sentado, deitou-se logo e ambos dormiram na relva. No outro dia: Leonardo, já dia adiantado, veio a despertar naquele capinzal, atordoado, zonzo; e, ao dar com Meneses ao lado, procurou acordálo. Foi em vão; o velho estava morto. Um colapso cardíaco o tinha levado. Percebendo que o amigo tinha morrido, Leonardo ergueu-se, tirou-lhe o chapéu de perto da cabeça, pôs-lhe o rosto bem à mostra, com as suas brancas barbas veneráveis, e começou a exclamar: Sol! Sol glorioso das auroras e das ressurreições! Sol divino que conténs todos nós, homens e plantas, bestas e gênios, insetos e vampiros, lesmas e belezas! Sol que tudo fecundas e transformas! Vem tu ó Sol! beijar esta augusta cabeça de imperador (apontava para Meneses hirto) que vai para sempre mergulhar na treva e só te verá de novo, quando for árvore, quando for arbusto, quando for pássaro e quando de novo voltar a ser homem. Beija-o ainda mais uma vez! Beija-o, porque ele te amou e muitas vezes voou para os espaços sidéreos, desejoso de ver o teu fulgor e morrer por tê-lo visto (BARRETO, 1997, p ). Praxedes, advogado amigo de Joaquim dos Anjos, possuía o hábito de frequentar cedo a delegacia, lá encontrou Leonardo Flores e tomou conhecimento da morte de Meneses. O advogado avisou à família de Joaquim. Na ocasião referiu-se a Cassi, disse que o malandro estava para São Paulo. Clara, ao ouvi-lo, logo se trancou no quarto para chorar, somente agora a moça percebera quem era o tal Cassi (BARRETO, 1997, p. 162). Ao se perguntar sobre os motivos que o tinham levado a fazer aquilo com ela, Clara respondia: porque era pobre e, além de pobre, mulata (BARRETO, 1997, p. 162). A conclusão da moça remete novamente à epígrafe do romance, isto é, as mulatas naquele contexto serviam para atender os caprichos sexuais dos brancos. Talvez por isso o verdadeiro pavor da mãe de Cassi ao imaginar o envolvimento do filho com uma mulata, visto que, no Brasil, os mestiços vivem sob o código da estigmatização. Grávida e sozinha, Clara dos Anjos pensou no aborto. Assim, elaborou alguns projetos, queria livrar-se do sofrimento. Dirigiu-se à casa de dona Margarida e pediu dinheiro à senhora, disse que seria para comprar um presente para aniversário da mãe. A vizinha logo duvidou de Clara e pediu a moça para contar-lhe a verdade. A filha do carteiro revelou tudo. Margarida ordenou: - Vamos falar à sua mãe (BARRETO, 1997, p. 167). Dona Engrácia quando compreendeu a gravidade do fato, desesperou-se: - Mas, Clara!... Clara, minha filha!... Meu Deus, meu Deus! (BARRETO, 1997, p. 167). As três mulheres se dirigiram à casa de Cassi Jones. A mãe de Clara e Dona Margarida estavam bem vestidas, nada denunciava o que as trazia ali. A vizinha de Joaquim relatou o caso com objetividade. A mãe de Cassi indagou: O que a senhora quer que eu faça? (BARRETO, 1997, p. 169). Clara respondeu dizendo que era para ele casar-se com ela. E a partir de então a conversa ganhou o tom de ofensas étnicas: - Que é que você diz, sua negra? (BARRETO, 1997, p. 169). A situação se agravou com a presença de Catarina, Irene e Azevedo. Quando o pai de Cassi apareceu na casa, Clara se ajoelhou à frente do homem e pediu compaixão para com a sua dor. O velho Azevedo respondeu: Minha filha, eu não te posso fazer nada. Não tenho nenhuma espécie de autoridade sobre "ele"... Já o amaldiçoei... Demais, "ele" fugiu e eu já esperava que essa fuga fosse para esconder mais alguma das suas ignóbeis perversidades... Tu, minha filha, te ajoelhaste diante de mim ainda agora. Era eu que devia ajoelhar-me diante de ti, para te pedir perdão por ter dado vida a esse bandido que é o meu filho... Eu, como pai, não o perdoo; mas peço que Deus me perdoe o crime de ser pai de tão horrível homem... Minha filha, tem dó de mim, deste pobre velho, deste amargurado pai, que há dez anos sofre as ignomínias que meu filho espalha por aí, mais do que ele... Não te posso fazer nada... Perdoa-me, minha filha! Cria teu filho e me procura se... Não acabou a frase. A voz sumiu-se; ele descaiu o corpo sobre a cadeira e os olhos se foram tornando inchados. (BARRETO, 1997, p. 171). As três senhoras saíram desoladas da casa de Cassi Jones. Na rua, Clara pensou em tudo aquilo que viveu e somente agora teve a noção exata da sua situação na sociedade. Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres de solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se convencer de que ela não era uma moça como as outras; era muito menos no conceito de todos (BARRETO, 1997, p. 171). 16

17 Chegaram em casa, Joaquim ainda não tinha retornado. Mais tarde, Margarida relatou a entrevista com a mãe de Cassi ao carteiro. Em certo momento, Clara abraçou fortemente a sua mãe e disse: - Nós não somos nada nesta vida (BARRETO, 1997, p. 172). Após refletir sobre a sua condição social (mulher mestiça numa sociedade excludente), conclui que ninguém se importaria com o sofrimento de uma mulatinha, filha de um carteiro (BARRETO, 1997, p. 74). O sofrimento individual de Clara transcende a uma condição particular, na verdade, representa todo um processo de reificação sobre o qual os negros e mestiços viviam no Brasil. A sociedade procurava colocá-los numa condição de inferioridade étnica a todo custo, talvez por isso a fala absolutamente violenta da Dona Salustiana: - Que é você diz, sua negra? (BARRETO, 1997, p. 169), isso seria uma forma de se opor ao grupo de Clara, julgava-se superior aos negros. Entre os inúmeros problemas pertencentes à sociedade brasileira que circulam na obra de Lima Barreto, aqueles sobre a etnia negra na sociedade ocupam um espaço significativo. A culpa da sedução de Clara dos Anjos pelo malandro, temática central do texto, é atribuída, em parte, pelo narrador no final do livro à educação que a família dá à moça e, em parte, à ordem social que ratifica a relação entre homem branco e as mulheres negras e mestiças: A educação que recebera, de mimos e vigilâncias, era errônea. Ela devia ter aprendido da boca dos seus pais que a sua honestidade de moça e de mulher tinha todos por inimigos, mas isto ao vivo, com exemplos, claramente... [...] O que era preciso, tanto a ela como às suas iguais, era educar o caráter, revestir-se de vontade, como possuía essa varonil Dona Margarida, para se defender de Cassis e semelhantes, e bater-se contra todos os que se opusessem, por este ou aquele modo, contra a elevação dela, social e moralmente. Nada a fazia inferior às outras, senão o conceito geral e a covardia com que elas o admitiam... (BARRETO, 1997, p. 171). Dona Margarida, senhora teuto-eslava, ao longo do livro tem caráter exaltado pelo narrador, visto a força que ela apresenta ao longo das páginas. Essa mulher enfrentou inúmeros problemas com forte alicerce moral. Ela apresenta apenas três condições de inferioridade social para aquele momento: mulher, suburbana e viúva, logo sozinha em uma sociedade que limita a ação dessa parcela da população. Porém, a sua condição étnica e experiência contribuem para que ela se defenda e não tema as diferenças impostas ao seu gênero e cor. Diferentemente, os negros e mestiços se colocavam de certa maneira resignados diante das opressões dos brancos, para compreender isso, basta observar os dez anos de malandragem de Cassi. Quantas mestiças e negras foram abusadas por ele? Quantas tiveram a altivez de procurar meios legais ou não para minimizar os problemas realizados pelo homem? PERSONAGENS: Joaquim dos Anjos: funcionário público, mineiro, o qual mudou-se para o Rio de Janeiro para tentar uma nova vida por intermédio de um engenheiro. Em sua terra natal, nos arredores de Diamantina, aprendera a tocar flauta. Fazia polcas, chegou a ter uma de suas letras vendidas por cinquenta mil-réis. O traço mais importante desse personagem é a confiança depositada nas pessoas. É o pai da protagonista do romance, Clara dos Anjos. O carteiro é um homem pacato de origem humilde, não gostava de ler jornais, não se informava do que acontecia em sua cidade, acreditava na bondade das outras pessoas. Tudo isso nos mostra a sua incapacidade de inserir-se na ordem do arrivismo e da malandragem. Nele, vemos a inaptidão para defender a família, sobretudo a filha, Clara dos Anjos. Engrácia: Esposa de Joaquim dos Anjos e, portanto, mãe de Clara. Ofereceu à filha precárias condições para que ela pudesse ter a sua própria autonomia. Em ambas estão traços da situação das mulheres negras e mestiças na sociedade carioca, a vida e o destino das duas assemelham-se. As duas possuem um perfil apático, condição reveladora da nulidade de ações e decisões da mulher negra na estrutura social, assunto também bastante presente nos textos de Lima Barreto. A mãe de Clara era uma mulher de personalidade fraca para a tomada de certas atitudes. Embora tenha sido firme com o marido ao proibir a entrada do violeiro em sua casa, não sabia tomar decisões diante dos problemas que surgiam. A sua vida era restrita ao lar, evitava o máximo sair de casa, só o fazia duas vezes por ano a fim de cumprir tarefas religiosas relacionadas ao catolicismo. Clara dos Anjos: Jovem de dezessete anos, era ingênua, criada com muito desvelo, recato e carinho. Essa personagem apresenta uma personalidade bastante frágil, o que pode ser visto como resultado de sua educação reclusa regrada à modinha. Seguindo os princípios da mãe e do pai, não possuía quase nenhuma ambição, exceto quando desejou envolver-se afetivamente com Cassi. Esse é um dos poucos momentos em que apresentou uma postura mais enérgica, embora sob a dominação do branco Cassi. A sua conduta revela os malefícios de uma formação branca, machista, superprotetora e limitadora destinada às mulheres em nossa sociedade. Antônio da Silva Marramaque: compadre de Joaquim dos Anjos. Eraum contínuo do ministério, embora não fizesse o serviço respectivo, nem outro qualquer, devido ao seu estado de invalidez de semialeijado e semiparalítico do lado esquerdo. Pertenceu a uma modesta roda de boêmios literatos que discutiam poesia e política. Eduardo Lafões: Originário de Portugal, no Rio de Janeiro trabalhava na repartição de água da cidade. Todos os domingos se dirigia à casa de Joaquim para jogar solo. Aprendeu a dar valor aos homens em função das roupas usadas e grau de parentesco. É o maior responsável pela aproximação entre Clara e Cassi, uma vez que propôs convidar o violeiro para tocar na casa de Joaquim no dia do aniversário de Clara. Cassi Jones: É um malandro carioca. É duramente criticado ao longo do romance pelo padrinho de Clara, Marramaque. Além deste, o narrador também não poupa as suas farpas para criticar esse sujeito: Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e, conquanto fosse conhecido como consumado "modinhoso", além de o ser também por outras façanhas verdadeiramente ignóbeis, não tinha as melenas do virtuose do violão, nem outro qualquer traço de capadócio, vestiase seriamente, segundo as modas da rua do Ouvidor; mas, pelo apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo "Brandão", das margens da Central, que lhe talhava as roupas. A única pelintragem, adequada ao seu mister, que apresentava, consistia em trazer o cabelo ensopado de óleo e repartido no alto da cabeça, dividido muito exatamente ao meio a famosa "pastinha". Não usava topete, nem bigode. O calçado era conforme a moda, mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as damas com o seu irresistível violão (BARRETO, 1997, p. 33). Cassi é um malandro perigoso, matou Marramaque e possuía inúmeros problemas com a justiça. Sempre que era preso, conseguia livrar-se por intermédio de sua mãe, que usava os benefícios de classe e cor. Cassi é a antítese de Clara, ou seja, é branco, sedutor, esperto, malandro. Manuel Borges: Pai de Cassi: É um sujeito reto, coloca se arduamente contra os projetos do filho, expulsando-o de casa algumas vezes. Desde criança, lutou para oferecer uma educação sólida para o filho, que se esquivava de qualquer conduta séria. Salustiana Baeta: Mãe de Cassi. Não encontrava no subúrbio, e talvez até no seu país, a sua identidade. Seu comportamento é marcado pela vaidade e pela arrogância, buscava se afastar e se diferenciar das pessoas de sua localidade. Dizia ser descendente do Lord Jones, cônsul da Inglaterra em Santa Catarina. As falas da mãe de Cassi expressam um processo de aculturação muito combatido por Lima Barreto. Catarina: Irmã de Cassi. Irene: Irmã de Cassi. Baeta Picanço: Tio de Cassi, médico que mora num sítio que serviu de abrigo ao malandro após mais um de seus crimes. Temia que mais um caso do sobrinho viesse a público no Rio de Janeiro. Conhecia a fama do sobrinho e logo o mandou ir embora de sua casa. Dona Margarida Weber Pestana: é amiga da família de Joaquim, veio para o Brasil na infância com o pai, havia nascido em Riga. Ela casou-se com um tipógrafo (Florêncio) que comia na pensão montada por ela, porém o sujeito morreu dois anos após o casamento, de tuberculose, deixando o filho Ezequiel. Quando o pai de Margarida morreu, a mulher vendeu a pensão e comprou uma 17

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