MÔNICA FERREIRA MAGALHÃES. MAQUIAGEM E PINTURA CORPORAL: uma análise semiótica

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS DOUTORADO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS MÔNICA FERREIRA MAGALHÃES MAQUIAGEM E PINTURA CORPORAL: uma análise semiótica NITERÓI 2010

2 Maquiagem e pintura corporal: uma análise semiótica por Mônica Ferreira Magalhães Tese apresentada à banca examinadora do Doutorado em Estudos Linguísticos como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor. Área de concentração: Discurso e Interação. Orientadora: Profª Drª Lucia Teixeira Niterói 2010

3 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá M188 Magalhães, Mônica Ferreira. Maquiagem e pintura corporal: uma análise semiótica / Mônica Ferreira Magalhães f. ; il. Orientador: Lucia Teixeira. Tese (Doutorado) Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, Bibliografia: f Linguagem corporal. 2. Semiótica. 3. Teatro. I. Teixeira, Lúcia. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Letras. III. Título. CDD

4 Mônica Ferreira Magalhães MAQUIAGEM E PINTURA CORPORAL: uma análise semiótica Tese apresentada à banca examinadora do Doutorado em Estudos Linguísticos como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor. Área de concentração: Discurso e Interação. Banca Examinadora Profª. Drª Lucia Teixeira (orientadora UFF) Profª. Drª Silvia Maria de Sousa (UFF) Profª. Drª Solange Coelho Vereza (UFF) Profª. Drª Regina Souza Gomes (UFRJ) Prof. Dr. Luciano Pires Maia (UNIRIO) Profª. Drª Lucia Helena de Freitas (UNIRIO - suplente) Prof. Dr. Guilherme Néry Atem (UFF suplente)

5 Para Eduardo Maya que acompanhou letra por letra, palavra por palavra... Fiel escudeiro, grande amor!

6 AGRADECIMENTOS Meus sinceros agradecimentos a Lucia Teixeira que me permitiu frequentar as minhas primeiras aulas de semiótica, ainda como ouvinte, e, generosamente, me apresentou a teoria que fundamentou a presente tese. Agradeço todos os empréstimos, todas as sugestões e todos os comentários que eram sempre aguardados ansiosamente. Agradeço a Maria Augusta Babo que com toda delicadeza e generosidade incluiu a semiótica do corpo em sua palestra sobre a assinatura na UFRJ (2009), além de me oferecer uma cópia da Revista de Comunicação e Linguagem. Ao grupo Amok teatro, em especial, a Ana Teixeira que, além de ter oferecido um espetáculo sensível e primoroso, cujas maquiagens fazem parte do corpus de análise neste trabalho, sempre atendeu prontamente a todas as minhas solicitações, facilitando o acesso às informações. Também agradeço ao Marcus Pina pela colaboração à minha pesquisa. A Jadranka Andjelick pelas indicações e consultas. Às professoras Renata Mancini e Maria Elizabeth Chaves de Mello pela leitura atenta e pelas sugestões no exame de qualificação. Ao SEDI, grupo de pesquisa em Semiótica e Discurso, em especial, Silvia Maria de Souza que, além da sugestão de leitura, me emprestou o Razões e Sensibilidades. Ao Ernani Maleta que ao me convidar para assistir ao belo Circo Místico do Voz & Companhia, me refrescou a memória com os poemas de Jorge de Lima. Aos colegas do Departamento de Interpretação e da Escola de Teatro da UNIRIO pela compreensão e incentivo. Especialmente agradeço ao Miguel Vellinho que generosamente ministrou as aulas de caracterização para que eu pudesse me dedicar integralmente à tese. A Natália Fiche por todos os livros de semiótica, ao Jorge de Carvalho que iluminou algumas ideias neste trabalho e ao Luciano Maia por todas as oportunidades. Ao Alexandre Nascimento que transpôs para DVD a fita de O Carrasco. Ao Eduardo Maya pelas leituras, pelas traduções, pelo companheirismo, por tudo. Aos meus pais, Rita e José, ao meu irmão, Marco, simplesmente por existirem em minha vida.

7 RESUMO Este trabalho trata a maquiagem como uma linguagem, constituída de um plano de expressão e um plano de conteúdo e concretizada em enunciados pintados sobre o rosto e/ou o corpo de um sujeito localizado historicamente num tempo e espaço definidos. Utiliza a base teórica da semiótica discursiva e propõe uma metodologia de análise que considera a função semiótica do corpo e a praxis enunciativa de diferentes formas de maquiagem e pintura corporal. São analisados os exemplos da maquiagem social, da pintura corporal e da maquiagem teatral, em seus aspectos discursivos e tensivos, a partir fundamentalmente dos conceitos propostos pelo semioticista Jacques Fontanille (2004, 2007). Observa que a maquiagem, como toda linguagem, cria códigos socialmente interpretáveis pelo hábito ou produz sentidos inesperados a partir da articulação que promove entre o sensível e o inteligível. Palavras chave: Maquiagem, pintura corporal, semiótica, teatro.

8 ABSTRACT This work treats the technique of make-up as a language, on the level of expression and the level of content and realised in texts painted on the face and/or the body of a person, historically situated in a specific time and space. It uses the theoretical base of discourse semiotics and proposes a methodology of analysis which takes in account the semiotic function of the body and the enunciation praxis of the various forms of make-up and body painting. The examples of social make-up, body painting and stage make-up are analyzed in their aspects discursive and tensive, starting from the concepts suggested by the professor of semiotics Jacques Fontanille (2004, 2007). It is observed that the make-up, like any language, creates codes socially interpretable by the customs or produces meanings unexpected from the expression that is created between the sensible and the intelligible. Key words: make-up, body painting, semiotics, theatre.

9 RÉSUMÉ Ce travail traite le maquillage comme une langage, constituée d'un plan d'expression et d un plan de contenu et concrétisée dans des énoncées peinté sur le visage et/ou le corps d'un sujets localisés historiquement dans un temps et un espace définis. On utilise la base théorique de la sémiotique discursive et propose une méthodologie d'analyse qui considère la fonction sémiotique du corps et la praxis énonciatifs de différentes formes de maquillage et peinture corporelle. Sont analysés les exemples de maquillage social, la peinture corporelle et maquillage théâtral, dans leurs aspects discursives et tensives, à partir fondamentalement des concepts proposés par le sémioticien Jacques Fontanille (2004, 2007). On observe que le maquillage, comme toute langage, crée des codes socialement interprétables par l'habitude ou produit des sens inattendus à partir de l'articulation qui promouvoir entre le sensible et de l'intelligible. Mots-clé : maquillage, peinture corporelle, sémiotique, théâtre.

10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ENUNCIADOS PINTADOS SOBRE O ROSTO OU O CORPO O CORPO SEMIÓTICO: DA HEXIS CORPORAL AO CORPO DO ACTANTE Presença do corpo do actante: a intensidade da carne e as extensões do corpo próprio Corpo: movimento e envelope Eu-pele: um envelope corporal semiótico DE ENVELOPE CORPORAL A OBJETO SEMIÓTICO ENVELOPE SEU OUTRO-PELE: SUPORTE SENSÍVEL PARA INSCRIÇÕES DE UM SUJEITO NO MUNDO ENTRE SUPERFÍCIE DE INSCRIÇÃO E SUPORTE DE ENUNCIAÇÕES Propriedades de base, funções e oscilação dos modos de presença dos envelopes corporais Propriedade de conexão: deformação do envelope ou pluralização do enunciado Propriedade de Compactação: o avesso do envelope corporal Propriedade de Filtro de seleção: projeção do próprio sobre o não próprio Propriedade da marca: instrumentalização das inscrições INSCRIÇÕES EFÊMERAS FASCÍNIO PERSUASIVO CONVOCATÓRIA MODAL E ASSOCIAÇÃO DE VALORES NA NARRATIVIDADE DA MAQUIAGEM Os valores semióticos PRÁXIS ENUNCIATIVA As grandezas e os modos de existência Maquiagem na tipologia das operações da práxis enunciativa

11 Objeto estético e semiótico em devir Revolução semiótica Distorção semiótica Remanejamento semiótico Flutuação semiótica NOVOS SENTIDOS PARA O CORPO: AS INSCRIÇÕES EFÊMERAS PARA OS PRIMITIVOS E PARA OS CONTEMPORÂNEOS O CORPO ESTÉTICO, A CONSTRUÇÃO FIGURATIVA E O SEMISSIMBOLISMO DA PINTURA CORPORAL DOS NUBAS PLANO DA EXPRESSÃO O PONTO DE VISTA TENSIVO A MAQUIAGEM NA CENA TEATRAL RELAÇÕES ENUNCIATIVAS UM EXEMPLO: O CARRASCO, ENCENAÇÃO DO GRUPO AMOK TEATRO O espaço cênico e a percepção das presenças das personagens de O Carrasco Da construção figurativa do Carrasco, no romance, à maquiagem, na encenação As Maquiagens dos efêmeros: Jericó, Comandante, Juiz, Mulher, General e Morte AS PROPRIEDADES VISUAIS E O PLANO DA EXPRESSÃO CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ANEXO

12 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Maquiagem Glamourosa Figura 2: Escarificações em uma mulher da tribo Nuba Figura 3: De Julio Larraz (Cuba) Figura 4: De Jaime Iregui (Colombia) Figura 5: De JOS BRANDS Figura 6: Estudo de Desnudo Figura 7: Ofelia Dammert (Peru) Figura 8: Special Make-up Figura 9: Keiko González (Bolívia) Figura 10: Punks Figura 11: Tom Woolley Figura 12: The Player Figura 13: Escarificações em uma mulher da tribo Nuba Figura 14: Piercings Figura 15: Tatuagem Figura 16: Thelma Aucoin Figura 17: Thelma Aucoin com maquiagem sensual Figura 18: Thelma Aucoin com maquiagem natural Figura 19: Thelma Aucoin com maquiagem moderna Figura 20: Thelma Aucoin como Coco Chanel Figura 21: Thelma Aucoin como Marlene Dietrich Figura 22: Thelma Aucoin coquete Figura 23: Coco Chanel Figura 24: Marlene Dietrich Figura 25: Marlene Dietrich Figura 26: Rita Hayworth Figura 27: Camila Espinosa como Rita Hayworth Figura 28: Julia Roberts Figura 29: Delineador branco Figura 30: Desfile DKNY Rímel verde água

13 Figura 31: Sasha Figura 32: Christina Ricci como Edith Piaf Figura 33: Christina Ricci Figura 34: Edith Piaf Figura 35: Skinscapes Colinas Figura 36: Flora/A Primavera Figura 37: A Primavera- Sandro Botticelli 1478/ Figura 38: Jovem de cabelo comprido Figura 39: Deborah Lin Figura 40: Yana Figura 41: Emma Belcher - Rosas Figura 42: Representação linear Figura 43: Desenhos representacionais do rosto Figura 44: Desenhos representacionais para os corpos Figura 45: Pintura simétrica e representativa variação da cipalin pássaro Figura 46: Pintura simétrica e representativa variação da cipalin pássaro Figura 47: Rosto com pintura facial semissimétrica e não-representativa Leopardo. 154 Figura 48: Rosto com pintura assimétrica e representacional Leopardo Figura 49: Rosto simétrico não representacional - Montanha Figura 50: LifeStyles. Leopardo Figura 51: Speed Figura 52: Sister and brother Figura 53: Fallon. Fonte: Figura 54: Cena I: Comandante, Jericó e Carrasco Figura 55: Cena II: Juiz, Mulher e Carrasco Figura 56: Cena III: Morte, General e Carrasco Figura 57: Cena IV: Carrasco Figura 58: Entreato Figura 59: Marcus Pina se maquiando Figura 60: Marcus Pina se maquiando Figura 61: Marcus Pina

14 Figura 62: O Carrasco Figura 63: O Carrasco Figura 64: Jericó e a Comandante Figura 65: Jericó Figura 66: A Comandante Figura 67: Sequência do primeiro entreato Figura 68: A Mulher Figura 69: O Juiz Figura 70: Sequência do segundo entreato Figura 71: A morte e o General Figura 72: A morte

15 A pintura deve desafiar o espectador [...] e o espectador surpreendido, deve ir ao encontro dela como se entrasse em uma conversa. (PILES, 1708)

16 16 INTRODUÇÃO Passos apressados, passos longos ou curtos, passos agitados, passos pesados ou leves pelas ruas das cidades. Talvez os donos desses pés nem os percebam mais, nem os seus próprios, muito menos os dos outros. São multidões de corpos de várias formas, de diversos volumes, de variadas cores e texturas, de pesos distintos, que se cruzam todo o tempo e em todo lugar. Movimentos e envelopes 1 corporais: corpos actantes. O que faz parar esses corpos voyeurs? Um corpo estático colocado em um pedestal com sua pele, superfície de inscrição, coberta por maquiagem branca, prateada, ou por argila? Esse corpo que fascina por instantes desacelera o ritmo urbano e faz com que o observem. É uma troca de observações: ele vê e é visto. O que dizer de um ser repleto de tatuagens e/ou piercings? Ou um corpo completamente coberto por pinturas mais elaboradas e efêmeras, quais sensações serão provocadas nos outros corpos transeuntes? Foi exatamente um desses grupos de corpos cobertos pela efemeridade das cores e das formas que, há mais ou menos vinte e cinco anos, em Belo Horizonte, tropeçou em meu envelope corporal e me fez parar e decidir pelos caminhos teatrais. Eu que, até então, era o alvo daquela intensidade de formas e cores que me focavam, passei a apreendê-las e, desse modo, as cores vibrantes e as formas móveis, ambas fugazes, tornaram-se o meu alvo. Desde então, quando estou em cena, emprestando meu corpo e meu rosto a diversas personagens, virtualizando meus traços fisionômicos e minhas formas corporais para dar plenitude à personagem em cena; ou, quando fico por trás dos bastidores, colorindo rostos ou pintando corpos que se materializam sobre os atuantes 2, procuro compreender a formação do sentido dessas transformações por 1 O envelope é uma espécie de fronteira da imagem do corpo, criado a partir da energia do mundo sobre a matéria corporal (reativa e resistente). A noção de envelope corporal está desenvolvida no primeiro capítulo. 2 O termo atuante é aqui utilizado para substituir a palavra ator, que, de acordo com Charaudeau e Maingueneau (2006, p. 76), acabou por tomar um sentido muito mais amplo que o de um artista que representa um papel e passou a designar toda pessoa que toma parte ativa em uma atividade qualquer. Para a semiótica, ator é uma entidade do discurso que resulta da conversão dos actantes

17 17 meio da maquiagem. Um recurso que é sempre um aliado do trabalho do atuante, que permite afastar a imagem do rosto de referência para que novos rostos se realizem, construindo, assim, novos sentidos. Maquiagens que são expressões de um conteúdo; que seguirão como finas membranas 3 sobre o rosto de vários atuantes. Detalhes cromáticos, topológicos e eidéticos essenciais que, sem que eu precise estar presente na cena, apenas por meio dessas categorias expressivas, têm me levado a lugares em que eu nunca estive ou imaginaria estar. Maquiagens que, no mesmo momento em que escrevo estas linhas, podem estar em cena sobre o rosto de algum atuante, cuja fisionomia foi minuciosamente estudada por mim, para que eu pudesse descobrir em algum dos seus traços um princípio de inspiração para encontrar as cores, o semblante, as feições, o ritmo, as formas dos rostos das personagens 4, elas que adentram pelo palco sob luzes intensas e olhares atentos à espera de compartilhar segredos e sensações. Tais quais as sensações que vivi ao ver o grupo de rostos e corpos coloridos, em Belo Horizonte, ou as próteses confeccionadas para o cinema e aplicadas sobre os rostos, aprendidas na escola americana. Essas maquiagens vibram cada vez mais dentro mim e, a cada vez que as observo, me fazem refletir sobre elas. São essas reflexões que me obrigam a tentar compreender o suporte que recebe tanto a película de cores e de formas efêmeras, como também as marcas e inscrições definitivas. Detenho-me sobre o corpo como um suporte sensível, que, além de desempenhar um papel fundamental na emergência e na estabilização de um gênero, conforme o conceito estabelecido por Maingueneau (1998), participa diretamente da construção do sentido das mensagens pintadas sobre ele, ao ponto de ser simultaneamente suporte e plano de expressão semiótico. Charaudeau e Maingueneau explicam que, sob o ponto de vista cognitivo, a diversidade dos suportes corresponde aos usos complementares e simultâneos (2006, p. 462). narrativos, graças ao investimento semântico que recebem no discurso. O ator cumpre papéis actanciais, na narrativa, e papéis temáticos, no discurso (BARROS, 2003, p.85). Neste trabalho, usarei ator para indicar a entidade discursiva e atuante para referência àquele que atua no palco, de acordo com o que vem sendo proposto pelos artistas e estudiosos cênicos da contemporaneidade. 3 Denominação dada por Patrice Pavis às maquiagens. (2003). 4 Desde 1994 que desenvolvo o trabalho de criação de maquiagens para alguns grupos e espetáculos teatrais.

18 18 A corporalidade e o sentido me fizeram buscar caminhos na Semiótica, e esta me fez procurá-los também na Filosofia, na Fenomenologia, na Psicanálise, na Antropologia e nas próprias Artes. A diversidade de caminhos é devida à complexidade desse suporte que, de acordo com o antropólogo francês David Le Breton (2003), vem sendo colocado em oposição ao homem, pelo dualismo contemporâneo, em substituição à oposição platônica entre corpo e alma. Gilles Deleuze acredita que apenas a arte, com todos os seus recursos, seria capaz de liberar no corpo todos os devires reais e recriar, assim, um corpo múltiplo, sensível e polivalente na contemporaneidade. E, na tentativa de reinventar o corpo contemporâneo, deve-se reativar a sensibilidade e usá-lo como suporte da arte. O próprio Deleuze revela que os primitivos consagram a multidimensionalidade dos corpos por meio das pinturas, das tatuagens e das marcas corporais. Nessas culturas, nada passa pelo rosto, ao contrário das culturas contemporâneas, nas quais ele é supervalorizado. Para Merleau-Ponty (2006b), o corpo é simultaneamente consciência e matéria, sujeito e objeto, observador e observado. O corpo é uma base espaço-temporal no processo de percepção. Poderíamos, então, supor que o corpo é o suporte ideal para a arte? Henri-Pierre Jeudy (2002) define o corpo como um objeto de desejo, de estereótipos, do amor, uma fonte de prazeres, um objeto de arte. Ou ainda como um objeto de tortura. Em alguns rituais de iniciação das ditas culturas primitivas, o corpo pode ser submetido a diversos tipos de torturas que são um sofrimento obrigatório (KEIL e TIBURI, 2004, p.19), cujas marcas deixadas sobre a pele são enunciações de um saber fundamental e de signos de pertença. Tais torturas são totalmente distintas dos sofrimentos e horrores aos quais são ou foram submetidos diversos corpos em nossas sociedades nos campos de concentração nazistas, nos sequestros, na prisão de Guantanamo, nas guerras, no período de ditadura brasileira etc. com a imposição de marcas não apenas nos corpos, mas na alma. A tentativa de reaproximação do ser humano contemporâneo da natureza, assim como a tentativa de escapar da globalização, da padronização, passa pela body art 5, pela body painting 6 e pelos modern primitives 7, que são realizações que fazem 5 A Body Art (Palavra inglesa que significa arte do corpo) está associada à arte conceitual e ao minimalismo. É uma manifestação das artes visuais em que o corpo do artista é utilizado como suporte

19 19 dos corpos humanos um hábitat de um ser em estado de pura vertigem (BOCCARA, 2005, p. 11). No entanto, as tatuagens e as perfurações são processos definitivos, quase sempre doloridos e que, no caso de serem removidas, deixarão marcas definitivas na superfície da pele. Um caminho mais efêmero e, tão ou mais estético, porém menos agressivo para o corpo, seria a pintura corporal e/ou facial. Ela faz do corpo uma matriz de símbolos e um objeto de pensamento (VIDAL; SILVA, 1992, p. 283) e de sensações, cujos temas são mitológicos, cerimoniais e refletem também uma organização social. No teatro, a pintura corporal e/ou facial é capaz de transformar o corpo do atuante em cenário. Sobre o rosto ou o corpo, a maquiagem é um recurso produtor de sentido e, ainda, de acordo com Pavis (2003), é uma arte que possui certa autonomia em relação às demais. De livre acesso, a maquiagem permite dizer o que o enunciador desejar. Do simples truque de esconder olheiras e dar mais vivacidade ao rosto, a maquiagem pode chegar ao extremo de esconder o corpo suporte. Pode se manifestar escandalosamente para alguns, pode demonstrar a elegância natural do seu enunciador ou pode denunciar revoltas sociais, dependendo da cultura em que se encontra. As pinturas corporais e faciais são como investimentos figurativos que manipulam e transformam conteúdos, procedimentos e motivos. Muito mais que um simples embelezamento, elas se tornam campos de condutas estratégicas que provocam conflitos e cumplicidade entre os actantes sujeitos encarnados 8. Porém, é ao sair dos limites do rosto que a maquiagem formará, então, um sistema estético que ou meio de expressão. Popularizou-se na década de 1960 e se espalhou pelo mundo. Há casos em que a body art assume o papel de ritual ou apresentação pública, apresentando, portanto, ligações com o Happening e a Performance. A sua comunicação com o público pode se dar por meio de documentação, por meio de vídeos ou fotografia. Suas origens encontram referências no início do séc. XX na premissa de Marcel Duchamp de que "tudo pode ser usado como uma obra de arte", inclusive o corpo. Além de Duchamp, podem ser considerados precursores da body art o francês Yves Klein, que usava corpos femininos como "pincéis vivos", o americano Vito Acconci e o italiano Piero Manzoni. 6 Body painting (palavra inglesa que significa pintura corporal) é a pintura exercida sobre um corpo nu. Lavável e efêmera, pode ser fotografada para registro documental, ou não. 7 Modern Primitives é um termo criado por Fakir Musafar para denominar as pessoas que se submetem a qualquer tipo de manipulação corporal: perfurações ou jogos de penetração ( piercings, tatuagens e ritual de suspensão), jogos de constrição (espartilho, cintas, cinturões especiais), Jogos de contorção (técnicas de alongamento), Jogos de impedimento (acessórios, adornos e vestimentas que restringem os movimentos) (PIRES, 2005). 8 Os actantes sujeitos encarnados além de serem forças e papéis necessários ao processo, passam a ser concebidos como posição corporal com uma carne e uma forma corporal. Essas definições são aprofundadas no primeiro capítulo.

20 obedece apenas às suas próprias regras, correndo o risco de abandonar a federação das artes que constitui representação para fundar sua própria república, chamando atenção para sua própria prática autônoma (PAVIS, 2003, p. 172). A pintura corporal vem explorando a diversidade e transformando a anatomia humana em palco para a expressão artística. Talvez seja a arte do momento e venha ganhando espaço em exposições, matérias jornalísticas, internet etc., confirmando, dessa maneira, o pensamento de Patrice Pavis. A exposição Corpos Pintados instalada entre os meses de maio e julho de 2005, na OCA do Parque Ibirapuera, em São Paulo, é um exemplo de como o interesse pela arte da pintura corporal vem crescendo. Esse projeto teve início nos anos 80, por Roberto Edwards, que, ao ver as fotos que a cineasta alemã Leni Riefenstahl tinha feito dos indivíduos da tribo Nuba, no Sudão, se encantou com as pinturas corporais desse grupo. A partir daí, convidou artistas para pintarem corpos e o resultado foi a mostra que estava em sua segunda edição, tendo já percorrido 32 museus da Europa e das Américas. Além da própria exposição, o projeto Corpos pintados lançou em 2005 cerca de 100 publicações sobre essa temática. Ampliando esse rol, outra artista, Joanne Gair, assim como Riefenstahl e Edwards, se inspirou nos primitivos e publicou um livro em que celebra os vinte anos de sua carreira. Nascida e criada na Nova Zelândia, ela teve acesso aos Maori, cujas tatuagens faciais, os mokos, 20 foram as fontes de inspiração de suas obras artísticas, nas quais mostra a diversidade do seu trabalho e dos corpos pintados. Segundo a artista (2006, p. 12), o corpo suporte é que dá vida à pintura, que, por ser de fácil remoção, precisa que um fotógrafo a registre para ultrapassar os limites do tempo e do espaço, do aqui e do agora. Em 2006, o artista plástico americano Craig Tracy inaugurou a primeira galeria especializada em body painting. Na Painted Alive Galeria, em New Orleans, encontram-se fotografias, gravuras em papel e tela, além de livros e vídeos sobre o processo de pintura corporal. Para Tracy é por meio da galeria que as pessoas têm a oportunidade de serem apresentadas à mais antiga e, ao mesmo tempo, contemporânea e sedutora forma de arte. É meu desejo que o trabalho que eu criei torne-se parte da vida das pessoas. Eu o quero pendurado na sala e no espaço de trabalho, assim, as pessoas vão sentir e vivenciar a energia dinâmica, a paixão e

21 o mistério de cada peça e, por sua vez, a minha energia 9. (TRACY, 2006) A partir disso, eu poderia utilizar o pensamento da semioticista Lucia Teixeira (2004d, p. 231) a respeito das colagens dos cubistas, tomadas como pintura, para estendê-lo ao conceito de maquiagem, acrescentando apenas algumas palavras: A pintura [e a maquiagem] tem [têm] qualidades próprias que operam sobre uma materialidade específica e singular, caracterizada pelos modos de ocupação de um espaço plano [ou tridimensional] por meio de cores e formas. [...] a pintura [e a maquiagem] se afirma[m] como unidade formal e íntegra, submetida[s] a um código próprio de ocupação do espaço da tela [e/ou do corpo humano]. Temos, então, um suporte sensível, que, de acordo com os conceitos de Merleau-Ponty (2006b, 1980), possui a característica da reflexibilidade: toca e é tocado, é sujeito e objeto ao mesmo tempo. Assim, a maquiagem aplicada sobre esse corpo, vista como um meio de expressão artística, que se utiliza das mesmas técnicas da pintura tradicional, apenas mudando o suporte e materiais apropriados para o corpo humano, poderia ser analisada semioticamente. Algirdas Julien Greimas, fundador da semiótica francesa, no artigo Semiótica figurativa e semiótica plástica (2004, p. 75), argumenta que uma das razões de ser da semiótica é chamar à existência novos domínios de interrogação do mundo e ajudá-los a se constituir como disciplinas autônomas. O fazer semiótico, segundo Greimas (1975), é uma prática científica, ou melhor, um diálogo entre o que é formado e o que é analisável. É na correlação entre os fundamentos greimasianos e os textos verbais, visuais, sonoros ou sincréticos que tal edificação se viabiliza, uma vez que a semiótica discursiva tem como objeto investigável toda e qualquer linguagem textual e possibilita a transitividade contínua entre a teoria e a prática. (CURADO, 2004, p.57) Portanto, um rosto ou um corpo utilizado como suporte de uma arte que gera uma imagem efêmera, que pode ser imortalizada pela fotografia ou reaplicada dia após dia no cotidiano, ou a maquiagem como uma linguagem artística que é um elemento de um espetáculo teatral, de performances individuais ou de um ritual nas culturas 21 9 As traduções do Inglês foram feitas por Mônica Ferreira Magalhães. Em rodapé será transcrito o trecho original: It is my wish that the work that I create becomes a part of peoples lives. I want it to hang in their living and working spaces so that they will feel and experience the dynamic energy, passion, and mystery of each piece and in turn, my energy.

22 22 primitivas, podem ser submetidos à análise semiótica plástica, como também à perspectiva tensiva de análise. A semiótica plástica, de acordo com Greimas e Courtés, é uma linguagem segunda elaborada a partir da dimensão figurativa de uma primeira linguagem, visual ou não, ou a partir do significante visual da semiótica do mundo natural (1986, p. 169) e procura analisar a materialidade do significante das imagens e dos espaços construídos, além de verificar os modos de existência semiótica do que, Claude Lévi-Strauss denomina lógica do sensível. Contudo, o corpo como espaço de inscrição de signos e códigos, como se refere Maria Augusta Babo (2001) a partir da antropologia de Mauss, acolhe-os e, em seguida, recebe o estatuto de significante flutuante. O corpo, sob esse ponto de vista, é plural: capta os signos e se torna um envelope corporal-superfície de inscrição, submetido a códigos sociais e ao espaço-tempo. Além disso, ele é capaz de produzir significados devido a sua condição de corpo vivo. A maquiagem, inscrição sobre um corpo, pode ser considerada um texto plástico significante, que forma um todo de sentido. As análises da semiótica discursiva procuram examinar o que é próprio de cada texto, assim como suas estratégias enunciativas. Greimas parte dos fundamentos estabelecidos por Hjelmeslev, nos quais a significação, função semiótica, acontece a partir da relação entre o plano do conteúdo (significado) e o plano da expressão (que suporta ou expressa o conteúdo) das linguagens. Na busca da compreensão dos mecanismos da produção de sentido dos textos, ou seja, como explica Diana de Barros (2001), do que o texto diz e de como faz para dizer o que diz, a teoria semiótica desenvolveu uma metodologia para a observação da produção da significação: a organização textual e os mecanismos enunciativos de sua produção e de sua recepção. Para isso, foi desenvolvido o percurso gerativo de sentido, importante para a teoria semiótica, que vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto nível de geração de sentido. Esse percurso tem três etapas constituídas por gramáticas autônomas, cujos níveis fundamental, narrativo e discursivo - se relacionam. Os estudos voltados para a dimensão sensível e afetiva do sentido tomaram impulso a partir da publicação do último livro de Greimas, Da Imperfeição. Com a tentativa de compreender a estesia e a investigação da semiose na experiência

23 23 sensível, o corpo voltou a fazer parte dos estudos semióticos. O corpo, tão próximo e tão distante ao mesmo tempo, tinha sido excluído da teoria semiótica, de acordo com Fontanille (2004a, p. 13), pelo formalismo, pela lógica da linguística estrutural dos anos 60, e pela teoria da ação. Seu retorno se deu pelo fato de o corpo proporcionar uma alternativa às soluções logicistas: em vez de tratar dos problemas teóricos e metodológicos como problemas lógicos, ficamos convidados a tratá-los pelo ângulo fenomenológico, e para isso é preciso contar com o corpo do operador. Comprometer-se a tratar uma relação, uma operação ou uma propriedade como um fenômeno, é comprometer-se a examinar a formação das diferenças significativas e das posições axiológicas a partir da percepção e da presença sensível desses fenômenos 10. (FONTANILLE, 2004a, p.15) A semiótica corporal, conforme explica Fontanille, tem a consciência da ambivalência que vem do duplo estatuto do corpo na produção de significações. O corpo é um substrato da semiose, que participa da modalidade semiótica, proporcionando um dos seus aspectos. Além disso, ele é considerado uma figura semiótica entre outras, apto a adotar a forma das figuras do discurso, da expressão ou do conteúdo, provenientes do processo de semiotização e da formação do corpo dos atores semióticos. Como figura discursiva, o corpo tem movimentos e envelopes, que darão acesso às representações profundas da semiose em ato, que formam campos sensíveis e perceptivos, fundadores do campo enunciativo do discurso. No campo fenomenológico, a noção de corpo estabelecida por Merleau-Ponty (2006b), de acordo com o semioticista Luiz Tatit (1996, p. 201), não é muito diferente do sincretismo actancial que suspende a oposição sujeito/objeto e convoca os mecanismos de sensibilização. Sendo assim, quando se trata do corpo, a ação das qualidades de percepção e do vigor de sensibilização aparece antes do sentido cognitivo. Desse modo, como em 10 As traduções do francês foram feitas por Eduardo Ewald Maya. Em rodapé será transcrito o trecho original : Au lieu de traiter les problèmes théoriques et méthodologiques comme des problèmes logiques, on est désormais invité à les traiter sous l angle phénoménal, et, pour cela, le corps de l opérateur est requis. S engager à traiter une relation, une opération ou une proptiété comme un phénomène, c est s engager à examiner la formation des différences significatives et des positions axiologiques à partir de la perception et de la présence sensible de ce phénomène.

24 qualquer texto há lugar para o arrepio, o susto, o inusitado e o êxtase, o que caberá ao texto pintado no suporte corporal? O estado de pura vertigem atribuído aos modern primitives também atinge os admiradores das maquiagens artísticas e teatrais, pelo menos é o que afirma Pavis: O travestimento de roupa e de rosto redobra a vertigem e a ambigüidade de minha própria identidade, seja um travestimento do sexo, da idade ou da natureza humana... Muitas vezes a maquiagem se torna uma encenação contemporânea muito mais que um disfarce ou uma acentuação dos traços existentes: é uma vertigem que bloqueia toda interpretação segura e toda metamorfose definitiva. (...) Difícil analisar uma vertigem! (PAVIS, 2003, p.172) E o que é uma vertigem senão a perturbação da razão ou da serenidade do espírito? Na busca por compreender a semiose vertiginosa da maquiagem e da pintura corporal, do sentido sentido provocador de vertigens, estabeleço como corpus de análise da manifestação sensorial, diferentes tipos de maquiagem: 1 - algumas maquiagens corporais expostas na mostra Corpos Pintados , São Paulo e alguns trabalhos de Joanne Gair, de Joe Brands, de Kevin Aucoin, de Duda Molinos e da Los Angeles Makeup school, 24 que ilustram os conceitos de envelope corporal e as deformações sofridas a partir das operações de debreagem (projeção dos actantes e das coordenadas espácio-temporais), uma estratégia enunciativa que ocorre no nível discursivo. Em um segundo momento, essas pinturas corporais, objetos estéticos e semióticos em devir, demonstram os procedimentos da práxis enunciativa; 2 - as maquiagens dos ritos corporais dos habitantes das montanhas Nuba, do sul do Sudão, África, juntamente com as pinturas de Craig Tracy, cujas pinturas corporais artísticas são analisadas em relação às respectivas culturas e em relação à articulação entre os planos de conteúdo e da expressão, no qual se destaca o grau de figuratividade; 3- as maquiagens da peça teatral O Carrasco, espetáculo realizado pelo grupo Amok de teatro, que servem de base para retomar as estratégias enunciativas, a práxis, o desenvolvimento do plano da expressão e as articulações tensivas, agora no simulacro teatral. Esta pesquisa tem por objetivo geral investigar as estratégias enunciativas

25 25 mobilizadas na práxis da maquiagem. Para isso, verificará a articulação entre os planos do conteúdo e da expressão, além de observar as categorias tensivas aplicáveis à manifestação sensorial expressa nas maquiagens sociais, artísticas corporais, rituais primitivas e teatrais. Pretendo buscar, nas diferentes formas de manifestação, recorrências que indiquem um uso próprio do corpo como suporte, bem como uma função estética e funcional da pintura sobre o corpo. Da mesma maneira, serão identificadas também as particularidades de cada um desses modos de apropriação do corpo. No primeiro capítulo, faço uma reflexão acerca da maquiagem como enunciado pintado sobre o corpo, tomada como uma expressividade que alimenta o corpo na necessidade da integração linguístico-cultural. Para isso, a compreensão do conceito de corpo se faz indispensável, uma vez que ele é o suporte das maquiagens e pinturas corporais. Mais que suporte, o corpo é visto como pertencente a um actante, não mais como uma posição formal, conforme explica Fontanille (2004a), mas um actante encarnado que possui uma carne e uma forma corporal, responsável pelos impulsos e pelas resistências que levam à ação transformadora dos estados de coisas. A elaboração das bases teóricas da semiótica do ponto de vista tensivo foi feita conjuntamente por Claude Zilberberg e por Jacques Fontanille, no livro Tensão e significação (2001). A partir dessa publicação, o primeiro autor, de acordo com Desidério Blanco (2008), centrou-se na elaboração da tensividade fórica, iniciada no livro Semiótica das paixões, de Greimas e de Fontanille (1991). Já Fontanille desenvolveu as pesquisas pela encarnação da tensividade no corpo sensível. O esquema tensivo coloca em relação a intensidade (sensível) e a extensidade (inteligível), que formam o espaço tensivo, do qual emergem os valores, a rede de entradas e de saídas, e as valências intensivas e extensivas que se correlacionam diferentemente em cada caso. As teorias de Fontanille sobre o actante encarnado, dividido em carne e corpo próprio, são exploradas no sentido de compreender a relação que o corpo mantém com a alteridade, com o mundo, com cada meio cultural, como também a sua função de vetor da sociedade. O campo de presença, um espaço tensivo, é organizado pela tomada de posição da carne, definida como referência. Nesse espaço se exerce a

26 26 percepção a partir da gradação da relação entre sujeito e objeto, articulada pelas operações do foco e da apreensão. O foco corresponde ao eixo da intensidade que mede a potência da tensão entre sujeito e objeto; a apreensão traça os limites da dimensão do campo de percepção do sujeito, correlativo ao eixo da extensidade. O corpo próprio seria a mediação entre os planos do conteúdo e da expressão, uma fronteira que permite que o actante encarnado se relacione com o mundo. Ele é uma espécie de invólucro sobre o qual se inscrevem expressões, entre as quais destaco a maquiagem e a pintura corporal. No entanto, a carne, um Eu de referência e o corpo próprio e o Seu Outro são inseparáveis, como o anverso e o reverso de uma mesma entidade. A visão do sociólogo Pierre Bourdieu (2008) e o conceito de hexis corporal, assim como os conceitos de actancialidade e intencionalidade, norteiam o caminho que leva à aproximação com o corpo fenomenológico: o corpo sentiente, de Merleau-Ponty (2006b, 1980). Os movimentos intencionais do corpo são as forças que interagem com as substâncias e formas do corpo próprio. O conceito de envelope corporal, oriundo da psicanálise, depende das posturas (movimento e sensoriomotricidade) e das superfícies (fronteiras e envelopes). De acordo com Fontanille, o envelope corporal se converte em um actante do mundo sensível, um filtro protetor dos estímulos exteriores, conforme define o psicanalista Didier Anzieu (1989). Esse envelope tornase um Eu-pele, em que, entre outras funções, destaca-se a de superfície de inscrição. A transformação do envelope corporal em superfície de inscrição é feita a partir da operação de debreagem, uma estratégia enunciativa que provoca a transição de uma realidade indizível para um discurso realizado. Se, na psicanálise, para Anzieu, o Eu-pele determina o limite do corpo com o meio externo, para a semiótica essa interface é um Seu-outro-pele, que comunica e torna significativa a identidade preservada, como uma superfície que, simultaneamente, separa e coloca em contato as fronteiras de mundos distintos. Como espaço topológico, o envelope corporal pode ter suas propriedades conservadas ou alteradas pela operação de debreagem. Por meio dessa operação, o envelope corporal pode ser percebido como um suporte visível ou como virtualmente distanciado. A maquiagem, como inscrição, atua, por meio da debreagem, nas propriedades de

27 27 conexão, de compactação, de interface de triagem do envelope corporal. As pinturas corporais contemporâneas, exibidas na exposição Corpos Pintados ou nas páginas dos livros de Gair e de Joe Brands, ou ainda, as próteses de espuma de látex confeccionadas na Los Angeles School of Makeup, e as maquiagens dos Punks e as realizadas por Kevin Aucoin, ilustram a preservação e a deformação dos envelopes corporais. A maquiagem como marca, instrumentalização das inscrições que evidenciam o substrato material e o gesto que inscreve, também é examinada, porém esse conceito é mais evidente nas tatuagens, cicatrizes e piercings, enunciados definitivos. O segundo capítulo é dedicado às inscrições efêmeras, características que colaboram diretamente no devir figurativo do corpo próprio, permitindo, desse modo, o acesso de um actante encarnado em diversos meios sociais. Fazer-se outro ou mostrar-se com veemência por meio de uma arte que, de acordo com o filosófo francês Michel Serres (2001), corresponde ao mesmo tempo à ordem e ao ornamento, ideia corroborada por Bourdieu. Por mais inocentes que pareçam, as maquiagens fascinam e proporcionam um jogo de persuasão. Baudelaire (1988) acreditava que, apesar da notoriedade da astúcia e do artifício, a maquiagem não deixa de ser irresistível. O fazer persuasivo da maquiagem também convoca as modalidades para fazer com que o enunciatário aceite o contrato enunciativo proposto pelo enunciador. Contudo, o /ser/ e o /parecer/, modalidades veridictórias, têm papel fundamental no julgamento de uma manifestação ou da imanência. Ao fazer uma maquiagem, o enunciador convoca modalidades, principalmente as modalidades do ser que se relacionam diretamente com os envelopes corporais. As modalidades, os modos de existência e os valores são verificados nas tensões que demarcam o percurso da motivação de fazer uma maquiagem até a sua realização, ou seja, desde o querer, motivações virtualizadas, do actante encarnado, que passa pelo saber e poder (competências modais) até que o sujeito possa entrar em conjunção com os valores do meio social desejado e realizar a si mesmo e ao próprio objeto de desejo.

28 28 A plenitude, a vivacidade e os usos da maquiagem demonstram a articulação das formas discursivas de um enunciador individual com os significados construídos culturalmente. O discurso de formas e cores efêmeras faz parte de uma práxis enunciativa que administra a presença das grandezas discursivas em um campo de discurso. Nesse campo, pode acontecer a recuperação de maquiagens esquematizadas pelo uso por meio de uma simples reprodução ou uma desvirtuação que promove novas significações. A práxis da maquiagem é demonstrada por meio das maquiagens sensuais glamourosas da década de 40, época em que se destaca a atriz norte-americana Rita Hayworth. As maquiagens que transformam o envelope corporal em objetos estéticos e semióticos são observadas por meio dos atos da práxis enunciativa. A combinação dos modos de existência e das grandezas em competição pode promover revoluções, distorções, remanejamento e flutuações semióticas. Os trabalhos de Gair, de Duda Molinos e Aucoin exemplicam prontamente todos os efeitos de sentido da práxis enunciativa da maquiagem. No capítulo 3, parto da observação das fotografias do povo Nuba realizadas por Leni Riefenstahl, uma das mais notáveis diretoras de cinema documental e fotógrafa da década de 60. Vale ressaltar que essas pinturas corporais não são feitas para serem registradas fotograficamente, mas sim fazem parte do ritual dessa tribo africana. No entanto, para ter a possibilidade de análise, é necessário recorrer a esse tipo de registro. Tanto as maquiagens sociais, verdadeiros autorretratos ambulantes, quanto as maquiagens teatrais também não têm o objetivo de serem fotografadas ou filmadas. Porém, da mesma maneira que as pinturas dos Nubas, foi preciso recorrer aos eventuais registros devido à efemeridade das pinturas corporais e faciais. Apenas as maquiagens da exposição Corpos Pintados e do livro Arte en el cuerpo, de Gair e Painted Alive Gallery, de Craig Tracy, são observadas em seu próprio fim: a fotografia. Em 1975, Leni Riefenstahl (1976, 2005) passou 4 meses entre os habitantes dos remotos vales dos Montes Nuba, nas vilas do Kau, Nyaro e Fungor, no sul da província sudanesa de Kordofan, África. A fotógrafa considerava que os Nubas eram um povo gentil e amável, apesar de viverem praticamente isolados nas montanhas e

29 sem muito contato com outras sociedades. Na tentativa de compreender o modo de vida desse povo, a fotógrafa buscou informações no único trabalho acadêmico sobre eles, escrito pelo professor e antropólogo americano James C. Faris (1972), que havia passado os períodos secos entre 1966 e 1969 no Kau. Faris havia feito um estudo minucioso sobre a arte da pintura corporal local, no qual destacava a relação social e cultural dos Nubas com o corpo. Para Riefenstahl, a princípio, suas fotos seriam apenas um registro pessoal de suas experiências memoráveis, mas elas acabaram sendo publicadas em revistas, jornais e livros, devido ao grande interesse pela cultura dos Nubas, até então desconhecida. Os estudos de Faris e as fotografias de Riefenstahl foram fundamentais para as análises das pinturas corporais dos Nubas. A importância estética que eles dão ao corpo, assim como às pinturas corporais, diferentemente dos outros povos préletrados, serviu como contraponto com o corpo contemporâneo. As pinturas corporais Nubas e algumas contemporâneas, formam um sistema semissimbólico, no qual uma categoria do plano da expressão se correlaciona com uma categoria do plano do conteúdo. A semiótica plástica, apropriada para analisar tais sistemas, é constituída pelos formantes pictóricos que, de acordo com Oliveira (2004, p. 119) estão na descrição de uma pintura, possuem uma natureza composta por certas dimensões : as cores constituem a dimensão cromática e a forma compõe a dimensão eidética. É a partir das matérias, dos materiais, das técnicas e dos procedimentos que essas duas dimensões irão se organizar e ganhar uma corporeidade que, quando é apreendida por sua fisicalidade própria, constitui-se por si mesma uma dimensão distinta das demais, a matérica (OLIVEIRA, 2004, p. 119). A combinação dessas três dimensões concretiza a dimensão topológica, que é a distribuição e a ocupação espacial em um suporte. Assim, o caminho de análise de uma pintura tradicional também servirá para falar do objeto maquiagem: analisar a distribuição de formas no espaço, o uso das cores, a textura das pinceladas, os recursos de luminosidade e sombreamento, as iterações e contrastes plásticos como recursos capazes de construir categorias significantes associadas a significados e, nas relações entre signos assim constituídos, a organização sêmio-narrativa e discursiva que faz um quadro existir como texto, como um todo de sentido. (TEIXEIRA, 2004e, p. 233) 29

30 30 Além disso, nas análises das maquiagens e/ou pinturas corporais primitivas e contemporâneas foram observadas as figuras, os temas e o grau de figuratividade por meio dos elementos visuais. O tema, elemento da semântica narrativa não remete a elementos do mundo natural, e sim às categorias lingüísticas ou semióticas que o organizam (BARROS, 2003, p.90). Já a figura é um elemento da semântica discursiva que se relaciona com um elemento do mundo natural, o que cria, no discurso, o efeito de sentido ou a ilusão de realidade (BARROS, 2003, p. 87). O capítulo 4 é dedicado às maquiagens da peça teatral O Carrasco, espetáculo realizado pelo grupo Amok Teatro, sobre textos de Pär Lagerkvist, Ingmar Bergman, Jean Genet e Amok Teatro. A peça, que teve sua estréia em 2000, foi inspirada no romance O Carrasco, do sueco Pär Lagerkvist e se divide em quatro quadros independentes e dois entreatos em que a presença do carrasco incorpora a barbárie humana. A escolha desse espetáculo se deve à suspensão epistêmica, que abandona numa inquietação o enunciatário, que ignora o estatuto veridictório do saber recebido (GREIMAS, 2008, p. 491). Essa suspensão é proporcionada pela maquiagem do personagem Carrasco, interpretado pelo ator Marcus Pina, e pela troca das maquiagens à vista do público, durante os entreatos, realizada no palco pelos atores Stéphane Brod e Renata Collaço. No decorrer da análise são observadas as estratégias enunciativas que organizam os elementos numa manifestação sincrética e que estabelecem a interação entre o enunciador e o enunciatário (desdobramentos do sujeito da enunciação), além das relações entre o sujeito atuante e a personagem construída e os modos como a maquiagem ancora o sujeito (personagem) na encenação. Também foram examinados os mecanismos de articulação entre os planos de conteúdo e de expressão, planos da linguagem definidos por Louis Hjelmslev. O primeiro, de acordo com as teorias de Ferdinand de Saussure, é o plano do significado, veiculado pelo plano da expressão (BARROS, 2003, p. 85). O segundo, é o plano do significante, que suporta ou expressa o conteúdo. Ambos os planos mantêm relação de pressuposição recíproca. As formas de incidência das categorias tensivas também foram examinadas. O espaço tensivo, nas palavras de Teixeira (2004d, p. 233) é definido pela junção do par:

31 31 intensidade (estado de alma) versus extensidade (os estados de coisas). O ponto de vista tensivo é observado tanto na composição espacial quanto na relação entre as maquiagens. Apesar da diversidade de tipos de maquiagem, todos eles, em grau maior ou menor, provocam estesia e a cognição. A partir disso pode-se dizer que a maquiagem assume a função de vetor, tanto na sociedade quanto na encenação, papel fundamental em todas as sociedades e, muito especialmente, na encenação teatral. A pouca literatura de reflexão sobre a arte da maquiagem é uma contradição em relação à demanda artística e acadêmica na área. Acredito que a Academia deva ser um local propício ao procedimento de reflexões e estudos críticos facilitadores de construções e revisões epistemológicas. No caso específico da maquiagem para o teatro, linguagem artística ainda bem pouco afeita às sistematizações, as lacunas são grandes. Apesar de um número considerável de publicações acerca das maquiagens sociais e corporais, essas publicações visam mais a um conteúdo técnico ou a coletâneas com a documentação fotográfica das obras dos artistas. As reflexões sobre as novas demandas estéticas conceituais, no âmbito da caracterização como um todo e em particular sobre a maquiagem para o teatro, ou a maquiagem corporal utilizada em performances, ou mesmo em exposições, podem efetivamente trazer uma contribuição bem-vinda ao ainda incipiente campo de estudo da maquiagem social, teatral e corporal, como também contribuir para os estudos de semiótica.

32 ENUNCIADOS PINTADOS SOBRE O ROSTO OU O CORPO Meu rosto está maquiado, limpo de Toda singularidade, tornado vazio, para refletir Os pensamentos, agora mutáveis (...) (BRECHT, 2000, p.247) Um espelho na frente, em seus reflexos percebe-se um rosto, aliás, esta é a única maneira de ver os próprios traços do rosto 1. Base e corretivo são como borracha para apagar alguns indesejáveis traços de uma história, cansaços, abatimentos, espinhas e inchaços. Pronto! Aí está uma tela preparada para enunciar novos textos, novas histórias, novas personagens. Bastam pincéis, pós, sombras, blushes e batons para darem novas cores, outras texturas, diferentes brilhos, aumentar ou diminuir profundidades e volumes e, assim, descobrir ou inventar rostos. O que quero dizer hoje? Quem eu quero mostrar? Quero me ocultar no meio da massa urbana ou quero que os outros olhos me percebam? Mais que técnicas de aplicação, mais que correções de formato de rosto, de nariz, de olhos e de bochechas, a maquiagem é um acontecimento definido no tempo e no espaço, ou seja, é uma enunciação. Ao pensar a maquiagem como um enunciado que ocorre em contextos sociais cuja apreensão se dá na multiplicidade das dimensões sociais e psicológicas, ela é, então, operada na dimensão do discurso, ou seja, de fato, pode-se afirmar que a maquiagem é um discurso em ato procedente de uma presença. O conjunto das operações, dos operadores e dos parâmetros que orientam o discurso, antes mesmo da exposição do sujeito, é resultado de um ato de enunciação que produz a função semiótica (FONTANILLE, 2007, p.97). Além do mais, a maquiagem é uma conversão de um envelope corporal em superfície de inscrição semiótica e efêmera, na medida em que se podem inscrever 1 Merleau-Ponty observa a necessidade de um segundo corpo para observar o próprio corpo, principalmente a cabeça: Minha cabeça só é dada à minha visão pela extremidade de meu nariz e pelo contorno de minhas órbitas. Posso ver meus olhos em um espelho com três faces, mas eles são os olhos de alguém que observa, e mal posso surpreender meu olhar vivo quando, na rua, um espelho me envia inopinadamente minha imagem. (...) Meu corpo visual é objeto nas partes distanciadas de minha cabeça, mas, à medida que se aproxima dos olhos, ele separa dos objetos, arranja no meio deles um quase-espaço ao qual eles não têm acesso, e, quando quero preencher este vazio recorrendo à imagem do espelho, ela ainda me remete a um original do corpo que não está ali, entre as coisas, mas do meu lado, aquém de qualquer visão. (2006b, p.135)

33 33 diversos textos sobre a pele, algo parecido com o palimpsesto 2, que permitia que um mesmo pergaminho, um suporte de inscrição escasso nos tempos remotos da civilização, fosse utilizado até mais de duas vezes. Desse modo, o texto era raspado e um novo texto escrito sobre a superfície do pergaminho. Entretanto, no âmbito do corpo, para que a conversão ocorra, é necessário existir uma debreagem que converta o envelope corporal em objeto semiótico. A partir disso, pode-se dizer que o corpo, mais que um simples suporte para as maquiagens, deve pertencer a um actante que sofrerá ou realizará um ato, por meio da operação de debreagem. Contudo, esse actante, além do envelope corporal, deve estar dotado da intencionalidade para realizar a enunciação e ser, efetivamente, um corpo sensível que se exprime. 2 Exemplo utilizado por Didier Anzieu na definição do Eu-pele, que será visto no tópico

34 O CORPO SEMIÓTICO: DA HEXIS CORPORAL AO CORPO DO ACTANTE O corpo é uma espécie de escrita viva no qual as forças imprimem vibrações, ressonâncias e cavam caminhos. O sentido nele se desdobra e nele se perde como num labirinto onde o próprio corpo traça os caminhos. (LINS, 2003, p. 11) Mas a partir do momento em que alguém se pergunta pela operação que reúne os dois planos de uma linguagem, o corpo se faz indispensável 3. (FONTANILLE, 2004a, p.13) Figura 1: Maquiagem Glamourosa. Fonte: AUCOIN, 1995, p. 59. Na figura acima, Shinya e Masako Mori (Fig. 1) enunciam que são glamourosas: usam os clássicos lábios vermelhos, porém se diferenciam nos olhos: Shinya, à esquerda, de olhos proeminentes, usa sombras escuras para dar-lhes profundidade; e Masako os tem mais leves, iluminados com sombra dourada e enfatizados pela linha 3 Mais, dès qu on s interroge sur l opération qui réunite les deux plans d un langage, le corps devient indispensable.

35 35 dos cílios ressaltada com delineador preto. Além disso, usa as sobrancelhas finas estilo anos 30. Cada visual tem o seu próprio recurso, enquanto ambos são decididamente glamourosos 4 (AUCOIN, 1995, p. 60). Neste exemplo, percebe-se que, para ser considerada glamourosa, a maquiagem deve conter alguns requisitos determinados pelo grupo de referência, ou seja, deve ter cores brilhantes, batons vermelhos, entre outros elementos. Contudo, sob a camada da maquiagem, encontrase um corpo que garante a presença do ser no mundo e que significa em ato, isto é, no mesmo momento em que é feita a enunciação. Há uma relação de copresença em que os efeitos de sentido só podem surgir e ser vividos hic et nunc, mediante uma experiência recíproca, de ordem estésica, entre participantes (LANDOWSKI, 2001, p.285). Da origem etimológica (corpus, -õris), que opõe a materialidade ou a carnalidade do corpo à espiritualidade da alma, às abordagens da semiótica ou da antropologia, que preenchem o corpo de sentidos culturalizados, chega-se ao corpo que nos interessa, aquele que, sendo suporte da maquiagem, oferece sua superfície já preenchida de sentidos. É assim que a semiótica compreende: O corpo é simultaneamente um dos vetores da sociedade e da relação com o outro, o objeto e o suporte de práticas terapêuticas, rituais e simbólicas, a ancoragem principal das lógicas do sensível e das formas de relações semióticas com o mundo que o rodeia, características de cada cultura 5. (FONTANILLE, 2004a, p.12) Para Bourdieu, há um corpo característico em cada círculo de convívio, ou seja, nas profissões tradicionais ou não, nos círculos de capital social, nos círculos culturais, entre outros. A formação familiar, escolar e extra escolar é que concede um determinado corpo a um indivíduo por meio de tendências duradouras que são características de uma hexis corporal, conforme explica o autor : Tudo se passa como se os condicionamentos sociais vinculados a uma condição social tendessem a inscrever a relação com o mundo social em uma relação duradoura e generalizada com o próprio corpo, uma 4 Each look has its own appeal, while both are decidedly glamorous. 5 Le corps est tout cela à la fois: un des vecteurs de la socialité et de la relation à autrui, l objet et le support de pratiques thérapeutiques, rituelles et symboliques, l ancrage principal des logiques du sensible et des formes de relations sémiotiques avec le monde environnant, caractéristique de chaque culture.

36 36 maneira de posicionar o corpo, de apresentá-lo aos outros, de movimentá-lo, de reservar-lhe um lugar, que lhe dá sua fisionomia social. (BOURDIEU, 2008, p. 439) Para Fiorin (2008a, p.144), a hexis corporal seria a maneira como o indivíduo mantém o corpo, um modo de apresentação aos outros indivíduos, a maneira como se move e como ocupa um espaço. A hexis corporal é a manifestação de um estilo de vida por meio do corpo (FIORIN, 2008a, p. 144). Assim como Shinya e Masako (Fig.1) que se apresentam glamourosas ao se maquiarem daquele modo, revelando, além dos seus estilos de vida, o grupo social ao qual pertencem. O corpo é, portanto, considerado um produto social, uma imagem da sociedade, contudo, é necessário que os sinais que o compõem pareçam naturais ao grupo de referência. De modo geral, os indivíduos procuram se camuflar no grupo, se adaptam e se conformam com as imposições do meio social e adotam a hexis corporal característica do seu grupo. A manifestação estética do vestir, que é também um componente da hexis corporal, é abordada por Greimas no artigo Uma estética exaurida, do livro Da imperfeição (2002). Nele, o autor discrimina os parâmetros para as escolhas das roupas. Em primeiro lugar estaria a funcionalidade das vestimentas em relação às condições atmosféricas, depois a referência passa a ser o meio social: As pressões sociais em segundo lugar: a mulher se vestirá em função do meio ao qual ela pertence, da previsão do ambiente ou dos ambientes e das circunstâncias que ela deverá afrontar. As exigências da natureza - e sobretudo de sua representação social conjugam-se assim com as da cultura (GREIMAS, 2002, p. 76). Desse modo, o corpo é submetido às forças e aos valores que a sociedade lhe impõe e, a partir disso, ele pode reagir contra essas tensões ou pode se submeter a elas. O corpo, assim, pode ser visto como objeto ou como sujeito. O corpo, tanto para Jeudy (2002, p. 14) quanto para Merleau-Ponty (2006b, p. 110), pode ser sujeito do objeto que ele representa, das sensações que o excitam. Não querendo prejulgar nada, tomamos ao pé da letra o pensamento objetivo e não lhe colocaremos questões que ele próprio não se coloca. Se somos conduzidos a reencontrar a experiência atrás dele, essa passagem só será motivada por seus próprios embaraços. Vamos então considerá-lo operando na constituição de nosso corpo como objeto, já que este é um momento decisivo na gênese do mundo

37 37 objetivo. Ver-se-á que o corpo próprio se furta, na própria ciência, ao tratamento que a ele se quer impor. E, como a gênese do corpo objetivo é apenas um momento na constituição do objeto, o corpo, retirando-se do mundo objetivo, arrastará os fios intencionais que o ligam ao seu ambiente e finalmente nos revelará o sujeito que percebe assim como o mundo percebido. (MERLEAU- PONTY, 2006b, p. 110) O corpo fenomenológico é, por conseguinte, um corpo visível e reflexivo, com formas físicas constituintes de um indivíduo, fruto das interrogações que Merleau-Ponty (1989) fez à Ciência e à Filosofia. Um corpo concreto e sensível, exposto a forças e tensões, internas e externas. Um corpo que é um sincretismo de sujeito e objeto, parafraseando Luiz Tatit (1996), actantes das categorias funcionais, termos que possuem a mesma extensão, todavia, sem redução de um diante do outro: O corpo, como objeto entre outros, é também sujeito, com o ato de ver implicando que a corporeidade das coisas se impõe a ele no momento mesmo em que como objeto ele crê decidir por uma boa parte do que está vendo (JEUDY, 2002, p.150). Na semiótica, Luiz Tatit explica que as marcas de percepção e sensibilização do corpo têm um tratamento mais técnico: Tudo ocorre como se houvesse a supressão do núcleo sintáxico que distingue os actantes sujeito e objeto por meio de uma superposição (que, por vezes, dá origem a uma certa confusão) dessas funções, de tal maneira que poderíamos falar de sincretismo actancial. A manifestação figurativa mais freqüente desse estado indiferenciado ou mesmo invertido das funções é a do sujeito tornando-se objeto das emoções produzidas pelo objeto estético. (TATIT, 1996, p. 201) Shinya e Masako, ao se maquiarem daquela maneira, estão realizando um ato enunciativo, estão em junção com o objeto hexis corporal do grupo de referência glamouroso. Por outro lado, devido à complexidade do corpo visível, elas podem se tornar o objeto de valor de várias outras mulheres que desejam se adequar àquele grupo, e, por conseguinte, as duas são actantes de um processo narrativo. Assim, o actante, gerador do sincretismo actancial ao qual se refere Tatit, é uma entidade sintática da narrativa que se define como termo resultante da relação transitiva, seja ela uma relação de junção ou de transformação (BARROS, 2003, p.84). Greimas e Courtés (2008, p.20) explicam que ele pode ser concebido como aquele que realiza ou que sofre o ato independentemente de qualquer outra determinação. Desse modo, o

38 38 sincretismo actancial ao suspender a oposição sujeito/objeto e convocar os mecanismos de sensibilização se aproxima da noção da coisa senciente, explica Merleau-Ponty em O olho e o espírito: como O enigma reside nisto: meu corpo é ao mesmo tempo vidente e visível. Ele, que olha todas as coisas, também pode olhar a si e reconhecer no que está vendo então o outro lado do seu poder vidente. Ele se vê vidente, toca-se tateante, é visível e sensível por si mesmo. É um si, não por transparência, como o pensamento, que só pensa o que quer que seja assimilando-o, constituindo-o, transformando-o em pensamento mas um si por confusão, por narcisismo, por inerência daquele que vê naquilo que ele vê, daquele que toca naquilo que ele toca, do senciente no sentido -, um si, portanto, que é tomado entre coisas, que tem uma face e um dorso, um passado e um futuro...(merleau-ponty, 1980, p. 88) Além de realizarem ou sofrerem o ato, os actantes são forças e papéis necessários à realização de um processo (FONTANILLE, 2007, p. 147). Porém, do ponto de vista corporal, o actante deixa de ser concebido como uma pura posição formal presumida para ser uma posição corporal, ou melhor, o actante passa a possuir uma carne e uma forma corporal, sede primordial dos impulsos e das resistências que sustentam a ação transformadora dos estados de coisas 6 (FONTANILLE, 2004a, p.22). Tal fato é vivenciado por Shinya e Masako, actantes que possuem corpos, que podem se manifestar ou serem percebidas como forma, já que possuem um envelope corporal, e/ou como força, ou seja, energia e movimento. O actante encarnado, portanto, se lança à orientação e à assimetria da relação humana com o mundo. 7 O corpo é veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente nele.(...) pois se é verdade pela mesma razão que meu corpo é pivô do mundo: sei que os objetos tem várias faces porque eu poderia fazer a volta em torno deles, e neste sentido tenho consciência do mundo por meio do meu corpo. (MERLEAU- PONTY, 2006b, p.122) Só posso compreender a função do corpo vivo realizando-a eu mesmo e na medida em que sou um corpo que se levanta em direção ao mundo (MERLEAU-PONTY, 2006b, p.114). 6 Premier siège des impulsions et des résistances qui sous-tendent l action transformatrice des états de choses. 7 As questões sobre o corpo do actante serão aprofundadas no tópico

39 39 Em suma, é com o corpo que o ser humano apreende as coisas ao seu redor, à medida que vai vivenciando diversas situações. A presença do ser no mundo é uma presença corporal. Shinya e Masako são percebidas, naquele momento eternizado pela fotografia, em uma festa, em um evento de moda ou apenas num estúdio fotográfico; ou seja, assim como todos nós, possuidores de um corpo, somos, então, percebidos no tempo e no espaço. Como corpos, somos uma ancoragem espaçotemporal que serve de ponto de referência central ao processo perceptivo, como afirma Merleau-Ponty (2006b). A zona de corporeidade é o lugar de onde vivenciamos o mundo: é ao habitar o espaço e o tempo que as ações humanas vão adquirindo um sentido que é imputado pela corporeidade; pensamento este que é corroborado por Bourdieu: Dimensão fundamental do sentido da orientação social, a hexis corporal é uma maneira prática de experimentar e exprimir o sentido que se tem, como se diz, de seu próprio valor social: a relação que se mantém com o mundo social e o lugar que a pessoa se atribui nesse mundo nunca se declara tão bem quanto através do espaço e do tempo que ela se sente no direito de tomar aos outros, e, mais precisamente, o lugar que ocupa com seu corpo no espaço físico, por uma postura e por gestos firmes ou reservados, amplos ou acanhados (de alguém que pretenda parecer importante diz-se, de forma bem clara, que é espaçoso ) e com sua fala no tempo, pela parte do tempo de interação de que se apropria e pela maneira, segura ou agressiva, desenvolta ou inconsciente, de se apropriar desse tempo. (BOURDIEU, 2008, ) A relação espaço-temporal do corpo com o mundo social se intensifica quando diz respeito à cosmética, em especial, à maquiagem como marca social, que atuará nas partes modificáveis do corpo para dar novos sentidos e fazer o sujeito adquirir outros valores no mundo. A capacidade que o corpo possui de colocar o indivíduo em contato com o mundo, de fazer com que ele se mova até a significação, se deve a diversas propriedades: ao movimento, ao foco, à sensoriomotricidade e à intencionalidade. O corpo fenomenológico é um ser indissociável e polissensorial, no qual há a junção de uma forma e uma experiência. O corpo é assim, para além de veículo ou suporte, o princípio mesmo da actancialidade e da intencionalidade 8 (FONTANILLE, 2004a, p. 124). 8 Au principe même de l actantialité et de l intentionnalité.

40 40 A intencionalidade é um traço definidor da narratividade, função do actante sujeito, que, ao ser concebida em um nível mais abstrato, permite uma generalização crescente e facilita a tarefa de análise narrativa (BARROS, 2001, p. 45) de um gesto, de um movimento corporal ou de uma maquiagem. Greimas explica que prefere o conceito de intencionalidade ao de intenção, já que o primeiro, oriundo da fenomenologia, acolhe a motivação e a finalidade, permitindo conceber o ato como uma tensão que se inscreve entre dois modos de existência: a virtualidade e a realização (GREIMAS, 2008, p. 267). Tal conceito de intencionalidade está relacionado ao de competência modal. Se a narrativa recobre uma relação de junção entre sujeito e objeto, a competência modal é a dotação de um poder e de um saber ao sujeito que concretizará a performance, ou o fazer transformador do homem no mundo, em constante devir na busca de sentido. Tanto Shinya quanto Masako, por meio da maquiagem, puderam e souberam enunciar a sua posição no meio social. Desse modo, um indivíduo, ao se apresentar maquiado de uma determinada maneira aos outros indivíduos, ao adotar determinados movimentos e ocupar determinados espaços com uma determinada fisionomia corporal, vai construindo sua hexis corporal, para se inserir em uma determinada sociedade, ou negá-la. Para Fontanille, a intencionalidade é significante porque é movimento até as coisas (2004a, p.131) 9, e o movimento é intencional, orientado Presença do corpo do actante: a intensidade da carne e as extensões do corpo próprio Por mais frustrante que seja, essa hipótese apresenta, a nosso ver, o interesse de introduzir uma distinção não insuperável, certamente, mas pelo menos heuristicamente (e, portanto, provisoriamente) útil entre dois níveis: em profundidade, um mínimo de permanência, um núcleo de identidade cujo caráter relativamente estável se postula; e ao contrário, na superfície, um jogo de substituições entre formas passageiras que determinam outros tantos estados transitórios, frutos de transformações bruscas ou de mutações mais lentas, mas que tanto umas como outras só adquirem sentido em referência à existência pressuposta (ao nível profundo ) de um ser que perdura tal como em si 9 L intentionnalité est signifiante parce qu elle est mouvement vers les choses.

41 41 mesmo através de todos os seus avatares. Efetivamente, para que alguma coisa possa se transformar de maneira significativa, é preciso que esse algo exista e, de certa forma, se mantenha. (LANDOWSKI 2002, p ) A relação entre Shinya e Masako e o meio social de referência, no caso, o glamouroso, servirá também como exemplo de como um actante encarnado pode ser analisado. Desse modo, para dar um sentido de glamour a suas maquiagens, identidades figurativas, Shinya e Masako precisam da alteridade dos glamourosos. Portanto, ativos ou passivos, os actantes sujeitos encarnados vão construindo as suas identidades, incluindo as figurativas, durante a realização de um processo semiótico por meio da intencionalidade, ou seja, a partir da orientação que vão seguindo em relação ao grupo social de referência. Em outras palavras, o actante sujeito encarnado, individual ou coletivo, eu ou nós, para constituir sua identidade, conforme explica Landowski, tem a necessidade de um ele dos outros (eles) para chegar à existência semiótica (2002, p.4), uma vez que o si próprio se organiza na relação com a alteridade. Fontanille (2004a, p.23), ao conceber o actante do ponto de vista corporal, primeiramente, o divide em duas instâncias, uma dupla identidade: a carne e o corpo próprio. A primeira instância, a carne, seria um eu de referência, que resistirá ou participará da ação de transformação dos estados de coisas. É a instância que toma posição e organiza o campo de presença. Por ser a sede do núcleo sensoriomotor, pura sensibilidade, a carne é também a matéria submetida a pressões e tensões oriundas do campo perceptivo. A carne seria, então, como consta em epígrafe, nas palavras de Landowski: o nível em profundidade, um mínimo de permanência, um núcleo de identidade cujo caráter relativamente estável se postula. Como exemplo da definição de carne, pode-se utilizar o da materialidade, ainda sem identidade, de Shinya e Masako. Materialidade esta que participa da transformação em estado de glamourosas. Quanto aos avatares de Shinya e Masako com maquiagens glamourosas, podese dizer que são exemplos da segunda instância do actante encarnado, ou seja, o corpo próprio que é constituído na semiose, uma vez que é considerado a única entidade comum entre o eu e o mundo. Desse modo, a materialidade de Shinya e de

42 42 Masako tem em comum com o mundo do glamour os seus avatares glamourosos. O corpo próprio é, por conseguinte, o mediador da relação de um plano da expressão e de um plano do conteúdo 10 no discurso em ato. De acordo com Hjelmslev (1975, p.215), a função semiótica (semiose), é a reunião completa do plano do conteúdo e do plano da expressão e pressupõe uma homogeneização da existência semiótica. Homogeneização esta que é o resultado da articulação da exteroceptividade - os produtos da percepção das figuras do mundo natural provenientes do mundo exterior - e a interoceptividade 11 - os produtos da percepção do mundo interior, cognitivo e emocional. Para Fontanille (2007), trata-se de uma denominação favorável ao perceptivo que reconfigura os planos da expressão (associado ao exteroceptivo) e do conteúdo (ligado ao interoceptivo). A instância do corpo próprio é, portanto, uma fronteira, o meio com o qual o actante sujeito encarnado se relaciona com o mundo. É um invólucro sensível delimitador de um domínio interior (conteúdo) e de um domínio exterior (expressão), portanto, uma percepção proprioceptiva da posição do corpo próprio. Por conseguinte, o corpo-próprio traz consigo a identidade em construção e em devir, submetido a um princípio de força diretriz. Assim, ele é considerado como o suporte do Seu Outro. Seria, no nível da superfície, um jogo de trocas de aparências fugazes que motivam diversos estados momentâneos cujas transformações, lentas ou bruscas, apenas alcançarão sentido em relação com o eu de referência que permanece, como afirma Landowski, tal como em si mesmo através de todos os seus avatares. A carne é, então, matéria visível; o corpo próprio é a fronteira, o invólucro, como também as diferentes formas e as diversas cores, tais quais as carnes matérias de Shinya e de Masako e seus invólucros lapidados em glamour. 10 Vale lembrar que os elementos do plano do conteúdo são aqueles ligados à sintaxe e à semântica das etapas do percurso gerativo, já os elementos materiais, como o som na linguagem verbal, ou a cor e a topologia, em textos visuais, pertencem ao plano da expressão. 11 Merleau-Ponty explica que quando um corpo segue em direção ao mundo, a extereoceptividade exige uma enformação dos estímulos, a consciência do corpo invade o corpo, a alma se espalha em todas as suas partes, o comportamento extravasa seu setor central (...) (2006b, p.114). Assim, as noções de esquema corporal são primeiramente empregadas então em um sentido que não é seu sentido pleno, e é seu desenvolvimento imanente que demole os métodos antigos. Primeiramente, entendia-se por esquema corporal um resumo de nossa experiência corporal capaz de oferecer um comentário e uma significação à interoceptividade e à proprioceptividade do momento. Ele devia fornecer-me a mudança de posições das partes de meu corpo para cada movimento de uma delas (...) (MERLEAU-PONTY, 2006b, p.144).

43 43 É a carne como tangibilidade e também como visibilidade que atravessa o corpo próprio, num movimento de dessubjectivação. Outro nome para designar o ser bruto, a carne é uma instância de anonimização do corpo, enquanto este é uma figuração da carne. (BABO, 2001, p. 257) Assim, conforme explica Fontanille (2004a, p. 36), o corpo do actante pode ser analisado a partir das duas instâncias: pela carne, um eu de referência, e pelo corpo próprio, Seu Outro em devir. Desse modo, pode-se considerar que a identidade actancial do sujeito encarnado se constrói no ato semiótico que emerge do estímulo sensoriomotriz do actante, cujo modelo de produção semiótica se apoiará na interrelação entre a carne e o corpo próprio, entre o Eu e o Seu Outro. O ato será então o resultado da correlação (conversa ou diversa) entre as pressões exercidas sobre o moi-carne (de tipo sensoriomotor) e as pressões exercidas sobre o soi-corpo-próprio: permanecer o mesmo, transformar-se e apropriar-se etc. Toda figura de ato pode ser definida, nesse sentido, como o resultado de uma dupla determinação, de um equilíbrio ou de um desequilíbrio entre esses dois tipos de pressões. 12 (FONTANILLE, 2004a, p. 36) O corpo como ancoragem da presença no mundo é o primeiro modo de existência da significação, de acordo com Fontanille e Zilberberg (2001, p.123). Sendo assim, cada efeito de presença deve reunir um grau de intensidade (energia, força, intensidade sensível, resistência), que torna a percepção mais viva ou menos viva (FONTANILLE e ZILBERBERG, 2001, p.19), e determinada posição ou quantidade na extensidade (duração, espaço, número de alteridades integradas etc.), que guia ou condiciona o fluxo da atenção do sujeito da percepção (FONTANILLE e ZILBERBERG, 2001, p. 19). As correlações conversas e diversas das dimensões intensivas e extensivas são responsáveis pela formação e estabilização das figuras semióticas. Desse modo, a presença conjuga, em suma, forças (internas) de um lado, e posições e quantidades (externas), do outro (FONTANILLE, 2007, p. 76), domínios internos e externos em um mundo sensível. Portanto, o corpo próprio se constitui na força da relação semiótica, em cujo fenômeno do ato possuirá uma competência interna (energia) e uma 12 L acte résultera alors de la corrélation (convergente ou divergente) entre les pressions exercées sur le Moi-chair (de type sensori-moteur) et les pressions exercées sur le Soi-corps prope: rester Le même, devenir et tenir, etc. Toute figure d acte peut alors être définie comme résultant d une double détermination, d un équilibre ou d un déséquilibre entre ces deux types de pressions.

44 44 competência externa (posições). No caso do actante encarnado, a competência interior, a energia, está no domínio da carne (Eu) e a competência exterior está no domínio do corpo próprio (Seu Outro). De volta à materialidade da carne de Shinya e de Masako, pode-se compreender como se organiza o campo de presença que é constituído a partir da percepção da presença da matéria corporal das duas moças. Esse campo seria, assim, uma espécie de equivalência das relações juntivas entre sujeito e objeto, uma área na qual se exerce a percepção e na qual o sujeito se constitui no percurso (entradas, estadas, saídas e retornos) para alcançar um objeto. No caso de Shinya e Masako, em um primeiro momento, percebe-se a presença da materialidade dos dois corpos numa determinada intensidade, nesse instante forma-se o campo de presença; no instante seguinte, passa-se a perceber Shinya e Masako maquiadas glamourosamente, em junção com o glamour 13 (objeto de valor) do meio social de referência. O percurso é, portanto, circunscrito pela própria percepção do sujeito. As gradações da relação entre sujeito e objeto são de responsabilidade da tensividade, que é a pressuposição recíproca entre dois gradientes orientados, representados nos gráficos tensivos por um eixo da intensidade relacionado aos estados de alma, ao sensível, e um eixo da extensidade relacionado aos estados de coisas, ao inteligível (MANCINI, TROTTA e SOUSA, 2007, p.296). No instante em que a presença das materialidades dos corpos de Shinya e Masako, ainda sem identidade, é percebida, é estabelecido um foco; no momento seguinte, ocorre a apreensão cognitiva da tomada de posição das moças glamourosas. Portanto, o eixo da intensidade está relacionado à potência da tensão entre sujeito e objeto, à tonicidade da percepção, já o outro eixo, da extensidade, irá circunscrever a dimensão do campo de percepção do sujeito. Na função percepção, as duas operações necessárias para uma representação da significação em ato são assim denominadas: foco (intensidade) e apreensão (extensidade). Desse modo, os graus de intensidade e de extensão, controlados pelas operações do foco e da apreensão, 13 Além de magnetismo e charme pessoal, glamour é considerado um objeto de valor do mundo luxuoso: muitas festas, grifes caras, maquiagens e cabelos de acordo com o estilo de vida luxuoso e contemporâneo.

45 45 convertem-se em graus de profundidade perceptiva 14. Os eixos da intensidade e da extensidade e a área de correlação podem ser representados conforme o esquema tensivo número 1: + Eixo da Intensidade Domínio Interno, Interoceptivo, Plano do conteúdo. Estado de alma, sensível. Operação: Foco Carne - Área de correlação Resulta da tomada de posição. Presença Sensível Proprioceptiva - Eixo da Extensidade Domínio Externo, exteroceptivo. Plano da Expressão. Estado de coisas, inteligível. Operação: apreensão Corpo-próprio + A figura do ato semiótico dos actantes sujeitos encarnados Shinya e Masako corresponde a um equilíbrio entre as pressões exercidas sobre a carne e as pressões exercidas sobre o corpo próprio que, neste caso, entra em devir e se apropria do glamour do meio de referência, representado no esquema tensivo número 2: 14 A profundidade é justamente a distância (sensível, percebida) entre o centro e os horizontes (...). É um movimento entre o centro e os horizontes, uma variação da tensão entre a intensidade e a extensão (Fontanille, 2007, p. 102).

46 46 + Eixo da Intensidade Operação: Foco Carne Shinya e Masako - - Eixo da Extensidade Operação: apreensão Corpo-próprio Shynia e Masako Glamourosas + Assim, as moças glamourosas, presentes num meio social glamouroso, partem de uma presença da materialidade dos seus corpos que se manterá quando ocorrer a apreensão do glamour dos seus invólucros maquiados. Por estarem em conjunção com o seu meio de referência, ou seja, de acordo com a hexis corporal glamourosa, trata-se de uma correlação conversa, isto é, se o meio pede glamour então as moças se apresentam maquiadas apropriadamente a ele, conforme o esperado. As duas dimensões evoluem na mesma direção, ou seja, quanto mais Shynia e Masako são focadas, maior será a extensão da apreensão, e a estabilização das presenças das duas moças. Desse modo, o aumento da intensidade combinado com o desdobramento da extensão produz uma tensão afetiva e cognitiva (FONTANILLE, 2007, p.112), gerando, assim, um esquema de amplificação De acordo com Fontanille, os esquemas tensivos serão esquemas discursivos elementares, que regulam a interação do sensível e do inteligível, as tensões e os relaxamentos que modulam essa interação (2007, p.109). O princípio que organiza a estrutura tensiva possibilita quatro tipos de esquemas: de decadência, de ascendência, da amplificação (exemplificado acima) e da atenuação. (FONTANILLE, 2007, p )

47 47 Fontanille explica que o Eu e o Seu Outro (carne e corpo próprio) são inseparáveis, é como se fossem o anverso e o reverso de uma mesma entidade. As duas instâncias do actante encarnado se pressupõem e se determinam reciprocamente, ou seja: o Soi [Seu Outro] é essa parte dele mesmo que o Moi [Eu] projeta para fora de si para poder construir-se atuando; o Moi [Eu] proporciona ao Soi [Seu Outro] o impulso e a resistência que lhe permitem colocar-se em marcha até seu devir; o Soi [Seu Outro] proporciona ao Moi [Eu] a reflexibilidade que necessita para medir-se a si mesmo durante a troca. O Moi [Eu] estabelece ao Soi [Seu Outro] um problema que tem que ser resolvido permanentemente: o Moi [Eu] se desloca, se deforma, resiste, e obriga o Soi [Seu Outro] a afrontar sua própria alteridade, problema que o Soi [Seu Outro] se esforça em resolver, seja por repetição e semelhança, seja por foco 16 constante e mantido. (FONTANILLE, 2004a, p.24) 17 Percebe-se, portanto, que são várias estratégias a que um sujeito encarnado pode recorrer para representar e desenvolver sua própria identidade ante a figura complementar que ele se dá como representante do outro. Nesse caso, o plano das práticas sociais em questão é o da problemática das relações intersubjetivas 16 Quando Fontanille explica que o corpo-próprio Seu Outro ao afrontar a alteridade procura fazê-lo por repetição e semelhança ou por foco constante e mantido, ele se baseia nas teorias de Paul Ricoeur sobre os modos de construção do Seu Outro: Soi-idem, por repetição e semelhança (apreensão) e soiipse por manutenção e permanência (foco). Paul Ricoeur explica que a sua tese é que a identidade na acepção de ipse não implica nenhuma afirmação relativa a um pretendido núcleo não variável da personalidade. É aquilo, quando bem mesmo a ipseidade traria modalidades claras de identidade. Como a análise da promessa atesta. Ora o equivoco da identidade refere-se ao nosso título por meio do sinônimo parcial em francês entre mesmo e idêntico. Nas suas acepções variadas, mesmo é empregado no âmbito de uma comparação: tem por contrários: outro, contrário, distinto, diversos, desigual, oposto. O peso desse uso comparativo do termo mesmo me pareceu tão grande que eu teria doravante que adotar mesmice para sinônimo da identidade-idem e que eu oporia a ipseidade por referência a identidade-ipse (1990, p.13). Notre thèse será que l identité au sens d ipse n implique aucune assertion concernant um prétendu noyau non changeant de la personalité. Et cela, quand bien même l ipséité apporterait des modalités propres d identité. Comme l analyse de La promesse l attestera. Or l équivocité de l identité concerne motre titre à travers La synonymie partielle, en français du moins, entre même et identique. Dans ses acceptions variées, même est employé dans le cadre d une comparaison: il a pour contraires: autre, contraire, distinct, divers, inégal, inverse. Le poids de cet usage comparatif du terme même m a paru si grand que je tiendrai désormais la mêmeté pour synonyme de l identité-idem et que je lui opposerai l ipséité par référence à l identité-ipsé. 17 Le Soi est cette part de lui-même que le Moi projette hors de lui pour pouvoir se construire en agissant; le Moi est cette part de lui-même auquel le Soi se réfère en se construisant. Le Moi procure au Soi l impulsion et la résistance qui lui permettent de se mettre en devenir; le Soi procure au Moi cette réflexivité dont Il a besoin pour se mesurer à lui-même dans le changement. Le Moi pose au Soi un problème qu il n a de cesse de résoudre: le Moi se déplace, se déforme et résiste, et contraint le Soi à affronter sa propre altérité, problème que le Soi s efforce de résoudre soit par répétition et similitude, soit par visée constante et maintenue.

48 48 vivenciadas, tais como se manifestam em um conjunto de discursos e de práticas empiricamente observáveis. São os sujeitos em situação (LANDOWSKI, 2002, p.31). Landowski (2002) esclarece que, ao dar forma à própria identidade, não seria apenas pela maneira reflexiva que o sujeito tenta se definir, isto é, como o outro o vê, mas também pela maneira por meio da qual o sujeito percebe o outro e lhe atribui um conteúdo próprio à diversidade que os separa. Isso significa que seja no plano da vivência individual, seja no da coletiva, a emergência do sentimento de identidade parece passar necessariamente pela intermediação de uma alteridade a ser construída (LANDOWSKI, 2002, p.4). Contudo, conforme observam Fontanille e Zilberberg (2001, p.153), do ponto de vista fenomenológico, o mundo sensível, quando é observado por um sujeito, passa a ser um eterno devir. Pode-se reter ou estender os esboços que constituem o ser sensível, sucedendo-se ou superpondo-se indeterminadamente. Em primeiro lugar, ela [a percepção] não se apresenta como um acontecimento no mundo ao qual se possa aplicar, por exemplo, a categoria da causalidade, mas a cada momento como uma re-criação ou uma re-constituição do mundo. Se acreditamos em um passado do mundo, no mundo físico, nos estímulos, no organismo tal como nossos livros o representam, é primeiramente porque temos um campo perceptivo presente e atual, uma superfície de contato com o mundo ou perpetuamente enraizada nele, é porque sem cessar ele vem assaltar e investir a subjetividade, assim como as ondas envolvem um destroço na praia. (MERLEAU-PONTY, 2006b, p ) Da mesma forma, o glamour envolve as materialidades tanto de Shinya quanto de Masako fazendo-as utilizar cores e brilhos específicos na realização de suas maquiagens glamourosas.

49 Corpo: movimento e envelope O movimento do corpo só pode desempenhar um papel na percepção do mundo se ele próprio é uma intencionalidade original, uma maneira de se relacionar ao objeto distinta do conhecimento. É preciso que o mundo esteja, em torno de nós, não como um sistema de objetos dos quais fazemos a síntese, mas como um conjunto aberto de coisas em direção às quais nós nos projetamos. (MERLEAU-PONTY, 2006b, p.518) O movimento e o envelope têm o sentido de uma interação entre forças e substâncias, entre uma energia e uma matéria 18 (FONTANILLE, 2004a, p.127), cujo encontro produz um caso particular dos equilíbrios energéticos que dão lugar à conversão eidética. A partir das sensações provocadas pelos encontros de corpos, próximos ou distantes no espaço-tempo, são atualizadas zonas críticas e limites, ou seja, o movimento corporal que esbarra com o envelope do mundo ou vice-versa. O princípio semiótico continua inalterado, trocando-se apenas as posições dos corpos actanciais posicionais: fonte ou alvo. Assim, partindo do campo de presença do mundo glamouroso, no qual ele é o centro do campo, no modo da intensidade, ele sente a presença das materialidades de Shinya e de Masako, então, o mundo glamouroso procura focá-las para reconhecê-las como a origem da intensidade. Contudo, ele é a fonte do foco, mas também o alvo da intensidade das moças, uma vez que elas desejam se inserir naquele mundo. O mundo, porém, permanecerá a fonte do foco até que a presença de ambas seja percebida como intencional. Assim, a partir desse momento, o mundo do glamour, que até então era o centro do discurso, perde a iniciativa do foco e passa a ser ele próprio focado pela intensidade que sente das presenças das moças, ou seja, a alteridade intencional (das moças maquiadas de glamour) toma a forma no interior do campo glamouroso. Inversamente, no modo da extensão, no qual se pratica a apreensão, o mundo do glamour é o centro do campo e também o ponto de referência de todas as avaliações de distância espaço-temporal e de quantidade de glamour. Portanto, ele é, simultaneamente, a fonte da apreensão e das medidas da extensão, ele é quem avalia. 18 D une interaction entre des forces et des substances, entre une énergie et une matière,

50 50 Porém, no momento em que a presença das duas moças é percebida como intencional, é o lugar do actante mundo glamouroso, centro do discurso, que passa a ser apreendido e avaliado por Shinya e por Masako. Agora, o mundo do glamour é que é o alvo da comparação e da quantificação. Essa é uma relação centrífuga, na qual Shinya e Masako focam o mundo sensível, elas saem da sua materialidade (centro de referência) e adotam a hexis corporal glamourosa (seu outro). Nos preceitos da tradição psicológica, as concepções de esquema corporal (gestalt-teoria, Shilder), esquema postural (Head), dividem-se em duas tendências: esquema postural, que aprecia a posição do corpo em movimento, e os esquemas de superfície, que remetem a uma percepção dos limites corporais, observados do interior e do exterior, que proporcionam uma forma e uma imagem ao corpo. Fontanille (2004a, p.125) alerta para as duas representações distintas do corpo: o movimento e o envelope, as forças e a forma. A primeira é Kinestésica e a segunda, sinestésica e holística. Desse modo, o gestual comunicativo e a energia libidinal, o fluxo perceptivo e a sensoriomotricidade dizem respeito à carne móvel. O envelope, mais ligado às semióticas desenvolvidas pela psicanálise, também faz referência aos gestos comunicativos, entretanto, depende tanto das posturas (movimento e sensoriomotricidade) quanto das superfícies (fronteiras e envelope). Finalmente, a distinção fenomenológica entre carne e corpo faz eco também, indiretamente e em um nível mais fundamental, a essa distinção figurativa: de fato, a unidade da carne e do Moi [Eu] se baseia em uma síntese Kinestésica, enquanto que a do corpo, como identidade do Soi [Seu Outro] em devir, se apoia em uma síntese sinestésica e holística. A carne husserliana é hilética e sensoriomotriz, enquanto o corpo próprio é eidético. 19 (FONTANILLE, 2004a, p. 126) O caminho que se apresenta a partir do movimento e dos envelopes é apropriado para a compreensão de como um indivíduo chega a uma determinada identidade figurativa, ou mais especificamente, como chega a utilizar determinado tipo de maquiagem num meio social. Desse modo, deve estar claro que o movimento 19 Enfin, la distinction phénoménologique entre chair et corps fait elle aussi echo, indirectement et à un niveau plus fundamental, à cette distinction figurative: en effet, l unité de la chair et du Moi repose sur une synthèse Kinesthésique, alors que celle du corps, comme identité du Soi en devenir, repose sur une synthèse coenesthésique et holistique; la chair husserlienne est hylétique et sensori-motrice, alors que le corps propre est eidétique.

51 51 semiótico permanece constante entre o movimento corporal que esbarra com o envelope do mundo e entre o movimento do mundo que esbarra com o envelope corporal, e o que se modifica é a distribuição dos papéis actanciais posicionais: fonte e alvo. Segundo Fontanille (2007, p.104), não há prioridade entre os actantes posicionais ou entre os focos e as apreensões, assim como os papéis que recobrirão os actantes serão definidos pela orientação do discurso. Desse modo, pode-se dizer que quando o actante-fonte movimento (matéria corporal de Shinya e Masako) entra em relação intensa e afetiva com o actante-alvo - envelope do mundo (seu outro glamouroso), está em um campo posicional aberto, no eixo da intensidade (foco). Como também, em um outro momento, poderá ocorrer uma mudança de posição e de registro: o actante fonte - envelope do mundo (seu outro glamouroso) entrará em relação cognitiva e extensiva ou quantitativa com o actante alvo- movimento (matéria corporal de Shinya e Masako), em um campo posicional fechado, no eixo da extensidade (apreensão). Desse modo, o foco atualizará e abrirá as estruturas de campo. Em outra situação, a apreensão as realizaria e as fecharia (2007, p.159). O movimento é, então, uma energia (sensoriomotriz) que se destina às substâncias do mundo sobre as quais serão desenhadas ou reveladas formas (envelopes das coisas do mundo glamouroso e do corpo glamouroso). O envelope corporal é constituído a partir da energia do mundo (glamouroso) ou do corpo-carne sobre a matéria corporal, estabelecida como reativa e resistente. O corpo, portanto, é definido como movimento e como envelope, por causa do deslocamento do ponto de vista, que, devido à inversão dos papéis actanciais, pode ser fonte da energia (movimento) ou alvo (envelope), como explica Fontanille (2004a, p. 128). Merleau- Ponty, no livro A estrutura do comportamento, também aborda esse princípio: Já que o próprio corpo não é apreendido como uma massa material e inerte ou como um instrumento exterior, mas como o invólucro vivo de nossas ações, o princípio destas não precisa ser uma força quase física. Nossas intenções encontram nos movimentos sua vestimenta natural ou sua encarnação e exprimem-se neles como a coisa se exprime em seus aspectos perspectivos. (MERLEAU-PONTY, 2006a, p. 292)

52 52 Desse modo, o que deve ficar claro é que o movimento corporal é intencional e o envelope, individualizante, e ambos constituem o actante encarnado. A partir de uma lei semiótica geral, as figuras são formadas a partir da interação da matéria e da energia, e, mais adiante, de um diálogo entre a intensidade e a extensidade, no campo da presença, como pode ser visto no esquema tensivo número 2. A carne e o corpo próprio se distinguem dos outros sistemas físicos pela orientação e pela assimetria das relações com o mundo, característica, de acordo com Fontanille (2004a, p ), do encarnado. Também colaboram nessa distinção a natureza tímica das tensões decadentes das condições anteriores e, ainda, os dois ícones actanciais: a forma do envelope e a carne movimento Eu-pele: um envelope corporal semiótico Por Eu-pele designo uma representação de que se serve o Eu da criança durante as fases precoces de seu desenvolvimento para se representar a si mesma como Eu que contém os conteúdos psíquicos, a partir de sua experiência da superfície do corpo (ANZIEU, 1989, p. 44). O psicanalista francês Didier Anzieu explica que Envelope é uma noção abstrata que exprime o ponto de vista de um observador minucioso, mas de fora (1989, p.67). Na semiótica, de acordo com Fontanille, o sujeito, a partir da experiência sensorial, passa a perceber seu próprio envelope, tanto no campo transitivo quanto no recursivo. Desse modo, todos os objetos palpáveis, odoríficos, auditivos ou visíveis são dotados de envelopes e podem envolver qualquer coisa com suas capas englobantes. Além disso, o envelope converte-se em uma parte característica de algo transformado em actante do mundo sensível 20 (2004a, p. 109). O envelope corporal seria o resultado da energia do mundo ou do corpo-carne, aplicada à matéria corporal, tratada como forma reativa e resistente 21 (FONTANILLE, 2004a, p.128). Anzieu parte da noção de barreiras de contato, desenvolvida por Freud, para 20 L enveloppe devient une partie caractéristique d une chose transformée en actant du monde sensible. 21 Le résultat de l énergie du monde ou du corps-chair lui-même, appliquée à la matière corporelle, traitée alors comme forme réactive et résistante.

53 53 ampliar o conceito de envelope corporal, no qual há um duplo sentido: o primeiro de para-excitação, uma espécie de filtro protetor dos estímulos exteriores, e, o segundo sentido, de membrana resistente e impermeável que abarca as forças interiores. Esses dois sentidos fazem das barreiras de contato uma espécie de operadoras de triagem que atuam sobre a quantidade (extensidade) e a intensidade das solicitações e agem a partir de um acordo modal e axiológico. Fontanille, então, entende a definição de envelope corporal como uma rede polissensorial e superficial que põe em contato o Eu e o mundo, ou mais precisamente, que recebe, de um lado, solicitações do mundo e, do outro, solicitações do Eu 22 (2004a, p. 141). Portanto, pode-se dizer que o envelope é uma superfície protetora, uma membrana, que poderia ser relacionada com a percepção das fronteiras da imagem do corpo (ANZIEU, 1989, p. 35), mais precisamente do corpo próprio. A partir de duas premissas, a primeira freudiana e a segunda Jacksoniana, nas quais a função psíquica se desenvolve apoiada na função corporal e na do córtex que tende a comandar o sistema nervoso, Anzieu desenvolve a teoria do Eu-pele que combina as propriedades fenomenológicas do corpo próprio, unitário e detentor de uma forma global, e as propriedades da topologia energética oriundas da psicanálise, fundando, dessa maneira, uma tipologia figurativa do corpo: a experiência específica do corpo-próprio como envelope sensorial e psíquico, como película, fronteira e membrana que separa e coloca em comunicação o eu e o mundo para mim (FONTANILLE, 2004b, p. 100). Para o psicanalista, a pele tem uma importância capital: ela fornece ao aparelho psíquico as representações constitutivas do Eu e de suas principais funções. Esta constatação está presente no quadro da teoria geral da evolução. (ANZIEU, 1989, p. 109) Ao Eu-pele Anzieu atribui algumas funções: sustentação, continente, paraexcitação, individuação (filtro qualitativo), conector intersensorial, receptor do prazer e da dor, barreira de recarga e de descarga energética, superfície de inscrição dos desenhos exteriores significantes (ANZIEU, 1989, p ). E essas funções, como pensa Fontanille, fazem dos avatares do corpo o verdadeiro crisol da função semiótica 22 Le réseau polysensoriel et superficiel qui met en contact le moi et le monde ou, plus précisément qui reçoit d un côté des sollicitations du monde et, de l autre, celles du moi.

54 54 e a manifestação concreta da formação das instâncias enunciantes 23 (2004a, p. 124). Assim, o corpo transformado em um Eu-pele é um corpo cinestésico, um invólucro suscetível de funcionar como superfície de inscrição, e de engendrar por debreagem o conjunto dos suportes semióticos, os substratos materiais do plano da expressão (FONTANILLE, 2001, p.235). A pele é um envelope corporal semiótico especial para este trabalho, uma vez que Anzieu transforma o Eu-pele em uma superfície na qual se podem gravar signos (FONTANILLE, 2004a, p. 233). Uma tela que recebe as projeções psíquicas, sobre a qual os jogos de sombra (masoquismos, auto torturas, narcisismo etc.) podem significar os estados interiores do sujeito. A partir disso, de uma maneira mais geral, o envelope corporal semiótico seria, assim, uma superfície de inscrição, uma interface entre os conteúdos de sentido e suas expressões 24 (FONTANILLE, 2004a, p.233). 1.2 DE ENVELOPE CORPORAL A OBJETO SEMIÓTICO (...)também se muda de roupa sem trocar de pele. (ASSIS, 1994, p.79) Deixo, momentaneamente, Shinya e Masako usufruindo toda glamourosidade para apresentar um outro corpo actante: Margarete, agora figurativizada nas linhas do poema de Jorge de Lima, O grande circo místico: (...) A filha de Lily Braun a tatuada no ventre quis entrar para um convento, mas Oto Frederico Knieps não atendeu, e Margarete continuou a dinastia do circo de que tanto se tem ocupado a imprensa. Então, Margarete tatuou 25 o corpo sofrendo muito por amor de Deus, 23 Font des avatars du corps, en outre, le véritable creuset de la fonction sémiotique, et la manifestation concrète de la formation des instances énonçantes. 24 Anzieu, convertit le Moi-peau en une surface où des signes peuvent être gravés, en un écran ou des jeux d ombres peuvent être projetés, et signifier ainsi les états intérieurs du sujeit. C est, plus généralement, dans une perspective sémiotique, ce qui fait de l enveloppe corporelle une véritable surface d inscription, une interface entre les contenus de sens et les expressions dont elle a recueilli les traces. 25 Utilizo este exemplo da tatuagem, porque, mesmo ela não sendo efêmera, o efeito é praticamente o mesmo que daria a surpresa de um corpo totalmente maquiado. A tatuagem, no caso, tem um efeito mais dramático e duradouro, mas isso não tira o fator didático para a compreensão da definição desejada.

55 55 pois gravou em sua pele rósea a Via-Sacra do Senhor dos Passos. E nenhum tigre a ofendeu jamais; e o leão Nero que já havia comido dois ventríloquos, quando ela entrava nua pela jaula adentro, chorava como um recém-nascido. Seu esposo o trapezista Ludwig nunca mais a pôde amar, pois as gravuras sagradas afastavam a pele dela e o desejo dele (LIMA, 2006, p. 133). Apesar de o exemplo partir de um enunciado escrito, com a concepção formal de actantes que ocupam posições formais presumidas e explícitas, diferentemente do discurso em ato, ele deixa claro como se dá a operação de debreagem que possibilita transformar a pele - envelope corporal - em superfície de inscrição semiótica sobre a qual se podem pintar enunciados. A enunciação é concebida por Greimas (2008), a partir de três operações: a debreagem, a embreagem e a convocação 26. Vale lembrar que o primeiro ato semiótico é o da tomada de posição, e assim, ao enunciar uma posição, ela é dotada de uma presença (a materialidade corporal- carne de Margarete). Quem opera o ato de enunciação é o corpo próprio (seu outro- Margarete tatuada), primeira forma assumida pelo actante da enunciação. Desse modo, Margarete, ao tatuar a sua própria pele rósea, a torna uma superfície de inscrição sobre a qual figura a Via-Sacra do Senhor dos Passos, o mundo sagrado com o qual ela quer entrar em conjunção. A debreagem, segundo ato fundador da instância do discurso, instala as condições para a realização do discurso de Margarete ao provocar a transição de uma realidade indizível, ou seja, virtual, a um discurso realizado: a passagem do desejo proibido de Margarete de querer entrar para um convento ao ato enunciativo operado pela debreagem que permite gravar em sua pele rósea a Via- Sacra do Senhor dos Passos, proporcionando, assim, a projeção do que era próprio a Margarete, ou seja, o mundo sagrado. As gravuras inscritas sobre o corpo-próprio, envelope corporal, provocaram um confronto direto com o mundo do circo cujas reações foram: o eterno respeito do tigre, o choro do feroz leão Nero ao ver Margarete nua pela jaula adentro e a impossibilidade do seu esposo o trapezista Ludwig - 26 O conceito das operações de embreagem e de convocação não será utilizado neste trabalho. Verificar GREIMAS e COURTÉS, Dicionário de semiótica, 2008, p. 159 e FONTANILLE e ZILBERBERG, Tensão e significação, 2001, p. 200.

56 56 poder amá-la, já que as gravuras sagradas afastavam a pele dela e o desejo dele. Margarete, por suposição, nesse momento, separava-se do mundo do circo e este se distanciava de Margarete 27. A debreagem separa a simples presença da materialidade de Margarete do discurso realizado de Margarete tatuada. Desse modo, Margarete tatuada pode se desdobrar em extensão e pluralizar o seu discurso que foi aberto, admitindo mais espaços e mais momentos, proporcionando, desse modo, deslocamentos dos pontos de vista, dos jogos de memória. A operação de debreagem, portanto, oferece ao envelope corporal a oportunidade de ter vários sentidos e assim ser um objeto semiótico. 1.3 ENVELOPE SEU OUTRO-PELE: SUPORTE SENSÍVEL PARA INSCRIÇÕES DE UM SUJEITO NO MUNDO O que há de mais profundo no homem é a pele. Depois medula, cérebro, tudo o que é necessário para sentir, sofrer, pensar... ser profundo (...), são as invenções da pele!... Nós nos esforçamos em vão de nos aprofundar, doutor, nós somos... ectoderma. (VALÉRY, 1960, p ) O Eu pele seria, assim, o protótipo de todas as superfícies de inscrição 28 (FONTANILLE, 2004a, p. 150). Quando Margarete gravou em sua pele rósea a Via-Sacra do Senhor dos Passos, ela projetou as sensações do seu encontro corporal com o mundo do circo e enunciou a sua dor e o seu mal-estar em relação ao meio circense e, ao mesmo tempo, revelou o seu prazer e bem-estar perante Deus. Essas eram as solicitações do mundo circense e as solicitações do eu de referência (carne) de Margarete intermediadas pela rede polissensorial e superficial do seu envelope corporal. 27 Digo que é uma suposição para o recorte feito do poema. Na verdade, o autor do poema não permitiu que Margarete se afastasse do circo, pois nos versos seguintes escreve: Então, o boxeur Rudolf que era ateu e era homem fera derrubou Margarete e a violou. Quando acabou, o ateu se converteu, morreu. Margarete pariu duas meninas que são o prodígio do Grande Circo Knieps. (LIMA, 2006, p. 134) 28 Le Moi-peau serait donc le prototype de toutes les surfaces d inscription.

57 57 O afeto negativo, denso e obscuro de Margarete em relação ao meio circense tornava o seu envelope corporal também opaco, assim, ela inscreve os efeitos do sentir nos estados de coisas, viabilizado pela operação de debreagem. Fontanille (2008, p.174), baseado nas teorias de Marc Richir, explica que a opacidade corporal causada pelos acontecimentos afetivos propicia ao corpo uma existência atual e autônoma, resistente e cheia de obstáculos. O envelope corporal, então, tem a opacidade como propriedade que o torna impermeável sob a forma de uma película resistente e visível. Apesar do limite imposto por ele às emoções e aos afetos, estes ainda são forças capazes de modificá-lo. A modificação dos envelopes das coisas e do mundo só pode ser realizada pelo envelope corporal ladeado pela carne movimento; ele repleto de afetos e energia e ela possuidora da capacidade de projeção sobre os estados de coisas. Contudo, vale ressaltar que, diante da característica do envelope corporal de interface entre o Eu de referência e o outro, Fontanille modifica, para o envelope semiótico, a nomenclatura Eu-pele, adotada por Anzieu, na psicanálise. O envelope possui, literalmente, o estatuto de um eu-mesmo como outro, quer dizer, segundo Ricoeur, de um Soi. Não seguiremos, pois, os psicanalistas, que identificam o envelope com o Eu: o eu-pele será desde já para nós o Soi-pele 29 (FONTANILLE, 2004a, p. 143). A pele, maior órgão do corpo humano, é o que determina o limite do corpo com o meio externo (Eu e o Seu Outro). É formada por três camadas: uma, mais externa e responsável pela proteção da camada sensível (nervos e tato), é chamada de epiderme; depois a derme e a parte mais profunda, a hipoderme. É na pele que se observam as seguintes funções orgânicas: 1- sustentação do esqueleto e dos músculos; 2- cobertura total da superfície do corpo no qual se inserem os sentidos externos; 3- proteção da camada sensível e do organismo; 4 proteção da individualidade celular; 5- hospedagem dos órgãos de sentido (exceto o tato, que está na epiderme); 6- Investimento libidinal; 7- estimulação do tônus sensório-motor; 8- fornecimento de informações sobre o mundo exterior (calor, frio, pressão, dor e tato); 9- autodestruição. A essas funções orgânicas, Anzieu faz uma correspondência às 29 L enveloppe a donc, littéralement, le statut d un moi-même comme un autre, c est-à-dire, selon Ricoeur, un Soi. Nous ne suivrons donc pas les psychanalystes,qui identifient l enveloppe au Moi : le moi-peau sera désormais pour nous un Soi-peau.

58 58 funções do Eu-Pele: 1- Manutenção do psiquismo; 2 continente; 3 Para-excitação; 4 Individuação do self; 5- inter-sensorialidade; 6- sustentação da excitação sexual; 7- recarga libidinal; 8- inscrição dos traços sensoriais; 9- autodestruição. As funções orgânicas do Eu-pele reafirmam a relação fronteiriça do Eu e o mundo. Seria por meio dos orifícios da pele, entre eles, os poros, que ela segue por dentro do corpo, ligando as suas áreas externa e interna. E é na parte interna do corpo que o ser humano é semelhante, desconsiderando, obviamente, o funcionamento metabólico e o código genético (PIRES, 2005, p. 106). Externamente, é na pele que estão estampadas a pluralidade cultural e étnica, as misturas, a miscigenação de raças, além de ser superfície para novas inscrições: peles são preciosas máscaras contadoras de histórias (CAMPELO, 1996, p. 96). O corpo, na parte interna, é uma estrutura com matérias e funções, e, na externa, um envelope por meio do qual se comunica com o entorno, com o mundo. O entorno, o tempo e a sociedade podem modificar esse envelope corporal, a película de superfície. Essa modificação, como pensa Fontanille (2004a, p. 246), tende a proteger a estrutura interior contra as tensões, agressões, pressões do exterior. Além da função de recepção dos estímulos e excitações exteriores, o envelope corporal (físico ou psíquico) cumpre também os papéis de adaptação e modificação da superfície e de proteção. Indo mais adiante, Fontanille (2004a, p.246) explica que é com o intuito de um efeito persuasivo 30 e emblemático do corpo, centralizado pelo envelope, que ele comunica e torna significativa a identidade preservada, em harmonia ou em dissonância com um determinado meio social. Michel Serres (2001, p. 66), assim como Anzieu, acredita que a pele é como se fosse um mapa; é história de cicatrizes, de marcas, de pistas lançadas em sua superfície que alguns tentam esconder e outros exibem como se fossem livros abertos. As cicatrizes e as marcas na pele, como pensa Jeudy, são como sinais indestrutíveis de uma degradação física e natural que se quer esconder. Já as escarificações 31 (Fig. 2) e as tatuagens realizadas artificialmente são expostas aos olhos de todos. Ao 30 As questões sobre o efeito persuasivo serão aprofundadas no capítulo 3, tópico 3.1 O FASCÍNIO PERSUASIVO. 31 Escarificações: produção de pequenas incisões simultâneas e superficiais na pele. (FERREIRA, 1999, p. 794)

59 59 pensar nas marcas corporais como uma forma de expressão do indivíduo em relação ao mundo, vemos que isso somente poderia acontecer sobre o envelope corporal que delimita esses dois espaços. A sensibilidade, alerta aberta a todas as mensagens, ocupa mais a pele que o olho, a boca ou a orelha...os órgãos dos sentidos acontecem aí quando ela se faz doce e fina, ultrareceptiva. Em alguns lugares, em locais determinados, ela se rarefaz até a transparência, abre-se, estende-se até a vibração, torna-se olhar, ouvido, olfato, paladar... Os órgãos dos sentidos variam estranhamente a pele, ela própria variável fundamental, sensorium commune: sentido comum a todos os sentidos, que serve de elo, ponte, passagem entre Figura 2: Escarificações em uma mulher da eles, plano banal, parede-meia, tribo Nuba. Fonte: GRÖNING, 1998, p coletiva, partilhada(...) A pele irradia seu feixe, revela sua densidade, desabrocha, expõe as coisas que os sentidos põem em um lugar centralizado, dilui e dissolve. A planície é feita das areias que rolam de cada montanha, o leito dos rios, como o rosto, é feito da erosão das lágrimas e das rugas do riso. Nosso amplo e longo invólucro variável ouve muito, vê pouco, aspira secretamente os perfumes, estremece sempre, ao ruído, à luminosidade forte, ao fedor, recua de pavor, retrai-se ou exulta. Freme diante do branco e das notas altas, desliza suave, a qualquer carícia. As coisas nos banham dos pés à cabeça, a luz, a escuridão, os clamores, o silêncio, as fragrâncias, toda sorte de ondas impregnam, inundam a pele. Não estamos embarcados a dez pés de profundidade, mas mergulhados. (SERRES, 2001, p. 66) E é exatamente do encontro sensível entre o corpo e o mundo, como está relatado no texto de Serres, que nascem as sensações. As lágrimas e os risos, o pavor e as carícias, os prazeres e as dores, o bem-estar e o mal-estar, como os de Margarete, que podem ser afetos (positivos ou negativos) que se acumulam, que invadem e enchem o corpo e que Fontanille tem a impressão de que só podem ser sentidos e pensados a partir da metáfora do continente: tudo ocorre como se os afetos

60 60 atualizassem um envelope que contivesse um conteúdo mais ou menos saturado 32 (2004a, p.128). Assim como Margarete, no poema de Lima, ou como Shinya e Masako, na fotografia de Kei Ogata, ou, ainda, como qualquer um de nós, sujeitos corpos actantes, que, ao aplicar uma base, um corretivo, sombras, opacas ou cintilantes, ao utilizar as cores e brilhos, fazemos do nosso corpo e dos envelopes corporais superfícies de inscrição para enunciar o mundo, ou os mundos, que nos afetam e aos quais afetamos. Ou ainda, o mundo com seus movimentos e variados envelopes que acabam por capturar e seduzir corpos actantes que procuram adequar seus envelopes corporais, dando-lhes novas cores para conquistar definitivamente o meio que os envolveu. Mais ainda, corpos actantes que, no intuito de preservar o que lhes é próprio, reagem e utilizam a superfície de inscrição para aplicar cores chocantes, formas escandalosas e, desse modo, mostrar o mal-estar que lhes causam determinados meios sociais. Fontanille (2004a, p. 129) afirma que o diálogo semiótico ininterrupto, as trocas tensivas e tímicas entre o sujeito e o mundo são traduzidos corporalmente e figurativamente pela tensão e pela dialética entre os movimentos da carne e o envelope corporal. O que faz, sem dúvida alguma, do envelope corporal Seu Outropele/superfície de inscrição um suporte sensível no qual se projetam em figuras o estar no mundo de um sujeito corpo actante. 1.4 ENTRE SUPERFÍCIE DE INSCRIÇÃO E SUPORTE DE ENUNCIAÇÕES O Eu-pele exerce uma função de inscrição dos traços sensoriais táteis, função de pictograma (...), de escudo de Perseu enviando(...) uma imagem da realidade em espelho. O Eu-pele é o pergaminho originário que conserva à maneira de um palimpsesto, os rascunhos rasurados, riscados, reescritos de uma escrita originária pré-verbal feita de traços cutâneos (ANZIEU, 1989, p. 120) Por meio da superfície de inscrição, Margarete entra em contato com o sagrado e, ao mesmo tempo, separa-se do mundo circense. As gravuras sagradas afastavam 32 Elles semblent ne pouvoir être senties et pensées qu à partir de la métaphore du contenant : tout se passe comme si les affections actualisaient une enveloppe qui contiendrait un contenu plus ou moins saturé.

61 61 a pele dela e o desejo dele. Assim, acontece o defrontamento direto do envelope do mundo circense com o envelope do Eu de referência de Margarete. A superfície de inscrição é, portanto, capaz de separar e de contatar as fronteiras de mundos diferentes, conforme revela Anzieu: A tela do pintor, a página branca do poeta, as folhas pautadas do compositor, o cenário ou o terreno de que dispõem o dançarino ou o arquiteto, e evidentemente o rolo de filme, a tela cinematográfica, materializam, simbolizam e reavivam essa experiência da fronteira entre dois corpos em simbiose como superfícies de inscrição, com seu caráter paradoxal - que volta a se encontrar na obra de arte, de ser ao mesmo tempo uma superfície de separação e uma superfície de contatos (ANZIEU, 1993, p. 82) 33 O enigma do envelope corporal está em ter, simultaneamente, um dorso, que abriga um conteúdo, e uma face, na qual se inscrevem expressões. Se Margarete estivesse em conjunção com o mundo do circo, ela inscreveria em sua face cores vivas e luminosas, ainda assim a superfície de inscrição a separaria dos outros mundos que não lhe fossem próprios. Contudo, ela projeta sobre a superfície o seu eu de referência, fazendo com que a superfície de inscrição a separe do circo. A superfície, para Anzieu (1993, p. 82), constitui uma barreira protetora da autonomia interna e da identidade pessoal e, pelo outro lado, ela filtra seletivamente os intercâmbios entre o interior e o exterior, sobre a qual são inscritas as excitações. Fontanille, então, atribui ao envelope o caráter de verdadeira interface semiótica, uma vez que de um lado, o envelope contém os conteúdos, de outro inscreve as expressões (2004b, p.107). Seria pela mediação do envelope e das inscrições que a semiose pode ser efetuada de maneira não formal, ou seja: o Seu Outro -envelope é o operador corporal da reunião do plano do conteúdo e do plano da expressão e, dessa vez, o contato entre os corpos, a contigüidade entre a carne e seu envelope basta à operação (FONTANILLE, 2004b, p. 107). 33 As traduções do espanhol foram feitas por Mônica Ferreira Magalhães. Em rodapé será transcrito o trecho original: La tela del pintor, la página blanca del poeta, las hojas pautadas del compositor, el escenario o el terreno del que disponen el bailarín o el arquitecto, y evidentemente el rollo de película, la pantalla cinematográfica, materializan, simbolizan y reavivan esa experiencia de la frontera entre los dos cuerpos en simbiosis como superficie de inscripciones, con su carácter paradójico que vuelve a encontrarse en la obra de arte de ser a la vez una superficie de separación y una superficie de contactos.

62 62 A função de inscrição permite abraçar o princípio da constituição do Eu e do Seu Outro e o princípio da produção semiótica, em especial a artística. E é exatamente por isso que Fontanille considera o Eu-pele como o protótipo carnal de todas as superfícies de inscrição (2004a, p ). Cabe lembrar, então, conforme observa Fontanille, que: A dissociação do protoactante de substrato em um Eu de referência e em um Soi [Seu Outro] em construção permite dar um conteúdo não formal à noção de debreagem, e compreender ao mesmo tempo porque a debreagem induz automaticamente a efeitos de pluralidade, de coerência e de incoerência: o Soi debreado está feito de identidades múltiplas, transitórias e sucessivas, cuja reunião em uma só identidade actancial, em forma de papéis, por exemplo, é precisamente a questão a ser tratada no devir narrativo do actante 34. (2004a, p.27-28). Desacelerar, inverter e modificar são as operações aptas para transformar o envelope: o recurso da relação de englobamento apoia a desaceleração; o interno e o externo são passíveis de inversão; a natureza e a forma da superfície podem ser modificadas Propriedades de base, funções e oscilação dos modos de presença dos envelopes corporais O envelope corporal de um actante encarnado é um espaço topológico contínuo e maciço, contudo, ao enunciar suas novas posições por meio da operação de debreagem, essas propriedades podem ser mantidas e ressaltadas ou podem ser alteradas, invertidas ou deformadas, proporcionando, desse modo, a atuação do envelope corporal como superfície de inscrição e suporte e, às vezes, visível ou virtualmente distanciado em uma enunciação. Essas transformações dos envelopes corporais fazem com que a percepção das suas presenças em um campo perceptivo oscile entre os dois gradientes da tonicidade perceptiva: o foco e a apreensão nos 34 La dissociation du proto-actant substrat en un Moi de référence et un Soi en construction permet de donner un contenu non-formel à la notion de débrayage, et en même temps de comprende pourquoi le débrayage induit automatiquement des effets de pluralité, de cohérence et d incohérence: le Soi débrayé est fait d identités multiples, transitoires et successives, dont la réunion en une seule identité actantielle, sous forme de rôles, par exemple, est justement la question à traiter dans le devenir narratif de l actant.

63 63 eixos da intensidade e da extensidade, respectivamente. O campo de presença perceptivo fenomenológico se baseia na interpretação do par presença/ausência em termos de operações (aparecimento/desaparecimento) (FONTANILLE e ZILBERBERG, 2001, p.123). Tanto para a fenomenologia quanto para a semiótica, a presença, além de ser o primeiro modo de existência da significação, deve sempre conquistar a plenitude. O esquema do campo de presença de um envelope corporal como superfície de inscrição ou como suporte, avançado ou recuado, irá variar conforme o grau de recuo (ausência virtualizada) ou avanço (presença) do corpo durante o ato enunciativo. De todo modo, há uma correlação divergente 35 na interação entre o sensível (a intensidade, o afeto) e o inteligível (o desdobramento na extensão, o mensurável, a compreensão) no campo de presença de um envelope corporal deformado, cujos esquemas tensivos poderão ser de ascendência ou de decadência (Fontanille, 2007, p.109). Desse modo, os encadeamentos e as sobreposições de atos conjugam as oscilações entre as dimensões da intensidade (sensível) e da extensão (inteligível), conforme esquema tensivo número 3. + Eixo da Intensidade Operação: Foco Avanço/Presença do Envelope Corporal Força - - Eixo da Extensidade + Operação: apreensão Recuo/Ausência Virtualizada do Envelope Corporal Formas 35 Ver tópico Presença do corpo do actante: a intensidade da carne e as extensões do corpo próprio. Utilizo as nomenclaturas para as correlações e para os esquemas propostas por Fontanille nos livros Soma et Séma; figures du corps, 2004a, p.36 e Semiótica do Discurso, 2007, p

64 64 A partir das explicações de Fontanille (2007, p.111), pode-se dizer que no esquema de decadência ocorre uma diminuição da intensidade da presença do envelope corporal, isto é, a ausência virtual ou recuo do suporte corporal, que, ao ser combinado com o desdobramento da extensão (compreensão do enunciado pintado), produz um relaxamento cognitivo. Já no esquema de ascendência, há o aumento da intensidade da presença do envelope corporal, que, combinado com a redução da extensão (inteligível), produz uma tensão afetiva. Essa classificação dos esquemas decadentes e ascendentes, uma oscilação entre a força e as formas, se torna nesta investigação uma maneira de representar como se dá a percepção de um corpo maquiado. Pode-se dizer que Fontanille (2004a), ao desenvolver as propriedades do envelope corporal e as subsequentes transformações operadas pela debreagem, se baseou nos modos de presença do actante e nas propriedades do envelope psíquico desenvolvidas por Anzieu. Desse modo, tomando por base um modelo referente às roupas, sugerido por Fontanille, penso, então, em relação a uma inscrição efêmera sobre a superfície da pele: a maquiagem, seja ela uma simples técnica ou uma arte complexa e autônoma, por meio da qual é possível realizar diversas inscrições sobre um mesmo envelope corporal e, por conseguinte, enunciar diferentes Seus Outros. Ela consente que um sujeito actante encarnado se insira, ativamente ou passivamente, em diversos mundos, pois ela é a responsável pela preparação da superfície de inscrição de acordo com a hexis corporal desejada ou imposta ao indivíduo. Além do mais, a maquiagem permite expressar os afetos, positivos ou negativos, em relação ao meio social, enunciando, desse modo, o que é próprio e o que não é próprio a um sujeito. Fontanille (2004a, p. 150) relaciona as ações e transformações que caracterizam concretamente a operação de debreagem e que se referem precisamente às propriedades de base do envelope corporal e seguem aqui adaptadas para a maquiagem: - Conexão: a maquiagem aplicada sobre a superfície de inscrição pode reforçar e realçar a propriedade de conexão do envelope corporal, deixando-o como um todo único e contínuo; a maquiagem também pode ser uma inscrição segmentada, dividindo coordenadamente ou disjuntamente o envelope corporal que aparentaria estar

65 65 segmentado. Portanto, a maquiagem, durante o ato enunciativo, ao reforçar a propriedade de conexão do envelope corporal estaria confortando-o, do contrário, quando aparece segmentada, estaria comprometendo a conexão de um envelope corporal. - Compactação: a maquiagem, por meio de aplicação de próteses, elemento supérfluo e inesperado, se ajusta ao corpo assumindo, desse modo, a característica de compactação do envelope corporal; no entanto, quando provoca espaços vazios, por meio de cores intensas, despreza essa propriedade corporal, provocando a ilusão de um envelope corporal oco. Ao criar espaços vazios, a pintura corporal, então, não mostraria mais que uma cara, ocultaria o corpo, revelando, desse modo, a cara interior do envelope corporal. - Interface de triagem: por meio da maquiagem pode-se regularizar e polarizar os intercâmbios entre o que é próprio e não próprio ao sujeito, ou o que é próprio e não próprio ao meio social de referência, desse modo ela funciona como uma separação entre próprio e não próprio. - marca: por instrumentalização das inscrições que, nesta investigação, se adéqua melhor às marcas definitivas, como tatuagens, escarificações e aplicação de piercings. Cabe ressaltar que, conforme explicam Zilberberg e Fontanille (2001, p. 200), a propriedade pluralizante da debreagem é uma espécie de dissociação da pessoa e da não pessoa, ou do Eu e dos Seus Outros, ou seja, a multiplicidade de não pessoas, de Seus Outros. Os autores lembram que a pessoa subjetiva pode ser singular ou massiva (nós) e coletiva. A debreagem, então, adquire forma ao modificar as propriedades figurativas do envelope. Como a inscrição é de suma importância para o princípio de produção semiótica, em especial da artística, exemplificarei, as ações e transformações do envelope corporal, operadas pela debreagem e as oscilações no modo de presença, em sua maioria, a partir da pintura corporal artística.

66 Propriedade de conexão: deformação do envelope ou pluralização do enunciado. Figura 3: De Julio Larraz (Cuba) Fonte: Exposição Corpos Pintados. (2005) OCA São Paulo. Neste exemplo (Fig. 3), vemos o simulacro de uma paisagem montanhosa constituída por partes de corpos humanos pintados, que, ao primeiro olhar, são imperceptíveis e talvez nem fossem percebidos como tal se a fotografia não fizesse parte de uma exposição relacionada a corpos pintados. Esse tipo de figuração realista de uma paisagem aérea é uma característica do autor da obra, Júlio Larraz.

67 67 No plano da expressão destacam-se quatro planos cromáticos. No primeiro plano revela-se a cor verde texturizada com argila, que se sobressai sobre o dorso e parte do quadril de um envelope corporal na posição horizontal, dando a sensação de proximidade com o observador. O segundo plano cromático é composto por dois corpos justapostos na posição horizontal, dos quais são mostrados apenas a região glútea do primeiro e o glúteo e dorso do segundo. A aplicação da cor verde é mesclada com tons amarelos. A iluminação interfere diretamente ao destacar os pontos mais elevados, da mesma maneira como a luz natural do sol ilumina os topos das montanhas naturais. Sobre os três primeiros corpos, coordenados nesses dois planos, são distribuídos irregularmente pontos escuros que remetem a pequenos acidentes geográficos ou arbustos e vegetação. O terceiro plano cromático é composto por um único envelope corporal cuja parte destacada parece ser um ventre volumoso. A tonalidade verde já é mais dissipada, cede lugar a uma tonalidade mais ocre, com menos nitidez. O quarto e último plano cromático é escuro, o infinito. Os envelopes corporais fracionados funcionam de modo articulado dentro de uma totalidade que é a paisagem montanhosa, mas a noção da unidade corporal se afasta, comprometendo a propriedade de conexão do envelope corporal. A deformação do envelope provocada pelo processo de debreagem promove um recuo do corpo, que se torna um suporte invisível. Não há a mínima presença da carne humana de referência, e o que sobressai é o corpo-próprio montanhoso. Mais que superfície de inscrição, o envelope corporal é, neste exemplo, uma presença virtualizada, a fim de que possa criar uma ilusão de realidade da paisagem. Ao ser deformado, o envelope corporal, diminui a sua participação em ato e pluraliza partes autônomas que se ajustam harmonicamente em novos enunciados e novos espaços topológicos. O campo de presença dos envelopes corporais montanhosos desses actantes encarnados se movimenta em uma correlação divergente num esquema de decadência: como a propriedade de conexão do envelope corporal está comprometida pela inscrição, deformando o corpo, então a sua presença passa a ser distribuída, no eixo da intensidade, e dividida, no eixo da extensidade. Ocorre uma distensão provocada pelo recuo (ausência virtual) do envelope corporal, deixando, desse modo, o

68 68 foco distribuído no eixo da intensidade, o que gera a pluralização e a divisão no gradiente da extensão. Há, portanto, uma diminuição das tensões a seu fracionamento, e a morfologia associada é a que resulta da cisão, geradora do dividido (FONTANILLE e ZILBERBERG, 2001, p.137). Ao refutar a conexão, a articulação que a pintura corporal e o corte fotográfico provocam no envelope corporal ajuda na distensão que leva à virtualização da intensidade corporal. A imagem que Iregui (Fig. 4) produz também ameaça a propriedade de conexão do envelope corporal. Há somente um plano cromático e o corpo aparece irregularmente dividido pela única cor uniforme que se mistura ao fundo. O corpo é uma superfície de inscrição da figuração, enquanto o fundo é uma realidade. O movimento perceptível do corpo parece tentar inutilmente descolá-lo desse fundo branco. Aqui também há uma fragmentação do corpo que, como suporte, não está tão recuado quanto os corpos do exemplo anterior (Fig. 3), entretanto, também não se percebe um envelope corporal contínuo, e, sim, pedaços de um envelope corporal repartido. Há pontos em que não existe nenhuma separação com o fundo e esses pontos de invisibilidade do envelope corporal é que dão a sensação da fragmentação total da unidade Figura 4: De Jaime Iregui (Colombia). Fonte: Exposição Corpos Pintados. (2005) OCA São Paulo

69 69 corporal. A opacidade da cor que fragmenta o envelope e se mescla ao fundo, também, tenta fazer com que se esqueça da presença do suporte que ainda resiste, assim como a carne de referência sensoriomotriz que tentar resistir às pressões e tensões do mundo, tal qual Margarete, do poema de Jorge de Lima, que se atira em direção ao mundo sagrado na tentativa de se libertar do mundo circense que não lhe era próprio. No entanto, apesar da resistência do envelope suporte de inscrição, sua propriedade de conexão está ameaçada, uma vez que a operação de debreagem modifica a envoltura por deformação, já que o corpo aparece disperso e a enunciação não mantém a unidade corporal. Do mesmo modo que o exemplo anterior (Fig.3), o campo de presença do envelope corporal deste exemplo (Fig.4) se desloca em uma correlação divergente num esquema de decadência. Apesar da propriedade de conexão do envelope corporal da figura 4 não estar tão comprometida pela inscrição como no primeiro exemplo, ainda assim há uma desfiguração corporal. Por esse motivo, a sua presença também é distribuída, mesmo que em um grau menor que no exemplo anterior (Fig. 3), no eixo da intensidade, e dividida, no eixo da extensidade. A maneira como a pintura se pronuncia sobre o envelope corporal promove um certo afastamento do seu suporte e, portanto, o foco fica também distribuído no eixo da intensidade causando a divisão no gradiente da extensão. O esquema tensivo é o mesmo para os dois exemplos (Figs. 3 e 4), como é demonstrado no esquema número 4: Concentrado INT Distribuído Massivo EXT Dividido

70 70 Figura 5: De JOS BRANDS. Fonte: BRANDS, Jos - Airbrush and makeup, Figura 6: Estudo de Desnudo.Fonte: GAIR, Joanne. Arte en el Cuerpo, Nos dois exemplos acima aparecem o conforto da propriedade de conexão do envelope corporal. No exemplo à esquerda, uma pintura de Brands (Fig. 5) feita com airbrush 36, a unidade da superfície de inscrição está envolta pela cor azul, contudo, não há planos cromáticos, mas um perfeito jogo de luzes e sombras em uma fusão de tons que ressalta a musculatura do corpo do rapaz, preservando, desse modo, a unidade do 36 O airbrush (aerógrafo) é uma pequena pistola operada por ar que pulveriza vários tipos de tintas e corantes por um processo de atomização. Esse aparelho foi inventado por Charles Burdick, em 1893, para pintar aquarelas na intenção de ser um meio mais rápido e eficiente para aplicar a tinta sobre diversas superfícies. A aplicação de maquiagem com o airbrush vem sendo utilizada nos últimos anos em todos os tipos de maquiagem (beleza, efeitos especiais, cinema, pintura corporal, cobertura de tatuagens e, principalmente, na HDTV) devido ao seu acabamento impecável sobre a pele.

71 71 envelope corporal. O suporte corporal está presente e tem volumes e depressões valorizados, permitindo um acúmulo da função de inscrição e de figuração. Esse corpo sobre o qual são aplicadas cores também é mais um grafite da parede. A obra de Gair (Fig. 6), exemplo da direita, preserva a conexão do envelope corporal que é apresentado completamente envolto por uma calda de chocolate, que começa a invadir também o rosto da modelo, deixando-se supor que ele também será todo coberto. A unidade corporal, nesse momento, está completamente resguardada, contudo, o enunciado leva a crer que o envelope corporal poderá derreter como o chocolate, já que a calda escorre em longos fios pelos braços. Os volumes e as depressões do corpo não são ressaltados como na pintura de Brands (Fig. 5), o que favorece a ligação do envelope, porém percebem-se todos os contornos do esbelto corpo da modelo por causa do contraste com o fundo claro. Da mesma forma que nos dois primeiros exemplos (Figs. 3 e 4), nos quais a fragmentação dos envelopes corporais apresenta graus diferenciados, a conexão destes dois envelopes (Figs. 5 e 6) também exibe graus distintos, uma vez que os músculos ressaltados do rapaz (Fig. 5) podem remeter a uma divisão se comparados com a envoltura criada pela calda de chocolate que envolve todo o corpo da moça (Fig. 6). A debreagem, desse modo, conserva intacta a conexidade do envelope corporal que se transforma em uma superfície de inscrição cuja enunciação mantém a unidade do corpo. Desse modo, pode-se verificar que, quando o papel de unificação da propriedade de conexão do envelope corporal do actante é preservado pela inscrição, a presença no eixo da intensidade se torna concentrada, ou seja, o foco é mantido a partir uma reunião em um mesmo ponto, sem chance para desvios e, no eixo da extensidade, a apreensão se dá como uma totalidade indivisível, ou seja, como massas pouco articuladas porém individualizadas (FONTANILLE e ZILBERBERG, 2001, p.137). A reconstituição da intensidade da presença promove uma correspondência de forma massiva na extensidade, tal qual acontece na dissolução dos contornos e dos limites na arte barroca, como foi observado por Wölfflin (1989). A oscilação no campo de presença dos envelopes corporais dos dois exemplos (Figs. 5 e 6) também acontece numa correlação divergente, como os exemplos anteriores (Figs. 3 e 4), contudo, num esquema de ascendência, por causa da unidade

72 72 corporal. A preservação da propriedade de conexão desses envelopes corporais pela inscrição provoca o aumento da dilatação da densidade existencial, provocada pelo aumento do foco no gradiente da intensidade, seguido pela redução da extensão. A preservação da conexão dos envelopes corporais torna a percepção dessas presenças mais sensível, como pode ser observado no esquema abaixo: Concentrado INT Distribuído Massivo EXT Dividido

73 Propriedade de Compactação: o avesso e as espessuras do envelope corporal. Figura 7: Ofelia Dammert (Peru) Fonte: Exposição Corpos Pintados. (2005) OCA São Paulo. A pintura corporal acima (Fig. 7) é uma obra da peruana Dammert e apresenta dois contrastes cromáticos: o lado esquerdo é uniformizado por uma cor rosa muito clara, que contrasta com o fundo preto, efeito oposto ao que acontece no lado direito, no qual o fundo preto da fotografia se mescla com a base preta aplicada sobre o

74 74 envelope corporal, promovendo, assim, o recuo do suporte e revelando os ossos que estruturam o corpo humano, detalhadamente pintados com colorações que vão desde o branco amarelado até o marrom claro. A delimitação regular da ossatura pintada suscita no observador uma sensação de segurança que o leva a acreditar na possibilidade de tocá-los. A pintura promove, desse modo, o aumento de vazios entre os ossos pintados cujas formas são mantidas inabaláveis, virtualizando, assim, o suporte envelope corporal no lado direito. Há, portanto, uma cisão e a distinção do dentro em relação ao fora, sendo este um exemplo de como a debreagem modifica por inversão que compromete a propriedade de compactação corporal. Esse comprometimento da propriedade de Compactação faz com que o foco se espalhe no eixo da intensidade, tornando a presença difusa e, como correlato, acontece o aumento da apreensão cognitiva, há mais detalhes a serem percebidos. A movimentação no campo de presença desse envelope corporal se dá numa correlação divergente cujo esquema é de decadência. A difusão do foco e o aumento do número de detalhes a observar no lado direito da figura 7 estimulam um relaxamento cognitivo. De acordo com Fontanille e Zilberberg, com o difuso, do ponto de vista da intensidade, e o numeroso do ponto de vista da extensidade, a distensão se manifesta pela distância estabelecida e mantida entre o sujeito e o objeto, ainda quando benéfico (2001, p. 137). Os autores ainda observam que essa distensão era a categoria diretriz do estilo do Renascimento que provocava uma sensação de felicidade, como é demonstrado no esquema tensivo número 6: Compacto INT Difuso Uno EXT Numeroso

75 75 Figura 8: Special Make-up. Fonte: Catálogo Make-up Designory from the Los Angeles Campus, Figura 9: Keiko González (Bolívia). Fonte: Exposição Corpos Pintados. No exemplo da esquerda (Fig. 8) temos uma maquiagem de efeito especial com (2005) OCA São Paulo. aplicação de uma prótese de espuma de látex colada ao rosto de um modelo. Desse modo, a maquiagem aumenta a espessura do envelope corporal com elementos supérfluos e surpreendentes. Devido à qualidade da textura da prótese e ao acabamento delicado de sua aplicação não se nota a emenda, isto é, onde começa a prótese e onde termina o envelope corporal, o que não permite espaços vazios entre eles. O próprio movimento de debreagem que partiu do corpo engendrou objetos significantes para ele. A prótese de látex guarda a memória da sua origem corporal,

76 76 isto é, fora do rosto, ela antecipa o regresso ao corpo, como também o contato entre os dois, no momento da aplicação. Por ser ergonômica, a prótese de látex guarda a impressão (forma) do invólucro corporal, é o seu novo sentido debreado a partir do corpo e, logo, o completará. Neste exemplo, também acontece uma oscilação dos modos de presença, isto é, a primeira face desaparece para que a segunda possa aparecer. A prótese é, então, um meio de multiplicação das espessuras dos envelopes corporais que permite a percepção de um corpo em diálogo com outro corpo. O exemplo da direita (Fig. 9), a pintura de González, também utiliza próteses, agora de madeira, que prolongam as pernas e um braço do modelo. Além da multiplicação das espessuras, temos um complexo variado de cores que formam texturas e estas impedem a visão dos espaços vazios da divisão entre a prótese e as pernas. É claro que as pernas de pau não chegam a ser tão ergonômicas quanto as próteses de látex e também não acontece uma variação tão nítida entre os modos de presença. Ocorre uma virtualização do envelope corporal, principalmente o do rosto, por meio apenas da pintura e não por meio da prótese que é indispensável ao enunciado. A operação de debreagem, assim como no outro exemplo (Fig. 8), também proporciona ao envelope corporal novos sentidos por meio do aumento da sua compactação. Essa propriedade do envelope corporal, a Compactação, cuja debreagem ocorre por meio de excrescências, como nos dois exemplos (Figs. 8 e 9), seja por meio de próteses de espuma de látex ou pernas e braço de madeira, faz com que aconteça o ajuste da superfície envelope de inscrição ao envelope corporal. A preservação da compactação entre o corpo e as próteses está assegurada. A percepção desses actantes encarnados atinge a compacidade, no eixo da intensidade e, permanece a unidade no eixo da extensidade, uma vez que o corpo e o envelope de próteses são singulares, indivisíveis. A presença desses actantes encarnados se desenvolve numa correlação divergente em um esquema de ascendência: a compactação entre o envelope corporal do actante e a prótese também provoca o recuo do rosto, já que é impossível reconhecer a verdadeira identidade do modelo sob a maquiagem, contudo, há uma tensão afetiva, pois a presença é viva, o gradiente da intensidade está no ápice e o

77 77 gradiente da extensão se mantém no uno, conforme é demonstrado no esquema tensivo número 7: Compacto INT Difuso Uno EXT Numeroso Propriedade de Filtro de seleção: projeção do próprio sobre o não próprio. Figura 10: Punks.Fonte: GRÖNING, 1998, p. 235.

78 78 Do ponto de vista de uma sociedade padronizada a partir dos princípios clássicos, dentro dos quais a maioria dos seres humanos se enquadra, acontece, no exemplo acima (Fig. 10), uma debreagem que regulariza os intercâmbios entre o próprio e o não próprio. As duas pessoas caracterizam a hexis corporal dos punks em distinção da hexis corporal clássica. Os estilos de cabelo moicano com cores exóticas, entre outros penteados fantasiosamente ilimitados, assim como as sobrancelhas modificadas e os piercings, são alguns dos elementos que, em conjunto com a maquiagem exagerada, com formas e cores não convencionais, caracterizam uma contra-cultura e não são visuais esperados em uma sociedade padronizada, causando, desse modo tensões e provocações. Os punks, que surgiram na década de 70 na Grã-Bretanha de Margaret Thatcher, estabelecem seus próprios padrões (...) As perfurações e mutilações são uma forma de expressão da dor emocional que está associada ao significado da palavra punk: lixo. 37 (GRÖNING, 1998, p. 235). Desse modo, os punks modificam o seus envelopes corporais ao projetar sobre eles o que lhes é próprio, enunciando, portanto, os afetos negativos em relação à sociedade padrão, ou seja, é a projeção sobre o envelope das outras entidades distintas do Eu-carne. Neste exemplo, pode-se dizer que o suporte envelope corporal está visível e se mantem presente durante a enunciação, possibilitando o reconhecimento das feições do sujeito após a retirada da maquiagem. Por outro lado, também fica claro o caráter paradoxal da superfície de inscrição que é, simultaneamente, uma superfície de separação e uma superfície de contatos, ou seja, ao mesmo tempo em que separa os punks da sociedade padronizada, os coloca em contato com o seu eu de referência e com o meio social que lhes é familiar. Como toda enunciação, a maquiagem é realizada em um tempo e em um espaço determinados. Assim, quando os punks estão próximos do seu meio social de referência, há uma tensão afetiva familiar, entretanto, quando eles se distanciam do seu meio e se aproximam de um meio social executivo, cuja hexis corporal exige maquiagens suaves e neutras, a tensão afetiva será do estranho. Zilberberg e 37 The punks, who emerged at the end of the 1970s in Mrs Thatcher s Britain, set their own standards. ( ) In piercing their skin and mutilating ( ) themselves, the punks are giving visible expression to the emotional pain that is associated with the meaning of the word punk: trash.

79 79 Fontanille explicam que no que tange à espacialidade, a distância métrica deve se entrosar com uma distância afetiva (2001, p. 140). Assim, quando os punks se aproximam de um meio social não-próprio a eles, a correlação tensiva será divergente e o esquema ascendente, ou seja, com a aproximação dos punks em um meio social clássico, reduz-se a distância métrica e aumenta-se a intensidade afetiva da estranheza, produzindo, dessa maneira, uma tensão afetiva, como é demonstrado no esquema tensivo número 8: Estranho INT Familiar Próximo EXT Distante Por outro lado, quando os punks se afastam desse meio, reduz-se a intensidade afetiva e aumenta-se a distância métrica, produzindo ainda uma correlação divergente, porém, um esquema tensivo de decadência, pois há um relaxamento cognitivo de tensões, devido ao afastamento do ser estranho ao meio executivo, como pode ser visto no esquema número 9: Estranho INT Familiar Próximo EXT Distante

80 80 Caso os punks se mantenham em seus espaços próprios, a tensão se mantém afetiva familiar e cognitiva, isto é, a distância métrica é próxima da distância afetiva em uma correlação conversa, num esquema tensivo da amplificação, em outras palavras, distantes do mundo clássico (estranho) e próximo do meio punk (familiar), ou seja, isso retrata a separação e o contato paradoxal característicos da superfície de inscrição, como pode ser observado no esquema tensivo número 10: Estranho INT Familiar Próximo EXT Distante No caso dos punks, assim como de qualquer grupo de actantes sujeitos encarnados que se utilizam das maquiagens efêmeras, existe a possibilidade de novas debreagens e novos enunciados; assim, se eles desejarem, podem se inserir em um novo meio social e adotar a respectiva hexis corporal 38, sem deixar marcas e pistas sobre a pele. 38 A tatuagem também pode ser escondida ou até mesmo retirada, contudo requer um longo, caro e dolorido processo para o desaparecimento.

81 81 Figura 11: Tom Woolley. Fonte: AUCOIN, Kevyn, 1997, p.145. Figura 12: The Player. Fonte: AUCOIN, Kevyn, 1997, p.144. Sem querer entrar em questões de opções sexuais ou psicológicas, mas apenas analisar as transformações de um envelope corporal e seus sentidos semióticos, podese verificar que, neste exemplo, aparece o travestimento de Tom Woolley (Fig. 11) que se enuncia uma mulher como na Figura 12: um eu-carne próprio que se projeta sobre as entidades distintas, não próprias, por meio de uma debreagem. Do mesmo modo que Shinya e Masako (Fig. 1), Tom Woolley, além de se enunciar uma mulher, se enuncia uma mulher glamourosa: olhos proeminentes com sombreado escuro e com os lábios cobertos pelo clássico batom vermelho. Neste caso, é difícil reconhecer o verdadeiro rosto de Tom, que se mantém recuado sob a base clara que cobre o seu rosto e seu colo durante o ato de enunciação. As correlações e os esquemas tensivos são iguais aos produzidos pelo campo de presença dos punks (Fig. 10). O mais importante neste exemplo, em comparação ao anterior, é a questão da presença ou recuo do suporte corporal que na figura 10 se mantém em um grau mais presente do que na figura 11. Ou seja, observando a figura

82 82 12 é mais difícil reconhecer a real fisionomia de Tom Woolley (Fig. 11) do que reconhecer os punks (Fig. 10) sem as suas maquiagens. Em suma, o engendramento das operações de inscrição a partir das propriedades do envelope corporal fica resumido no seguinte quadro proposto por Fontanille (2004a, p. 151): Quadro 1: propriedade do envelope e efeito da debreagem: Propriedade Papel Operações de debreagem Conexão Formação e unificação do envelope Pluralização e deformação do envelope Compactação Coesão e identificação distintiva do conteúdo Inversão do conteúdo e do continente (fora e Filtro de seleção Regulagem dos intercâmbios entre próprio e não próprio dentro) Projeção do próprio sobre o não próprio Ao pensar nas alterações do envelope corporal provocadas pelas operações de debreagem, percebe-se o avanço ou o recuo do corpo no enunciado pintado sobre a superfície de inscrição, ou seja, sobre a presença ou ausência virtual do envelope corporal como suporte dessas inscrições, como segue no quadro abaixo: Quadro 2: avanço e recuo do envelope corporal: Relação corpo/inscrição Presença (avanço) do corpo Ausência virtualizada (recuo) do corpo Conexão Todo único e contínuo Divisão em partes- Compactação Mais compactação Menos compactação Direito Mostra o Induz ao avesso - envelope corporal. Uso de próteses Filtro de triagem Mostra mais a pele natural Maquiagens mais leves, sem muitos contrastes e intensidades. Mostra menos a pele natural. Maquiagens mais intensas e contrastadas. A partir das operações de debreagem, das relações do envelope corporal com as inscrições, com os planos cromáticos, eidéticos e topológicos, percebe-se que

83 83 quando a debreagem projeta o próprio sobre o não próprio como nos casos dos punks (Fig. 10) ou do travestimento de Tom Woolley (Fig. 12), assim como de Margarete, do poema de Jorge de Lima, e de Shinya e Masako (Fig.1) criam-se efeitos estéticos aos quais se sobrepõem ou acrescentam efeitos de aproximação e de identificação com os grupos de referência: punks, travestis, sagrado e glamouroso. Contudo, ao mesmo tempo em que essas relações produzem o sentido de proximidade elas também produzem o sentido de estranhamento e afastamento dos outros grupos sociais. Como o sentido não é algo isolado, conforme explica Fiorin (1999), mas surge de um conjunto de relações, pode-se dizer que ao formar, unificar, ligar e identificar os envelopes corporais, pluralizando-os, deformando-os e invertendo-os, as operações de debreagem relacionadas aos planos cromáticos, eidéticos e topológicos nas figuras 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 criam efeitos de sentido de verossimilhança, de veracidade, de inverossimilhança, além de sentidos estéticos e poéticos. A operação de debreagem deforma os envelopes corporais que, relacionados às disposições topológicas e ao cromatismo, provocam, na pintura de Julio Larraz (Fig. 1), um efeito de verossimilhança na relação com as figuras das montanhas do mundo natural. Já no trabalho de Iregui (Fig. 4) a topologia e o cromatismo relacionados à desconexão do envelope corporal têm valor de ornamento, que adensa o efeitos de sentido estético da pintura corporal. Tanto na pintura corporal de Brands (Fig. 5) quanto na de Gair (Fig. 6) a conexão do envelope corporal relacionada à materialidade das pinturas assim como ao cromatismo produzem um efeito sensorial tátil, na fig 5, em que o volume do corpo se destaca do fundo colorido geometrizado e um efeito gustativo na figura 6, coberta de calda de chocolate. Por outro lado, o recuo do envelope corporal promovido pela debreagem, que inverte o fora e o dentro, relacionado ao alto grau de figuratividade 39 provoca sensorialmente o espectador, que pensa ver, na pintura de Dammert (Fig. 7), o próprio interior do corpo. O apagamento das características humanas, nas figuras 8 e 9, por meio das próteses que constituem os mecanismos coesivos do envelope corporal, constrói, com verossimilhança, as imagens monstruosas. 39 As questões sobre os graus de figuratividade serão discutidas no capítulo 3.

84 Propriedade da marca: instrumentalização das inscrições. Fontanille esclarece que a quarta modificação das propriedades figurativas do envelope é a marca que modificaria o envelope por instrumentalização das inscrições, ou seja, a marca é que fornece o princípio de pertinência. Esse princípio refere-se à maneira como as figuras da expressão tomam forma a partir do substrato material das inscrições e do gesto que as inscreveu (2004b, p. 110), pode-se, desse modo, afirmar que a maquiagem é uma forma de marca, uma impressão, contudo, ela é efêmera. Os gestos que a inscreveram e as formas adquiridas podem ser devidamente percebidos, porém, em um curto espaço de tempo. E é na tentativa de apagar as marcas desses gestos da aplicação que a utilização da maquiagem feita com airbrush dominou o espaço nestes tempos da televisão digital. Desse modo, acredito que as tatuagens, os piercings, as cicatrizes, as escarificações e outras formas de inscrições duráveis sejam um caso especial da semiótica da marca, pois o tempo de duração, após a aplicação, é o mesmo da envoltura corporal e, mesmo após ocorrerem as suas remoções, efetivamente deixam marcas e pistas, tornando-se, assim, testemunhas visíveis de um enunciado realizado no passado. Figura 13: Escarificações em uma mulher da tribo Nuba. Fonte: GRÖNING, 1998, p Figura 14: Piercings. Fonte: FUNNY PHOTOS, 2009.

85 85 No exemplo à esquerda (Fig. 13), aparece uma das mulheres da tribo Nuba 40. Conforme a tradição desse povo, as mulheres utilizam o envelope corporal para enunciar a história de suas vidas, transformado-o em superfície de inscrição e, por meio de espinhos, facas e navalhas, têm os seus corpos escarificados a partir da idade de dez anos. Nessa idade, as escarificações são feitas na parte frontal do tronco. Depois, após a primeira menstruação, essa área é ampliada. Somente após o nascimento do primeiro filho é que as escarificações são feitas nas costas. O exemplo da direita (Fig. 14) é de um rapaz que faz parte dos modern primitives, que se submetem a diversas manipulações corporais, neste caso, nos jogos de penetração, e utiliza piercings basicamente como um modo de se tornar diferente das outras pessoas. Não deixa de ser uma projeção do próprio sobre o não próprio, mas também é uma modificação do envelope corporal por instrumentalização das inscrições. De todo modo, as marcas que ficam após a retirada de um piercing (como podem ser observadas nas laterais da cabeça) servem de testemunhas de uma enunciação passada As pinturas corporais Nuba serão analisadas em detalhe no capítulo Fontanille explica que o testemunho implica, pois, uma origem, que é já inacessível à percepção direta, cujo desenho só poderia ser testemunhado e encontrado nos corpos. No caso em que o corpotestemunha não é o corpo sensível original, não pode haver testemunho se não se pode garantir um relevo contínuo do contato entre esse corpo original e os corpos intermediários, graças às impressões deixadas pelos contatos sucessivos (2004a, p. 226). Le témoignage implique donc une origine, devenue inaccessible à la perception directe, dont on ne pourrait attester et retrouver la trace que sur des corps. Dans le cas où le corps-témoin n est pas le corps sensible originel, il ne peut y avoir témoignage que si on peut garantir un relais continu du contact entre ce corps originel et les corps intermédiaires, grace aux empreintes laissées par les contacts successifs.

86 86 Figura 15: Tatuagem. Fonte: GRÖNING, 1998, p Na figura 15 pode-se observar um processo de aplicação de tatuagens, outro tipo de marca em um envelope corporal que funciona tal e qual os exemplos de escarificação e de piercings. As superfícies de inscrição, variadas maneiras de expressão semiótica são duplas projetadas a partir do envelope do Seu Outro (projeção) : podem ter a forma e a matéria que geram uma pluralização; podem também gerar uma inversão na qual o conteúdo do envelope passaria a ser um conjunto de signos e de figuras observáveis no mundo exterior. Desse modo, as inscrições das enunciações semióticas seriam avatares projetados e invertidos do envelope do Seu outro 42 (FONTANILLE, 2004a, p. 151). Fontanille afirma, então, que os três primeiros tipos de operações de debreagem citados anteriormente produzem os significantes formais do envelope e são suficientes para, com o suporte do envelope seu-outro, gerar as superfícies de inscrição semiótica. Todo envelope corporal é, então, fruto das funções genéricas de continente e de superfície de inscrição que se desenvolvem em forma de propriedades 42 Seraient des avatars projetés et inversés de l enveloppe du Soi.

87 87 (Conexidade, Compacticidade e Seleção) e em forma de operações (Projeção, Pluralização e Inversão). A maquiagem e a pintura corporal são, sem dúvida alguma, um ato de significação, e, sendo um enunciado em ato, acontece a partir de uma presença efetiva, mesmo que o suporte corporal esteja virtualmente afastado. Conforme explica Fontanille (2001, p.242), para que a impressão funcione como signo e consequente processo interpretativo e persuasivo, é necessário que uma das faces seja atual e a outra potencial (guardada na memória). O campo de presença perceptivo originado a partir da carne sensível de um actante sujeito encarnado e de sua tomada de posição no mundo é colocado em comunicação com o espaço tensivo criado pelo corpo-próprio envelope corporal debreado em superfície de inscrição por meio do exercício de enunciação (domínio da práxis enunciativa). A maquiagem, portanto, promove a transição de uma realidade indizível (por isso virtual) a um discurso persuasivo realizado, ou seja, movimento entre modos de existência, por isso torna-se necessário verificar a inscrição efêmera, maquiagem, como uma práxis enunciativa.

88 88 2. INSCRIÇÕES EFÊMERAS Na pintura corporal, a tela é lavável. A maquiagem é aplicada, a modelo dá vida à tela e o fotógrafo a captura (GAIR 2006, p.5). 1 A cumplicidade entre a tela de pintura e a pele humana também é revelada nas palavras de Serres (2001, p.27): Ela [a mulher] maquia a sua pele, base e ruge de superfície, como o pintor prepara uma tela. A pele se identifica à tela como a tela há pouco se identificava à pele (SERRES, 2001, p. 27). Desde os primórdios o ser humano utiliza a pele como suporte de uma expressão plástica (pinturas, escarificações, tatuagens, piercings) e, no caso da maquiagem, com produtos apropriados que, além de evoluírem quantitativa e qualitativamente durante os séculos, permitem a sua remoção por meio de demaquilantes e/ou de um banho mais caprichado. As inscrições transitórias têm o poder de modificar completamente o envelope corporal, podem camuflá-lo, levando-o à ausência virtualizada, como também podem ressaltá-lo, fortalecendo a sua presença. Esse diferencial da tela lavável permite que a superfície de inscrição de um mesmo envelope receba diversos enunciados. Nas pinturas corporais dos povos pré-letrados e até nas mais simples maquiagens sociais, verdadeiros autorretratos, verifica-se a autonomia dos seus códigos, das suas regras e seus valores. Seja aplicada por um artista da maquiagem ou, simplesmente, uma auto-aplicação, a pele torna-se o que o artista, amador ou profissional, faz dela, ou melhor, é uma tomada de posição da instância corpo próprio (envelope corporal) debreado em superfície de inscrição. Por ser efêmera, a maquiagem, então, facilita as diversas tomadas de posição que darão uma identidade figurativa ao indivíduo, sujeito actante encarnado, assegurando, dessa maneira, o constante devir da instância corpo próprio. Duda Molinos, famoso maquiador brasileiro, afirma que a maquiagem não é apenas para embelezar, ela é um poderoso acessório que reforça seu estilo, a personalidade ou a atitude que você quer ter num determinado dia, num certo lugar 1 En la pintura corporal, el lienzo es lavable. El maquillaje se aplica, la modelo da vida al lienzo y el fotógrafo lo captura.

89 89 (2000, p.15). Aucoin, maquiador americano (1995, p.1), pergunta: quem você quer ser hoje? Seja no dia a dia ou em ocasiões especiais, o modelo e o artista ou o modelo artista têm em comum a virtuosidade dos efeitos ópticos (SERRES, 2001, p. 27) e trabalham com suportes comuns, porém com uma variedade de cores, formas, texturas: são mãos enluvadas de pele (que) passeiam por uma pele (SERRES, 2001, p. 27), dando-lhe máscaras sociais transitórias e que, algumas vezes, acabam tornando-se definitivas, a partir do encontro sensível e afetivo entre o sujeito e o objeto de valor. Na etimologia do verbo maquiar encontra-se a sua origem francesa e revela-se que, desde sempre, o uso da maquiagem/máscara está diretamente ligado ao significado de fazer-se outro na aparência, mostrar-se outro por meio de uma máscara ou simplesmente mostrar-se com mais veemência. A etimologia do vocábulo não é fácil. A forma recente deste transitivo direto remonta a 1450, ao francês maquiller, de significado trabalhar. Passou pelo teatro do séc. XVIII, já com o sentido de pintar o rosto, proveniente do picardo antigo maquier (fazer), e, este, do holandês maken id, a resultar nos comparativos inglês e português. O vocábulo máscara, proveniente do italiano maschera ( ) a abrigar a acepção de pessoa disfarçada, tem como base masca, do baixo-latim, com diversos significados ao longo dos séculos. O italiano maschera ainda é tido como derivado do árabe mashara ( bufão, ridículo ), que sofreu outras influências na Europa, mas que redundaram em muitos cognatos de língua portuguesa, como por exemplo: máscara, mascaração, mascaramento e maquilhado/maquiado/maquilado. (PEREIRA, 2006, p.2 ) Serres ainda explica que nos referimos à cosmética ou a arte da maquiagem de uma maneira equivalente. Esse mérito ele atribui à sabedoria dos gregos que fundiram numa mesma palavra a ordem e o ornamento, a arte de ornar com a de ordenar (2001, p.27). O cosmo designa a arrumação, a harmonia, a lei, a conveniência: eis o mundo, terra e céu, mas também a decoração, o embelezamento ou o arranjo. Nada é tão profundo como o enfeite, nada é tão abrangente como a pele, o ornato e as dimensões do mundo. Cósmico e cosmética, a aparência e a essência saem de uma mesma fonte. A maquiagem iguala a ordem, e o embelezamento equivale à lei, o mundo surge ordenado, em qualquer nível em que se considerem os fenômenos. Todo véu sempre se apresenta magnificamente historiado. (SERRES, 2001, p. 27)

90 90 O ato de maquiar associado à ordem do mundo é corroborado pelo pensamento de Bourdieu (2008), para quem a maquiagem, além de ser uma das marcas sociais que caracterizam um determinado grupo (sujeito coletivo), revela também alguns valores sociais: As diferenças de pura conformação são reduplicadas e, simbolicamente, acentuadas pelas diferenças de atitude, diferenças na maneira de portar o corpo, de apresentar-se, de comportar-se em que se exprime a relação com o mundo social. A esses itens, acrescentamse todas as correções intencionalmente introduzidas no aspecto modificável do corpo, em particular, pelo conjunto das marcas relativas à cosmética penteado, maquiagem, barba, bigode, suíças etc ou ao vestuário que, dependendo dos meios econômicos e culturais suscetíveis de serem investidos aí, são outras tantas marcas sociais que recebem seu sentido e seu valor de sua posição no sistema de sinais distintivos que elas constituem, além de que ele próprio é homólogo do sistema de posições sociais. (BOURDIEU, 2008, p. 183) Essa distinção social do corpo é um dos apoios para o desenvolvimento da função do Eu-pele exposta por Anzieu. O primeiro apoio é o biológico, que fornece um primeiro desenho da realidade que se imprime na pele. A base social é a da pertença de um determinado grupo, estabelecido por incisões, escarificações, pinturas, tatuagens, maquiagens, penteados e os dublês da pele, as roupas (ANZIEU, 1989, p. 119). A efemeridade característica da maquiagem sobre uma tela corpo/rosto lavável permite, desse modo, infinitas modificações, verdadeiros disfarces, diversos devires. Com o auxílio da maquiagem, um indivíduo pode se inserir em qualquer grupo social, adotar as hexei corporais das diversas classes e grupos sociais. Tais transformações podem ser impostas pela sociedade ou podem ser reações contra essas determinações. Transformações visíveis não somente na face de um indivíduo, mas também na própria sociedade que, atualmente, de estação em estação, varia as tonalidades e os produtos para a criação dos rostos sociais, tal qual a moda das roupas. Landowski (2002, p. 99) observa que a sociedade em movimento exige do sujeito individual que ele consiga mudar em cadência para que não corra o risco de talvez não se reconhecer inteiramente a si mesmo. Além do mais, a maquiagem é um nítido momento em que a reflexibilidade e a visibilidade do corpo se encontram. Essa relação reflexiva diante das transformações visuais e as relações de transição com os outros sujeitos se referem à constituição,

91 91 de uma identidade através do reconhecimento, sob uma forma ou outra, de uma alteridade (LANDOWSKI, 2002, p. 101). Por outro lado, a relação do indivíduo com o Seu Outro salienta o sincretismo actancial do corpo, uma vez que o sujeito faz do seu corpo um objeto de arte capaz de se modificar constantemente. É o momento de fusão de papéis, o próprio encontro entre sujeito e objeto. Serres (2001, p. 28) explica que ao pintar a pele do rosto se pinta uma máscara sobre uma máscara. É como se a fina membrana, como descreve Patrice Pavis (2003, p. 172), recebesse a impressão da face. O rosto singular imprime sob a película seu relevo indestrutível, contudo, passível de ausências virtuais para privilegiar um enunciado. É como se o enfeite fosse tão perfeito que se pudesse arrancá-lo e, diante dessa impossibilidade, resta à fotografia eternizá-lo. A maquiagem é, portanto, um objeto inconstante e volante (SERRES, 2001, p. 28). Ao ser maquiada, a pele do sujeito se objetiva, poderia ser exposta no museu (SERRES, 2001, p.28). Além de ela ser um arranjo estético que pode transgredir os clichês e derrubar simulacros preestabelecidos e persuadir os seus enunciatários. 2.1 FASCÍNIO PERSUASIVO Entremos nas festas galantes onde rodopiam e dançam tantas máscaras e disfarces fantásticos: mostram-se, exibem-se, escondemse, caem, mudam, em dado momento a pele se perde, a pessoa se afasta, as metamorfoses voam pelo ar. Nas quermesses amorosas, os dançarinos mudam de pele. Os despojos que passam, vivos, lestos, delicados, no ar tênue, como espíritos, só são visíveis no instantâneo; Watteau, Verlaine os perceberam. Pequena explosão de alegria perigosa, onde a cosmética, enfeite preparado para a noite, apenas, destaca-se sobre a beleza, para a eternidade. (SERRES, 2001, p.28) Thelma Aucoin (Figs. 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22), na época da publicação do livro Making Faces (1995), era uma mulher sexagenária de origem simples que havia trabalhado durante toda a sua vida, com destaque para o trabalho social entre grupos de gays e lésbicas. Kevin Aucoin, seu filho e autor do livro acima referido, a considerava uma das melhores modelos para as suas criações por causa da sua mente aberta e sem preconceitos. Desse modo, Aucoin, por meio da maquiagem, lhe construiu diversas identidades figurativas ou diversas máscaras sociais: maquiagem

92 92 natural (Fig. 18), clássica sensual (Fig.17 ), moderna (Fig. 19), coquete (Fig. 22), e sensualmente glamourosa estilo Marlene Dietrich (Fig. 21) ou estilo Coco Chanel (Fig. 20). Aucoin fez de sua modelo uma mulher de mil faces efêmeras, que, assim como Serres descreve no texto em epígrafe, são diversos enfeites, nada inocentes, preparados para fascinar, admirar e persuadir. Figura 16: Thelma Aucoin. Fonte: AUCOIN, 1995, p. 91. Figura 17: Thelma Aucoin com maquiagem sensual. Fonte: AUCOIN, 1995, p. 90. Figura 18: Thelma Aucoin com maquiagem natural. Fonte: AUCOIN, 2000, p. 41. Figura 19: Thelma Aucoin com maquiagem moderna. Fonte: AUCOIN, 2000, p Figura 20: Thelma Aucoin como Coco Chanel. Fonte: AUCOIN, 2000, p Figura 21: Thelma Aucoin como Marlene Dietrich. Fonte: AUCOIN, 2000, p. 104.

93 93 Figura 22: Thelma Aucoin coquete. Fonte: AUCOIN, 2000, p. 40. Aucoin, além de materializar as palavras de Serres, parece comandado pela teoria de Charles Baudelaire (1988), uma vez que o maquiador esconde as manchas e rugas que a natureza semeou no rosto de sua mãe; deixa a pele de Thelma uniforme, aproximando-a de uma obra de arte, dando a ela, um ser humano comum, um ar divino e superior. Desse modo, Thelma causa fascínio e admiração por meio das maquiagens que são culturalmente um atributo tipicamente feminino 2 que o poeta elogiava, defendia e incentivava no século XIX: A mulher está perfeitamente nos seus direitos e cumpre até uma espécie de dever esforçando-se em parecer mágica e sobrenatural; é 2 Em alguns povos antigos ou grupos atuais, praticamente todos os primitivos, os Babilônios, os Assírios, os Egípcios, e em algumas épocas, destaque para o séc. XVII, na França, sob o comando do Rei-Sol, Luís XIV, a maquiagem era utilizada também pelos homens. (CORSON, 1972)

94 94 preciso que desperte admiração e que fascine; ídolo, deve dourar-se para ser adorada. Deve, pois, colher em todas as artes os meios para elevar-se acima da natureza para melhor subjugar os corações e surpreender os espíritos. Pouco importa que a astúcia e o artifício sejam conhecidos de todos, se o sucesso está assegurado e o efeito é sempre irresistível. (BAUDELAIRE, 1988, p ) Com certeza Baudelaire não se enganou ao afirmar que o conhecimento do artifício da maquiagem não impede que o fascínio aconteça. Pelo contrário, favorece a enunciação e o fazer persuasivo entre os actantes encarnados. O impacto de uma maquiagem influi profundamente na aceitação de um indivíduo em um grupo social, em uma hexis corporal. Por ser um enunciado, a maquiagem pode ser entendida como um fazer persuasivo, uma vez que, para a semiótica, entende-se que a enunciação prevê um fazer persuasivo e interpretativo entre um enunciador e um enunciatário. Assim, ao maquiar o rosto ou o corpo, ao adotar as mesmas marcas de um sujeito coletivo, um actante sujeito encarnado tenta conseguir adesão do enunciatário, que se condiciona pelo fazer interpretativo. Aucoin, enunciador, ao maquiar Thelma faz do seu rosto um enunciado que constrói um simulacro de verdade, tarefa que liga os universos axiológicos tanto do enunciador quanto do enunciatário. O fazer persuasivo ocorre porque não se imagina que o enunciador produza discursos verdadeiros, mas discursos que produzem um efeito de sentido de verdade (GREIMAS e COURTÉS, 2008, p.531). Assim, por mais fascinantes e vertiginosas que possam ser as pinturas de Thelma, pode-se perguntar: qual é a Thelma verdadeira? O crer verdadeiro do enunciador não basta para transmitir uma verdade. Assim, do mesmo modo como Thelma adquire e mostra diversas máscaras sociais, um outro enunciador pode dizer o quanto quiser. Thelma se mostra segura e parece ser evidente que ela seja moderna, coquete, clássica... Mas isto não significa que o enunciatário acredite em seus avatares. O crer verdadeiro tem que estar estabelecido na outra ponta da comunicação. Greimas e Courtés (2008, p. 530) afirmam que é a partir do entendimento subentendido entre os dois cúmplices com certa consciência que se estabelece o contrato de veridicção.

95 95 Aucoin propõe diversas maquiagens enunciados sobre o rosto de Thelma 3, que é apresentado de maneiras diferentes e a cada novo avatar é criado um novo contrato de veridicção: Thelma com uma base numa tonalidade mais bronzeada que a sua pele natural; com um sombreado marrom esfumado sobre as pálpebras superiores; com lápis preto contornando os olhos; com cílios curvados e alongados com máscara preta; com sobrancelhas reforçadas pelo lápis marrom; com os lábios contornados por lápis cor de pele e cobertos por batom e gloss de tonalidades de rosa e caramelo que simulam a coloração natural e com blush de cor rosa aplicado sobre a região dos ossos da face, apresenta um visual moderno (Fig. 19). Aucoin segue à risca os conselhos de Baudelaire e doura sua modelo para que ela seja moderna. Desse modo, o rosto maquiado se torna um enunciado produtor de um efeito de sentido de verdade, neste caso com um visual moderno, no intuito de conseguir a adesão do enunciatário, independentemente do grupo social a que ambos pertençam. Os outros actantes encarnados, então, passam a interpretá-lo, são subjugados, surpreendidos até que considerem que aquele enunciado seja verdadeiro ou falso, mentiroso ou secreto. Cabe lembrar que a enunciação acontece num tempo e num espaço e estes influirão no julgamento das aparências de Thelma. O mesmo processo acontece com todos os outros avatares apresentados por Thelma: Thelma clássica sensual (Fig.17 ), Thelma coquete (Fig. 22), e Thelma simulacro de Coco Chanel (Fig. 20) ou Marlene Dietrich (Fig. 21). A Coco Chanel e a Marlene Dietrich originais podem ser observadas nas figuras. 23, 24 e 25: 3 No caso da automaquiagem o sujeito actante encarnado é o próprio enunciador.

96 96 Figura 23: Coco Chanel. Fonte: MUSEU DEL PERFUM, Figura 24: Marlene Dietrich. Fonte: BELAS ATRIZES DO MUNDO, Figura 25: Marlene Dietrich. Fontes: DEVIANTART, Assim, o fazer persuasivo, conforme definem Greimas e Courtés (2008, p.368), seria a convocação de todo tipo de modalidades, pelo enunciador, para que o enunciatário aceite o contrato enunciativo proposto, tornando, assim, a comunicação eficaz. O fazer persuasivo pode, então, ser concebido sob dois aspectos da modalidade factitiva, que garante, desse modo, o fazer persuasivo (enunciador) e o fazer interpretativo (enunciatário): visar ao ser do sujeito a modalizar, ou ao seu fazer eventual. No caso da maquiagem, refere-se ao primeiro, ou seja, é uma proposta feita ao ser do sujeito, fazendo uso das modalidades veridictórias, uma vez que o fazer persuasivo é : como um fazer cognitivo que visa levar o enunciatário a atribuir ao processo semiótico ou a qualquer um de seus segmentos que só pode ser por ele recebido como uma manifestação [representação] - o estatuto da imanência [referente ao verdadeiro], a fazê-lo inferir do fenomenal [parecer] o numenal [ser] (GREIMAS E COURTÉS, 2008, p. 368). É a partir da colocação dos esquemas parecer/não-parecer (manifestação) e ser/não ser (imanência) que a categoria de veridicção é construída, como pode ser visto no quadrado semiótico abaixo (GREIMAS E COURTÉS, 2008, p. 532):

97 97 verdade verdade ser verdade parecer segredo verdade mentira verdade não-parecer não-ser falsidade As modalidades veridictórias, portanto, determinam a relação do sujeito com o objeto e articulam-se, como categoria modal, em /ser/ vs. /parecer/. Ser é o estatuto veridictório exposto pela narrativa do sujeito, e parecer é o estatuto veridictório imputado a um estado por um observador, como um julgamento. Assim, a modernidade de Thelma pode ser considerada uma verdade, ela parece e é moderna, contudo, sua manifestação como diva, por mais eficiente que seja, é mentira: ela parece, mas não é Marlene Dietrich ou Coco Chanel; ou ainda, o seu classicismo pode ser considerado como uma falsidade, nem parecer e nem ser clássica, ou um segredo, não-parecer e ser completamente clássica. Do ponto de vista tensivo, o campo de veridicção teria o seguinte resultado, conforme demonstra Desiderio Blanco (2008, p. 14), no esquema tensivo 11 :

98 98 Ser + Segredo Verdade INT Não Ser - Falsidade Ilusão/ Mentira - Não Parecer EXT Parecer + Com esse esquema, demonstra-se que, na correlação divergente entre intensidade e extensidade, quanto mais se é, menos se parece (Segredo), ou quanto mais parece, menos é (Mentira). Na correlação conversa, quanto mais se é, mais se parece (Verdade), ou quanto menos se é, menos se parece (Falsidade). Portanto, um enunciatário, no seu fazer interpretativo, ao perceber Thelma Aucoin como simulacro de Coco Chanel (Fig. 20) ou Marlene Dietrich (Fig. 21) a julga como uma mentira, pois há a diminuição da intensidade da referência do Eu-Thelma (imanência) e aumenta-se a extensidade da manifestação (parecer): quanto mais se parece com Coco Chanel (Fig. 20) ou Marlene Dietrich (Fig. 21) menos se é Thelma Aucoin. É a partir da decisão do enunciatário sobre o ser ou não ser do actante sujeito encarnado que aparece o conhecimento coletivo, proporcionado culturalmente, relativo às interpretações veridictórias, tais como as que determinam as hexei corporais. A modalização do ser é que dá existência modal ao sujeito do estado e modifica a relação do sujeito com os valores (BARROS, 2003, p.88). Desse modo, a partir do esquema da manifestação (parecer/não parecer), Thelma Aucoin, a cada avatar apresentado, constrói suas máscaras transitórias, de acordo com os valores de cada grupo social, sem, contudo, perder o seu Eu de referência, com exceção dos simulacros de Coco Chanel (Fig. 20) e Marlene Dietrich (Fig. 21). Com base no pensamento de Landowski, pode-se dizer que a evanescência das formas que

99 99 passam 4 (2002, p.101) não prejudica a identidade da pessoa em cada maquiagem informada continuamente. Tanto para os grupos sociais quanto para os sujeitos individuais, as metamorfoses físicas, intelectuais e afetivas não proíbem a permanência, nem que seja para si mesmo, de serem eles mesmos, uma vez que existe em cada segmento social algo de inalterável, que supera as metamorfoses dos modos de ser. Assim, Thelma segue pelos percursos do parecer capaz de conduzi-la ao esquema de imanência (ser/não ser), como determinam Greimas e Courtés (2008, p. 368): Partindo do parecer, Thelma (Fig. 16) recebe sobre a pele uma base de tonalidade clara, pó facial translúcido; tem as sobrancelhas preenchidas sutilmente com traçados tipo pena na cor marrom claro, usa sombras de cor pêssego e marrom claro esfumadas sobre as pálpebras, tem os cílios cobertos por várias camadas de máscara preta, as maçãs do rosto, a testa, a ponta do queijo e as têmporas coloridas com blush rosa claro; recebe sobre os lábios o batom na cor vermelho cereja e, desse modo, demonstra ser coquete (Fig. 22), como também poderia receber outras cores e tonalidades em outros pontos de sombreado e contornos, como é feito nos demais avatares, e não ser coquete. É no interior desses percursos que, conforme explicam Greimas e Courtés, além de procurar transformar o semiótico em ontológico, são construídos os programas modais de persuasão. Assim, a construção visual, por meio das maquiagens fugazes ou das tatuagens e piercings permanentes, figurativizam as identidades do corpo próprio (Seu Outro), e também designam as hexei corporais dos grupos sociais. Percebe-se, portanto, que a maquiagem impressa sobre a superfície de inscrição, um enunciado efêmero, seria o plano de expressão do devir do actante sujeito enunciador encarnado. Os valores dos objetos também mudam de acordo com cada época, com cada classe social, com cada estética, assim como os materiais para expressar um conteúdo: cores e texturas dos batons (opacos, tonalidades, brilho), dos blushes (tonalidades, posicionamentos topológicos, opacidade ou brilho), das sombras, entre outros, como pode ser verificado em cada enunciação manifestada no rosto de Thelma Aucoin. 4 Landowski refere-se ao pensamento de Michel de Certeau (2002, p.101).

100 100 O que se observa a partir de Thelma e Seus Outros maquiados é que a maquiagem é um sinal constitutivo de um corpo percebido, da construção de uma identidade figurativa, é produto de um engendramento cultural. O efeito dessa construção baseia-se na distinção feita pelos grupos sociais. Apesar da distância entre essa concepção social e a natureza, tais hexei corporais se tornam naturais para o grupo de origem, isto é, Thelma clássica (Fig. 17) é natural em relação ao grupo de referência clássico. Desse modo, como explica Bourdieu (2008, p. 183), a maneira como o sujeito apresenta o seu corpo é espontaneamente percebida como índice de conduta moral e, se, ao contrário do esperado, o corpo tiver a aparência natural será tido como índice de displicência, de abandono culpável à facilidade (BOURDIEU, 2008, p. 183). Produto social, o corpo - única manifestação sensível da pessoa é comumente percebido como a expressão mais natural da natureza profunda: não há sinais propriamente físicos ; deste modo, a cor e a espessura do batom ou a configuração de uma mímica, assim como a forma do rosto ou da boca, são imediatamente lidas como índices de uma fisionomia moral, socialmente caracterizada, ou seja, estados de ânimo vulgares ou distintos, naturalmente naturais ou naturalmente cultivados. (BOURDIEU, 2008, p. 183) Para Baudelaire, o sucesso de uma maquiagem é certo e o seu efeito é sempre irresistível, por mais que se conheçam a astúcia e o artifício, de certo modo o poeta está certo. Sem dúvida alguma, as maquiagens de Thelma possuem um fascínio persuasivo, mas a eficácia 5 dependerá dos enunciatários que a julgarão. 2.2 CONVOCATÓRIA MODAL E ASSOCIAÇÃO DE VALORES NA NARRATIVIDADE DA MAQUIAGEM Conheço muito bem vossas pinturas; Deus vos deu um rosto e arrumais outro [...] (SHAKESPEARE 2009, p.34); Na epígrafe está a fala de Hamlet a Ofélia, no ato III, cena I, no momento em que os antigos namorados se reencontram. Contudo, poderia ser dito a Thelma Aucoin, assim como para qualquer um de nós que se arrisca a corrigir as olheiras, valorizar os 5 De acordo com Greimas e Courtés, o conceito de verdade vem sendo substituído pelo de eficácia na reflexão epistemológica (2008, p. 531).

101 101 lábios com diferentes cores e brilhos, aumentar ou diminuir os olhos, alterar a tonalidade da pele na tentativa de fascinar, seduzir e persuadir alguém para obter nem que seja um simples elogio. Kevin Aucoin, maquiador enunciador, é efetivamente um sujeito competente na realização de sua performance, como pode ser observado nas transformações figurativas de Thelma. A narratividade em semiótica é exatamente essa transformação entre dois estados sucessivos e diferentes (FIORIN, 2008b, p. 27). Desse modo, o maquiador possibilita a Thelma sair do seu Eu de referência, sem maquiagem, culturalmente recebido como displicência, e partir para manifestar as suas máscaras sociais. Para isso, além de todos os cosméticos que utiliza nas transformações do envelope corporal/superfície de inscrição, ele também convoca modalidades para o jogo persuasivo das maquiagens para, assim, entrar em conjunção com o objeto de valor (moderno, clássico sensual, natural, coquete, glamour à Marlene Dietrich ou à Coco Chanel). De acordo com Fontanille (2004a, p.142), o movimento intencional do actante relaciona-se com as modalidades do fazer, já o envelope corporal, com as modalidades do ser. Portanto, para transformar o envelope corporal em superfície de inscrição, Thelma, por meio de uma automaquiagem, precisaria querer modificá-lo, como também deveria saber como modificá-lo para que pudesse realizar sua transformação e entrar em conjunção com os valores de um meio social. Contudo, Thelma, nas páginas do livro de seu filho maquiador, é manipulada por ele: é o maquiador que faz com que Thelma queira, possa e seja clássica, moderna, coquete etc. Essas modalidades (querer, poder, ser) estão implícitas no processo de transformação visual da modelo. Desse modo, Thelma, manipulada pelo maquiador, por uma vontade própria (querer) ou por imposição (dever) de um meio, permite que seja feita a maquiagem. O maquiador é dotado do conhecimento técnico e artístico do seu ofício: conhece (saber) as regras de uma maquiagem de uma determinada hexis corporal, domina os métodos de aplicação de uma maquiagem e, portanto, é capaz (poder) de realizar o seu objetivo, ou seja, fazer com que Thelma seja clássica, sensual, moderna, entre outras. Greimas e Courtés explicam que os valores modais querer, dever, poder e saber, são

102 102 capazes de modalizar tanto o ser quanto o fazer (2008, p.315). A partir das exposições acima relacionadas, pode-se concluir que a maquiagem faz parte da construção de uma identidade figurativa de um sujeito actante encarnado. Figuratividade esta que está a serviço de um fazer persuasivo que se estabelece entre o enunciador e enunciatário e se constrói dentro de uma práxis enunciativa. Nessa práxis, Thelma se motiva a modificar o seu envelope corporal por meio da maquiagem, e, até que isso efetivamente se realize, passa por tensões que demarcam esse percurso, isto é, a modalização no espaço tensivo assume o aspecto de modulações de um continuum tensivo (FONTANILLE; ZILBERBERG, 2001, p. 229). As instâncias que balizam o percurso são constituídas pelos modos e níveis de existência, que segundo Fontanille (2007, p. 175) se configuram a partir da categoria da presença e se distinguem segundo a lógica dos lugares. Veja-se o quadro 3 (ZILBERBERG e FONTANILLE, 2001, p.231): Sujeito/objeto Endógena Sujeito/terceiro Exógena Modo Virtualizado Modo Potencializado Modo Atualizado Modo Realizado Motivações Crenças Aptidões Efetuações Querer Crer Saber Ser Dever Aderir Poder Fazer Os modos existenciais são como estatutos dos objetos que a teoria da linguagem manipula, são também o meio pelo qual o campo perceptivo da presença é organizado. Logo, vale lembrar que as modulações da presença e ausência fornecem a primeira modalização das relações entre o sujeito e o objeto tensivos, a modalização existencial (FONTANILLE e ZILBERBERG, 2001, p.131). Assim, os autores propõem a seguinte homologação:

103 103 PLENITUDE Realizante VACUIDADE virtualizante FALTA Atualizante INANIDADE potencializante Greimas e Courtés (2008, p. 195) explicam que a definição da existência semiótica dos sujeitos e dos objetos no discurso é de suma importância. Pode-se dizer, então, que quando Thelma (actante sujeito encarnado) vislumbra qualquer uma das hexei corporais dos grupos sociais, elas se tornam objetos-valor. (...) o valor que se investe no objeto visado semantiza, de algum modo, todo o enunciado, tornando-se no mesmo ato o valor de sujeito, que o encontra ao visar o objeto, e o sujeito se vê determinado em sua existência semântica pela sua relação com o valor. Bastará, portanto, numa etapa posterior, dotar o sujeito de um querer-ser, para que o valor do sujeito, no sentido semiótico, transforme-se em valor para o sujeito, no sentido axiológico do termo 6. (GREIMAS, 1989, p, 27) Desse modo, pode-se dizer que Thelma e as hexei corporais são, respectivamente, sujeito e objetos semióticos, pois estão em relação, já que os sujeitos atribuem um valor aos objetos e estes são visados pelos sujeitos. Ambos, sujeito e objeto, são entidades que comportam as transformações que as afetam e procuram lhes dar um sentido: uma direção e, por isso, primeiro, uma significação e um valor (LANDOWSKI, 2002, p.103). Portanto, somente quando houver a junção de Thelma com o glamour, com o clássico sensual, com o moderno, entre outras, é que eles existirão semioticamente. Assim, tanto Thelma (sujeito) quanto os mundos (objetos valores) antes da junção são 6 Grifo do autor. (...) el valor que se vierte en el objeto enfocado semantiza en cierto modo el enunciado entero, y se convierte de golpe en el valor del sujeto que se encuentra con él al enfocar el objeto, y el sujeto se ve determinado en su existencia semántica por su relación con el valor. Bastará por tanto, en una etapa ulterior, con dotar al sujeto de un querer-ser para que el valor del sujeto, en el sentido semiótico, se transforme en valor para el sujeto, en el sentido axiológico de este término.

104 104 virtuais e apenas serão atualizados a partir da função semiótica (relação entre forma da expressão e forma do conteúdo). Enquanto o sujeito negar a disjunção com o objeto, ambos continuarão atualizados, somente após a conjunção [Thelma glamourosa] ou [Thelma moderna] é que todos serão realizados. Somente quando Thelma (sujeito) tornar real o que era visado (os mundos glamourosos, modernos, clássicos, entre outros), é que, consequentemente, estes se realizam também. Thelma e os objetos de valor passam por dois percursos com entradas e saídas no campo de presença. Thelma, para preencher a lacuna social de sua carne, ainda adormecida no campo de presença, precisa atingir a plenitude com seus envelopes sociais. Então, parte dessa vacuidade, com uma densidade de presença mínima, para o despertar de uma falta que a mobiliza em um campo aberto, cujo foco é firmado na intensidade da tensão instaurada entre o sujeito e o objeto, até alcançar a plenitude, um sujeito realizado, com foco e apreensão tônicos. Thelma, desse modo, segue pelo primeiro caminho no campo de presença: do virtual, atualizante e realizante, um percurso de ascendência em uma correlação conversa, como é demonstrado no esquema tensivo 12: Tônico Falta Atualizante Plenitude Realizante INT Átono Vacuidade Virtualizante Inanidade Potencializante Átono EXT Tônico

105 105 Após a realização de qualquer uma das máscaras sociais, acontece um fechamento do campo de presença, já que a apreensão demarca o domínio e circunscreve o objeto, consequentemente o foco se torna átono, devido ao costume do observador com a presença de Thelma maquiada. Sua presença, porém, continua a tomar espaço no eixo da extensidade, e Thelma pode ser mais bem apreendida. Desse modo,thelma maquiada se torna um sujeito sem tensões (distendido), isto é, um sujeito potencializado, após a saturação do uso de sua maquiagem. Quando Thelma retirar a maquiagem, ela voltará ao vazio social da matéria carnal, entretanto, com uma máscara social já memorizada. O percurso passa a ser do realizante, potencializante e virtualizante, um percurso de decadência em uma correlação conversa que segue do realizado ao virtualizado, passando pela potencialização, conforme o esquema tensivo 13: Tônico Falta Atualizante Plenitude Realizante INT Átono Vacuidade Virtualizante Inanidade Potencializante Átono EXT Tônico

106 Os valores semióticos Quantas mulheres podem ser vistas diariamente pelas ruas harmonicamente maquiadas, com olhos suntuosos, com a pele fresca e uniforme e os lábios perfeitamente delineados e estonteantemente coloridos e vibrantes? Em um dia de semana, em horário comercial, raríssimas. Em uma festa à noite em um evento fechado, algumas. Harmonia de cores, poder de fixação, acabamento impecável e delicado, pele clara, uniforme e opaca, pós-faciais finos, batons com espessura fina que hidratam e cobrem os lábios com cores elegantes, do opaco denso ao brilho imponente, estes são valores de uma maquiagem sensual glamourosa como a de Thelma. O acesso aos produtos apropriados para uma maquiagem com esse efeito é para poucos, já que a alta qualidade equivale ao preço. O valor semiótico do objeto também é orientado pelas duas dimensões (intensidade e extensidade) que se tornam valências. A maquiagem glamourosa possui, por conseguinte, valores de absoluto: é deslumbrante em intensidade e concentrada em extensidade, tal qual seu mundo de referência. Isto significa que há muita técnica e muitos produtos dispendiosos concentrados sobre os rostos de poucas pessoas. Do ponto de vista tensivo, como explica Zilberberg (2008), a distinção entre os valores de absoluto e de universo desenvolveu-se a partir das seguintes considerações: I os valores são por continuidade complexos, a tensividade é o lugar de reencontro e ajustamento entre a intensidade e a extensidade entre o sensível e o inteligível, se bem que dizer de um valor que ele é tensivo volta a dizer que ele é complexo; II a complexidade é o pressuposto para qualquer análise, é uma função canônica ou uma coincidência. III a distinção entre os valores absolutos e de universo é sustentada por uma correlação divergente entre a intensidade e a extensidade, assim cada tipo de valor conjuga um ideal, um superlativo e uma nulidade,como sugere o diagrama seguinte 7 : 7 (i) les valeurs sont par continuité complexes, puisque la tensivité n est rien d autre que le lieu de rencontre et d ajustement entre l intensité et l extensité, entre le sensible et l intelligible, si bien que dire d une valeur qu elle est tensive revient à dire qu elle est complexe ; (ii) la complexité est le présupposé

107 107 Impacto Valores de absoluto Esquema tensivo 14 INT Fraqueza Valores de universo Concentração EXT Difuso De acordo com Zilberberg (2008), os valores de absoluto são impactantes em intensidade e concentrado em extensidade, enquanto os valores de universo são fracos em intensidade e difuso em extensidade 8. Pode-se dizer que a maquiagem glamourosa, estilo de valor de absoluto, tem um regime axiológico de exclusão-concentração, operado pela triagem, que resulta da correlação divergente entre as valências intensivas e extensivas, regida pela disjunção. Isso pode significar que uma maquiagem com um visual mais natural, com um olho contornado por lápis, sem cobertura total da pele e apenas com correção de olheiras, com aplicação de batons sem contorno dos lábios, tem um valor de universo: menos produtos, menos técnica sobre o rosto de várias mulheres, no cotidiano. Trata-se de um regime de participação e expansão, cujo operador é a mistura. A correlação é estabelecida pela convergência entre a intensidade e a extensidade, na qual há participação de mais pessoas regidas pela conjunção. Cabe observar que uma mesma maquiagem realizada com produtos qualitativamente diferentes possuem valores também distintos. de toute analyse, qu elle porte sur une fonction canonique ou sur une coïncidence ; (iii) la distinction entre les valeurs d absolu et les valeurs d univers est soutenue par une corrélation inverse entre l intensité et l extensité, si bien que chaque type de valeur conjugue un optimum, un superlatif et une nullité, comme le suggère le diagramme suivant : 8 Les valeurs d absolu sont éclatantes en intensité et concentrées en extensité, tandis que les valeurs d univers d univers sont faibles en intensité et diffuses en extensité.

108 PRÁXIS ENUNCIATIVA As grandes batalhas, os reinados e as descobertas da ciência são alguns dos marcos tradicionalmente evocados para se contar a história da humanidade. Podemos, no entanto, ler essa mesma história através de sinais do cotidiano, entre eles a maquiagem, pois a pintura corporal e a facial sempre representaram, como um documento vivo, o modo de vida das civilizações ao longo dos séculos. Reis, sacerdotes, camponeses e escravos empregaram-na como importante forma de expressão, fosse para insinuar poder e força, para assustar o inimigo, para demonstrar respeito e temor às divindades, ou até mesmo para dar forma a um simples impulso de vaidade. Sob esse ponto de vista, a evolução da maquiagem é uma outra forma, colorida e vibrante, de se contar a história do mundo (LEÃO, 1997). Como foi visto no capítulo anterior, as hexei corporais são estabelecidas culturalmente, do mesmo modo como a práxis enunciativa é constituída por formas discursivas que o uso das comunidades sócio- culturais fixa sob a forma de tipos, de estereótipos ou de esquemas (TEIXEIRA, 2001a, p. 45). Pode-se dizer, portanto, que a maquiagem se baseia na articulação das formas discursivas dos atos individuais da enunciação com os significados que são constituídos culturalmente. A maquiagem como práxis enunciativa pode ser, desse modo, uma criação ou o resultado de uma bricolage 9 que reaproveita elementos de outras criações. Conforme explica Teixeira (2001a), a originalidade do discurso vai depender dos modos como reage ou responde à exploração dos resíduos discursivos que acolhe. Por isso a enunciação passou a ser concebida por Schulz (1995) como uma articulação das formas discursivas do ato enunciativo individual com as organizações culturais estabelecidas, que independem da iniciativa particular do sujeito enunciador, mas que o incluem numa práxis enunciativa (TEIXEIRA, 2001a, p. 45). Por isso é possível contar uma história por meio da maquiagem. Isso significa narrar algo que está retido na memória e, se uma maquiagem está guardada na memória, é porque seu colorido e sua vibração foram, em algum lugar e em algum momento, sentidos mais intensamente, foram vivos, plenos e fixados culturalmente. Houve por parte dos sujeitos percebedores, nesses tempos de mais intensidade de um 9 Zilberberg e Fontanille (2001, p. 174) destacam a metáfora da bricolage, elaborada por Lévi-Strauss e utilizada por Jean-Marie Floch, de cunho figurativo, na qual há conjuntos de figuras e motivos, oriundos de universos semióticos heterogêneos e, muitas vezes, desconhecidos entre si, e que são convocados para constituir outros discursos com axiologias diferentes das originais.

109 109 estilo de maquiagem, espanto diante de um objeto novo. Admiração que vai diminuindo com o ganho da distância espacial e temporal de uma maquiagem que vai perdendo intensidade e ganhando extensidade até que tenha se tornado um estereótipo e seja potencializada para uma futura convocação. Mas também poderia se virtualizar e cair no esquecimento. Figura 26: Rita Hayworth. Fonte: SCREEN MEMORIES, Figura 27: Camila Espinosa como Rita Hayworth. Fonte: Molinos, 2000, p.198. Poderia utilizar qualquer tipo de maquiagem e de qualquer época para explicar a maquiagem como práxis enunciativa. Preferi escolher uma não tão remota, em uma época de conflito histórico generalizado e que, ao mesmo tempo, aproveitasse os valores glamourosos que vêm sendo relevantes nesta pesquisa. Portanto, destaco a maquiagem de um ícone sensual glamouroso do cinema americano: Rita Hayworth, figura 26, durante os anos 40, época em que a cor vermelha dos batons vibrava sobre os lábios cheios e delineados; as sobrancelhas eram desenhadas e mais espessas que

110 110 na década anterior e davam um efeito agressivo e sensual. Um discurso com cores vivas e sensuais para amenizar o sofrimento provocado nos anos de guerra. Enquanto a Europa sofria com as atrocidades da guerra, os Estados Unidos enviavam soldados após o bombardeio de Pearl Harbour, em 1941, época em que o cinema tornou-se um trunfo, já que junto com os aliados chegaram à Europa as atrizes de Hollywood que faziam shows para as tropas. O glamour dos anos 30 foi substituído pelo heroísmo e as mulheres realçavam a sensualidade para que fossem imaginadas como a moça que espera por mim quando eu voltar da guerra (VITA, 2008, p.124). Na maquiagem dos anos 40, além do resgate da rigidez dos padrões da beleza clássica, são difundidos os cílios postiços, o pancake 10 e o rouge 11. Duda Molinos, em 2000, reconvoca a cor vermelha dos batons, as sobrancelhas desenhadas e espessas conforme o discurso de Hayworth, colocado em memória, e o realiza novamente, agora, sobre o rosto de Camila Espinosa (Fig. 27), simulacro de Rita Hayworth. Um mesmo enunciado, em outro tempo e num outro espaço. Agora não mais para persuadir soldados de guerra, mas para enunciar a maquiagem cristalizada dos anos 40. Percebe-se, portanto, que, além da relação da maquiagem com os momentos históricos e sociais de cada época, algumas cores se evidenciam, outras desaparecem, alguns produtos vão sendo esquecidos e outros aprimorados, novos usos, novas formas, novas figuras vão ganhando espaço sobre os rostos dos sujeitos actantes encarnados. Verifica-se que num outro momento o mesmo irá acontecer, muitos produtos, cores e formas desaparecerão e muitos outros surgirão. São inovações, criações e bricolages no discurso da maquiagem. Quais são os valores glamourosos da maquiagem mais recentes? Desaparece o pancake, considerado muito artificial, e propagam-se as bases suaves com um leve brilho dourado sobre todo o rosto e colo. Cai em desuso o vermelho vivo para os lábios e surgem os tons de cereja sobre os lábios delineados com lápis em um tom mais escuro que a pele natural da modelo. Os cílios postiços se tornam excessivos para os olhos atuais, são aceitos apenas para os shows, ópera e teatro. Destacam-se as máscaras para alongar os cílios, continuam os lápis para sobrancelhas. Sombras 10 Base compacta densa, criada por Max Factor, que podia cobrir muitas imperfeições da pele. 11 Antecessor do blush, nos anos 40 estava em voga o rouge opalescent da Helena Rubinstein.

111 111 creme num tom cinza marrom em toda a pálpebra e na linha dos cílios inferiores são usados para expressar todo o erotismo sensual da femme fatale moderna, Julia Roberts, figura 28. Aucoin descreve da seguinte maneira essas mudanças de valores: Nos tempos de guerra, durante os anos 40, a América criou uma necessidade de fugir e de criar fantasia. E Hollywood estava pronta, como sempre, para explorar a necessidade do cidadão de sonhar. Hedy Lamarr, Gene Tierney, e, especialmente, por causa do seu cabelo vermelho flamejante, Rita Hayworth, era a amante, a rainha do glamour e da sedução do seu tempo. Levando o nome da mitologia grega, essas deusas de celulóide seduziam e imobilizavam de admiração legiões de cinéfilos com uma Figura 28: Julia Roberts. Fonte: AUCOIN, 1995, p. 118). sobrancelha arqueada e olhar intenso em uma direção. Julia Roberts, com seu olhar sedutor e erotismo sensual, é uma versão moderna da eterna femme fatale 12. (AUCOIN, 1995, p. 119) Além da exploração criativa da remanescência discursiva das femmes fatales dos anos 40, a originalidade do discurso das maquiagens glamourosas modernas tem como aliada a alta tecnologia dos produtos cosméticos da atualidade. O aparecimento e o desaparecimento dos enunciados, de um modo geral e, em particular, da 12 Wartime 1940s America created a need for escape and fantasy. And Hollywood was ready, as always, to exploit the average citizen's need to dream. Hedy Lamarr, Gene Tierney, and especially because of her flaming red hair, Rita Hayworth, were the paramours, glamour queens and sirens of their time. Taking the name from Greek mythology, these celluloid goddesses lured and transfixed legions of moviegoers with an arched brow and come hither stare. Julia Roberts, with her seductive gaze and sensual eroticism, is a modern-day version of this eternal femme fatale.

112 112 maquiagem, assim como das formas semióticas no campo do discurso ou, ainda, o encontro entre o enunciado e a instância que lhe assume (FONTANILLE, 2007, 271), originam-se na práxis enunciativa. A práxis enunciativa administra essa presença de grandezas discursivas no campo do discurso: ela convoca ou invoca no discurso os enunciados que compõem o campo. Ela os assume mais ou menos, ela lhes atribui graus de intensidade e uma certa quantidade. Ela recupera formas esquematizadas pelo uso ou, ainda, estereótipos e estruturas cristalizadas. Ela as reproduz tais como são ou as desvirtua e lhes fornece novas significações. Ela também apresenta outras formas e estruturas, inovando de forma explosiva, assumindo-as como irredutivelmente singulares ou propondo-as para um uso mais amplamente difundido. (FONTANILLE, 2007, p ) Zilberberg e Fontanille (2001, p. 174) explicam que as grandezas engendradas a partir de um discurso e as fixadas pelo uso convivem no decorrer da evolução de uma cultura, dos seus discursos e da sua respectiva propagação. Assim, as grandezas de estatutos distintos só podem conviver num mesmo discurso a partir da relação que elas têm com os diferentes modos de existência. A práxis enunciativa, então, manipula os modos de existência para poder adquirir uma dialética de criação e de sedimentação, como também concorrer para a formação da dimensão retórica dos discursos. A práxis é exercida no campo do discurso de domínio espaço-temporal em cujo processo semiótico se distinguem três fases aspectuais: emergente, em processo ou concluída. Quando Margarita Carmen Cansino 13, modalizada pelo querer virtual, toma a sua posição no mundo hollywoodiano e torna o seu envelope corporal uma superfície de inscrição, por meio do um processo de debreagem é, então, criado um campo de presença perceptivo. As primeiras articulações nesse campo são as valências intensivas e extensivas, isto é, uma intensidade sensível e afetiva e uma extensão perceptiva. Este processo ocorre durante a fase de emergência de uma forma. 13 É comum entre as personalidades, os artistas e os políticos, as mudanças de nome e de imagem. Não foi diferente com Rita Hayworth, registrada pelos pais como Margarita Carmen Cansino, artisticamente adotou primeiramente o nome de Rita Cansino com o qual trabalhou de 1935 até 1937, quando adotou o sobrenome de sua mãe Hayworth e, além do nome, mudou também a cor dos cabelos para ruivo (auburn).

113 113 A fase seguinte, do processo, corresponde ao discurso em ato propriamente dito, ou seja, quando Rita Hayworth, com lábios precisamente delineados e cheios de batom vermelho, com cílios postiços e sobrancelhas desenhadas e espessas, vai enunciando a sua sensualidade glamourosa no mundo glamouroso e sensual de Hollywood. Agora se trata de um campo esquemático no qual se instauram as formas discursivas e os valores se evidenciam. As formas discursivas, no caso da maquiagem, são os comportamentos somáticos significantes, manifestados pelas ordens sensoriais (GREIMAS e COURTÉS, 2008, p.144) que geralmente qualificam o ator figurativo 14. Assim, nesse momento, quem é visto e percebido é o ator Rita Hayworth, actante sujeito encarnado, cuja pele foi transformada em superfície de inscrição pela operação de debreagem que projetou o próprio do meio glamouroso sobre o não próprio da materialidade de Margarita Carmem Cansino. Rita Hayworth, desse modo, foi engendrada para ser glamourosa, sensual e persuasiva. Após Rita Hayworth (Fig. 26) ter enunciado toda a sua sensualidade e glamour, o campo de discurso transforma-se em um conjunto de diferenças, um lugar de categorizações, ou seja, conforme revela Fontanille, um campo diferencial, no qual o discurso (unidade semiótica construída) de Rita Hayworth será definido com a ajuda dos conceitos de identidade e alteridade, um par interdefinível pela relação de pressuposição recíproca, como definem Greimas e Courtés (2008, p. 251), imprescindível no estabelecimento da construção da significação. É a relação reflexiva da identidade reconhecida por meio da alteridade, da necessidade do outro para chegar à existência semiótica. O campo de presença, o campo esquemático e o campo diferencial, portanto, constituem o campo do discurso em um domínio espaço-temporal. A Práxis enunciativa é o domínio tanto dos discursos singulares quanto da memória cultural e dos esquemas semióticos. Apesar da fugacidade da maquiagem, ela guarda nos traços, nas cores e nas texturas sinais de histórias, particulares e universais. Pode-se 14 De acordo com Greimas e Courtés, o termo ator foi substituindo progressivamente personagem (ou dramatis persona) devido a uma maior preocupação com a precisão e a generalização (um tapete voador ou uma sociedade comercial, por exemplo, são atores), de modo a possibilitar o seu emprego fora do domínio exclusivamente literário. O ator é obtido pelos procedimentos de debreagem e de embreagem que remete diretamente à enunciação (...) O ator pode ser individual (Pedro) ou coletivo (a multidão), figurativo (antropomorfo ou zoomorfo) ou não figurativo (o destino). (2008, p )

114 114 enxergá-la com olhos de historiadores, de sociólogos, de filósofos, de antropólogos e de semioticistas, com os quais estes últimos são capazes de distinguir, além da dimensão pragmática e cognitiva, a dimensão sensível/vertiginosa do enunciado da maquiagem, que enquanto for novidade provocará impactos, contudo, quando se estabilizar e se tornar conhecido, proporcionará conforto ao enunciatário As grandezas e os modos de existência Pode-se afirmar que a maquiagem de Rita Hayworth (Fig. 26), além de ser constituída por valores engendrados por um meio social, também traz grandezas engendradas por um sistema, que foram fixadas pelo uso. Zilberberg e Fontanille (2001, p.174) explicam que tanto na evolução da cultura quanto nos discursos que a formam há o convívio de pelo menos duas dessas referidas grandezas. E, para que haja o convívio de grandezas diferentes em um mesmo discurso, como uma bricolage, é necessário que elas estejam em conexão com diferentes modos de existência (virtualizado, atualizado, potencializado e realizado), promovendo uma conversão da copresença em espessura discursiva e uma projeção de articulações modais sobre o campo do discurso. Assim, para administrar as diferentes grandezas semióticas de um discurso em ato, ocorre uma disposição do que Zilberberg e Fontanille (2001, p.175) chamam de produtos da práxis enunciativa e os modos de existência: Modo Virtual (...) é o modo das estruturas de um sistema subjacente, da competência formal disponível no momento da produção do sentido. Modo Atualizado é aquele das formas que advêm no discurso e das condições para que elas ali advenham: a atualização de um cromatismo em uma imagem(...). Modo realizado é justamente o modo pelo qual a enunciação faz as formas do discurso encontrarem-se com uma realidade, realidade material do plano da expressão, realidade do mundo natural e do mundo sensível no plano do conteúdo. Uma forma é considerada potencializada quando sua difusão ou seu reconhecimento são tais que ela pode figurar como tópos do discurso (tipo, lugar-comum ou motivo, disponíveis para outras convocações). O modo virtualizado (nunca voltamos ao virtual propriamente dito, pois estamos ainda no discurso em ato) é aquele das grandezas que servem de segundo plano ao funcionamento das figuras do discurso: o ato semiótico consiste, então, em realizar uma figura, em remeter uma

115 115 outra figura ao estado virtualizado e em colocá-las em interação de modo que, no momento da interpretação, o enunciatário seja conduzido a ir e vir de uma figura a outra (FONTANILLE, 2007, p. 276) Quando Rita Hayworth (Fig, 26) se enuncia sensual e glamourosa, parte do modo virtual, do qual fazem parte as estruturas de um sistema (actantes, modalidades) e a competência formal disponível no momento da produção do sentido. As cores, vermelha sobre os lábios, marrons que delineiam e deixam espessas as sobrancelhas, o pancake que uniformiza a pele e o rouge que dá cor às maçãs do rosto, atualizam o discurso de Hayworth que se realiza ao encontrar com o mundo cinematográfico de Hollywood. Desse modo, o ato produtor do discurso de significação é, a princípio, uma tensão entre o virtual, ainda fora do campo de discurso, e o realizado, centro do campo do discurso, intermediado pelo modo atualizado. Entretanto, em relação à maquiagem-enunciado de Camila Espinosa (Fig. 27), o ato produtor do discurso faz um movimento inverso, uma vez que a maquiagem é realizada a partir de uma forma potencializada disponível para outras convocações. Assim, quando Espinosa usa os lábios precisamente delineados e cheios de batom vermelho, os cílios postiços e as sobrancelhas desenhadas e espessas potencializadas pelo discurso de Hayworth, um tópos do discurso, o ato semiótico irá realizar a figura de Hayworth e remeter a figura de Espinosa ao estado virtualizado, colocando-as em interação. Desse modo, no instante em que o enunciatário interpretar o discurso, ele será levado a ir e vir de uma figura à outra (FONTANILLE, 2007, p. 276) Maquiagem na tipologia das operações da práxis enunciativa Para o campo de discurso da maquiagem ou da pintura corporal subentende-se um campo de presença no qual se relacionam instâncias sensíveis e perceptíveis como as cromáticas, eidéticas e topológicas, e somente por meio dessas instâncias é que os modos de existência e as tensões podem ocorrer na instância de discurso da maquiagem. Apenas quando um observador sensível, em algum lugar, é afetado por um corpo maquiado é que os modos de existência passam a existir. A presença da maquiagem sobre um corpo faz com que esse observador sensível seja atingido por

116 116 ela e comece a vivenciar emoções, ou, como explica Fontanille, variedades diferentes do sentimento de existência (2007, p. 280). O campo esquemático, formado na segunda fase da práxis enunciativa, no qual se controlam as variedades do efeito de presença do discurso, é composto por duas dimensões: a intensidade da assunção, que obedece à lógica das forças, e a extensão do reconhecimento, que obedece à lógica dos lugares. Retomo a maquiagem dos anos 40, representada por Rita Hayworth (Fig. 26), para refletir sobre as transformações que a maquiagem sofre no decorrer das décadas, anos, estações. Tal diversificação é justificada pelo devir existencial da instância de discurso. Zilberberg e Fontanille (2001, p. 181) explicam que é a troca social, a circulação dos objetos semióticos e dos discursos no seio das culturas e comunidades que adota ou rejeita os usos inovadores ou cristalizados, e que de certo modo canoniza as criações do discurso. Essa troca social é muito clara na história da maquiagem, o que justifica também a velocidade com que os estilos de maquiagem surgem e desaparecem, uma vez que a circulação das tendências vem abrangendo mais rapidamente os sujeitos. A busca por inovações aumenta na mesma proporção em que os usos saturados tendem a desaparecer. Se, por um lado, na década de 40 desaparecem as sobrancelhas arqueadas e desenhadas a lápis, a pele pálida e a sutileza dos coloridos das pálpebras características da década anterior, por outro, aumenta-se a espessura das sobrancelhas, carrega-se mais na maquiagem, no batom vermelho sobre lábios cheios e delineados. Na década seguinte, essas características já não têm o mesmo valor, as cores dos batons se tornam mais suaves para evidenciar mais os olhos pelo uso de sombras e delineadores. Percebe-se, portanto, que a práxis da maquiagem segue as mesmas direções que a práxis enunciativa e cumpre percursos e transformações características da sua sintaxe. Ela é responsável pela regulação global, diacrônica ou sincronicamente, dos diferentes modos de existência das grandezas das quais os discursos lançam mão (FONTANILLE, 2007, p. 280). As variedades do efeito de presença de uma instância sensível e perceptível são controladas pelas dimensões do campo esquemático, ou seja, da intensidade de assunção (lógica da força) e da extensidade do reconhecimento (lógica dos lugares).

117 117 Quando Margarita Carmen Cansino se percebe fortemente ligada às figuras e valores que ela utiliza em sua maquiagem sensual glamourosa (Fig. 26) e se reconhece em sua produção Rita Hayworth, pode-se dizer que há um elo empático entre o sujeito e a sua produção. A extensão do reconhecimento de Rita Hayworth, sensual e glamourosa, é medida a partir da difusão das formas significantes. As figuras sensuais e glamourosas ao modo Hayworth se repetem diversas vezes, e tornam-se referência de uma época devido à quantidade e freqüência da sua assunção por instâncias de discurso. Percebe-se aqui que a intensidade da assunção e a extensão do reconhecimento das maquiagens de Rita Hayworth progridem na mesma direção, numa correlação conversa entre intensidade e extensidade, o que fortalece as duas e, ao mesmo tempo, assegura o valor de troca de uma forma. Por outro lado, a emissão excessiva de uma maquiagem faz com que o valor de uso de uma forma provoque o seu desgaste, o que leva à procura de inovações, cada vez mais rápidas. Na outra extremidade, pode-se dizer que, atualmente, são lançadas, a cada nova estação, tendências de cores, de produtos, de formas de aplicação de maquiagem que nem sempre chegam a ser utilizadas por um grande número de sujeitos. É o caso dos delineadores brancos (Fig. 29), das máscaras de cílios coloridas (Fig.30) que, na verdade, podem funcionar numa passarela de moda, em maquiagens fashions, mas que não alcançam um uso generalizado. Figura 29: Delineador branco. Fonte: AVON, Figura 30: Desfile DKNY Rímel verde água. Fonte: BETA ATELIE, 2009.

118 118 Isso significa que uma forma inovadora surge, porém é pouco difundida. Essas maquiagens estão investidas do impacto explosivo de forte assunção, com o valor de uso intacto. Nestes dois casos, do excesso e da intactilidade do uso, a intensidade da assunção e a extensão do reconhecimento evoluem inversamente. Desse modo, há uma correlação divergente entre as duas dimensões. Portanto, a partir do cruzamento das duas dimensões da presença, há o engendramento de várias posições identificadas por Fontanille (2007, p.282). Na correlação conversa há a definição de duas operações sobre o valor de troca: a amplificação e a atenuação, que se referem à regulação do valor de troca das formas na comunicação (FONTANILLE, 2007, p. 282). A amplificação, cujo percurso vai da adoção de uma forma a sua integração na sociedade, seria o nítido caso, entre outros, da maquiagem sensual glamourosa de Hayworth (Fig. 23), em que, após a instauração da forma no uso, a força de assunção é fortalecida pela extensão do seu reconhecimento no seu próprio meio e também nos outros grupos sociais. A fase da atenuação acontece após o uso vivo de uma determinada maquiagem, essa saturação levando à sua obsolescência. Seria a fase seguinte da maquiagem sensual glamourosa, ou seja, quando a forma já não tem mais credibilidade para a enunciação que vai saindo de uso. Na correlação divergente, as operações de desdobramento e de somação regulam o valor de uso das formas. Na operação de desdobramento acontece a propagação do uso da maquiagem social glamourosa ao modo Hayworth (Fig. 23) que acaba por perder a força de assunção, cujo trajeto segue da difusão à revivificação de uma forma. A operação de somação conduz da formação de uma maquiagem inovadora ao seu desgaste. Ela corresponderia às maquiagens com delineadores brancos (Fig. 26) e máscaras de cílios de cores claras (Fig. 27), que são impostas pelos estilistas nos desfiles de moda e têm uma assunção forte e um reconhecimento fraco.

119 119 reproduzido: Fontanille (2007, p. 282) propõe um quadro resumo, que segue aqui Assunção forte Assunção fraca Reconhecimento extenso Amplificação Desdobramento Reconhecimento restrito Somação Atenuação Essas operações também podem ser representadas no esquema tensivo 16, aqui reproduzido, de Zilberberg e Fontanille (2001, p. 179): Somação Tônico Amplificação INT Desdobramento Átono Atenuação Átono EXT Tônico Objeto estético e semiótico em devir Se eu entendo a pintura, ou qualquer outra manifestação estética, como um objeto que fala de si mesmo, do mundo natural e do mundo da memória, a própria natureza do objeto me obriga a considerar os retornos, os vaivéns, as sinuosidades, os esboços, o movimento pendular, as hesitações como constitutivas do modo de analisar este objeto. (TEIXEIRA, 2004e, p.234) Do mesmo modo que uma pintura feita sobre um suporte tradicional, a maquiagem é uma inscrição estética no corpo próprio dos actantes encarnados, que faz deles objetos estéticos que falam de si mesmos, mas que só podem ser

120 120 apreendidos ao se referirem a duas grandezas e dois modos de existência em competição (FONTANILLE e ZILBERBERG, 2001, p. 186), com operações intensivas combinadas a duas operações elementares: uma de ascendência, que alcança a manifestação, e a outra de decadência, que retorna ao sistema, cristalizando as formas vivas em estereótipos que acabam nutrindo a competência dos sujeitos por produzirem as aplicações mais características. Os atos da práxis, além de regularem o devir do objeto semiótico, agem sobre o seu modo de existência, o percurso de ascendência. 1 A fase virtual Atualizado: revela a emergência de uma forma, uma inovação que deixa os sujeitos observadores surpreendidos e maravilhados. 2 A fase Atualizado Realizado: expõe o aparecimento de uma forma. É a fase em que ela recebe uma expressão e um estatuto de realidade que lhe possibilita ser um referencial, como a maquiagem de Rita Hayworth. Na outra etapa, do percurso de decadência, as formas significantes são contidas, memorizadas, tipificadas, ou podem ser apagadas e esquecidas. Esse percurso abarca também duas fases: 3 A fase Realizado Potencializado: é a condição para a queda de uma forma até então viva e inovadora. Com o desgaste e saturação de um uso constante, e a consequente fixação, ela se torna potencialmente disponível para outras convocações, como aconteceu no caso de Espinosa, simulacro de Rita Hayworth, criado por Duda Molinos (Fig. 24). 4 A fase Potencializado Virtualizado: ocorre o desaparecimento de uma forma e sua diluição nas estruturas virtuais subjacentes ao exercício de uma prática significante (FONTANILLE, 2007, p. 278). A combinação de, no mínimo, dois modos de existência e duas grandezas em competição faz com que uma forma diminua de intensidade para que outra forma seja promovida, numa concorrência solidária entre os modos de existência. Para demonstrar o devir das maquiagens numa práxis enunciativa, tomo como exemplos diversos estilos de maquiagem, principalmente as pinturas corporais.

121 Revolução semiótica Figura 31: Sasha. Fonte: GAIR, 2006, p Este trabalho de Joanne Gair foi realizado em Los Angeles, no ano de 2000, para o programa de televisão Aunque usted no lo crea, num episódio dedicado exclusivamente a suas pinturas corporais, no qual a artista criou uma sessão fotográfica especialmente para o programa.

122 122 Trabalhei com a modelo russa Sasha e me concentrei no lado mágico do meu trabalho... Como posso fazer para parecer que as pessoas tenham desaparecido por meio do meu pincel 15. (GAIR, 2006, p. 149) Nessa pintura aplicada sobre uma tela bidimensional e, conjuntamente, sobre o suporte tridimensional do envelope corporal de Sasha (Fig. 31), aparecem diversos tipos de flores, com diferentes cores, texturas e formatos que formam um único plano. O efeito mágico promovido pela profusão de matizes cromáticos das flores, distribuídas com certa linearidade, entre os tons vermelhos, mais destacados; os azuis, mais recuados, e os brancos, que salpicam luzes na composição, é o da diluição do corpo da modelo. A artista aproveita as características de cada cor para conseguir esconder os volumes naturais do corpo humano. Assim, vale-se do grau de cromaticidade da cor vermelha, naturalmente mais saturada que as demais, como também a de maior visibilidade; do azul e do branco, explora suas respectivas profundidade e luminosidade naturais para desviar o olhar do enunciatário para as flores e diminuir o foco de atenção do corpo de Sasha (Fig. 31). Além disso, as flores têm ritmos contínuos sobre o fundo amarelo das duas telas (fundo e corporal), promovendo uma camuflagem do corpo no meio florido. É uma maneira de fazer com que o corpo passe despercebido, como um camaleão que adapta seu aspecto às normas do meio ambiente. Apesar da operação de debreagem conservar a propriedade de conexão do envelope corporal de Sasha, ele sucumbe diante da grandeza cromática da enunciação. As pinturas se completam formando uma massa única, um plano contínuo no qual a tridimensionalidade do corpo humano parece recuar sob a multiplicidade de flores, de cores, de formas e de texturas. Quanto maior a distância do observador (enunciatário) em relação à composição, menor será a percepção do corpo. Distância essa que promove ainda mais a virtualização do corpo. A competição das grandezas e dos modos de existência é evidente numa operação intensiva de sua práxis enunciativa cujas operações de ascendência e de decadência se articulam mutuamente. As oscilações ascendentes e decadentes são primordiais para explicar e 15 Trabajé con la modelo rusa Sasha y me concentré en el lado mágico de mi trabajo... Cómo puedo hacer que parezca que las personas desaparecen con mi pincel.

123 123 representar o percurso que um observador faz diante dos corpos pintados, ou diante de qualquer outro texto observado. O movimento de percepção de um observador diante da pintura de Gair (Fig. 31) segue do ato de ascendência (Atualizado Realizado), no qual aparecem as flores que recebem uma expressão e um estatuto de realidade, para o ato decadente (Potencializado Virtualizado) que culmina no desaparecimento do corpo e sua diluição nas estruturas virtuais subjacentes ao exercício de uma prática significante. É o aparecimento de uma forma que estabelece uma relação mútua com desaparecimento de outra, constituindo, dessa maneira, conforme esclarece Fontanille (2007, p. 278), uma revolução semiótica.

124 Distorção semiótica Figura 32: Christina Ricci como Edith Piaf.Fonte: AUCOIN, 2000, p.100. Figura 33: Christina Ricci. Fonte: MORPHTHING, Figura 34: Edith Piaf. Fonte: DAYS EYE, Neste exemplo, acontece uma mudança do sentido na identificação do rosto da atriz Christina Ricci (Fig. 33). Cabe ressaltar que o mesmo acontece com Thelma Aucoin (Fig. 16) quando figuram sobre o seu rosto as imagens de Marlene Dietrich (Fig. 21) ou de Coco Chanel (Fig. 20), ou ainda, no simulacro de Rita Hayworth sobre o rosto de Camila Espinosa (Fig. 27). Christina Ricci (Fig. 33) empresta seu suporte facial para que Kevyn Aucoin a transforme em Edith Piaf (Fig. 34). Para isso, as sobrancelhas naturais de Ricci (Fig. 32) são cobertas, outras novas, bem finas, são

125 125 desenhadas com lápis marrom, acima das naturais cobertas. Base e pó facial são aplicados para uniformizar o rosto, sombras em pó são aplicadas sobre as pálpebras, primeiramente a de cor pêssego em toda a extensão, depois a marrom sob a cavidade das sobrancelhas, seguindo do mais intenso próximo ao nariz e fazendo um degradé até chegar ao canto externo dos olhos. A linha dos cílios inferiores também recebe a mesma sombra marrom esfumada sobre ela. Os cílios recebem várias camadas de máscara preta. Os lábios são contornados e aumentados com lápis no tom de pele e preenchidos com batom vermelho sangue. A área do osso malar é levemente colorida com um blush rosa, a peruca e o jogo de luzes completam o visual. É claro que os formatos das sobrancelhas e dos lábios já são um indicativo do rosto de Piaf, porém, ao se relacionarem com o trabalho de interpretação de Ricci, como o próprio Aucoin destaca, criam o efeito de mimese e de identificação com Edith Piaf, destacando principalmente a força passional da cantora de referência. Neste exemplo, acontece uma distorção semiótica, provocada pela competição das grandezas e dos modos de existência numa operação intensiva de sua práxis enunciativa. Ocorre uma operação de ascendência, do Virtualizado para o Atualizado e, depois, outra de decadência, do Realizado para o Potencializado. É a emergência da forma do rosto de Piaf correlacionada à diminuição gradativa da intensidade do rosto de Ricci. Este caso seria uma espécie de sinédoque visual, na qual há uma relação de contiguidade das figuras, isto é, poder-se-ia chamá-las de as Piafs. Há nas Piafs, assim como nas Dietrichs, nas Chanels e nas Hayworths, a concorrência de um conteúdo figurante atualizado e um conteúdo reconstituído potencializado.

126 126 Figura 35: Skinscapes Colinas. Fonte: GAIR, 2006, p Dois corpos femininos juntos, dispostos horizontalmente em direções inversas, cobertos por uma maquiagem corporal verde, distribuída uniformemente sobre os dois, compõem o primeiro plano cromático da obra. Uniformidade cromática que é quebrada pela centralidade dos musgos verdadeiros que cobrem os sexos das modelos, configurando dois pontos de textura ao plano, além de serem dois pontos de tensão na extensão dos envelopes corporais pintados de verde. Os musgos figuram como duas aglomerações arbóreas caracterizadas pela fertilidade do solo e pela exuberância da vegetação e estão estrategicamente posicionados como sinalizadores do também solo fértil feminino.

127 127 O segundo plano cromático é formado pela cor azul clara que forma o céu aberto da paisagem. Esses corpos colinas (Fig. 35) foram pintados por Gair, no verão de 2000, para a revista Black Book de New York, Estados Unidos. Tal qual uma metáfora visual, essa paisagem corporal se baseia numa relação de semelhança subtendida entre o sentido próprio e o figurado. A práxis enunciativa dessa maquiagem também é uma distorção semiótica, como no exemplo do simulacro de Piaf (Fig. 32). A práxis acontece por meio da competição das grandezas e dos modos de existência numa operação intensiva, na qual primeiro ocorre uma operação de ascendência, do Virtualizado para o Atualizado, seguida por uma operação de decadência, do Realizado para o Potencializado. A relação dos planos cromáticos, com a deformação do envelope corporal promovida pela debreagem cria um efeito de verossimilhança na relação com as colinas do mundo natural. As colinas pintadas emergem enquanto o envelope corporal entra em declínio, intensificado pelo comprometimento da propriedade de conexão do envelope corporal, provocado pela operação de debreagem, pela composição e pelo corte fotográfico, do mesmo modo como acontece na obra de Julio Larraz (Fig. 3), que consta no primeiro capítulo, outro exemplar de uma pintura corporal que promove uma distorção semiótica.

128 Remanejamento semiótico Figura 36: Flora/A Primavera. Fonte: GAIR, 2006, p. 87

129 129 Ao ver pela primeira vez essa mulher grávida adornada por flores que olha diretamente para o observador (Fig. 36), pode-se associá-la imediatamente a uma obra de arte famosa. E foi exatamente essa a intenção de Gair quando, em 1994, soube do interesse da atriz Demi Moore, grávida de oito meses, em participar de uma pintura corporal. A maquiadora, nessa época, acabara de chegar de uma visita à Itália, onde pode ver os originais do artista renascentista italiano, Sandro Botticelli. Ainda sob o impacto das obras primorosas em detalhes de Botticelli, ela propôs à atriz recompor Flora, uma das personagens do quadro A primavera 16 (Fig. 37), sobre o seu corpo. Flora, deusa das florestas e das flores, aparece à direita do referido quadro, e surge a partir do rapto apaixonado de Clóris, ninfa das flores, por Zéfiro, vento do oeste 17. Essa cena é proveniente das histórias do poeta Ovídio, que narrava o Figura 37: A Primavera- Sandro Botticelli 1478/82 Fonte: Nova Cultural, princípio da primavera no momento em que a ninfa Clóris se transforma em Flora: Eu era Clóris, a quem chamam Flora. Na pintura de Botticelli, ela traja uma túnica talaris ricamente detalhada, com qual a deusa espalha flores pelos campos. Gair aproveita o volume da barriga de oito meses de Moore para reproduzir o volume da túnica sobre o corpo ligeiramente volumoso, característico dos corpos renascentistas, de Flora. Gair não apenas recompõe Flora sobre o corpo de Moore, mas reconstitui alguns dos significados alegóricos dessa pintura de Botticelli cuja mensagem é recebida, de acordo com Argan (2003, p. 261), em diversos níveis. A artista reproduz a amenidade 16 A primavera, têmpera sobre madeira, foi pintada por volta de 1478/82, tem 203X314 cm e se encontra em Florença, na galeria degli Uffizi. 17 O quadro A Primavera é composto por nove personagens, da esquerda para a direita aparecem: Mercúrio, o mensageiro do deuses; as tres graças, componentes habituais do séquito de Vênus; a própria Vênus; cupido, Flora, Clóris e Zéfiro.

130 130 do pequeno bosque e do prado florido que está ao fundo da pintura. Do mesmo modo que no original, na reprodução há a ausência de perspectiva do alinhamento dos troncos paralelos e o rendilhado das folhas no fundo da primavera, um fundo sem profundidade, que, junto com a reforçada cadência daquelas paralelas, agrega valor aos fluxos dos ritmos lineares das figuras. Gair conserva em sua reconstituição as tênues passagens da cor e o preciso recorte dos escuros das árvores contra a claridade do céu (ARGAN, 2003, p. 261). A recomposição dos detalhes é preciosa, feita minuciosamente pela maquiadora: as flores que decoram a túnica, o movimento do tecido ao vento, o rendado da manga magistralmente pintado a mão, o fundo composto por árvores e o chão também adornado por flores. Para dar um aspecto tridimensional à túnica, foram agregadas peças de chiffon decoradas com o mesmo motivo floral que está pintado sobre o corpo de Moore. Da mesma maneira que as próteses das figuras 8 e 9, apresentadas no primeiro capítulo, as peças de chiffon são um meio de multiplicação da espessura do envelope corporal de Moore. A debreagem mantém a conexão do envelope corporal de Moore e também ocorre por meio de excrescências, que fazem com que aconteça o ajuste da superfície do envelope de inscrição ao envelope corporal. Por outro lado, a atriz se posiciona tal qual Flora original, e também acomoda em seus braços as flores acumuladas em sua túnica para que possa cumprir a missão de florir o mundo. Nenhum detalhe escapa a Gair, que enfeita os cabelos e o colo de sua Flora com arranjos florais tridimensionais. O ritmo da figura, a atraente beleza e o semblante do corpo de Flora sobre o corpo de Moore aparecem na fotografia final, tal qual o original no fluir das linhas, nos delicados acordes das cores (ARGAN, 1957, p.74). Neste exemplo, além do acréscimo do tecido proeminente ao corpo que se compacta ao envelope, a reconstituição de Flora conserva a propriedade de conexão do envelope corporal, proporcionando um efeito de sentido de referência à obra de Botticelli, ou seja, a maquiadora diz o que o pintor havia dito antes. Há, portanto, um remanejamento semiótico, pois Gair afeta as relações entre o original cultural e o sistema, fazendo com que a práxis enunciativa dessa pintura corporal combine as grandezas e os modos de existência numa operação intensiva. Assim, com a

131 131 reativação da combinatória virtual em um estereótipo, promove a emergência da pintura de Botticelli que é ajustada ao ofuscamento do envelope corporal de Moore, isto é, um ato de ascendência, do Virtualizado para o Atualizado, seguido por um ato de decadência, do Potencializado para o Virtualizado Flutuação semiótica Figura 38: Jovem de cabelo comprido. Fonte: GAIR, 2006, p Figura 39: Deborah Lin. Fonte: GAIR, 2006, p Figura 40: Yana. Fonte: GAIR, 2006, p. 121 Uma imagem na imagem é o que vemos nessas três obras artísticas. A concepção desses trabalhos, realizados por Gair entre meados dos anos 80 e início do anos 90, é basicamente a mesma: a utilização dos dorsos das modelos orientais como suporte de uma pintura com motivos também orientais. A jovem de cabelo comprido (Fig. 38) impressionou Gair tanto por sua beleza quanto pelo seu cabelo comprido e pelo tom de sua pele oriental que, segundo a maquiadora, seriam as telas mais suaves e perfeitas. A artista, então, projetou sobre as costas da modelo uma imagem dela própria. Desse modo, a pintora conseguiu

132 132 contar uma história com várias imagens (GAIR, 2006, p. 155). A modelo aparece de costas, sentada sobre os próprios pés, como uma gueixa. Um tecido leve, de cor vermelha, envolve os seus quadris. Os cabelos lisos, pretos e longos, são acomodados no ombro direito da moça, o que leva o observador a deduzir que eles descem pelo seu corpo nu. O dorso liso e suave da modelo recebeu a pintura de si mesma: uma moça oriental que também está sentada penteando os longos cabelos lisos e pretos, que passam pelo seu ombro esquerdo e atingem o colo nu, um tecido vermelho se destaca sobre o volume da saia e alcança a materialização sobre os quadris da modelo. A segunda composição (Fig. 39) foi feita em Los Angeles durante a gravação de um vídeo musical de Janet Jackson. Da mesma maneira que a anterior (Fig. 38), Gair pinta sobre as costas de Deborah Lin uma imagem dela própria que, no vídeo, é revelada quando o quimono da modelo cai em cena. A moça oriental (Fig. 39) tem os cabelos lisos e pretos penteados para trás, formando um coque baixo, preso pelos tradicionais hashi vermelho com detalhes brancos. Ela também aparece comportadamente sentada e mostra a pintura de si mesma que repousa em seu dorso: uma gueixa com o rosto maquiado tradicionalmente, vestida com um quimono suntuoso, de cor verde com detalhes vermelhos. Yana, modelo da terceira composição (Fig. 40), se distingue das outras duas (fig. 38 e 39), uma vez que o ângulo e o corte fotográfico não permitem que o observador visualize nitidamente qual é a sua real postura, mas, mesmo assim, percebe-se que ela se movimenta. O que se consegue vislumbrar dos seus braços dá a impressão de que ambos seguem para a esquerda. Dos seus cabelos apenas podese ver que são lisos e pretos por meio de duas mechas, aparentemente molhadas, que caem sobre as costas pintadas com símbolos assimilados da ópera chinesa: uma personagem da ópera em plena ação, que parece se mover tal e qual seu suporte, caminha com os braços completamente abertos; as longas mangas amarelas da roupa branca com estampas azuis, dobram-se sobre as mãos e balançam no espaço. Ao redor dessa figura central são desenhados flores e ideogramas chineses. Além das imagens chinesas, Gair utiliza os próprios produtos de maquiagem específicos para a

133 133 ópera, como também aquacolor 18 e caneta da marca sharpie 19 para os detalhes mais finos e delicados da pintura. Em nenhum momento vemos os traços faciais que identificam mais facilmente um oriental, mas podemos identificar, nos três sujeitos actantes encarnados, traços orientais, como os cabelos lisos, pretos, longos, que estão soltos, presos ou molhados. A postura das duas primeiras modelos (Figs. 38 e 39), que estão delicadamente sentadas como duas gueixas, ao contrário da terceira (fig. 40), que parece se mover tal qual a pintura que leva às costas, é um dos pontos de distinção entre as composições. Todos esses detalhes das modelos são isotopias figurativas 20 orientais ligadas e reforçadas pelas pinturas tradicionalmente orientais que são manifestadas alternadamente na composição. São Isotopias orientais pintadas sobre corpos configurados como isotopias também orientais. A relação entre as isotopias e a manutenção da conexão dos envelopes corporais provoca um efeito de redundância e de reiteração da origem oriental dos respectivos suportes. As manifestações alternadas na composição fazem com que a isotopia figurante [pintura corporal] vá e venha entre atualização e realização, e a isotopia figurada [envelopes corporais], entre realização e potencialização (FONTANILLE, 2007, p. 279). Há uma combinação entre o aparecimento de uma forma (as pinturas orientais) e o declínio de outra (os envelopes corporais) na práxis dessas três composições. Uma operação intensiva que promove um ato de ascendência do Atualizado para o Realizado e, na sequência, um ato de decadência, do Realizado para o Potencializado que configura o que Zilberberg e Fontanille (2001, p. 187) denominam de flutuação semiótica. 18 Um produto de maquiagem artística, com cores intensas, que é aplicado com esponja úmida ou pincel. Produz um acabamento similar às pinturas de aquarela. 19 Caneta utilizada para diversos fins, ícone nos Estados Unidos cujo traçado fino e preciso se fixa sobre variadas superfícies. 20 De acordo com Diana Barros, a isotopia figurativa caracteriza-se pela redundância de traços figurativos, pela associação de figuras aparentadas e correlacionadas a um tema, o que atribui ao discurso uma imagem organizada da realidade. (BARROS, 2003, p.86)

134 134 Figura 41: Emma Belcher - Rosas. Fonte: GAIR, 2006, p Ao contrário da figura 31, na qual Gair apagou o corpo de Sasha sobre um mundo de flores pintadas, agora ela cerca o corpo de Emma Belcher (Fig. 41) de rosas naturais e as recompõe, em pintura, sobre a superfície de inscrição da modelo. O mesmo tema, as mesmas figuras florais com práxis enunciativas distintas. O primeiro corresponde a uma revolução semiótica na qual há uma correlação entre o aparecimento das flores, fase Atualizado Realizado, e o desaparecimento do corpo, fase Potencializado Virtualizado. Nessa última composição (fig. 41), realizada em 2004, na Nova Zelândia, país de nascença da artista, acontece uma flutuação semiótica que surge de uma combinação do aparecimento das flores pintadas sobre o corpo, fase Atualizado Realizado, e a diminuição gradativa da intensidade das rosas naturais, fase Realizado Potencializado. O observador oscila seu olhar entre as imagens das rosas detalhadamente pintadas sobre o corpo e as rosas naturais de várias tonalidades, do rosa chá ao vermelho escuro, que cercam o corpo pintado. As rosas naturais permanecem ali, disponíveis ao olhar que pode ir e vir o quanto quiser, flutuando entre o natural e sua imitação artística. O efeito de verossimilhança em relação com as rosas naturais é promovido pelas formas e pelas cores. Zilberberg e Fontanille (2001, p. 187) demonstram, em uma rede de figuras sintáxicas, a práxis enunciativa, apreendida do ponto de vista do devir dos objetos, como uma composição de atos ascendentes e decadentes, dos quais se originam

135 135 quatro transformações elementares e quatro transformações tensivas: (Ascendência) Emergência Aparecimento (Decadência) Declínio Distorção Flutuação Desaparecimento Remanejamento Revolução A partir disso, percebe-se que, nas pinturas corporais ou nas maquiagens cotidianas, a variedade de estilos, tipos e composições, assim como os diferentes sentidos que elas têm nas diversas culturas do mundo, estão sempre em transformação. Em cada época, a maquiagem se modifica. Algumas vezes, valorizamse mais os olhos; em outras, os lábios é que ganham destaque. Ela também pode ser mais suave e neutra ou mais forte e colorida, dependendo do tempo e do espaço em que está inserida. Posição hierárquica em uma sociedade; poder para reis e nobres; respeito às divindades sobrenaturais e aos deuses para os primitivos; aceitação social para os contemporâneos e, essencialmente, o estético, são alguns dos significados atribuídos à maquiagem facial ou corporal. Entretanto, é ao combinar grandezas, modos de existência e tensões que a maquiagem alcança o status de obra de arte. A partir dessas relações entre as grandezas, os modos de existência e as tensões torna-se possível compreender as vertigens, os torpores, os arrepios e as surpresas provocadas pela maquiagem. Maquiar-se é discorrer com cores, com nuances, com ritmos, com formas e tensões que se transformam em discursos coloridos, originais e extasiantes. Uma tomada de posição no mundo, cujo modo de expressão gera sentidos apreendidos com mais ou menos intensidade. Assim como a instância do corpo próprio está em eterno devir, as inscrições efêmeras, maquiagens e pinturas corporais, como objetos estéticos e semióticos, se transformam incessantemente. Essas metamorfoses são reguladas pelos atos da práxis, sejam nas maquiagens sociais cotidianas e, mais evidentemente, nas pinturas corporais. Estas últimas, originadas nas ditas sociedades primitivas, são percebidas, nas sociedades contemporâneas, como uma maneira de reconectar o ser humano à

136 136 natureza. Diferentemente das culturas atuais, os povos de cultura pré-letrada, têm um modo de vida tradicional, uma continuidade temporal e espacial e necessitam que as enunciações coloridas sejam constantemente atualizadas para que possam continuar vivas.

137 NOVOS SENTIDOS PARA O CORPO: AS INSCRIÇÕES EFÊMERAS PARA OS PRIMITIVOS E PARA OS CONTEMPORÂNEOS E as máscaras? Eu tinha medo mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara.(...) Eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice. (...) mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil (...) (LISPECTOR, 1998, p ) Desde cedo, as meninas observam a mãe e o ritual atrativo, mágico e fascinante de se maquiar, porém a influência da televisão vem acelerando esse processo, além de promover a padronização e a serialização dos rostos. Atualmente, há produtos e cores específicas para essas meninas/mulheres, que, como disse Lispector, tanto desejam escapar da meninice. Colorir o rosto, desenvolver uma máscara tem o sentido de acesso ao misterioso mundo adulto no qual, na imaginação inocente da infância, tudo se pode. A maquiagem seria uma tentativa de cobrir a exposta vida infantil e entrar em um mundo desconhecido, que, só mais tarde, as meninas perceberão que é tão ou mais cheio de regras, tensões e responsabilidades. Essas transformações figurativas dos sujeitos actantes encarnados, corresponde à narratividade da maquiagem que é comum entre as culturas letradas e pré-letradas. Porém, os grupos culturais pré-letrados, normalmente, possuem um modo de vida coletivo e tradicional. A cada nova aplicação das pinturas corporais significa a continuidade e a permanência de uma forma de vida. Seria como a coexistência atual e anterior das enunciações. Fontanille (2004a, p.253) explica que a tradição funciona por continuidade temporal e espacial de sua transmissão 1, e, para mantê-la viva, as enunciações impessoais não podem ser interrompidas. Então, podese dizer que cada vez que um indivíduo Nuba se pinta, ele reativa a enunciação de forma pessoal. 1 La tradition que celui de la continuité temporelle et spatiale de sa transmission.

138 138 Fontanille e Zilberberg (2001, p. 213) explicam que há forma de vida a partir do momento em que a práxis enunciativa apareça como intencional, esquematizável e estética, ou seja, preocupada com um plano da expressão que lhe seja peculiar. Desse modo, os Nubas e seus sentidos estéticos completamente esquematizados mantêm viva a sua tradição da pintura corporal. Essas pinturas Nuba estão fixadas pelo uso e são imediatamente reconhecidas no decorrer de uma estesia. A cada nova aplicação, um indivíduo Nuba deseja entrar em conjunção com a beleza (objeto de valor) e atualizam o discurso por meio da categoria eidética do plano da expressão, uma vez que as cores correspondem às faixas etárias. Assim, o actante sujeito encarnado Nuba, por meio das operações de debreagem (deformações e projeções), transformam suas peles em superfície de inscrições efêmeras que são revestidas por figuras, se tornam os atores socias Nubas, com força de transformação e forma identificável. Quanto aos corpos contemporâneos, para Le Breton (2003), eles ou são cultuados ou são desprezados nesses tempos de exibição de músculos tonificados, de beleza estética acima de qualquer coisa, que produzem imagens corporais constantemente reversíveis, às quais se atribuem incertezas de significados que acabam parecendo ser inatingíveis. Um corpo que, tal como o rosto, acentua a sua situação de projeto, como define Fiorin (2008a). O corpo contemporâneo não é nada mais que um projeto, um corpo inacabado. O corpo que antes era pertencente à natureza, hoje é da ordem da cultura. Um indivíduo antigamente se resignava ao corpo com que nascera, agora, diante dos avanços da cosmética, da produção dermatológica, das cirurgias plásticas, o corpo possui uma imagem idealizada e em relação a ela, o corpo de cada um é sentido como uma falta (FIORIN, 2008a, p. 149). Os corpos pertencentes à natureza são representados nesta pesquisa pelos habitantes das montanhas Nuba, no sudeste da província sudanesa de Kordofan, África. Como são muitos os primitivos com culturas específicas, um estudo generalizado que abranja a maioria deles não levaria a compreensão de todo o contexto social específico de cada grupo. Conforme explica Lévi-Strauss (1981), devese compreender tanto as máscaras quanto os ritos, o cotidiano que está associado ao meio social de cada cultura.

139 139 Os Nubas foram fotografados por Riefenstahl, que, atraída por suas pinturas corporais, buscou maior aprofundamento nos estudos de Faris. Essas fotografias e a beleza das suas pinturas corporais influenciaram Roberto Edward, criador e diretor do projeto Cuerpos Pintados. Portanto, os corpos estéticos, bonitos, esbeltos e definidos, padrão de beleza dos Nubas, não poderiam deixar de ser, nesta investigação, os representantes dos povos de cultura pré-letrada. A partir das pinturas e escarificações corporais dos Nubas comprova-se a multidimensionalidade desse corpos. De acordo com Gilles Deleuze e Félix Guattari (1996, p. 43), a valorização da multidimensionalidade corporal assegura a conexão da cabeça ao corpo. É raro que algo passe pelo rosto, diferentemente do ser humano contemporâneo, que tem o rosto como forma de expressão primeira. A polivalência está em todo o corpo, passa por seus volumes, por suas cavidades internas, por suas conexões e por coordenadas exteriores variáveis (territorialidades) (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 43). As pinturas sobre a pele revelam codificações simbólicas complexas (JEUDY, 2002, p. 89), motivo pelo qual foram estudadas profundamente nas pesquisas etnográficas. As tatuagens e as escarificações são exibidas como um desafio para os olhos, e também são sinais de identidade e de pertença. O corpo tatuado parece despossuir a si mesmo para pertencer ao Outro (JEUDY, idem, p. 91), à medida que o outro tenta vencer o desafio de desvendar seus segredos. Até mesmo as máscaras que aparecem sobre o rosto dos povos pré-letrados são para garantir a pertença da cabeça ao corpo. Deleuze e Guattari (idem, p. 43) afirmam que as máscaras não valorizam um rosto. Os pré-letrados possuem um corpo sacro que é entendido como pertencente à natureza e é valorizado por essa condição. Segundo Viviane Baeke (1997, p. 19), a pintura corporal, as tatuagens e as escarificações são como as vestimentas, são maneiras de valorizar e/ou mudar o sentido do corpo. Além da busca estética nessa transformação, o motivo principal da metamorfose corporal são as relações sociais, religiosas ou políticas. Além disso, Fontanille (2004a) constata que, para os povos Tin de Nova Guiné, o corpo é uma figura mereológica:...diversas partes (os membros e os órgãos) são associadas para formar um todo federativo onde as partes devem conservar sua identidade; mas essa figura aparece de imediato como homólogo da

140 140 representação do entorno natural, uma configuração em arquipélago, de tal modo que as relações entre as partes (os órgãos e os membros) são homólogas com as relações entre as ilhas e as águas que constituem o território desse povo 2. (2004a, p. 16). A corporalidade dos povos pré-letrados, conforme denominação dada por Lux Vidal e Aracy Silva (1992), é um exemplo que serve como princípio para a semiótica do corpo, na qual a forma e as transformações das figuras do corpo proporcionam uma representação discursiva das operações profundas do processo semiótico 3 (FONTANILLE, 2004a, p. 17). Nesses corpos, a conexão do envelope corporal é preservada pelas operações da debreagem, mantendo não apenas todo o corpo conectado, mas também a sua conexão com o mundo natural. São corpos que possibilitam uma leitura polissensorial, a partir da força de ligação entre eles e o grupo, como também com o entorno e o cosmos, que fazem deles um espaço de semiotização durante toda a vida. São actantes competentes, são redes de leitura das ocorrências do dia a dia. Um corpo cujas formas e transformações esclarecem, de acordo com Fontanille (2004a, p. 17), o percurso fenomenológico e encarnado da significação. O efeito coesivo do envelope corporal atribuído às pinturas, tatuagens, escarificações dos povos pré-letrados é percebido inclusive nos jovens. O rito de passagem significa passar de um estado para outro; aprendizagem de novos hábitos; novos conhecimentos; novas obrigações e está relacionado, de acordo com Lévi- Strauss (1979), com a ecologia e com a estrutura social de cada sistema sócio-cultural. Os rituais de escarificação, de tatuagem e de pinturas corporais são os principais meios que esses povos usam para ensinar e induzir os indivíduos a se iniciarem nas novas tarefas que a sociedade lhes impõe, e, geralmente, é durante o período de puberdade que eles são introduzidos. O rito de passagem na cultura Nuba indica escarificações para as meninas e 2 Des parties (les membres el les organes) sont associées pour former un tout fédératif, où les parties doivent conserver leur identité ; mais cette figure apparaît immédiatement comme l homologue de la représentation de l environnement naturel, une configuration en archipel, en ce sens que les rapports entre les parties (les organes et les membres) sont homologues des rapports entre les îles et les eaux qui constituent le territoire de ce peuple. 3 La forme et les transformations des figures du corps fournissent une représentation discursive des opérations profondes du processus sémiotique.

141 141 cores para os homens. De certo modo, sem todos os rituais tradicionais apresentados nas culturas pré-letradas, pode-se dizer que nas sociedades letradas a maquiagem também tem uma importância fundamental na fase de transição entre a infância, a adolescência e a idade adulta, restrita ao sexo feminino. Apesar da delimitação da área para as inscrições efêmeras, estas não deixam de ser um atrativo para o imaginário infantil tal qual um rito de passagem. As meninas, assim como Lispector, no texto em epígrafe, acreditam, cada vez mais, que as cores da maquiagem tem o sentido de um passaporte libertário para o mundo adulto. 3.1 O CORPO ESTÉTICO, A CONSTRUÇÃO FIGURATIVA E O SEMISSIMBOLISMO DA PINTURA CORPORAL DOS NUBAS O artista é aquele que fixa e torna acessível aos mais humanos dos homens o espetáculo de que participam sem perceber (MERLEAU- PONTY, 1980, p.120). O fascínio dos Nubas pela estética corporal está inserido em todos os momentos do seu cotidiano. De acordo com Riefenstahl e Faris, somente os novos e saudáveis considerados entre eles, pelos padrões locais, como fisicamente belos é que tinham a permissão de ficar despidos. Dificilmente encontram-se homens ou mulheres gordos entre eles, uma vez que a obesidade é considerada desagradável. Os homens acima da faixa etária dos 30, que já não lutam, consequentemente não usam mais adornos, deixam de usar as pinturas corporais e não andam mais nus. Do mesmo modo, as mulheres deixam de exibir o corpo despido após a primeira gravidez. Para eles, não há necessidade de embelezar um corpo que já não é mais considerado belo. Os Nubas se conformam com a degradação corporal provocada pelo tempo e seguem para outras atividades nas quais o corpo não seja o centro das atenções. Eles têm um conhecimento extenso sobre o corpo humano e dão nomes específicos para cada músculo e para cada postura e atitude física. Conforme revelam a fotógrafa e o antropólogo, o vocabulário dos Nubas em relação ao corpo humano é muito maior que o das sociedades letradas, uma vez que eles têm um termo específico para cada postura, do ombro ao estômago. A forma de andar, a posição dos pés, o modo como o

142 142 calcanhar toca o chão, o volume do estômago, se os ombros são caídos, largos ou estreitos e assim por diante, tudo é minuciosamente observado, avaliado e definido por eles. Esse fato revela a característica humana em buscar o sentido de estar no mundo. Um indivíduo Nuba, para pertencer ao grupo, deve manter o corpo belo e esbelto, pois essa é uma das características da hexis corporal Nuba. Além dessa característica geral, há regras para ambos os sexos se apresentarem no grupo. Se, por um lado, o sentido da arte é estético, por outro, de acordo com Faris (1972), a decoração corporal segue regras sociais e também indica um status. As cores, os estilos, as formas dos cabelos e as escarificações servem para marcar a faixa etária, a hierarquia, a condição fisiológica e o estatuto ritual. As mulheres Nubas têm tratamento diferenciado em relação aos homens. Ambos podem pintar o corpo, mas as mulheres, além das pinturas bem mais simples que as masculinas, passam pelo dolorido ritual das escarificações (Figs 2 e 13), que começam a ser realizadas por volta dos dez anos de idade. São três fases de aplicação dessas cicatrizes intencionais: a primeira por volta dos dez anos na parte frontal do tronco; a segunda após a primeira menstruação e a terceira, cujas escarificações são aplicadas nas costas, acontece após o nascimento dos filhos. Nas pinturas femininas não há contrastes cromáticos, somente usam a cor amarela ou vermelha sobre o corpo, dependendo do clã familiar paterno. As tonalidades das duas cores são diferentes, pois cada clã tem um lugar próprio para buscar o pigmento. Se as cores são uniformes, as escarificações exploram os planos eidético e topológico, criando formas que, às vezes, se concentram em algumas áreas, e em outras, se espalham por todo o corpo e rosto, de acordo com a fase de vida de cada mulher. A operação de debreagem que preenche seus envelopes corporais com essas marcas definitivas preserva a propriedade de conexão, resguardando a unidade do corpo. As escarificações, em conjunto com a coloração terrosa, utilizada nas pinturas podem ter o sentido associado ao seu processo dolorido e sangrento, uma vez que as mulheres Nuba reforçam no corpo as marcas que o tempo imprime naturalmente. Cleide Campelo (1996, p. 49) diz que o corpo da mãe é, desde a gestação uma expansão do corpo do filho, relação textual que logo será ampliada com a aquisição de novos textos, como o corpo expandido da família.

143 143 Para os homens, há determinados adereços, como braceletes, cintos, penteados, além da luta de vara, que corresponde a algumas faixas etárias. O mesmo acontece com a decoração corporal, principalmente no que diz respeito à seleção cromática: o vermelho e o branco acinzentado são destinados aos meninos acima de 8 anos; a cor amarela é destinada aos de idade intermediária e a cor preta como fundo só pode ser usada a partir de dois anos após a entrada na idade adulta. Vê-se, portanto, que a categoria cromática do plano da expressão correlaciona-se com o plano do conteúdo. Esse é um típico caso de como a relação entre a expressão e conteúdo deixa de ser convencional ou imotivada (BARROS, 2003, 89), para instituir uma nova perspectiva de visão. Desse modo, os Nubas, para exprimirem que pertencem à faixa etária das crianças, utilizam as cores vermelhas e brancas, em oposição às cores amarelas e pretas, reservadas aos adultos. No quadro 6 abaixo, está resumida a correspondência cromática das pinturas com o respectivo grau etário dos homens Nubas, como também os termos masculinos e femininos correspondentes às respectivas cores, conforme os dados fornecidos por Faris (1972):

144 144 Sexo do usuário Masculino Masculino Masculino Cor Idade Grau Cor de vermelho e branco vermelho, amarelo, branco vermelho, amarelo, branco preto e 14/14-17 Lōer 17-20/20-23 Kadūndōr 8-11/ /26-29/29-31/31-45/45- Feminino amarelo De acordo com o clã da do pai família Feminino Vermelho De acordo com o clã da do pai família Kadōnga fundo 4 vermelho branco/cinza amarelo preto Termo cōrda cōŗē cōrda cera cōrda calō cōrda cūņin wā wa ēcēɂēt wā wa wōŗē A oposição cromática, no plano da expressão, correlacionada à oposição etária, do plano do conteúdo, caracteriza uma semiótica semissimbólica, uma vez que as correlações parciais entre os dois planos da linguagem apresentam um conjunto de microcódigos, conforme explica Greimas (2004, p.93), da mesma maneira como ocorre com o microcódigo gestual do sim vs. não, que corresponde à oposição verticalidade vs. horizontalidade. O estudo tradicional do simbolismo é dominado por uma visão lexical, em que uma figura da expressão é correlacionada a uma figura do conteúdo. Lévi-Strauss (em Le totémisme aujourd hui) foi um dos primeiros a opor a esta visão substancial uma visão relacional. Uma 4 O azul também foi usado por um período, proveniente dos comerciantes árabes. O branco pálido é usado por ambos os sexos, porém, somente em rituais.

145 Cobra venenosa Piton 145 análise aprofundada das linguagens simbólicas de diferentes culturas mostra que elas repousam amplamente mesmo se permitem frequentemente uma leitura do tipo lexical sobre sistemas semissimbólicos. Assim, a maior parte das culturas primitivas africanas se serve do contraste entre duas cores/cromático ( vermelho )/ vs. /acromático ( preto, branco )/ para exprimir a oposição vida vs. morte. (GREIMAS, 1986) 5. Se a categoria cromática correlaciona-se à faixa etária, as linhas e formas da categoria eidética são relacionadas com as coisas do mundo: animais e relevos, entre outros. Faris (1972, p. 50) relaciona alguns desses grafismos representacionais Nuba: Montanha Seios Femininos Colar Shilluk Tamanduá Tartaruga pequena Chuva Figura 42: Representação linear. Fonte: FARIS, 1972, p Tradução de Lucia Teixeira.

146 146 Essas linhas podem aparecer em diversas posições do corpo, do rosto ou sobre o cabelo. Algumas formas representacionais, no entanto, devem ser localizadas topologicamente no corpo ou no rosto, mas, mesmo com essas determinações, o espaço para a imaginação está assegurado, uma vez que estilizações e variações são aceitas. Alguns desenhos podem ser observados nas figuras abaixo: Pássaros mascarados Antílope da Floresta Veado pequeno da savana Vaca Pássaro Mascarado Pássaro da floresta Macaco Preto ou vermelho da floresta Abutre Antílope pequeno da floresta.figura 43: Desenhos representacionais do rosto Fonte: FARIS, 1972, p. 85

147 147 Gato da Floresta Avestruz Chacal da montanha Figura 44: Desenhos representacionais para os corpos.fonte: FARIS, 1972, p.78 As normas atribuídas pelos Nubas ao uso das cores e das formas correspondem à relação do sistema com o processo (lexicalizado), ou da dicotomia saussureana língua (virtual) com a fala (realizada) 6. O uso das cores e das formas faz com que os Nubas fiquem completamente transfigurados, a tal ponto que Riefenstahl não podia reconhecê-los a cada mudança de pintura, o que normalmente acontecia duas vezes por dia 7. Como actantes sujeitos encarnados competentes, esses artistas natos sabem e podem facilmente trocar de estados figurativos distintos, fascinando e persuadindo esteticamente os enunciatários. Como o corpo é o princípio da actancialidade e da intencionalidade, conforme foi visto no primeiro capítulo, os Nubas fazem juz a essa premissa proposta por Fontanille (2004a, p. 124). Como actantes encarnados cumprem perfeitamente a função da narratividade definida pela intencionalidade que lhes é própria. No sistema semissimbólico essa intencionalidade 6 Vale observar que o semissimbolismo das pinturas dos Nubas caminha para um simbolismo, na medida que cristaliza a articulação entre o plano da expressão e o plano do conteúdo, apontando, desse modo, para um sentido global. 7 Somente nos meses devotados ao trabalho nos campos é que o óleo, a pintura e os adornos não são feitos diariamente.

148 148 pode ser dupla, no sentido de que se constrói uma linguagem segunda ao desviar alguns traços da expressão para renovar ou confirmar certos significados. Isso permite às pinturas corporais Nuba ter um discurso mais profundo e mais mítico e também, por outro lado, mais verdadeiro, uma vez que a arbitrariedade do signo está em parte abolida, já que o signo conquista alguma motivação (GREIMAS e COURTÉS, 1986). A oposição profunda entre o vermelho e o preto, da materialidade da pintura, corresponde à oposição do plano do conteúdo entre criança e adulto, que se adequa ao primeiro nível, o fundamental, do percurso gerativo de sentido semiótico. Como actantes encarnados estéticos, os sujeitos Nubas se juntam ao objeto também estético: as formas e cores efêmeras que são projetadas sobre os seus corpos próprios. Desse modo, os indivíduos Nubas instauram o nível narrativo a partir da tomada de posição no mundo sócio/etário/cultural ao qual pertencem. Por meio da operação de debreagem que conserva a propriedade de conexão do envelope corporal, os discursos topológicos, eidéticos e cromáticos de uma materialidade caracteristicamente fugaz são percebidos em ato, e, assim, os Nubas exercem a persuasão ou a vertigem em seus enunciatários. 3.2 PLANO DA EXPRESSÃO. O que me fascinou mais que tudo foi a pintura sobre os rostos dos homens. Esses nativos tinham um incrível dom da imaginação e da arte. Eles logo perceberam como eu estava impressionada com suas qualidades artísticas e, a partir de então, competiam, para minha surpresa e admiração, elaborando novas máscaras diárias. Eu consegui conhecer muitos deles pelo nome com o passar do tempo, e alguns tinham um talento fora do comum. Eu me recordo particularmente de Yunis, de Kaduma, de El Kallas, de Aliman e de Molle. Às vezes figurativas, mas frequentemente, bastante abstratas e servindo para fins estéticos ao invés de finalidades rituais, seus desenhos indicam um comando de todos os cânones da arte. Se eles se pintavam simetricamente ou assimetricamente, com ornamentos, linhas ou figuras estilizadas, o efeito era sempre harmonioso. O modo como usam a forma e a cor nasceu da grande fonte da arte. Meninas e homens, igualmente, fizeram um genuíno culto de seus corpos. Fiquei impressionada pela sua extrema limpeza. Antes de pintar o rosto e o corpo, os Nubas do sudeste se lavam e passam óleo. Sem o óleo, que deve ser completamente absorvido pela pele, a pintura seria impossível. Para remover a pintura eles usam uma argila úmida que é deixada no

149 149 corpo por aproximadamente meia hora. Isso absorve os pigmentos e o óleo que depois são lavados 8. (RIEFENSTAHL, 1976, p. 212). Nestas palavras, Riefenstahl deixa clara a materialidade da pintura corporal dos Nubas, como também a utilização das outras categorias plásticas do plano da expressão semiótica: a cromática (categoria constituinte), a eidética (categoria constituida) e a topológica (categoria não constitucional). A semiótica plástica é apropriada para analisar os sistemas semissimbólicos constituídos por manifestações visuais. Durante a análise do plano da expressão, faz-se necessário descrever os seus componentes, verificando a organização hierárquica das categorias que podem ser combinadas de variadas maneiras, o que determinará os diversos efeitos plásticos. Conforme Greimas e Courtés(1986), as categorias constitucionais possibilitam a apreensão de uma configuração plástica, em oposição às categorias não constitucionais, espaço. que regem a disposição das configurações já constituídas no O discurso plástico dos Nubas, conforme esclarece Faris, pode ser ou não representacional, mas as escolhas dos traços e das formas sempre é feita de acordo com a morfologia do corpo. A arte pessoal dos Nubas do sudeste não é uma arte semântica no sentido de que todo projeto tem algum tipo de significado simbólico profundo. O elemento mais significativo é o meio em que ele é comumente produzido - o corpo humano. Esta exposição culturalmente apropriada pode ser, talvez, como Lévi-Strauss sugeriu, a expressão culturológica essencial do homem em oposição ao indivíduo biológico 9.(FARIS, 1972, p. 50). 8 What fascinated me more than all else was the painting on the men s faces. These natives had incredible gifts of imagination and artistry. They soon noticed how impressed I was by their handiwork, and from then on competed for my wonder and admiration by devising new masks every day. I got to know many of them by name as time went by, and some were outstandingly talented. I particularly remember Yunis, Kaduma, El Kallas, Alimam and Molle. Sometimes figurative but often quite abstract and serving aesthetic rather than ritual purposes, their drawings displayed a command of all the canons of art. Whether they painted themselves symmetrically or asymmetrically, and whether with ornaments, lines or stylized figures, the effect was always harmonious. Their use of form and colour sprang from the very fount of art. Girls and men alike, they made a genuine cult of their bodies. I was impressed by their extreme cleanliness. Before painting the face and body, the South-East Nuba wash and oil themselves. Without oil, which must be thoroughly absorbed by the skin, painting would be impossible. For removing paint they use a moist clay which is left on the body for about half an hour. This absorbs the pigments and oil and is then washed off. 9 Southeastern Nuba personal art is not a semantic art in the sense that all design has some type of deeper symbolic meaning. The most meaningful element is the medium on which it is commonly produced - the human body. This culturally proper exposure can be, perhaps, as Lévi-Strauss has

150 150 De todo modo, ao pintarem o corpo e o rosto, os Nubas mantêm a conexão total do corpo, como explicaram Deleuze e Guatari (1996, p. 43). Contudo, sobre o rosto há uma maior concentração de detalhes, justamente na área nobre do corpo humano. Talvez seja exatamente para não valorizar o rosto, como defendem os filósofos. Com a dificuldade de identificação individual e do estado emocional, eles direcionam o olhar para o conjunto do corpo, ressaltando a expressão culturológica essencial, como se referiu Leví-Strauss (1981). Percebe-se na pintura dos Nubas os contrastes e as oposições em todas as categorias plásticas: às vezes eles opõem a pintura simétrica do corpo à pintura assimétrica sobre o rosto; traços curvilíneos versus retilíneos; direita versus esquerda. Faris descreve cinco tipos de projetos topológicos básicos da pintura corporal Nuba, que podem ser representacionais ou não representacionais: Ţōrē: projetos orientados sobre uma divisão vertical por meio das cores de simetria bilateral. Nyūlaņ: projetos que irradiam a partir de um único ponto ao longo do eixo de simetria bilateral. Pacōrē: projetos que dividem o corpo (ou rosto), em paralelo a muitas seções: vertical, horizontal ou diagonal. Tōmā: projetos uniformemente distribuídos, carimbados ou manchados. Kōbera: sem distribuição uniforme dos diferentes projetos individuais, nomeadamente painéis de projeto 10. (1976, p. 74) Seja como for o projeto topológico, os Nubas não perdem o sentido estético nas suas pinturas. De acordo com Faris, os projetos mais comuns são os nãorepresentacionais, nos quais eles podem usar elementos e traços das pinturas representacionais, porém essa mistura em um único conjunto faz com que se tornem mais abstratos. suggested, the essential expression of culturological man as opposed to the biological individual. 10 Ţōrē: designs orientated about a vertical division along axix of bilateral symmetry. Nyūlaņ:designs which radiate from a single point along the axis of bilateral symmetry. Pacōrē: designs which divide body (or face) in to many parallel sections, vertically, horizontally, or diagonally. Tōmā: uniformly distributed stamped or spotted designs. Kōbera: non- uniform distribution of different individual designs, particularly panels of design.

151 151 Com as pinturas representacionais dos Nubas pode-se perceber que um mínimo de traços representa um leopardo (Figs. 47 e 48), uma montanha (Fig. 49), um pássaro (Fig. 45 e 46), entre outros. Não existe iconicidade na representação, mas apenas um traço que retém a qualidade mais fundamental e mais profunda de cada representação. As pinturas corporais Nuba podem ser comparadas à obra de Picasso, As metamorfoses de um touro, na qual o pintor vai apagando os recursos de referencialização do desenho, desnudando-o até chegar a sua estrutura mínima, como explica Lúcia Teixeira (2008b, p. 301). Os Nubas atingem naturalmente a rarefação figurativa, tornando, desse modo, as suas representações, aos nossos olhos, verdadeiras abstrações. Teixeira, no mesmo artigo, refere-se a uma conferência proferida por Italo Calvino, na qual ressalta a nossa necessidade de golpear o contínuo das sensações confusas, atribuindo-lhes a forma de signos inteligíveis. Diante dessas considerações, pode-se dizer que os Nubas, em suas pinturas corporais, desafiam a si próprios e, consequentemente, seus observadores, a enfrentar sentidos inesperados e também nos ensinam a compreender a produção do sentido, que vai do mais concreto e complexo ao mais simples e abstrato (TEIXEIRA, 2008b). Tanto nos recursos de expressão que imprimem direcionalidade às linhas, volume aos corpos e movimento ao conjunto, quanto no plano mais abstrato do conteúdo, que opera com o despojamento das figuras para falar da essencialidade da representação, os procedimentos discursivos instalam um sujeito da enunciação cuja caligrafia rasura a representação convencional, anunciando um tempo de novos procedimentos estéticos. (TEIXEIRA, 2008b, p. 302)

152 152 Figura 45: Pintura simétrica e representativa variação da cipalin máscara de pássaro. Fonte: FARIS, 1972, p.103. Figura 46: Pintura simétrica e representativa variação da cipalin máscara de pássaro. Fonte: RIEFENSTAHL, 1976, p As figuras 45 e 46 apresentam maquiagens simétricas e representativas. Elas representam um pássaro, vale ressaltar que, na tradição dos Nubas, a representação de um animal, não faz com que eles se tornem ou adquiram o poder do animal representado, mesmo porque, em uma mesma configuração, eles podem representar vários animais. Como os Nubas valorizam a beleza corporal, eles procuram explorar e reforçar essa beleza por meio da imitação da padronagem das peles, das formas dos corpos dos animais nas pinturas corporais, produzindo por meio da relação dos planos eidéticos e topológicos um efeito puramente estético. A propriedade de conexão do envelope corporal é assegurada pelas inscrições coloridas e efêmeras. Se o corpo se mostra evidenciado nestas duas pinturas, o rosto, o que há de mais humano, está virtualizado. O rosto é humano, é somente em referência a um sentido profundo da humanidade que se falará do rosto por um animal, uma coisa, uma paisagem. O rosto está no alto do corpo, à frente, ele é a parte nobre do indivíduo; sobretudo, ele é o lugar do olhar. Lugar de onde se vê e de onde, às vezes, é visto, por essa razão, é um lugar privilegiado das funções sociais - comunicativas, intersubjetivas, expressivas, linguagem

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