Uso da técnica de dicroísmo circular para avaliação de proteínas com aplicações biotecnológicas
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1 Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol Memorando Técnico 03/2016 Uso da técnica de dicroísmo circular para avaliação de proteínas com aplicações biotecnológicas Leticia Maria Zanphorlin Murakami Roberto Ruller 2016
2 MEMORANDO TÉCNICO: USO DA TÉCNICA DE DICROÍSMO CIRCULAR PARA AVALIAR ENZIMAS BIOTECNOLÓGICAS Leticia M. Zanphorlin & Roberto Ruller RESUMO A funcionalidade das proteínas e enzimas decorre de suas estruturas tridimensionais. Assim, a grande meta a ser alcançada no estudo de enzimas é o conhecimento de suas estruturas à nível atômico-molecular, suas funções e, consequentemente, as relações estrutura/função, as quais, à medida que se tornam conhecidas, formam a base que possam orientar a modificação deliberada para aperfeiçoar ou criar novas propriedades moleculares. No estado atual do âmbito da Ciência das proteínas/enzimas, o estudo estrutural de uma macromolécula que atenda aos critérios de pureza, segue as seguintes etapas: estrutura primária, que pode ser determinada usando-se cada vez mais a espectrometria de massas; estrutura secundária, obtida via espectrometria dicróica (dicroísmo circular) e espectrometria de infravermelho com transformação de Fourier (FTIR); estrutura terciária, obtida por cristalografia de raios-x ou em solução, por ressonância magnética nuclear (RMN). As enzimas, possuem em suas estruturas unidades opticamente ativas (ligações amídicas sonda de estrutura secundária) que podem ser caracterizadas na região do ultravioleta distante (abaixo de 250 nm). Dessa forma, essas unidades interagem com a luz circularmente polarizada provocando alteração na polarização da luz incidente. Nesse sentido, a técnica de dicroísmo circular (CD) detecta essa alteração, medindo a diferença da absorção da luz circularmente polarizada à direita e à esquerda, permitindo avaliar o conteúdo de estrutura secundária de uma determinada proteína. Como resultado final, obtemos informações cruciais da estrutura secundária de uma proteína em solução. Além disso, uma vez conhecida o perfil de estrutura secundária dessa macromolécula, é possível acessar informações da termoestabilidade obtendo valores de Tm (temperatura de transição) nas condições desejadas. Com isso, é fato que utilizando a técnica de dicroísmo circular, somos capazes de investigar e prever quais as melhores condições (ph, temperatura, tampão, sais, inibidores, ativadores e outros componentes) que uma determinada proteína tem seu ótimo funcional. As vantagens da utilização da técnica de CD envolvem baixo custo (em termos operacionais e de quantidade de amostra) e a principal desvantagem é o fato de ser necessário a enzima estar em solução e purificada em um alto grau de pureza. Palavras-chaves: proteínas, dicroismo circular,enzimas, estrtura e função, biotecnologia industrial 2
3 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO OBJETIVO ASPECTOS EXPERIMENTAIS Instrumentação Metodologia da preparação das amostras para análise em CD e os parâmetros de leitura Concentração de proteínas recommendados para análise Unidade para medidas de CD Predição de estrutura secundária Experimentos de desenovelamento ou agregação de proteínas CONCLUSÃO REFERÊNCIAS
4 1. INTRODUÇÃO Dicroísmo Circular é uma técnica espectroscópica extensivamente usada para estudar conformação e estabilidade de proteínas em diferentes condições, como por exemplo, temperatura, força iônica, ph, presença de solutos e/ou pequenas moléculas. CD é uma técnica não destrutiva, de fácil manuseio, requer pequenas quantidades de amostra e as análises são relativamente rápidas. CD mede a diferença de luz circularmente polarizada à esquerda e à direita por cromóforos que possuem quiralidade intrínseca ou estão localizados em condições quirais. Proteínas possuem um número de cromóforos que podem originar em sinal de CD. Na região do UV-distante ( nm), que corresponde à absorção da ligação peptídica, o espectro de CD pode ser analisado para dar informações no que diz respeito as características de estrutura secundária, como por exemplo, α-hélice, folha-β e randômica. O espectro de CD na região do próximo ( nm) reflete o ambiente de aminoácidos com cadeia lateral de aromáticos e então fornece informação sobre a estrutura terciária da proteína. Portanto, é evidente que a técnica de CD é bastante versátil em biologia estrutural, com extensa aplicação. 2. OBJETIVO O objetivo desse memorando técnico é abordar os principais aspectos experimentais para se obter resultados de Dicroísmo Circular com boa qualidade experimental. 3. ASPECTOS EXPERIMENTAIS 3.1. Instrumentação O dicroísmo circular ou CD (do inglês circular dichroism) é uma forma de espectroscopia que utiliza a absorção diferenciada da luz polarizada no sentido horário e ou anti-horário. Um fenômeno que é comumente utilizado nos estudos da estrutura secundária de proteínas e destas em soluções e estudos de interações com outras moléculas (RNA, DNA e peptídeos). A fonte de luz para a instrumentação de CD é o xenônio, que gera bons resultados nos comprimentos de onda de 178 à 1000 nm. 4
5 Durante a preparação da análise no espectropolarímetro (maquinário destinado a análise de CD), é necessário um fluxo de N2 para remover O2 e prevenir a formação de ozônio, que pode causar danos para o sistema ótico, além de permitir que medidas sejam feitas abaixo de 200 nm. Um fluxo de N2 constante deve ser usado: geralmente 3L/min para medidas em 260 nm, 5L/min entre 200 até 260 nm, 10L/min entre 180 e 200 nm e 50L/min em 180 nm. A lâmpada deve ser ligada antes de cada experimento com no mínimo 30 minutos de antecedência Metodologia da preparação das amostras para análise em CD e os parâmetros de leitura É importante que cada amostra esteja, pura, homogênea e na ausência de partículas precipitadas (centrifuga-se ou filtra-se em 0.22 m). É essencial minimizar a absorção de outros componentes (como tampão, solutos, solventes, etc). Tampões fosfato, borato ou Tris em baixa molaridade (em torno de 20 mm) possuem baixa absorção acima de 190 nm em cubetas de 0.1 nm de caminho ótico. O indício de absorção da luz é dado pelo módulo de voltagem de dinodo (em volts, V), que mede a resposta da fotomultiplicadora durante o experimento e é um indicador da quantidade de fótons que não são absorvidos ou são espalhados pela amostra. Uma alta absorção causa um aumento no ruído e consequentemente aumenta os erros nas medidas de elipticidade. Em geral, um limite aceitável é de 600V, mas as aquisições até 700 V são permitidas desde que o número de acumulações seja alto o suficiente para reduzir o ruído gerado pela absorção. Além disso, o uso de cubetas de quartzo com menores caminho óticos diminui o número de fótons que a amostra é capaz de absorver. Outros parâmetros são importantes para reduzir o ruído da medida. A largura da fenda, que controla a banda espectral deve ter um valor limite que não seja capaz de deformar e/ou destorcer o espectro. Além disso, o sinal do ruído é proporcional a raiz quadrada do tempo de integração, então a forma mais simples de melhorar a qualidade do espectro é aumentar o tempo de resposta. Para isso, a velocidade de leitura multiplicada pelo tempo de resposta deve ser menos que 0.33 nm (isto é, para uma velocidade de 200 nm/min, o tempo de resposta tem que ser no mínimo de 0.1s e para uma velocidade de 50 nm/min, o tempo de resposta tem 5
6 que ser menos que 0.4s). Parâmetros sugeridos para medidas iniciais de proteínas: bandwidth = 2 nm; tempo de resposta = 1s e velocidade de varredura = 20 nm/min; o número de acumulações deve ser o necessário para que o valor de HT não exceda 700 V A qualidade e concentração de proteína recomendada para análise O espectro de CD de uma proteína depende tanto de sua conformação como concentração da amostra pura analisada. Medidas precisas de concentração é fundamental para a predição de estrutura secundária. Para isso recomenda-se uma quantificação proteica, utilizando metodologias padronizadas de Bradford ou BCA, associados a uma análise de pureza em gel de poliacrilalida SDSPAGE. Uma vez a amostra proteica, centrifugada, filtrada e quantificada, inicia-se a análise por CD. Para cubetas com caminho ótico para medidas entre 1 até 5 mm, pode-se usar concentrações de 0.2 até 1 mg/ml. Dependendo do desenho da cubeta, o volume necessário pode ser de 50 µl até 2 ml. Por exemplo, para cubetas de 1 mm, 300 µl de amostra na concentração de 200 µg/ml deve fornecer bons resultados Unidade para medidas de CD Para proteínas, os resultados são expressos em elipticidade molar residual, [θ]: [θ]= (θ*100*m)/(c*l*n) Onde θ é a elipticidade em graus, l é o caminho ótico em cm, C é a concentração em mg/ml, M é a massa molecular e n é o número de resíduos de aminoácidos da proteína. O resultado, portanto, é dado em graus.cm 2.dmol Predição de estrutura secundária Obviamente, a técnica de CD não pode fornecer detalhes estruturais como outras técnicas de alta resolução como é o caso de cristalografia de raios- X (X-TAL) e ressonância magnética nuclear (RMN); mas pode fornecer uma boa estimativa da fração de resíduos na estrutura que estão envolvidos em α-hélice, 6
7 folha-β e/ou formação desordenada. Muitos métodos (CONTIN-CD, SELCON, DICHROWEB, DICROPROT, K2D2) têm sido desenvolvidos para predizer estrutura secundária de proteínas através do espectro de CD. Esses métodos estabelecem metodologias de estatística que usam combinações do espectro de CD da proteína alvo com proteínas que possuem estrutura terciária conhecida. No entanto, é necessária atenção na interpretação dessas análises, pois o espectro de CD de uma proteína não depende apenas da quantidade de estrutura secundária, mas também da extensão da cadeia polipeptídica Experimentos de desenovelamento ou agregação de proteínas A técnica de CD é extensivamente usada para estudar a estabilidade de uma proteína na presença de condições desnaturantes, como por exemplo, temperatura, químicos (ureia e cloreto de guanidina) e extremos de ph (usualmente ácidos). Conforme a temperatura ou a concentração desses agentes aumentam, a estabilidade da proteína é afetada e, portanto, ocorre a perda de estrutura (desenovelamento). CD é uma técnica conveniente para avaliar a estabilidade uma vez que os espectros de uma proteína enovelada e desenovelada são totalmente diferentes. A transição pode ser facilmente determinada fixando o comprimento de onda onde a diferença de sinal para enovelada e desenovelada é grande. Por exemplo, proteínas predominantemente α-hélice tem um sinal de CD característico em 222 nm e quando se desenovela o sinal é muito baixo ou praticamente zero. 4. CONCLUSÃO CD é uma técnica estrutural que tem um importante papel no estudo de proteínas (conformação, função e estabilidade). Está técnica (desde que respeitada o alto grau de pureza), pode ser utilizada para avaliação de proteínas recombinantes (ou não), frente às condições variadas de temperature, presença de alguns inibidores (que não interfiram na análise por dicroismo), variados phs, interações moleculares com substratos, entre outras; o quais são elementos importantes para possíveis aplicações biotecnológicas. A principal vantagem no uso dessa metodologia está relacionada à economia de amostra e velocidade 7
8 de aquisição dos dados. CD é provavelmente uma das técnicas mais importantes para que se inicie uma investigação estrutural de uma amostra proteica pura. Neste sentido, esse memorando técnico destacou uma série de aspectos experimentais visando a aquisição de dados de boa qualidade auxiliando nas avaliações relacionadas a estrutura de proteínas com aplicações biotecnológicas. 5. REFERÊNCIAS Para mais informações consultar: Sharon M. Kelly and Nicholas C. Price. The Use of Circular Dichroism in the Investigation of Protein Structure and Function. Current Protein and Peptide Science, 2000, 1, Daniel H. A. Corrêa and Carlos H. I. Ramos. The use of circular dichroism spectroscopy to study protein folding, form and function. African Journal of Biochemistry Research Vol.3 (5), pp
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