Pintores negros e mulatos no século XIX e início do século XX. Talentos inovadores ou tradição imposta
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- Valentina Guimarães Peralta
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1 Pintores negros e mulatos no século XIX e início do século XX. Talentos inovadores ou tradição imposta O objeto de estudo é a pesquisa da formação histórica e artística dos pintores negros e mulatos oriundos da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) no século XIX, e início do século XX (até a década de 30), já na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Foram realizadas análise nas obras dos negros e mulatos pintores do século XIX e em obras pós este período, já produzidas no início do século XX (até a década de 30), ambas produzidas no Rio de Janeiro durante sua formação acadêmica e atuação comercial. Introdução O século XIX é um período que ofereceu a história da arte brasileira diversas gerações de artistas de renome. A Academia Imperial de Belas Artes é a instituição responsável por popularizar a maioria dos artistas de destaque e muitos deles tornaram-se discípulos de seus professores. Porém nem todos conseguiram o devido destaque. Alguns alunos que ficaram em um certo esquecimento os negros e mulatos, tinham dificuldades econômicas para prosseguirem com os estudos. Dos artistas negros do século XIX e início do século XX, poucos são os que conseguiram destaque com sua produção. O estudo sobre a vida e obra destes artistas resume-se em pequenas biografias em dicionários de artes plásticas, como nos elaborados por José Roberto Teixeira Leite e os de autoria de Roberto Pontual ou Carlos Cavalcanti. Em livros de Gonzaga Duque Estrada, este aponta diversos pintores, chega inclusive a fazer análises de algumas de suas obras, porém não verifica a diferenciação entre os negros e mulatos com os pintores brancos, muito menos o que os levou a permanecerem no tradicionalismo ou abandoná-lo em prol de novos estilos que vinham da Europa. Não trazem os motivos que levam estes pintores negros e mulatos a darem preferência ao ofício de professor. Todas as questões sociais que envolvem a história destes homens e que influenciam em suas vidas artísticas foram superficialmente abordadas em toda a bibliografia pesquisada, o que gerou um estudo mais aprofundado da questão. A admissão na Academia Imperial de Belas Artes A Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) surgiu em um período no qual predominava a escravatura no Brasil, criada por iniciativa da corte portuguesa e adotada pelo Império e posteriormente pela república. Uma intenção explícita em sua fundação e que permanece até a República, é criar uma civilização moldada em cânones europeus, assim a academia era uma instituição social da elite econômica e cultural. Subentende-se que seus alunos adivinham da classe alta, mas ao contrário, era essencialmente formada com alunos da camada mais baixa. Diversos relatos afirmam a dificuldade de aprendizado dos alunos, que mal preparados não acompanhavam o ensino teórico como desejavam o corpo docente. Ao se candidatar o aluno deveria passar por uma avaliação na qual deveria saber ler, escrever e contar os números inteiros. A formação oferecida pela Academia aos seus alunos era dividida em dois grupos: os dedicados as belas artes e aos artífices que professavam as artes mecânicas. Assim havia um conjunto de pessoas que iriam integrar a massa mais direcionadas ao trabalho, 258
2 um grupo mais técnico. A elite permanecia em sua maioria formando-se nos cursos tradicionais como medicina, direito, etc. Em meio a uma elite escravocrata, alunos negros e mulatos matriculavam-se na AIBA (Academia Imperial de Belas Artes) formando novas gerações de artistas. De uma forma geral, estes alunos desenvolviam suas habilidades a fim de serem mão de obra especializada propícia ao período. As dificuldades dos alunos negros e mulatos, e até os de classe mais baixa eram muitas, principalmente para os dois primeiros grupos, que além de estarem à margem da alta sociedade econômica, enfrentavam o preconceito devido sua cor e sua condição social, pois no período imperial sequer eram homens livres e após a abolição da escravatura sua aceitação foi demasiadamente lenta. Leis abolicionistas Afim de uma melhor compreensão das leis que levaram os alunos negros e mulatos a instituição de belas artes é preciso conhecer as leis que antecedem a abolição definitiva dos escravos e que paulatinamente oferecem a liberdade e a opção de estudos a estes homens. Lei Eusébio de Queiroz, que recebeu o nome de seu autor, abolia o tráfico de negros da África. Incentivada pelos ingleses que comprometeram-se em apreender qualquer embarcação com escravos que tivesse como destino o Brasil, respaldados pela lei Bill Aberdeen. Isto aumentou o tráfico interno. Lei do Ventre Livre dava liberdade a toda criança nascida de mulher negra a partir de 1871, porém a criança deveria ficar subordinada aos senhores de seus pais até completar 21 anos, seu período mais produtivo. Lei do sexagenário promulgada a partir de 1885, tornava os negros a partir dos 65 anos livre. A média de idade de um negro era de 40 anos devido as péssimas condições de sobrevivência, raro era uma pessoa negra chegar aos 65 anos. Lei Áurea por fim a tão esperada lei que pôs fim a escravidão no Brasil. Mesmo antes das leis acima relacionadas homens negros livres viviam em solo brasileiro e estes juntamente com a camada mais abastada teriam a possibilidade de ingressos na escola, uma vez que inicialmente havia um estudo mais voltado aos afazeres técnicos. A representação negra nas telas Em um primeiro momento os negros nas artes eram apenas representados. Diversos artistas pintam em suas telas homens e mulheres negros, primeiramente em cenas cotidianas e em um segundo momento como modelos, mas os negros como artistas antes da criação da academia poucos foram os que ficaram conhecidos. Temos o exemplo de Aleijadinho. Na Academia de Belas Artes os negros artistas passaram a se submeter aos modelos aos quais eram direcionados pela Academia. A escola seguia o modelo neoclássico, modelo esse seguido da Europa desde sua criação. A situação social dos alunos negros e mulatos Uma análise da situação social, cultural e econômica dos pintores negros e mulatos dá subsídios para uma verificação de suas vidas no âmbito artístico. Assim também são estudados sua formação acadêmica tanto na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), quanto na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Negros e mulatos de destaque A autora detêm-se a pintores apenas como forma de delimitação de tema mas deixa claro que nas outras áreas existem tais artistas e que são dignos de futuras investigações. 259
3 O primeiro pintor negro de destaque foi Estevão Roberto da Silva ( ), ingresso em Foi contemporâneo de Almeida Jr, Belmiro de Almeida, Rodolfo Amoedo, Antônio Firmino Monteiro e Henrique Bernardelli, destacou-se por suas naturezas mortas sobressaindo-se em pintura de frutos. Obteve influência de Agostinho José da Mota. Recebeu na Exposição Geral de Belas Artes a Medalha de Prata (1876). Ficou por cerca de 16 anos na academia, isto era corriqueiramente normal por muitos alunos devido às várias dificuldades a estadia era marcada por inúmeras interrupções. Antônio Rafael Pinto Bandeira ( ), ingressou na AIBA em 1879 onde foi discípulo de Zeferino da Costa. Em 1884 participa da 26º Exposição Geral de Belas Artes onde recebe Menção Honrosa, em 1885 lhe é concedido o Prêmio Imperatriz do Brasil. Em 1887 muda-se para Salvador onde leciona no Liceu de Artes e Ofícios. Em 1890 retorna para sua cidade natal, Niterói/R.J. onde criou uma Escola de Belas Artes que malogrou e num ato de desespero cometeu suicídio atirando-se de uma barca da companhia Cantareira morrendo afogado aos 33 anos. Antônio Firmino Monteiro ( ), contemporâneo de Estevão Roberto da Silva, ingressou na Academia Imperial de Belas Artes em Seus mestres foram Vítor Meirelles, Agostinho José da Mota, Pádua e Castro, e Zeferino da Costa. Sua temática é paisagens e cenas pitorescas do Rio de Janeiro. Concorreu a cadeira de paisagem, flores e animais, porém perdeu para Leôncio Vieira. Obteve nas Exposições de Belas Artes de 1879 e 1884, respectivamente, a 2º Medalha de Ouro e Cavaleiro de Ordem da Rosa. Raphael Frederico ( ), ingressou na AIBA em Em 1889 foi premiado com Medalha de Prata em Exposição em Chicago. Em 1890, na Exposição geral de Belas Artes recebe novamente uma medalha. Foi contemporâneo de Fiúza Guimarães, Hilário Teixeira e Eliseu Visconti. Em 1893 participa novamente do concurso e vence. Em maio de 1894 embarca com a família para Paris. Em 1899 conquista sua Medalha de Ouro. Seu último quadro datado é de 1919, quinze anos antes de sua morte. Assim como Estêvão Roberto da Silva ficou por mais de dez anos na escola. Justificativa A presente pesquisa justifica-se por ser uma análise dos alunos e pintores negros e mulatos na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) no século XIX e início do século XX, na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), assunto pouco pesquisado ou não aprofundado por teóricos da história geral e da arte brasileira. A exceção em pesquisas no assunto fica restrita a Roberto Teixeira Leite e Emanuel Araújo (o primeiro jornalista, crítico e historiador da arte e o segundo curador e museólogo do Museu Afro Brasil). Um estudo mais elaborado se possibilitou devido a informações sobre negros e mulatos contidas em arquivos e museus do Estado do Rio de Janeiro, com documentos avulsos, desenhos e pinturas. A bibliografia consultada traz a tona informações relevantes da vida de ambos os pintores pesquisados, informa que dos negros e mulatos, apenas Raphael Frederico e Arthur Timótheo da Costa receberam prêmio de viagem. Estudos de José Roberto Teixeira Leite analisam obras dos artistas por ele pesquisados e conclui que alguns como Raphael Frederico e até os irmãos Timóteo da Costa (Arthur e João) embrenhamse em tendências inovadoras como a realista e impressionista. Estas não são totalmente aceitas pela academia ainda tradicionalista, o que justificou a análise estilística dos artistas a fim de diagnosticar tendências modernistas, talvez explicando o fato de ficarem de fora dos grandes nomes do período. 260
4 Objetivo Geral O objetivo principal foi verificar a atuação artística e histórica dos pintores negros e mulatos na construção da história da arte brasileira no século XIX e início do século XX (até a década de 30), atuantes no Rio de janeiro, através de análise de obras localizadas em museus, arquivos e prédios deste Estado. Assim foi verificado o porquê de uma camada tão importante da classe de artistas ficarem a margem de seus contemporâneos. O questionamento foi: seria apenas uma exclusão social ou características inovadoras os afastam de todos os cânones aceitos pela Academia Imperial de Belas Artes da elite tradicionalista do século XIX e início do século XX? Objetivos Específicos Entender a situação social dos artistas negros e mulatos no século XIX e início do século XX (década de 30), levando em consideração as modificações ocorridas nas leis que vagarosamente foram libertando os escravos e principalmente a abolição total da escravatura que aconteceu em maio de 1888; Examinar todo o processo de formação e atuação dos pintores no século XIX e início do século XX, focalizando a situação específica dos negros e mulatos no período. Analisar a produção de obras dos pintores negros e mulatos, no período de sua formação e atuação profissional e comercial, no século XIX e início do século XX (até a década de 30), ambas localizadas em museus e arquivos no Estado do Rio de Janeiro. Metodologia A metodologia utilizada foi o uso inicial de fontes primárias (obras e documentos) localizados nos museus, arquivos e outras instituições do Estado do Rio de Janeiro, e como uma segunda etapa o levantamento das fontes bibliográficas sobre o assunto, principalmente dos pesquisadores da história da arte do período como Gonzaga Duque Estrada. Resultados Através das pesquisas realizadas chegou-se a conclusão que os artistas negros e mulatos, oriundos da Academia Imperial de Belas Artes e até mesmo da Escola Nacional de Belas Artes, submetemse inicialmente aos cânones artísticos oferecidos por sua escola. No trajeto de sua vida profissional tentam primeiramente soluções inovadoras em seu estilo e temática, diferenciada do oferecido pelas academias, pintando temas de acordo com a sua realidade e utilizando técnicas contemporâneas, porém por questão de sobrevivência, buscam um tratamento plástico e temático mais comercial, aceito pela sociedade econômica dominante. Renata da Silva Carvalhaes - Museóloga atuando no Museu Dom João VI da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; Especialista em Acessibilidade Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pós-graduação em Docência do Ensino Superior pela Universidade Candido Mendes. Referências ARAÚJO, Emanuel. Museu Afro Brasil. Um conceito em perspectiva. São Paulo. Instituto de Políticas Públicas Florestan Fernandes p. BECK, Diego Eridson, BENACHIO, Ana Laura, COSTA, Rafael Machado, VARGAS, Rosane. Considerações sobre a representação do negro na arte do Brasil &20. Rio de 261
5 Janeiro. v. IX, nº 1, jan/jun Disponível em: CAVALCANTI, Carlos; AYALA, Walmir, org. Dicionário brasileiro de artistas plásticos. Brasília. MEC/INL, 1973/1980. CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro. Pinakotheke CONDURU, Roberto. Afro-modernidade representações de afro-descendentes e modernização artística no Brasil em Oitocentos. Arte Brasileira do Império a Primeira República. Organização: I. CAVALCANTI, Ana M.T. II DAZZI, Camila. III VALLE, Arthur. Rio de janeiro. EBA UFRJ/ Dezenovevinte, V. 01 GONZAGA DUQUE (Luiz Gonzaga Duque Estrada) Arte Brasileira (pintura e escultura). Rio de Janeiro, Imprensa a Vapor H. Lombaerts & C., LEITE, José Roberto Teixeira. Pintores Negros dos Oitocentos. São Paulo. Editor Emanuel Araújo Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro. Artlivre, 1988 LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e da escola Nacional de Belas Artes. Período Monárquico. Catálogo de artistas e obras entre 1840 e º Edição. Rio de Janeiro. Edições Pinakotheke
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