Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo
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- Larissa Dreer Alcântara
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1 Mariana Camargo de Oliveira Advogada, mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba LEMOS, Patrícia Faga Iglesias. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. ISBN Patrícia Faga Iglecias Lemos é livre-docente, doutora, mestre em Direito e autora de diversos livros na área de direito ambiental, especialmente tratando da questão da responsabilidade civil. O livro está divido em três capítulos. O primeiro trata do consumo e meio ambiente; o segundo, dos resíduos e suas classificações; e o último, da responsabilidade civil e pós-consumo, que é o foco principal da obra. A autora observa que o Código de Defesa do Consumidor, por meio dos objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo estabelecidos no artigo 4º, reconhece que o consumo está ligado à satisfação das necessidades do ser humano; e não somente às necessidades primárias, mas outras, socialmente induzidas, que foram agregadas com o decorrer do tempo. O consumo passou a ser reconhecido como um ato social relacionado a fatores culturais e econômicos. Com a ampliação das necessidades, o consumo também aumentou e, consequentemente os resíduos gerados, afetando o meio ambiente, a saúde pública e a própria qualidade de vida. O mesmo consumo, que assegura uma vida digna à população, acaba por afetar negativamente sua qualidade de vida. E a autora destaca que uma das repercussões jurídicas dessa tensão fática entre consumo e meio ambiente é, justamente, o problema da responsabilidade pelos resíduos produzidos após o consumo. E questiona: Quem responde pelos danos provocados pelos resíduos? Quais os limites para a responsabilização, sendo que a Política Nacional de Resíduos Sólidos [PNRS] estabeleceu a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos? 169
2 Mariana Camargo de Oliveira A responsabilidade pós-consumo deve ser analisada a partir da necessidade de se repensar a sociedade contemporânea e a alteração dos padrões de consumo, relacionando seus efeitos com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, para a autora, o problema não pode ser simplesmente transferido para o consumidor que, muitas vezes, não tem muitas alternativas diante das ofertas do mercado. O consumidor deveria ser informado sobre o ciclo de vida dos produtos a fim de medir as consequências ambientais de seu consumo. A relação entre consumidor e meio ambiente é muito estreita, e a base para a tutela de ambos é a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental. Considerando o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, é possível dizer que a defesa da vida digna harmoniza-se com uma economia de produção e consumo sustentáveis. Por isso, a autora salienta a necessidade de conscientização do consumidor para adotar comportamentos ambientalmente amigáveis que gerarão reflexos indiretos na proteção do meio ambiente. influenciando o processo produtivo. No primeiro capítulo ainda é abordada a questão da entropia, a energia que não pode mais ser usada e acaba por limitar o crescimento econômico. Atualmente, os problemas enfrentados pela economia não estão relacionados à escassez de recursos naturais, mas à destruição das condições ecológicas em função dos níveis de entropia gerados pelo próprio processo econômico, como o desflorestamento, a perda de cobertura geral e o aquecimento global, de acordo com Enrique Leff, citado pela autora. Leff ainda considera que as leis da entropia devem servir, não só como limite da economia, mas como um potencial para a definição de um paradigma de produção sustentável. Os bens e serviços ambientais devem ser vistos como um potencial produtivo considerando os limites da lei da entropia e a partir de estratégias sociais voltadas para a administração dos potenciais ecológicos da natureza. A obra também aborda princípios aplicáveis à tutela dos resíduos, como o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, ambos diretamente relacionados com a proteção do meio ambiente. A autora ainda elenca os princípios que seriam especialmente relevantes para a gestão dos resíduos sólidos: desenvolvimento sustentável, informação e participação, poluidor-pagador, prevenção, precaução, função socioambiental da propriedade, solidariedade intergeracional e planificação. Na visão da autora, estão no foco central da responsabilidade pós-consumo os princípios do poluidor-pagador, da prevenção e da precaução. O princípio do poluidor-pagador reforça o papel preventivo ao eliminar as externalidades ambientais negativas do processo produtivo, que poderão gerar ineficiências econômicas e afetar o equilíbrio entre oferta e demanda, e impõe a criação de normas que alteram 170
3 a ordenação de valores das regras de mercado, ou seja, os custos de prevenção ou compensação dos efeitos ambientais adversos deverão ser suportados pelo poluidor. O princípio da prevenção leva ao dever de utilização racional dos recursos naturais e é o ponto de partida para a otimização dos produtos e embalagens com o objetivo de aumentar o tempo de duração, ou seja, diminuir a geração de resíduos. O princípio da precaução impõe a escolha da melhor opção em prol do meio ambiente, com a adoção da inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor demonstrar que sua atividade não causará danos. Entretanto, a autora salienta que o princípio da precaução deve ser aplicado de forma equilibrada, observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Os resíduos, de acordo como disposto no artigo 6º., VIII, da Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos, devem ser vistos como um bem econômico e de valor social, que gera trabalho e renda e é promotor de cidadania. Contudo, a autora vai além desta concepção, defendendo que até mesmo o rejeito deve ser tratado como um bem socioambiental. E atenta para outra questão, que é a da figura do mero possuidor, pois nas Diretivas da Comunidade Europeia, a figura do possuidor do resíduo é incluída na responsabilidade por sua gestão. A Lei brasileira especifica as figuras responsáveis como os fabricantes e consumidores, mas a autora propõe que a interpretação seja ampla, a ponto de abranger o mero possuidor, que também será responsável pela destinação e disposição final ambientalmente adequada dos resíduos e rejeitos. Outras questões levantadas são sobre quando um produto deve ser tratado como resíduo e quais as responsabilidades em relação a ele e seu potencial poluente. Analisando os conceitos de resíduos trazidos pelas Diretivas da Comunidade Europeia, indica que inicialmente eles eram tratados a partir de uma ótica civilista de res derelictae, sem considerar as questões de saúde pública e proteção do meio ambiente. O conceito evoluiu e passou a considerar seu detentor. Quanto à classificação dos resíduos, a Lei brasileira optou por uma conceituação ampla e sustentada na intenção daquele que se desfaz. A classificação de uma matéria como resíduo é dinâmica, por isso sua classificação como bem socioambiental resolveria qualquer problema, já que são considerados essenciais para a manutenção da vida das presentes e futuras gerações. A autora adota a concepção objetivista, isto é, os resíduos sujeitos à eliminação ou à valorização devem ser tratados como resíduos, porque a possibilidade de valorização altera-se com o tempo e com a introdução de novas tecnologias. A logística reversa, por sua vez, viabiliza a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, seja para outros ciclos produtivos, seja para a destinação final. 171
4 Mariana Camargo de Oliveira A autora, em seguida, aborda a evolução legislativa de resíduos regulamentados, passando por diversas normas, como a Lei 7.802/79, que trata dos agrotóxicos, a Lei 6.803/80, que traça as diretrizes para o zoneamento industrial e a Resolução Conama 257/99, que traz as regras e procedimentos para a reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final ambientalmente adequada de pilhas e baterias. Na obra, a autora procurou demonstrar que estamos caminhando rumo a um tratamento mais adequado quanto à responsabilidade pós-consumo, mas destaca que normas não são suficientes para garantir o sucesso de políticas ambientais; é necessária uma fiscalização eficiente e a atuação em conjunto das diversas esferas do poder público. Além da responsabilidade pós-consumo abordada no capítulo III, como mecanismo importante para a solução dos problemas relacionados aos resíduos, a autora comenta que os instrumentos clássicos (reparação, propriedade e taxação) não são suficientes para lidar com o problema dos danos ambientais. Por isso, a educação ambiental e as políticas de implementação de gestão de resíduos devem observar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, a partir da premissa do desenvolvimento sustentável. A valorização do resíduo é outro mecanismo que deve ser considerado, pois engloba a ideia de valorização energética, e não apenas material, como na reciclagem. Os mecanismos são muitos e devem ser somados à importante ferramenta da responsabilidade pós-consumo, que é o tema central da obra. A autora elenca dois aspectos relevantes para as premissas teóricas da responsabilidade pós-consumo: o nexo de causalidade e a responsabilidade civil (também conhecida como direito de danos). O nexo causal deve ser apreciado observando-se a causalidade jurídica, e não a fática, tendo como base a relação entre o dano e a potencialidade do agente de evitá- -lo. A atenuação do nexo de causalidade é decorrente das dificuldades enfrentadas pelo direito ambiental quando da reparação pelo dano sofrido, que, muitas vezes, tem múltiplas causas e atores, e pode manifestar-se depois de um longo período e em locais distantes do local da atividade geradora. Não se trata de dispensar o nexo causal, mas, sim, de recorrer à teoria do escopo da norma jurídica violada ou do nexo jurídico para que a responsabilidade civil cumpra sua função de reparação ou compensação dos danos. A autora ainda enfatiza que a flexibilização do nexo causal supera a impossibilidade de traçar um liame lógico ante os interesses difusos e suplantar a dificuldade da vítima em provar o dano. Ainda atenta para a função preventiva como instrumento anterior ao dano, que no caso daqueles causados por resíduos do consumo são riscos conhecidos que devem ser prevenidos pelos responsáveis. 172
5 É possível, segundo a autora, admitir que uma mera ameaça de dano justifique uma responsabilidade sem dano, preventiva. Quando se fala em resíduos pós-consumo, a responsabilidade preventiva é ainda mais importante por conta de dois fatores: a caracterização do dano após o transcurso de um longo período e a manifestação em locais muitas vezes distantes das atividades produtoras. Não é necessário que haja a ocorrência de um dano, isto é, pode existir responsabilidade por dano futuro, sendo cabível a imposição de obrigações de fazer e não fazer à cadeia produtiva e ao consumidor. Entretanto, também é necessário considerar que, mesmo tendo sido adotadas todas as medidas preventivas, podem ocorrer danos pós-consumo. Por isso, a autora enfatiza a limitação clara da responsabilidade da cadeia de consumo, investigando a participação de cada um dos atores do gerenciamento dos riscos. Para a autora, o consumidor deve ser amplamente informado sobre o potencial poluidor do produto ou resíduo e a forma de descarte, como medida de prevenção dos danos pós-consumo. É importante destacar a crítica que a autora faz à Lei /2010, ao especificar os atores responsáveis pelo ciclo de vida dos produtos. Segundo ela, a limitação pode não abarcar todas as situações possíveis de atores sociais. Ao final, a autora defende a opinião de que deve haver uma interpretação ampliativa dos gestores de riscos vinculada à posse dos resíduos ou rejeitos. No que se refere à responsabilidade compartilhada, na visão da autora, os consumidores estão limitados a dispor adequadamente os resíduos para coleta ou logística reversa. Os fabricantes e importadores são responsáveis pela destinação ambientalmente adequada, e os comerciantes e distribuidores pela devolução do objeto ou resíduos. A autora ainda ressalta que, na prática, a implementação e estruturação dos sistemas de logística reversa acontecem entre os diferentes setores empresariais e que a maioria continua procurando se adaptar às obrigações estabelecidas pela PNRS e aguardando os editais de chamamento de acordos setoriais em nível federal. É possível concluir que a obra aborda importantes fatores a serem considerados quando se quer traçar a responsabilidade pelos danos causados pós-consumo. As questões tratadas pela autora, além de trazerem conhecimento ao leitor sobre um tema ainda pouco explorado, sem dúvida são fundamentais para qualquer discussão inicial sobre a responsabilidade pós-consumo. 173
RESPONSABILIDADE CIVIL PÓS-CONSUMO
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