LIPOMA EXTENSO NO ASSOALHO BUCAL REVISTA DA LITERATURA E RELATO DE CASO CLÍNICO CIRÚRGICO *
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1 483 LIPOMA EXTENSO NO ASSOALHO BUCAL REVISTA DA LITERATURA E RELATO DE CASO CLÍNICO CIRÚRGICO * LIPOMA FULL IN THE MOUTH FLOOR LITERATURE REVIEW AND SURGICAL CLINICAL CASE REPORT Marcos Maurício CAPELARI ** Ivan Luiz FOGAÇA NETTO *** Clóvis MARZOLA **** João Lopes TOLEDO FILHO **** Cláudio Maldonado PASTORI **** Gustavo Lopes TOLEDO **** Daniel Luiz Gaertner ZORZETTO **** Marília GERHARDT DE OLIVEIRA ***** * Trabalho apresentado como requisito parcial da Disciplina de Metodologia de Ensino e Pesquisa pra obtenção do Título de Especialista em Cirurgia e Traumatologia BMF promovido pela Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas Regional de Bauru em ** Professor dos Cursos de Residência e Especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial do Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial, Hospital de Base da Associação Hospitalar de Bauru e da APCD Regional de Bauru. Orientador da monografia. *** Especializando, Concluinte do Curso em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial e autora da Monografia. **** Professores dos Cursos de Residência e Especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial do Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial, Hospital de Base da Associação Hospitalar de Bauru e da APCD Regional de Bauru. ***** Professora Titular de Cirurgia da PUC-RS. Pesquisadora do CNPq.
2 484 RESUMO Identificado como uma neoplasia mesenquimal benigna de ocorrência rara na boca, o lipoma geralmente apresenta algumas características que vêm facilitar seu diagnóstico, como o fato de apresentar menor densidade que o líquido fixador, permitindo à peça cirúrgica sobrenadar quando inserida neste meio. O presente estudo mostra uma revista da literatura sobre o assunto, relatando um caso de lipoma intrabucal em paciente feoderma de 62 anos, gênero masculino, que apresentava lesão nodular submucosa no assoalho da boca à direita, coloração amarelada, assintomático, com evolução de cerca de um ano. A conduta adotada foi biópsia excisional e com fixação da peça cirúrgica em solução de formol a 10%, observando-se sua flutuação. Dentre outros dados diagnósticos, discute-se a importância de um diagnóstico precoce bem como a diferenciação com outras lesões de tecido mole da cavidade bucal. ABSTRACT Identified as a benign mesenchymal neoplasm that rarely occur in the mouth, lipoma usually presents some features that facilitate diagnosis, and the fact that a lower density than the liquid fixative, allowing the surgical float when placed in the bottle. This study reports a lipomas case in the oral cavity in patient s melanoderma of 62 year old male who presented a nodular lesion on the floor of mouth on the right side, yellowish, asymptomatic with development of some 12 months. Treatment was surgical excision of the lesion and thereafter placing the specimen in formaldehyde solution 10%, observing this fluctuation. Among other diagnostic data, discusses the importance of early diagnosis and differentiation from other soft tissue lesions in the oral cavity. Unitermos: Lipoma; Neoplasias de Tecido Adiposo; Diagnóstico. Uniterms: Lipoma; Adipose tissue neoplasia; Diagnosis. INTRODUÇÃO Lipomas são neoplasias mesenquimais benignas compostas por adipócitos maduros envolvidos por uma fina cápsula fibrosa (FREGNANI; PIRES; FALZONI et al., 2003 e BANDÉCA; PÁDUA; NADALIN et al., 2007). Configuram-se como tumores comuns de tecido mole, sendo que cerca de 20% ocorrem na região de cabeça e pescoço, correspondendo a apenas 0,5% a 5% de todas as neoplasias bucais (DE VISSCHER, 1982; GNEPP, 2001; WEISS; GOLDBLUM, 2001 e FREGNANI; PIRES; FALZONI et al., 2003). Lipomas bucais geralmente são indolores, bem circunscritos, de crescimento lento, seja ele submucoso ou superficial geralmente localizado na mucosa bucal, de coloração amarelada e, sem alterações de superfície (PASS; GUTTENBERG; CHILDERS, 2006). Recentemente, a imagem da ressonância magnética tem sido utilizada como coadjuvante no diagnóstico desta patologia sem, contudo esquecer que o exame clínico é essencial e, o exame microscópico é de grande importância para a confirmação diagnóstica (SAKAI; IIDA; KISHINO et al., 2006).
3 485 O depósito de gordura é provavelmente em resposta ao acúmulo regional de células específicas no lugar de fibroblastos comuns, podendo ser depositados em qualquer parte do corpo (WILSON; BRAUNT; SMITH, 1990 e SOUSA; CASTRO; MORAES et al., 2008). Acometem, sobretudo, tecidos subcutâneos frequentemente entre a sexta e a sétima década da vida desenvolvendo-se no lábio, gengiva e assoalho de boca, sem predileção por gênero. Quando ocorrem nos tecidos profundos, é de difícil diagnóstico, sendo necessários exames imaginológicos (EPIVATIANOS; MARKOPOULOS; PAPAYANATOU, 2000; ZHONG; ZHAO; CHEN et al., 2004; ADOGA; TONGA; NIMKUR et al., 2008 e SOUSA; CASTRO; MORAES et al., 2008). Lipomas bucais são lesões de tecidos moles bem circunscritas, com crescimento lento e, raramente com impressão radiográfica (TRANDAFIR; GOGĂLNICEANU; TRANDAFIR et al., 2007 e BROOKS, SCHEPER, SCHWARTZ et al., 2008). Algumas lesões lipomatosas profundas produzem apenas uma ligeira elevação da superfície enquanto outras podem causar alterações de função (RODRIGUES; SOUZA; MORAES JÚNIOR, 1996). Quando palpada, a lesão infiltrativa dá a sensação de líquido, algumas vezes com pseudoflutuação, podendo levar ao diagnóstico errôneo de Cisto. Portanto, quando a lesão infiltrar-se no assoalho bucal uma distinção cuidadosa entre lipoma e rânula deverá ser feita (SILVA; NUNES; BARBOSA, 1986 e GONZAGA; STOLF; GABRIELLI et al.,1997). Microscopicamente, é muito difícil fazer a distinção do lipoma, das células adiposas normais, a despeito do diferente metabolismo, provavelmente por atividade da lípase das células neoplásicas. Pode ser classificado em termos microscópicos como lipoma, fibrolipoma, angiolipoma intramuscular ou infiltrativo, lipoma pleomórfico, sialolipomas, lipomas mixóide, além de lipomas atípicos (FREGNANI; PIRES; FALZONI et al., 2004 e FURLONG; FANBURG-SMITH; CHILDERS, 2004). O tempo de evolução desta neoplasia ainda é incerto, mas a literatura reporta casos que compreendem de meses até 21 anos de evolução (McGREGOR; DYSON, 1966), raramente excedendo mais que 25 mm em seu maior diâmetro. Uma adequada excisão cirúrgica previne qualquer recorrência. Diante dessas características o tratamento dos lipomas é baseado numa cirurgia conservadora e, as recidivas são raras (SAID-AL-NAIEF; ZAHURULLAH; SCIUBBA, 2001; FREGNANI; PIRES; FALZONI et al., 2004; TATEYAMA; ROSSI; MARTINS et al., 2005; CAPELARI; MARZOLA; TOLEDO-FILHO, 2007 e BROOKS; SCHEPER; SCHWARTZ et al., 2008). Sendo assim, o objetivo do presente estudo é realizar uma revista da literatura, além de apresentar um caso clínico cirúrgico a fim de orientar os profissionais no que diz respeito ao diagnóstico e correto planejamento cirúrgico destas lesões. REVISTA DA LITERATURA Neoplasia rara na boca, de origem mesenquimal compreendendo no máximo 5% das neoplasias benignas na cavidade bucal (ARREAZA; LUGO; LAZARDE, 2004; BANDECÁ; PÁDUA; NADALIN et al., 2007; BROOKS; SCHEPER; SCHWARTZ et al., 2008 e MARZOLA, 2008). O lipoma
4 486 apresenta-se como um nódulo bem circunscrito de crescimento lento desenvolvendo-se por muitos anos podendo atingir até grandes proporções e, por vezes, áreas nobres da maxila e da mandíbula (KACKER; TASKIN, 1996; ANAVI; GROSS; CALDERON, 1995; HARNISCH; ALTERMATT; BORNSTEIN, 2007 e MARZOLA, 2008). Quando acomete a boca, os sítios mais comuns são a mucosa jugal, língua, lábio e assoalho da boca (EPIVATIANOS, MARKOPOULOS, PAPAYANATOU 2000; GNEPP, 2001; FREGNANI; PIRES; FALZONI et al., 2003 e MARZOLA, 2008). Analisando 125 lipomas da região maxilofacial, foi verificado que a região parotídea seria o local mais prevalente, seguida da mucosa jugal, lábio, região submandibular, língua, palato, assoalho da boca e vestíbulo bucal, nessa ordem decrescente de incidência (FURLONG; FANBURG-SMITH; CHILDERS, 2004). É reportado também um caso de lipoma intra-ósseo na mandíbula em paciente do gênero feminino, sendo de ocorrência ainda mais rara (BURIC; KRASIC; VISNJIC et al., 2001 e PASS; GUTTENBERG; CHILDERS et al., 2006). Com relação ao gênero, de acordo com a literatura pesquisada, lipomas intra-bucais não possuem predileção de gênero, mas, entretanto, há uma tendência maior para o gênero masculino (RODRIGUES; SOUZA; MORAES JÚNIOR, 1996; FURLONG; FANBURG-SMITH; CHILDERS, 2004; BANDÉCA; PÁDUA; NADALIN, 2007; TRANDAFIR; GOGĂLNICEANU; TRANDAFIR et al., 2007; SOUSA, CASTRO, MORAES et al., 2008 e MARZOLA, 2008). Dentre os locais de maior acometimento do lipoma, são incluídos, sobretudo, as glândulas salivares maiores, lábio, língua, palato, vestíbulo, assoalho bucal e mucosa bucal, com predileção principalmente a este último (GNEPP, 2001; FURLONG; FANBURG-SMITH; CHILDERS, 2004; FREGNANI; PIRES; FALZONI et al., 2004; AVELAR; CARVALHO; FALCÃO et al., 2008 e MARZOLA, 2008). Outros ainda consideram que o fibrolipoma localizava-se no assoalho bucal, um dos locais pouco frequentes, de acordo com a literatura revisada (LEITE SEGUNDO; VALVERDE; LINS FILHO et al., 2004). Em sua grande maioria, os lipomas possuem consistência mole à palpação, são indolores, de coloração amarelada e, comumente localizados na mucosa jugal (PRADO; RIBEIRO; FONTOURA et al., 1998; PIATTELLI; FIORONI; RUBINI, 1999; EPIVATIANOS, MARKOPOULOS, PAPAYANATOU 2000; HOCHULI-VIEIRA, 2002; MARTORELLI; GUEIROS; ALBUQUERQUE et al., 2005 ; CAPELARI; MARZOLA; TOLEDO FILHO et al., 2007 e MARZOLA, 2008), o que somado ao tamanho da lesão, que normalmente não ultrapassa 20 mm, em seu maior diâmetro, são aspectos essenciais ao diagnóstico clínico (VERA; CARRETERO; GARCIA 2004 e MARZOLA, 2008). A relação do tamanho da lesão com a presença ou ausência de sintomatologia foi analisada, evidenciando o fato de que em sua maioria os casos estudados apresentavam-se assintomáticos (AVELAR; CARVALHO; FALCÃO et al., (2008).
5 487 Quando avaliada a relação da dimensão da lesão e a presença ou ausência de sintomatologia, pode-se observar que as lesões sintomáticas normalmente possuíam pequenas dimensões com até 20 mm. Em alguns estudos os tamanhos médios das lesões foram de pequenas dimensões apresentando aproximadamente até 30 mm (SUGIURA; FUJIWARA; KURAHASHI et al., 1999; BANDÉCA; PÁDUA; NADALIN et al., 2007 e MARZOLA, 2008). O diagnóstico diferencial, para todas as lesões exofíticas de tecido mole deve ser considerado, como para as hiperplasias, fibromas, rânulas e até cistos como o epidermóide e o dermóide. Não se pode deixar de lado o fato que, apesar de ser uma patologia eminentemente de tecido mole, existem relatos, embora poucos, na literatura, da presença de lipomas na região intra-óssea. Sendo assim, poucos são os lipomas encontrados a nível intra-ósseo, permanecendo seu caráter benigno, podendo atingir até consideráveis proporções, pois possui crescimento lento e silencioso, sendo por vezes encontrado em radiografias periapicais de rotina ou mesmo em ortopantomografias (RIMMER; SINGH; IRVING et al., 2005; ADOGA; TONGA; NIMKUR et al., 2008 e MARZOLA, 2008). Estes mesmos autores exemplificam um caso de lipoma intra-ósseo em paciente de 45 anos de idade, do gênero feminino, deixando clara a necessidade de um exame microscópico e radiográfico na confirmação diagnóstica sem, contudo, esquecer que o ponto forte sempre será o exame clínico minucioso. Relatos na literatura de transformação maligna dos lipomas bucais são extremamente raros (SCHEPER; SCHWARTZ et al., 2008), informação que vem auxiliar no diagnóstico, que é eminentemente clínico, sendo prudente a confirmação microscópica (FREGNANI; PIRES; FALZONI 2003; BANDÉCA; PÁDUA; NADALIN, 2007 e MARZOLA, 2008). Atualmente, além de exames radiográficos que auxiliam na exclusão de lesões de caráter ósseo, a ressonância magnética é um recurso que se pode lançar mão, sobretudo em sialolipomas. São avanços tecnológicos que vêm facilitando em muito o diagnóstico das patologias de cabeça e pescoço, tornando o plano de tratamento mais preciso, sobretudo em outras lesões de caráter agressivo (SAKAI; IIDA; KISHINO, 2006 e MARZOLA, 2008). Em termos microscópicos, os lipomas bucais podem apresentar-se de inúmeras variedades histopatológicas, sendo então denominados a partir do componente celular presente em maior número, conforme esta associação, a exemplo dos fibrolipomas, angiolipomas, lipomas de glândulas salivares, lipomas pleomórficos, lipomas de células fusiformes, lipomas mixóides, além de lipomas atípicos (FURLONG; FANBURG-SMITH; CHILDERS, 2004; FREGNANI; PIRES; FALZONI et al., 2004; SOUSA, CASTRO, MORAES et al., 2008 e MARZOLA, 2008). Não mudam, entretanto sua forma de tratamento (MARZOLA, 2008 e DE FREITAS; FREITAS; DE LIMA, 2009). Os lipomas são constituídos de células adiposas em sua forma clássica sendo praticamente indistinguível das células adiposas normais (MARZOLA, 2008; SOUSA; CASTRO; MORAES et al., 2008 e DE FREITAS; FREITAS; DE LIMA, 2009). Em toda e qualquer patologia o diagnóstico clinico é presuntivo, entretanto não pode ser o único recurso para seu diagnóstico. Situações raras como o próprio nome diz são incomuns, mas não devem ser descartadas, formando-se um leque de opções diagnósticas, ajudando em muito num adequado plano de tratamento em que alguns casos descritos na literatura inglesa
6 488 demonstraram grande quantidade da inobservância dos exames complementares causando equívocos no diagnostico final (MARZOLA, 2008 e CASTRO; CASTRO; FELIPINI et al., 2009). Mesmo quando em algumas situações ocorrer associação com outros tipos microscópicos, o tratamento é eminentemente cirúrgico conservador tendo respaldo em seu caráter não-agressivo e, de recidivas consideravelmente raras (BRUCE; ROYER, 1954; CORREIA, 1956; GUTMAN, 1975; TOMMASI, 1982; ANICETO; SAEZ; PEÑIN, 1990; GRAY; BARKER, 1991; COTTRELL; NORRIS; DOKU, 1993; LOMBARD, 1994; RODRIGUES; SOUZA; MORAES JÚNIOR, 1996; GONZAGA; STOLF; GABRIELLI et al., 1997; PRADO; RIBEIRO; FONTOURA et al., 1998; SAID-AL-NAIEF; ZAHURULLAH; SCIUBBA, 2001; HOCHULI-VIEIRA, 2002; FREGNANI; PIRES; FALZONI et al., 2004; MARTORELLI; GUEIROS; ALBUQUERQUE et al., 2005; MARZOLA, 2008 e SOUSA, CASTRO, MORAES et al., 2008). De acordo com a sua localização as características peculiares de cada sítio anatômico devem ser estudadas. Embora o protocolo de tratamento seja cirúrgico o que realmente tornaria um procedimento complexo é a não observação de características inerentes ao local aonde será feito o procedimento cirúrgico. Cirurgias intempestivas e sem planejamento prévio podem lesar estruturas nobres como o ducto da glândula submandibular, vasos sanguíneos como a artéria lingual e o plexo venoso (LEITE SEGUNDO; FARIA; LEÃO, 2006 e MARZOLA, 2008). Característica patognomônica desta patologia que facilita o diagnóstico é o fato de apresentar menor densidade que o líquido fixador, permitindo à peça cirúrgica flutuar quando inserida em frasco contendo formol (TAN; SINGH, 2004; MARZOLA, 2008 e SOUSA; CASTRO; MORAES et al., 2008). Entretanto essa característica não se mostrou presente num caso relatado de paciente com 59 anos de idade cuja peça macroscópica não se mostrou sobrenadante em solução de formol, fato este que se reveste de importância quando da confecção de um diagnóstico clínico (SOUSA; CASTRO; MORAES et al., 2008). RELATO DE CASO CLÍNICO-CIRÚRGICO Paciente do gênero masculino com 62 anos de idade, feoderma, compareceu ao Ambulatório de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial, da Associação Hospitalar de Bauru Hospital de Base, queixando-se de aumento volumétrico no assoalho da boca e ventre lingual, assintomático, com tempo de evolução de aproximadamente um ano. Durante os questionários da anamnese, o paciente relatou disfagia e hipertensão arterial controlada com o uso de medicação. Ao exame físico extrabucal, nenhuma alteração da normalidade foi observada (Fig. 1). Entretanto ao exame físico intrabucal, lesão nodular no assoalho de boca à direita, com cerca de 40 mm em seu maior diâmetro foi observada (Fig. 2). Com base nos achados clínicos optou-se pela realização de uma biópsia incisional em que pequena porção representativa da lesão foi enviada para exame microscópico (Figs. 3 e 4).
7 489 Fig. 1 Aspecto clínico extrabucal, que não evidenciou qualquer assimetria facial. Fig. 2 Exame físico intrabucal, lesão nodular no soalho bucal com cerca de 40 mm no seu maior diâmetro.
8 490 Fig. 3 Na análise microscópica, integridade do epitélio e, subjacente, a presença de vasos sanguíneos e feixes de fibras colágenas. Fig. 4 - Num maior aumento, grande quantidade de células adiposas envoltas num estroma com vasos sanguíneos e feixes colágenos.
9 491 Em seguida, também, em ambiente hospitalar, optou-se pela biópsia excisional sob anestesia geral, entubação nasotraqueal, realizando-se inicialmente a anti sepsia extra e intrabucal com solução de Polivinilpirrolidona (PVPI tópico) e degermante e, em seguida a aposição de campos estéreis. Posteriomente incisou-se o assoalho de boca medialmente ao rebordo alveolar do lado direito do paciente (Fig. 5). Em seguida, prosseguiu com a divulsão cuidadosa dos planos, visando evitar danos à glândula sublingual, ducto da glândula submandibular, nervo lingual e vasos adjacentes (Fig. 6). Acesso a lesão e sua cuidadosa remoção a fim de realizar a exérese da peça completa sem produzir fragmentos e seu encaminhamento para análise microscópica. O aspecto macroscópico da peça mostrou cerca de 60 mm em seu maior diâmetro (Fig. 7). Após, a peça foi colocada em solução de formalina 10%, por sua menor densidade em relação ao líquido aconteceu sua flutuação (Fig. 8). A sutura foi realizada com fio Poliglactina , de forma interrompida simples (Fig. 9). Após análise microscópica foi confirmado o diagnóstico de lipoma ou de neoplasia benigna lipomatosa. Foi observada nos pós-operatórios uma resolução do quadro, com uma ótima cicatrização das abordagens, sem comprometimento das estruturas nervosas. Fig. 5 Incisão medialmente ao rebordo alveolar do lado direito, no assoalho bucal.
10 492 Fig. 6 Divulsão por planos de forma cuidadosa, para evitar danos às estruturas nobres do assoalho bucal. Figura 7 - O aspecto macroscópico da peça, com cerca de 6 centímetros em seu maior diâmetro.
11 493 Fig. 8 Imersão da peça em solução de formalina 10%, que por sua menor densidade em relação ao líquido, flutua. Fig. 9 Sutura da região com fio Polyglactina
12 494 DISCUSSÃO Representando cerca de 5% de todos os tumores intra-bucais, o lipoma é considerado uma lesão rara de ser encontrada na cavidade bucal (GRAY; BARKER, 1991 e MARZOLA, 2008), sendo sua etiologia muito discutida desde alterações endócrinas e hereditárias ou mesmo, traumas locais, além de infecções como prováveis agentes etiológicos (RODRIGUES; SOUZA; MORAES JÚNIOR, 1996; GONZAGA; STOLF; GABRIELLI et al., 1997 e MARZOLA, 2008). Apesar das inúmeras controvérsias quanto as suas características credita-se uma maior prevalência para o gênero masculino sem, contudo, ter predileção por raça (BRUCE; ROYER, 1954; PRADO; RIBEIRO; FONTOURA et al., 1998 e MARZOLA, 2008). O lipoma do caso relatado foi encontrado no gênero masculino, o que corrobora com a literatura pesquisada uma vez que, aparentemente parece ser o mais comumente encontrado (FURLONG; FANBURG-SMITH; CHILDERS, 2004), apesar de outros estudos considerarem maior ocorrência no gênero feminino (COIMBRA; LOPES; FIGUEIRAL et al., 2006). Quando acomete a boca, os sítios mais comuns são a mucosa jugal, língua, lábio e assoalho de boca (ANAVI; GROSS; CALDERON, 1995; EPIVATIANOS; MARKOPOULOS; PAPAYANATOU, 2000; GNEPP, 2001; AVELAR; CARVALHO; FALCÃO 2008 e MARZOLA, 2008) o que vem corroborar com o caso clínico apresentado, pois a lesão desenvolveu-se na região de assoalho bucal do lado direito. Embora a região parotídea tenha-se mostrado a mais prevalente, seguida a mucosa jugal, lábio, região submandibular, língua, palato, assoalho da boca e vestíbulo bucal, nessa ordem decrescente de incidência (FURLONG; FANBURG-SMITH; CHILDERS, 2004). Em geral são móveis, indolores, nódulos submucosos, com uma cor amarelada, sendo corroborado no presente estudo quando avaliada a sintomatologia. Quando da presença de sintomatologia, pode-se observar que as lesões sintomáticas normalmente possuíam pequenas dimensões em até 20 mm, não sendo encontrada justificativa para tal correlação. Devido às características clínicas, outras lesões, como cistos epidermóide e dermóide e, o cisto linfoepitelial oral, devem ser considerados no diagnóstico diferencial dos lipomas intra-bucais (PIATTELLI; FIORONI; RUBINI, 1999; SUGIURA; FUJIWARA; KURAHASHI et al. 1999; BANDÉCA; PÁDUA; NADALIN, 2007 e MARZOLA, 2008). Quando em localização incomum, principalmente nos espaços fasciais, às vezes necessitam de exames de imagem, como tomografia computadorizada, ressonância magnética e ultrassonografia para auxiliar o diagnóstico e o tratamento (ZHONG; ZHAO; CHEN, 2004; RIMMER; SINGH; IRVING, 2005 e MARZOLA, 2008). Ponto relevante no caso clínico apresentado é a localização deste tumor benigno. Embora seja ele como já foi dito, benigno e, de ínfima possibilidade de transformação maligna, como cita a literatura descuidos dos aspectos anatômicos da área poderiam causar resultados desastrosos (HARNISCH; ALTERMATT; BORNSTEIN, 2007; BROOKS; SCHEPER; SCHWARTZ et al., 2008 e MARZOLA, 2008). O assoalho bucal é uma das áreas intrabucais mais nobres, pois apresenta rica vascularização, além da
13 495 proximidade com a glândula sublingual, o ducto da glândula submandibular e, o nervo lingual (FREIRE FILHO, 2003 e LEITE SEGUNDO; FARIA; LEÃO, 2006). Quanto às demais características clínicas, o lipoma bucal se apresenta como nódulo submucoso, mole, indolor, com mucosa lisa normal ou amarelada, com média de 20 mm em seu maior diâmetro (SOUSA; CASTRO; MORAES et al., 2008 e MARZOLA, 2008). O caso relatado é atípico, sobretudo em suas dimensões, apresentando cerca de 60 mm em seu maior diâmetro, dificultando o diagnóstico clínico e abrindo margens para inclusão de diagnóstico diferencial de outras lesões, associadas às glândulas salivares maiores tais como adenoma pleomórfico e carcinoma mucoepidermóide. Outra característica interessante, que apesar de não haver um real consenso na literatura é sobre a idade de manifestação dos lipomas bucais. O caso clínico apresentado condiz com a literatura citando a maior incidência ao redor da sexta década de vida, embora existam artigos citando o pico de incidência por volta da quarta década da vida (EPIVATIANOS; MARKOPOULOS; PAPAYANATOU, 2000 e ADOGA; TONGA; NIMKUR et al., 2008 e MARZOLA, 2008). Como diagnóstico diferencial destacam-se os cistos epidermóides ou dermóides, cistos linfoepiteliais, rânula, mucocele, adenoma pleomórfico, além do carcinoma mucoepidermóide. Assim, mesmo as lesões superficiais podem tornar o diagnóstico mais complexo, principalmente quando o padrão característico da lesão vem a se mostrar alterado (VERA; CARRETERO; GARCIA, 2004). O conjunto de características clínicas foi mandatário no tipo de tratamento bem com o prognóstico da lesão. A excisão cirúrgica foi o tratamento de escolha do caso apresentado, no qual a peça cirúrgica foi acondicionada numa solução fixadora, sendo observada sua flutuação, uma das características mais comuns da lesão devido à pequena densidade das células adiposas (TAN; SINGH, 2004; CAPELARI; MARZOLA; TOLEDO-FILHO, 2007 e MARZOLA, 2008). O tratamento do lipoma bucal inclui independente da variação microscópica, sua excisão cirúrgica (EPIVATIANOS; MARKOPOULOS; PAPAYANATOU, 2000; TATEYAMA; ROSSI; MARTINS, 2005 e MARZOLA, 2008). Recorrências são raras, seu crescimento geralmente é limitado, mas há casos na literatura de tamanho incomum, podendo interferir inclusive na fala e na mastigação (BROOKS; SCHEPER; SCHWARTZ et al., 2008 e MARZOLA, 2008). Tal fato só vem acrescentar a relevância deste caso clínico apresentado, pois o tamanho comumente encontrado em lesões benignas é de cerca de 20 mm em seu maior diâmetro, diferentemente do caso apresentado cuja presença clínica levou meses de evolução alcançando cerca de 60 mm de diâmetro. CONCLUSÕES Com base na revista da literatura e nos achados do caso clínico apresentado, pode-se concluir que:
14 Os lipomas bucais são neoplasmas mesenquimais incomuns na cavidade bucal e na região maxilofacial. 2. A patogênese dos lipomas bucais é incerta e seu diagnóstico é firmado pelos exames clínico e microscópico. 3. São descritos diversos tipos microscópicos de lipomas bucais, porém não alteram a modalidade de tratamento. 4. O tratamento dos lipomas bucais é realizado pela enucleação cirúrgica conservadora. 5. Mesmo apresentando uma evolução lenta, os lipomas bucais podem atingir grandes dimensões e, sendo assim, o adequado diagnóstico associado a um correto plano de tratamento são fundamentais para a resolução do quadro. REFERÊNCIAS * ADOGA, A. A.; NIMKUR, T. L.; MANASSEH, A. N. et al., Buccal soft tissue lipoma in an adult Nigerian: a case report and literature review. J. Med. Case Rep., v. 2, n. 38, p , ANAVI, Y; GROSS, M.; CALDERON, S. Disturbed lower denture stability due to lipoma in the floor of the mouth. J. oral Rehab., v. 22, n. 1, p. 83-5, ANICETO, G. S.; SAEZ, R. S.; PEÑIN, A. G. Angiolipoma of the cheek. J. oral Maxillofac. Surg., v. 48, p , ARREAZA, A; LUGO, M; LAZARDE, J. Lipoma de la cavidad bucal: reporte de un caso / Lipoma of the oral cavity: report of a case. Acta odontol venez., v. 42, n. 3, p , AVELAR, R. L.; CARVALHO, R. W. F.; FALCÃO, P. G. C. B. Lipomas da região oral e maxilofacial: Estudo retrospectivo de 16 anos no Brasil. Rev. Port. Estomatol. Cir. Maxilofac., v. 49, p , BANDECÁ, M. C.; PÁDUA, J. M.; NADALIN, M. R. et al., Oral soft tissue lipomas: a cases series. J. Can. dent. Assoc., v. 73, n. 5, p , BROOKS, J. K.; SCHEPER, M. A.; SCHWARTZ, K. G. et al., Oral lipoma: report of three cases. Gen. Dent., v. 56, p , BRUCE, K. W.; ROYER, R. Q. Lipoma of oral cavity: report of tree cases. Oral Surg., v. 7, p , BURIC, N.; KRASIC, D.; VISNJIC, M. et al., Intraosseous mandibular lipoma: A case report and review of the literature. J. oral Maxillofac. Surg., v. 59, p , CAPELARI, M. M.; MARZOLA, C.; TOLEDO-FILHO, J. L. et al., Extenso lipoma na cavidade bucal associado ao plexo vásculo-nervoso mentual. Rev. brasil. Cirur. Traumat. Bucomaxilofacial, v. 4, n. 2, p. 95-8, COIMBRA, F.; LOPES, J. M.; FIGUEIRAL, H. et al., Spindle cell lipoma of the floor of the mouth. A case report. Med. Oral Pathol. Oral Cir. Bucal, v. 11, p , CORREIA, C. P. Lipoma recidivante de soalho de boca. Rev. paul. Med., v. 49, p , COTTRELL, D. A.; NORRIS, L. H.; DOKU, C. Orofacial lipomas diagnosed by CT and MR. J. Amer. dent. Assoc., v. 124, p , * De acordo com as normas da ABNT.
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