Icodextrina e toxicodermia
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- Rubens Arruda Paranhos
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1 Caso clínico ICODEXTRINA E TOXICODERMIA Rev Port Nefrol Hipert 2003; 17 (4): Icodextrina e toxicodermia Patrícia Branco, Augusta Gaspar, Fátima Marques, Sância Ramos*, Ana Paula Martins*, Margarida Bruges Serviço de Medicina Interna e Nefrologia. *Serviço Anatomia Patológica. Hospital de Santa Cruz. Carnaxide. PORTUGAL RESUMO A utilização de um novo polimero de glicose, icodextrina, tem sido crescente na solução dialisante. Tem boa tolerância clinica e são raras as reacções de hipersensibilidade. Em 1998 começou a utilizar-se a Icodextrina na Unidade de Diálise Peritoneal do HSC. Os autores descrevem as reacções alérgicas cutâneas alérgicas associadas á utilização deste polímero. Em três dos 10 doentes com terapêutica dialisante com icodextrina observamos 3 três tipos de toxicodermia: - lesões maculopapulares, indolores, pruriginosas, inicialmente localizadas á região inguinal, com generalização posterior envolvendo a palma da mão, - lesões descamativas das superficies flexoras dos membros e,- lesões nodulares, indolores, eritrocianóticas nos membros inferiores. Nesta última situação a biópsia cutânea revelou vasculite leucocitoclástica. Em todos os doentes se registou regressão completa das lesões após a interrupção da icodextrina. Embora raras, encontramos na literatura 3 descrições de Toxicodermia com a utilização da icodextrina na diálise peritoneal. Desconhecem-se as causas e mecanismos envolvidos, admitindo alguns autores analogias estruturais com o dextrano. Palavras chave: Icodextrina, toxicodermia Recebido em 16/11/2001 Aceite em 26/11/2003 Revista Portuguesa de Nefrologia e Hipertensão 155
2 Patrícia Branco, Augusta Gaspar, Fátima Marques, Sância Ramos, Ana Paula Martins, Margarida Bruges SUMMARY Icodextrin and Hypersensitivity The use of a new glucose polymer, Icodextrin, has been growing in dialysate solution. It has a good clinical tolerance and hypersensitivity reactions have been rare. Icodextrin started to be used in our Dialysis Peritoneal Unit in The authors describe cases of skin allergic reactions associated with the use of this polymer. In three out of 10 patients we observed different forms of Hypersensitivity that involve the skin: painless erythematous macula and papules, located initially at the inguinal region, with later extension to the palm of the hand; purpuric and desquamative lesions of the arms; nodular, palpable, purpuric, painful lesions at lower extremities. In the last event, skin biopsy revealed leukocytoclastic vasculitis. In all patients we found complete regression of all lesions after withdrawal of Icodextrin. Although rare, we do find some descriptions of skin drug reactions associated with Icodextrin in dialysis solution. The causes and mechanisms involved are unknown, but, according to some authors, seem to be related to structural analogies with dextran. Key-words: Icodextrin, skin allergic reactions INTRODUÇÃO A icodextrina tem sido crescentemente utilizada como alternativa à dextrose como um agente osmótico na diálise peritoneal em doentes com falência de ultra-filtração 1. É um polímero de glicose derivado do amido, com absorção inferior à da dextrose, seguro e geralmente bem tolerado 2. Vários autores têm, no entanto, relatado efeitos secundários de alguma gravidade, desde reacções exantemáticas limitadas às mãos, membros superiores e tronco 3, ou reacções urticariformes generalizadas 4 a dermatite exfoliativa severa 5. A icodextrina tem sido utilizada na Unidade de Diálise Peritoneal do Hospital de Santa Cruz desde 1998, sendo actualmente utilizada como terapêutica dialisante em dez doentes. Os autores descrevem neste artigo as reacções de hipersensibilidade cutânea à icodextrina encontradas em 3 desses doentes. CASO 1 Doente de 41 anos, sexo masculino, com insuficiência renal crónica secundária a uma nefropatia de refluxo, em diálise peritoneal contínua ambulatória há 18 meses. Três meses após início da utilização de icodextrina na solução dialisante, surgiram nódulos eritrocianóticos, indolores, não pruriginosos, na superfície de extensão dos membros inferiores (Fig 1). O exame histológico da biópsia cutânea revelou infiltrado inflamatório na derme, com predomínio de células mononucleadas e raros polimorfonucleares de localização perivascular e com permeação focal da parede do vaso (Fig. 2-4). A suspensão da icodextrina levou à remissão das lesões após 3 semanas. 156 Revista Portuguesa de Nefrologia e Hipertensão
3 ICODEXTRINA E TOXICODERMIA Figura 1: Nodulos eritrocianóticos Figura 2. Biópsia da pele: Infiltrado inflamatório de localização perivascular da derme (HEx40) Figura 3. Pormenor do infiltrado inflamatório perivascular (HEx100) Figura 4. Infiltrado inflamatório constituido por células mononucleadas e raros polimorfonucleares permeando a parede do vaso (HEx400) Revista Portuguesa de Nefrologia e Hipertensão 157
4 Patrícia Branco, Augusta Gaspar, Fátima Marques, Sância Ramos, Ana Paula Martins, Margarida Bruges CASO 2 Doente de 51 anos, sexo masculino, com insuficiência renal crónica secundária a nefroangiosclerose, em diálise peritoneal crónica há 48 meses. Uma semana após introdução de icodextrina, surgiu uma reacção cutânea maculopapular, indolor, pruriginosa, localizada de início à região abdominal inferior e inguinal (Fig 5, 6) que, posteriormente, se tornou generalizada, com envolvimento das palmas das mãos e plantas dos pés (Fig 7). A localização e caracteristica das lesões colocou a hipotese diagnóstica inicial de infecção fúngica, tendo sido medicado com cotrimazol tópicamente. Pela evolução clínica admitimos tratar-se de um Figura 7. Rash palmar quadro de toxicodermia. A suspensão da icodextrina associou-se com a rápida regressão do exantema. CASO 3 Figura 5. Rash abdominal Doente de 34 anos, sexo masculino, com insuficiência renal crónica secundária a nefropatia diabética, em diálise peritoneal crónica há 34 meses. Dois meses após início da utilização de icodextrina na solução dialisante, surgiram lesões descamativas das superfícies extensoras dos dedos das mãos, não pruriginosas e agravadas pela exposição solar. Foi excluido o diagnóstico de porfiria. Por este tipo de lesões poderem estar associadas ao desenvolvimento de complicações infecciosas na técnica suspendeu-se a icodextrina com regressão total do quadro ao fim de 4 semanas. DISCUSSÃO Figura 6. Rash inguinal O tipo e a gravidade das lesões cutâneas associadas à icodextrina são raros e muito variados. Também são diversos os tempos de 158 Revista Portuguesa de Nefrologia e Hipertensão
5 ICODEXTRINA E TOXICODERMIA quando utilizado como expansor do plasma ou anticoagulante, por numerosas reacções alérgicas, desde prurido (em cerca de 50% dos casos) a casos de anafilaxia fatal 7. A utilização de icodextrina, mais biocompativel, é geralmente segura e bem tolerada por ter baixa antigenecidade. É de recordar, no entanto, a ocorrência ocasional de reacções de hipersensibilidade cutânea. Figura 8. Estrutura molecular das moléculas de dextrina, dextrano e icodextrina Correspondência: Drª Patrícia Branco Serviço de Nefrologia Hospital de Santa Cruz Avenida Professor Reynaldo dos Santos 2795 Carnaxide Portugal Bibliografia aparecimento das lesões após o inicio da terapêutica com este dialisante. Enquanto alguns autores descrevem determinados tipos de lesão auto-limitada, com regressão espontânea, que não impediram a continuação da utilização da molécula em causa 3, têm sido referidas lesões mais graves, que comprometem a qualidade de vida do doente, obrigando à suspensão da icodextrina e à utilização de anti-histamínicos 5. Nos nossos doentes, as reacções cutâneas foram igualmente diversas, sempre sem envolvimento sistémico, com gravidade variável, sugerindo mecanismos fisiopatológicos e imunitários distintos. O epitopo responsável pela reacção alérgica é desconhecido. A icodextrina é um polímero de glicose que é metabolizado via maltose até glicose 6. A sua estrutura é semelhante à do dextrano natural (Fig 8), molécula igualmente responsável, 1. Mistry CD, Gokal R, Peers F. A randomised multicenter clinical trial comparing isomolar icodextrin with hyperosmolar glucose solutions in CAPD. MIDAS study group. Multicenter investigation f icodextrin in ambulatory peritoneal dialysis. Kidney Int 1994; 46: Mistry CD, Gokal R. The use of glucose polymer icodextrin in peritoneal dyalisis: an overview. Peritoneal Dial Int 1997;17: Wilkie ME, Plant MJ, Edwards L et al. Icodextrin 7.5% dialysate solution (glucose polymer) in patients with ultrafiltrate failure: extension of CAPD technique survival.. Peritoneal Dial Int 1994; 14 (suppl 3): S158-S Fletcher S, Stables GA, Turney JH. Icodextrin allergy in a peritoneal dialysis patient. Nephrol Dial Transplant 1998;13: Lam-Po-Tang MKL, Bending MR, Kwan JTC. Icodextrin hypersensitivity in a CAPD patient. Peritoneal Dial Int 1997;17: Alsop RM. History, chemical, and pharmaceutical development of icodextrin. Peritoneal Dial Int 1994;14 (Suppl 2):S8- S Ring J. Anaphhylactoid reactions to plasma substitutes. Int Anesthesiol Clin 1985;23: Revista Portuguesa de Nefrologia e Hipertensão 159
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