PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº , da Comarca de São Bernardo do Campo, em que é agravante ANTONIA DANTAS DE MORAIS, é agravado NEOMATER LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL). ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores ENIO ZULIANI (Presidente sem voto), CESAR CIAMPOLINI E HAMID BDINE. São Paulo, 9 de setembro de Francisco Loureiro Relator Assinatura Eletrônica

2 Agravo de Instrumento n o Processo 1º Instância n.º Comarca: SÃO BERNARDO DO CAMPO Juiz: Agvte: Agvdo: RODRIGO FACCIO DA SILVEIRA ANTONIA DANTAS DE MORAIS NEOMATER LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) VOTO N o RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Habilitação de crédito trabalhista. Inaplicabilidade da limitação do artigo 83, inciso I, da Lei nº /2005, voltado apenas para a hipótese de créditos trabalhista em falência. Recurso provido. Cuida-se de agravo de instrumento, sem pedido de efeito ativo, tirado de decisão (fl. 94 dos autos digitais) proferida nos autos da habilitação de crédito promovida pela agravante ANTONIA DANTAS DE MORAIS no bojo da recuperação judicial da agravada NEOMATER LTDA. Fê-lo o decisum recorrido nos seguintes termos: 1. Pág./Págs. 94. É indispensável a correção do pronunciamento de pág./págs. 91, pois R$ ,88 (art. 83, I, da Lei n.º , de 9/2/2005) + R$ ,20 (art. 83, VI, c, da Lei n.º , de 9/2/2005) = R$ ,08. Agravo de Instrumento nº Voto nº MB 2

3 Eis o pronunciamento de pág./págs. 91 com a(s) correção(ões): 1. À/Às pág./págs. 72 e 73-74, constata-se a obrigação de a SOCIEDADE EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL pagar R$ ,88 (art. 83, I, da Lei n.º , de 9/2/2005) + R$ ,20 (art. 83, VI, c, da Lei n.º , de 9/2/2005) para o demandante. Ademais, "a habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º, 1º, desta Lei deverá conter: [] II o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação" (art. 9º, II, da Lei n.º , de 9/2/2005). De mais a mais, não há nenhum fundamento para o não acolhimento da(s) conclusão(ões) do laudo. 2. Após a constatação de irrecorribilidade do pronunciamento, é indispensável a emissão de Mandado de Levantamento Judicial de R$ ,88 para o demandante. 3. Intime(m)-se. 2. Intime(m)-se. foi mantida nos seguintes termos: Opostos embargos de declaração, a decisão acima 1. Pág./Págs A pretensão do recorrente é a discussão/rediscussão dos fundamentos do pronunciamento de pág./págs. 91, para a qual o recurso não é o dos arts do Código de Processo Civil. Assim, não há nenhum fundamento para o acolhimento do Agravo de Instrumento nº Voto nº MB 3

4 recurso. 2. Intime(m)-se. Aduz a agravante, em apertada síntese, que a inclusão do valor no quadro geral de credores da forma como constou na decisão impugnada lhe acarretará prejuízo. Indica que o juízo entendeu por homologar o valor de R$ ,88 como crédito trabalhista e a diferença (R$ ,20) como crédito quirografário, o que totalmente, descabido (fl. 08) /2005. Defende a incidência do art. 83, inciso I, da Lei nº crédito trabalhista. Pugna pela inclusão do valor de R$ ,08 como Em razão do exposto, e pelo que mais argumenta às fls. 01/09, pede, ao final, o provimento do recurso. Ausente pedido de efeito ativo, foi determinado o processamento do recurso, dispensadas as informações do Juízo a quo, porque clara a questão colocada em debate (fls. 129/132). A agravante juntou documentos (fls. 135/149). 150/153. O administrador Judicial manifestou-se às fls. Transcorreu, in albis, o prazo para que a parte contrária apresentasse contraminuta. Além disso, não houve oposição ao julgamento virtual (fl. 154). Agravo de Instrumento nº Voto nº MB 4

5 A douta Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer opinando pelo provimento do recurso (fls. 156/158). É o relatório. 1. Inicialmente, ante a notícia de que ainda não foi analisado o pedido de gratuidade deduzido na origem (fl. 136), defiro as benesses da justiça gratuita apenas para viabilizar o processamento do presente recurso, evitando eventual alegação de negativa de acesso ao Judiciário, sem prejuízo da necessidade de a agravante obter a concessão nos autos principais, mediante pedido endereçado ao Juízo a quo. 2. No mérito, o recurso comporta provimento. Inicialmente, registro que o limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos previsto no art. 83, inciso I, da Lei nº /2005 tem sua aplicabilidade restrita à falência, não sendo aplicável aos casos de recuperação judicial. Essa questão já foi apreciada pela 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que o art. 83, I, da LRF não se aplica aos casos de sociedades em regime de recuperação judicial. É que tal dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o que dispõe o artigo 54 da mesma lei, pois, ao prever prazo de um ano para o pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho, afasta a aplicabilidade daquele. Explico: limitando-se o pagamento a cento e cinquenta salários mínimos, o saldo seria convertido em crédito quirografário (art. 83, VI, c) e não seria pago, é certo, no exíguo prazo de um ano (AI nº , rel. Des. Araldo Telles, j. 03/09/2013). Assim, ainda que elevado o valor dos créditos Agravo de Instrumento nº Voto nº MB 5

6 trabalhistas, deverá o plano de recuperação judicial ditar a forma e o prazo de pagamento, dentro dos parâmetros legais, não cabendo impor limitação nos termos do artigo 83, inciso I, da LRF, cuja redação está totalmente voltada para a hipótese de classificação de créditos em caso de falência da credora. Conforme pondera a doutrina, a razão de ser da regra, na sistemática da falência: o teto previsto pela Lei n o /2005 evita que os recursos realizados pela massa falida sejam utilizados para pagamentos de créditos de elevada monta, em evidente prejuízo dos credores trabalhistas menos abastados. Recorde-se que, caso não haja dinheiro em caixa para satisfação de todos os credores trabalhistas, haverá rateio proporcional ao valor dos créditos. Assim, a utilização dos recursos para pagamento de parte dos créditos acima de 150 salários mínimos poderia inviabilizar o pagamento integral dos créditos trabalhistas menores (Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, coord. Osmar Brina Corrêa-Lima, Gen-Editora Forense, 2009, p. 538). No caso da recuperação judicial, não há razão de limitação do crédito, pois não há concurso de credores. Os pagamentos são ditados pelo Plano de Recuperação, levando-se em conta o montante de todos os créditos, dentro dos prazos estabelecidos pela Lei nº /2005. Dessa forma, forçoso concluir que o crédito habilitado deverá ser integralmente habilitado na classificação trabalhista, como proposto pela recorrente. Ainda que assim não fosse, o valor do crédito habilitado não supera 150 (cento e cinquenta) salários mínimos. Agravo de Instrumento nº Voto nº MB 6

7 Explico. Ao comentar o aludido dispositivo, explica Manoel Justino Bezerra Filho que embora a lei não traga previsão expressa, o valor a ser considerado é o do salário mínimo do dia em que foi decretada a falência, até porque o parágrafo único do art. 18 fala em quadro geral de credores com valores 'na data da... decretação da falência' e o inc. II do art. 9.º fala em 'valor do crédito... até a data da decretação da falência'. Por outro lado, se houver condições de pagamento do valor devido aos credores habilitados, posteriormente será feita a correção com juros integrais até o momento do pagamento final, na forma do que prevê o art. 124 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 9ª ed., São Paulo: RT, 2013, p. 206). O pedido de recuperação judicial foi distribuído, por sorteio, aos 05 de outubro de e o deferimento da recuperação ocorreu em março de À época da distribuição da ação, o salário mínimo vigente era de R$ 465,00. Quando deferido o pedido, o salário mínimo atingia a cifra de R$ 510,00. Independentemente do valor a ser adotado, o crédito a que faz jus a habilitante fica aquém do limite de 150 salários mínimos, que, como dita alhures, sequer é aplicável à recuperação judicial. Registro que o Administrador Judicial opinou pela inclusão da integralidade do crédito R$ ,08 na classe dos credores trabalhistas (fls. 108 e 126) e foi acompanhado pelo Ministério Público (fl. 123). Ante o exposto, o crédito da Agravante deve ser Agravo de Instrumento nº Voto nº MB 7

8 habilitado integralmente na classe dos credores trabalhistas. Dou provimento ao recurso. FRANCISCO LOUREIRO Relator Agravo de Instrumento nº Voto nº MB 8