Cinema e Pipoca Do entretenimento à manipulação

Transcrição

1 1 Cinema e Pipoca Do entretenimento à manipulação Esse artigo aborda a cultura de comer pipoca assistindo à filmes. Através da interpretação de dados e entrevistas sobre o costume das pessoas de assistir à filmes comendo pipoca, o artigo questiona o hábito que se estabeleceu. - Vamos ao cinema? - Hoje? - É! - Não dá! - Não? - É! - Como não? - Tenho jogo de futebol às cinco da tarde. - Vamos depois então. - Mas vou estar cansado! - Como assim? - Uma hora e meia de jogo e você acha que vou estar em condições de ficar mais duas horas sentados numa sala escura!? - Pense na pipoca com manteiga, no refrigerante e no chocolate... - Hum! Acho que você está me convencendo... - Ops! Mas espere um segundo! Você sempre me deixa sem refrigerante! - Como assim? - Enquanto como a pipoca, e tomo alguns goles de refrigerante, você acaba com quase um litro! - Calma, não é bem assim... - Lógico que é! Aí, quando fico com a boca salgada de tanto comer pipoca, tenho que esperar até o fim da sessão para beber um gole de água! - Tá vendo! Quem mandou você ser gulosa e comer quase toda a pipoca!? - Você é quem não pensa em mim e bebe todo o refrigerante! - Não é bem assim, né? - Lógico que é! Nunca vi pessoa mais egoísta! - Eu não sou egoísta, e ponto final! É que me empolgo bebendo o refrigerante que você deixa do meu lado, e quando vejo já acabou! - Ah é!? Então me dê uma solução para este problema. - Podemos fazer assim. Compramos duas pipocas e dois refrigerantes. Assim cada um cuida do seu! - Quê? Você está louco!? É bem provável que você acabe com suas coisas e venha comer e beber das minhas! - É, como já disse, aí você vai ter que tomar conta das tuas coisas...

2 2 Mesmo que o cronista André Ramos tenha escrito esse texto com o simples intuito de fazer os leitores do site Cronistas.com.br ( ) rir, a crônica reflete um hábito recorrente dos brasileiros: comer pipoca enquanto assiste a filmes. Mas qual é a origem dessa tradição? Por que a vontade de pipoca surge quando se está em uma sala de cinema? Essas e outras perguntas serão explicadas no decorrer desse texto. Portanto, pegue um balde de pipoca e continue a lê-lo. A psicóloga Denise Romero ( ) desconhece uma explicação psicológica ou algum fundamento científico para o costume de comer pipoca assistindo a filmes, porém relembra o estudo feito por Flávio Calazans sobre mensagens subliminar. Segundo Flávio Calazans (Site Efeitos Subliminares das Cores na Publicidade, ), livre docente que defendeu a tese de doutorado da USP sobre mensagens subliminar, tudo começou em 1956, em um cinema em Nova Jersey, onde foram colocados sobre a tela durante o filme mensagens como: beba coca cola e coma pipoca com velocidade aproximadamente de 1/3000 de segundo. Essas mensagens não eram percebidas pelos olhos, mas foram captadas pelo cérebro. Os resultados foram um aumento de 57,7% na compra de coca cola e 18% de pipoca. Isso explica porque Claudia Rodrigues Alves ( ), 24 anos, estudante de enfermagem afirma: Todas as vezes que eu vou ao cinema tenho que comer pipoca, pois, quando eu era criança, minha mãe me acostumou assim. Provavelmente, a mãe de Claudia só cultivou esse hábito na filha porque um dia alguém a ensinou assim. E a origem? 1956, em Nova Jersey. Gustavo Valezi ( ), 19 anos, estudante de artes cênicas, declara: Para mim é um ritual ir ao cinema e comer pipoca. Como em Claudia, esse ato já faz parte dos hábitos de Gustavo. Mais do que um fenômeno cultural, a vontade de comer pipoca durante o filme muitas vezes é física. Prova disso é a professora de ensino médio, Roselena Lossolli ( ), 47 anos, que alega: O cheiro da manteiga na pipoca é o que me faz ter vontade de comer pipoca no cinema. Ainda bem que essa vontade pode ser controlada, pois a pipoca é o alimento mais problemático nutricionalmente, já que é fonte de gordura. Segundo o site BemStar ( ), um balde de pipoca de 30 gramas com manteiga chega a ter de calorias.

3 3 José Gladino Filho ( ), 37 anos, sofre o mesmo drama de Roselena Sinto o cheiro da pipoca e é irresistível. E ainda completa Se vou com minhas filhas ao cinema não dá para ficar sem comer pipoca. Isso acontece porque as crianças são alvo das embalagens atrativas encontradas nesses recintos. Lá, vendem-se caixinhas ilustrativas com brindes que fazem parte de uma estratégia de venda copiada do antigo Mc Lanche Feliz do restaurante Mc Donald. Além de atingir a criançada, a propaganda massiva da pipoca também estimula nos adultos à vontade de comê-la, mas não os agrada quando o assunto é seu custo. Hoje, existe até fórum de discussões* onde pessoas protestam contra o preço abusivo da pipoca no cinema e declaram que só consomem pipoca antes ou depois da sessão e estas são compradas fora da lanchonete do cinema. Roberto Roman ( ), 44 anos, proprietário de um restaurante desabafa Só como quando estou afim. Acho que o valor que os grandes cinemas cobram pela pipoca é muito alto para o padrão brasileiro. Fato é que, segundo a Câmara Americana do Comércio ( ), o faturamento da pipoca por fim de semana em um cinema de um shopping de São Paulo da rede Cinemark é de cinco mil reais. Além de que, o consumo médio de alimentos nos cinemas brasileiros em quatro anos aumentou 74%. Na reportagem A Importância da Pipoca no Cinema Mundial publicada por Fernando de Castro Américo no site Rabisco ( ), o jornalista analisa: A pipoca nossa de cada sessão representa o prazer do cinema. Isso acontece de fato com a secretária Adriana Soares ( ), 30 anos. Ela fala: É um vício. Não acho graça assistir a um filme sem comer pipoca. E assume: Só não como pipoca quando estou acompanhada do meu namorado. Neste caso, a pipoca deixa sua função original e torna-se uma prazerosa companheira. O ato de comer pipoca no cinema já é uma tradição tão antiga que impulsionou a criação de novas definições para o cinema atual. O site MOOD ( ) traz as diferenças entre cinema arte e cinema pipoca. * O endereço de um fórum de discussão está na bibliografia final.

4 4 O cinema arte seria aquele que não traz uma história mastigada. Ele exige uma postura ativa do espectador e está preocupado em transmitir alguma mensagem. Há cuidados com a estética e com a linguagem fílmica. Pode ter baixa bilheteria e é voltado para um público sensível que tem capacidade para analisar um filme. Já o cinema pipoca seria aquele que reflete a mentalidade dos americanos e faz parte da indústria cultural, tendo como único objetivo o lucro. Normalmente são as produções hollywoodianas. Agora só resta saber se são os filmes que levam as pessoas a comer pipoca ou se é a pipoca que incentiva as pessoas a assistir aos filmes. Por um lado, a localização das lanchonetes das salas de cinema e a propaganda em massa estimulam a vontade de comer pipoca. Por outro lado, o cinema sempre conquistou um grande público sem a presença da pipoca, já que ele existe desde dezembro de 1895 quando os irmãos Lumière fizeram a exibição pública do primeiro filme da história trechos da saída dos operários de uma fábrica e a imagem de um trem chegando à estação e invadindo a tela e causaram pavor na platéia do Grand Café de Paris (Araújo, 1995). E a pipoca foi introduzida subliminarmente no cinema somente em De qualquer forma, a dupla Cinema e Pipoca é sucesso de bilheteria.

5 5 Bibliografia Livros ARAUJO, Inácio. "Cinema - O mundo em movimento". São Paulo: Scipione, 1995 SANTAELLA, Lucia. O que é cultura em Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, Páginas da Internet BEMSTAR. Comer no cinema. Disponível em Acesso em CÂMARA AMERICANA DO COMÉRCIO. No escurinho. Disponível em 19n. Acesso em CRONISTAS. Intriga no cinema. Disponível em Acesso em EFEITOS SUBLIMINARES DAS CORES NA PUBLICIDADE. Mensagem subliminar. Disponível em Acesso em MOOD. Arte X Pipoca: o dilema de Titanic. Disponível em Acesso em RABISCO. A importância da pipoca no cinema mundial. Disponível em Acesso em Entrevistas GLADINO FILHO, José, Realizada em LOSSOLLI, Roselena. Realizada em

6 6 RODRIGUES ALVES, Claudia. Realizada em ROMAN, Roberto. Realizada em ROMERO, Denise. Realizada em SOARES, Adriana. Realizada em VALEZI, Gustavo. Realizada em