Género e Educação para o Desenvolvimento
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- Sara Estrada Costa
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1 Género e Educação para o Desenvolvimento Quando o invisível e o não dito são o ponto de partida Sílvia Roque A importância de uma perspectiva de Género nas políticas de Desenvolvimento tem sido introduzida nas últimas décadas como elemento transversal e essencial nos projectos de cooperação. Muitas organizações têm dado relevância a este aspecto também nas suas actividades de Educação para o Desenvolvimento (ED), seja através de campanhas, acções de formação ou na produção de materiais informativos e formativos. O problema é que o facto de estar na moda ou ser politicamente correcto tende a esvaziar o conceito de Género, o que se traduz em abordagens pobres e contraditórias com os princípios da emancipação e da transformação social. A isto não estão imunes as organizações, ainda que sejam de desenvolvimento ou de direitos humanos. O que significa uma perspectiva de género? Falar de mulheres apenas? Ter mulheres a falar de mulheres? Falar da condição de vítima? Que tipo de atitudes e acções se promovem face às assimetrias? O termo género é usado para descrever determinadas qualidades e comportamentos esperados pelas sociedades das mulheres e dos homens. A identidade social de uma pessoa é constituída por estas expectativas. Estas expectativas partem do pressuposto de que existem determinadas qualidades, comportamentos, características, necessidades e papéis que são naturais ou essenciais do homem, enquanto outros são naturais da mulher. O género não é biológico. As identidades (feminina e masculina) são construídas através dos processos de socialização que os preparam para os papéis que supostamente devem desempenhar. Estes papéis e expectativas diferem de cultura para cultura e em diferentes períodos históricos. Eles mudam e podem mudar. Os papéis e as relações não 1
2 são imutáveis e podem alterar-se de acordo com a evolução das necessidades e das oportunidades. As formas de controlo actuam normalmente de forma a fortalecerem-se umas às outras e têm resultado na exclusão e marginalização das mulheres dos processos sociais, económicos e políticos. A subordinação das mulheres reflecte-se tanto na sua condição socio-económica (níveis de saúde, rendimento, educação, etc) como na sua posição, ou grau de autonomia e controle sobre as suas vidas. As relações de género são relações de poder. O modelo de ser masculino é o referente de ser pessoa e as qualidades, papéis e funções conotadas com o masculino têm valor superior às dos modelos femininos. Um dos problemas da perspectiva de Género integrada no âmbito da ED é que na maior parte dos casos o género é abordado como uma temática da ED, sendo marginalizada e pouco desenvolvida a abordagem metodológica e organizacional de género, mesmo ao nível das organizações promotoras da ED. Acaba por ser privilegiado o conteúdo e descuidar a forma, o que tantas vezes nos torna reféns de um discurso bem estudado mas do qual não estamos assim tão seguras/os. Em muitos casos as abordagens temáticas de género limitam-se à abordagem do papel das mulheres no desenvolvimento não se tem baseado em análises globais das realidades das vidas das mulheres, tem, sim, focado o seu papel enquanto mães e donas de casa ou enquanto agentes económicos. As mulheres e os papéis atribuídos pelo género e não o que está na base desses papéis: as desigualdades e assimetrias. A lógica a seguir não é a de que tendo papéis diferentes, homens e mulheres, são, por isso, desiguais, mas sim, perceber que são as desigualdades que levam à diferenciação de papéis e esferas de actuação, uns mais valorizados do que outros. Além disso, algumas acções de ED veiculam determinados (consciente ou inconscientemente) estereótipos relacionados com as representações de género através de imagens e da linguagem utilizada. Neste campo, o não dito e o não visto são de extrema importância. Nem sempre é claro que as/os promotoras/es da ED estejam 2
3 realmente conscientes do significado das assimetrias de género e dispostas/os a provocar mudanças profundas. Deparamo-nos frequentemente com materiais de ED que seguem o exemplo dos materiais da educação formal em termos de linguagem, imagem e mensagem veiculada. Quando a invisibilidade não actua, a visibilidade formata: as imagens habituais multiplicam-se, mulheres passivas, vítimas, dependentes, infantis, receptoras do conhecimento, da educação, mulheres educadoras, cuidadoras, etc. Uma das representações mais problemáticas e que coloca em causa a própria visão que se tem do desenvolvimento é a que remete as causas da desigualdade como sendo um problema do sul, um problema de subdesenvolvimento. Logo, o desenvolvimento seria a resposta simples para acabar com as desigualdades. Ao veicularmos as imagens e discurso sobre as/os outras/os somos muitas vezes responsáveis por uma má interpretação das causas complexas das assimetrias. Focar demasiado a/o outra/o faznos esquecer do nós e do facto de as desigualdades não escolherem sociedades, elas ocorrem de diferentes maneiras em sob formas diversas em sociedades distintas. Outra face da mesma moeda é o culturalismo exacerbado: a justificação cultural das desigualdades esconde as verdadeiras raízes dos desequilíbrios de poder e não tem em conta as evoluções e convulsões internas das culturas. Desafiamo-nos, questionamo-nos, transformamo-nos? Podemos enumerar vários passos essenciais à análise de género coerente: análise da realidade; análise da injustiça; análise das causas; análise para a acção e transformação; constituição de sujeitos com poder de mudar; análise das nossas motivações, desconstrução dos nossos preconceitos. Esses passos serão melhor traduzidos em questões a colocar a nós próprios no âmbito do trabalho de ED: Estamos realmente no caminho para compreender a realidade e as causas? Partimos de um mínimo consenso sobre o que é o Género, como se constroem as identidades, qual a verdadeira natureza das relações de genro? 3
4 Nem sempre o que achamos subentendido é realmente claro. Se a ED é ignorada, as questões de Género não o são menos. Qual o nosso ponto de partida para a reflexão, estamos a falar de género ou de sexos? Queremos dar visibilidade a essa realidade e a essas causas? Como são tratadas as questões de género nas nossas campanhas, acções formação, divulgações? Como se transmite o problema da desigualdade? Como se transmite a imagem das mulheres e dos homens? Tornamos visível a discriminação e a desigualdade? Damos realmente voz e visibilidade a quem não tem? Mostramos que os processos de desenvolvimento não são homogéneos no acesso e distribuição dos recursos, no poder de decisão? Encobrimos a complexidade da questão das identidades e do controlo social sobre as mesmas? Ou mostramos que a discriminação, embora com forte incidência sobre as mulheres, se baseia na desvalorização das características atribuídas ao feminino e, por isso, também os homens que integrem estas características poderão ser discriminados? Estamos interessadas/os em desconstruir estereótipos? Estamos conscientes da importância da desconstrução dos estereótipos de género e sua importância para compreender outras assimetrias (cor da pele, crença, orientação sexual)? Estamos a perpetuar as representações tradicionais ou contribuímos para as mensagens que mostram as mulheres como actrizes activas pela capacidade de mobilização, na luta pelos direitos; o seu papel de liderança e poder reivindicativo; o seu trabalho produtivo e invisível? Em que espaços as representamos? No espaço doméstico? Em que funções? Com que expressão? E o que dizer destas imagens ou discursos quando comparados com os dos homens? Questionamos as assimetrias como questão transversal de todas as sociedades? Ou reificamo-las como questão do sul? Estamos dispostas/os à coerência formal? Estamos conscientes que a perspectiva de género, mais do que um tema, é uma atitude? Compreendemos que problemáticas de género e ED são inseparáveis e se dirigem à 4
5 mesma questão: relações e contextos de poder expressos nas instituições e estruturas sociais, económicas, políticas, culturais? Promovemos a mudança das metodologias além das mudanças de mensagens? Promovemos métodos participativos a partir da análise da nossa própria situação? Que tipo de participação promovemos e como enquadramos nos processos de ED a questão da horizontalidade das relações e a distribuição do poder? Encaramos a abordagem do género na ED como uma dimensão que se adiciona, como um apêndice das questões realmente importantes que se remete para mais tarde sempre que não dá jeito? O que fazemos e qual a realidade das nossas organizações e nas nossas acções? Estamos dispostas/os a reflectir sobre nós mesmas/os e a mudar? Existe, na nossa organização, consciência destas assimetrias nas representações? Caso exista, é esta abordagem incorporada em todos os processos de análise e implementação? È a abordagem de género tida em conta, nas mais diversas situações e actividades, e aos vários níveis das mesmas: conteúdo, metodologia, linguagem? Qual a perspectiva que se tem sobre a ED? Quais as práticas e princípios da organização? Como se constituem as equipas de trabalho? O que se faz para integrar a análise de género? É fundamento ou marginal? Há outros critérios e análises prioritárias? Que tipo de trabalho é desempenhado por mulheres e homens? Assume-se que independentemente do árduo trabalho de um percurso tão complexo e demorado, pretendemos prescindir do conforto da nossa linguagem adquirida dos nossos conceitos enraizados? Estamos dispostas/os a assumir uma visão crítica do desenvolvimento, da educação e da ED e um compromisso de mudança ao nível de valores fundamentais e atitudes individuais e colectivas? Queremos promover a acção e mobilização no caminho para relações justas? Que modelos de comportamento estamos a promover e/ou a reproduzir? Orientamos as nossas mensagens para a reflexão e transformação da realidade? Orientamos as soluções para a mudança das mulheres (educar as mulheres) ou das estruturas geradoras de desigualdade ao nível político, económico, cultural, etc? 5
6 As nossas abordagens remetem para a injustiça na distribuição e acesso aos recursos; na distribuição do poder, de direitos e oportunidades? Privilegiamos a visibilidade dos processos de resistência e mobilização ou as imagens e mensagens de pendor negativo? A importância de dizer um percurso complexo: A Educação para o Desenvolvimento é um processo dinâmico, interactivo e participativo que visa: A formação integral das pessoas Que evita a abordagem simplista das/os outras/os e promove a reflexão sobre a nossa própria realidade, sobre as nossas concepções do masculino e do feminino. Que se cruza com determinantes identitários e de poder em relação a nós próprios a ao nosso meio: é a reconstrução da nossa própria identidade, das nossas representações e atitudes. Mostra que é possível colocarmo-nos em questão, situar-nos, reflectir sobre o que se passa à nossa volta e tomar uma posição. A consciencialização e compreensão das causas locais e globais dos problemas de desenvolvimento e das desigualdades num contexto de interdependência Não incorpora uma perspectiva de género marginal, mas sim, mostra que as assimetrias atravessam tanto o local e o quotidiano como o estrutural e não são determinadas pelas condições naturais e geográficas, mas pelas relações de poder a vários níveis: revela que há muitos nortes e muitos suis. A vivência da interculturalidade A transversalidade cultural das assimetrias: saber compreender a diferença e saber situála no plano dos significados de género, evitando a relação entre o norte emancipado e o sul subordinado. 6
7 O compromisso para a acção transformadora alicerçada na justiça, equidade e solidariedade A percepção comum da injustiça e a motivação para denunciar e desconstruir a opressão, as assimetrias, as desigualdades através das resistências e mobilizações de mulheres e homens como actrizes e actores de novas relações de género. A promoção do direito e do dever de todas as pessoas, e de todos os povos, participarem e contribuírem para um desenvolvimento integral e sustentável A condição indispensável de que mulheres e homens tenham as mesmas oportunidades de adquirirem direitos e deveres, de se constituírem sujeitas/os da sua própria história. Julho de
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