CARACTERIZAÇÃO DOS MANGUEZAIS EM TRÊS DIFERENTES AMBIENTES MORFOLÓGICOS COSTEIROS DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
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1 CARACTERIZAÇÃO DOS MANGUEZAIS EM TRÊS DIFERENTES AMBIENTES MORFOLÓGICOS COSTEIROS DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Cláudia Câmara do Vale¹ ¹Departamento de Geografia, UFES Abstract. This paper has as aim to identify the different types of mouths of rivers bordered by mangroves swamps, distributed alongside the coast of the State of Espírito Santo, based on the Systems General Theory, presented by Ludwig von Bertalanffy (1975), which opened the path for the integrating scientific reasoning. We add to this theoretical-methodological assumed idea the proposition of Thom (1982) concerning the geomorphology perspective about the role played by the geophysical, geomorphologic and biologic factors that are responsible for the distribution, development and maintenance of mangroves. Associated to the two perspectives mentioned above, we use the hierarchical structure idealized by Schaeffer-Novelli et al. (2000), which focus is in the concern with the definition of spatial and temporal scales used in the studies about swamps. The State of Espírito Santo presents a geomorphologic diversity in the coastline which favors the development of the swamps, from North to South of the State. Such diversity allows us to appoint, among many others, three different areas which have been chosen as motive of study, under the paradigm of Systems General Theory applied to Geography. We intend, in this manner, to characterize in a phytosociologically way the mangrove of river Mariricu estuary, those of the Santa Maria da Vitória river delta and those of the river Benevente estuary, as well as to analyze the interaction of these characteristics with the hydrographic basin or each one of the above mentioned rivers. Palavras-chave: manguezal; geomorfologia costeira; Espírito Santo 1. Introdução Pesquisas sobre a linha de costa sob diferentes enfoques, bem como sobre seus ecossistemas associados, tais como manguezais, dunas, marismas, restingas, lagunas, recifes de corais, entre outros, tornam-se cada vez mais freqüentes. Segundo Moraes (1999), a zona costeira se trata de um lugar diferenciado que apresenta características naturais que lhe são inerentes. A interface com o mar possibilita usos quase exclusivos da costa, tais como a exploração dos próprios recursos marinhos, a alocação dos portos terminais, vias de contato com a hinterlândia, a apropriação cultural que a transforma em espaço de inigualável lazer, o crescente turismo litorâneo, a alocação de segundas residências notadamente de veraneio, entre muitos outros. Por outro lado, a zona costeira, quando comparada com o restante das terras emersas do mundo, é um espaço reduzido, constituindo-se numa estreita faixa de terras finitas e relativamente escassas. A despeito desta finitude espacial, dois terços da humanidade habitam em zonas costeiras, onde se localiza a maioria das metrópoles atuais. A preocupação em planejar de forma coerente a ocupação e o uso do espaço costeiro é recente no Brasil. Os constantes problemas resultantes de interferência, direta e indireta, no balanço de sedimentos costeiros, do avanço da urbanização sobre áreas que deveriam ser preservadas, mostram que ainda é longo o caminho entre intenção e realização de planejar o uso e a ocupação desse espaço. Considerando que um planejamento regional de qualquer zona costeira demanda a compreensão de uma 1
2 extensão mais ampla que apenas a costa, esse caminho torna-se ainda mais longo. Esta pesquisa tem como proposição identificar, ao longo da costa do Espírito Santo, tipologias de desembocaduras margeadas por manguezais e compara-las às séries propostas por Thom (1982). Nas desembocaduras visa a conhecer o comportamento dos manguezais em cada tipologia identificada, por meio do estudo fitossociológico, assim como pelas correlações com vários fatores abióticos. 2. Áreas em estudo A costa do Espírito Santo apresenta características geológico-geomorfológicas bem variadas. A escolha das áreas para esta pesquisa baseou-se nestas diferentes características e estão localizadas ao longo da costa capixaba, mais especificamente no norte, no estuário do rio Mariricu, no centrosul, no delta do rio Santa Maria da Vitória e no sul, no estuário do rio Benevente (Figura 1). 3. Metodologia As primeiras atividades estiveram relacionadas com levantamento bibliográfico para o embasamento teórico e conceitual da pesquisa. Posteriormente foram definidos os três níveis de análise para a abordagem sistêmica. Foram realizados trabalhos de campo para levantamento fitossociológico segundo a metodologia de Schaeffer-Novelli & Cintron, (1986) e coleta de sedimentos nos manguezais. Foram realizados ainda trabalhos de campo para reconhecimento do uso da terra na bacia dos rios já citados. O tratamento dos dados referente à vegetação foi realizado segundo a metodologia de Schaeffer-Novelli & Cintron, (1986), onde foi calculada a área basal dos bosques amostrados, a densidade de indivíduos por ha, a dominância e a altura dos indivíduos. Além dos dados bióticos, foram coletados dados abióticos, tais como salinidade superficial e intersticial da água. Para a coleta e o tratamento das amostras de sedimentos utilizou-se a metodologia de Suguio (1973). A compilação e a análise dos dados levantados e/ou obtidos em campo e em laboratório foram apresentadas por meio de mapas temáticos, tabelas, gráficos e pela redação final da pesquisa. Os principais resultados estão parcialmente apresentados nos dados abaixo. 4. Resultados No transecto 1, realizado no estuário do rio Mariricu, Laguncularia racemosa predominou com 96,1% dos indivíduos, seguido por Rhizophora mangle com 3,8% e com poucos indivíduos de Avicennia schaueriana, 0,1%. A área basal por espécie ao longo do transecto está apresentada em percentuais e números absolutos. Rhizophora mangle contribuiu com 24,5% ou 1,5175 m²/0.1ha; Laguncularia racemosa com 75,37% ou 4,6721 m²/0.1ha e Avicennia schaueriana com 0,13% ou 0,008 m²/0.1ha. Rhizophora mangle foi de 3,6 troncos na classe inferior, 46,4 na intermediária e 48,8 na superior; de Laguncularia racemosa foi de 750,1 na inferior, 1.762,4 na intermediária e 72,7 na superior e de Avicennia schaueriana foi de 1,8 na intermediária e 3,6 na superior. No transecto 2, realizado no estuário do rio Mariricu, Rhizophora mangle predominou com 92,5% dos indivíduos, seguido por Laguncularia racemosa com 7,5%. A área basal de Rhizophora mangle ao longo do transecto, em percentuais e números absolutos foi 98,8% ou 2,5061 m²/0.1ha e de Laguncularia racemosa foi 1,2% ou 0,0311 m²/0.1ha. por classe de DAP, ao longo do transecto 2, de Rhizophora mangle foi de 1,7 troncos na 2
3 classe inferior, 13,8 na intermediária e 52 na superior; de Laguncularia racemosa foi de 1,7 na inferior, 2,6 na intermediária e 0,8 na superior. No transecto 3, realizado no canal de maré do estuário do rio Mariricu, Laguncularia racemosa predominou com 77,5% dos indivíduos, seguido por Rhizophora mangle com 22,5%. A área basal de Laguncularia racemosa, em percentuais e números absolutos, foi 57,8% ou 1,7899 m²/0.1ha e de Rhizophora mangle 42,2% ou 1,308 m²/0.1ha. por classe de DAP, ao longo do transecto 3, de Rhizophora mangle foi de 57,5 na intermediária e 82,5 na superior; de Laguncularia racemosa foi de 270 na inferior, 332,5 na intermediária e 67,5 na superior (8,3%). Para o delta do rio Santa Maria da Vitória, Ferreira (1989) escolheu cinco pontos para a realização dos transectos, dos quais foram utilizados por esta pesquisa quatro deles, cujos dados estão apresentados da mesma forma que a autora os apresentou. O transecto 4 foi realizado no alto delta e Avicennia germinans predominou com 100% dos indivíduos. A contribuição de área basal da espécie no transecto foi de 6,62 m²/0.1ha (100%). A densidade absoluta de troncos por espécie por classe de DAP ao longo do transecto 4 foi representada por 120 troncos/0.1ha de Avicennia germinans na classe superior (100%). No transecto 6, Rhizophora mangle predominou com 74,4% dos indivíduos e Laguncularia racemosa com 23,6%. Rhizophora mangle e Laguncularia racemosa contribuíram em área basal, em percentuais e números absolutos, na parcela 1 com 76,4% e 2,20 m²/0.1ha e 23,6% e 0,68 m²/0.1ha, respectivamente. Nas parcelas 2, 3 e 4 predominou Rhizophora mangle, cuja contribuição em valores absolutos de área basal foi de 2,04 m²/0.1ha, 1,84 m²/0.1ha e 1,98 m²/0.1ha, respectivamente. A área basal (%) está dividida nas classes intermediária e superior de DAP. Nas parcelas 1, 2, 3 e 4, na classe intermediária, os percentuais foram de 16%, 24,4%, 39,6% e 34,3%, respectivamente. Na classe superior, os percentuais nas parcelas de 1 a 4 foram de 84%, 76,6%, 60,4% e 65,7%. A densidade absoluta de troncos por parcela por espécies encontrada ao longo do transecto foi de 159,8 troncos/0.1ha de Rhizophora mangle e 80,2 troncos/0.1ha na parcela 1. Nas parcelas 2, 3 e 4 predominaram apenas troncos de Rhizophora mangle, com 280, 270 e 250 troncos/0.1ha, respectivamente. No transecto 7, Rhizophora mangle predominou com 100% dos indivíduos. A contribuição em área basal na parcela 1 foi de 1,05 m²/0.1ha, 59,3% e na parcela 2 foi 0,72 m²/0.1ha, 40,7%. A área basal de Rhizophora mangle está dividida em percentuais nas classes intermediária e superior de DAP. Nas parcelas 1 e 2, na classe intermediária, os percentuais de área basal foram de 39,5% e 61,12%, respectivamente. Na classe diamétrica superior, os percentuais de área basal nas parcelas 1 e 2 foram respectivamente de 60,5%, e 38,88%. A densidade absoluta de troncos ao longo do transecto é de 640 troncos/0.1ha. No transecto 8, Rhizophora mangle predominou nas três parcelas, com 100% de dominância. A área basal, em percentuais e valores absolutos, na primeira parcela foi de 34,4% e 3,04 m²/0.1ha; na segunda de 37,7% e 3,33 m²/0.1ha e na terceira de 27,9% e 2,46 m²/0.1ha, respectivamente. A área basal (%) está dividida nas classes de DAP intermediária e superior. Nas parcelas 1, 2 e 3, na classe intermediária, os percentuais foram de 6,2%, 14,4% e 18,7%, respectivamente. Na classe diamétrica superior os percentuais nas parcelas de 1 a 3 foram de 93,8%, 85,6% e 81,3%. 3
4 A densidade absoluta de troncos por parcela encontrada ao longo do transecto foi de 270, 320 e 320 troncos/0.1ha, nas parcelas 1, 2 e 3, respectivamente. No transecto 1, realizado no estuário do rio Benevente, Avicennia schaueriana predominou com 65,6% dos indivíduos, seguido por Rhizophora mangle com 32,3% com poucos indivíduos de Laguncularia racemosa, 2,1%. A contribuição em área basal por espécie, ao longo do transecto, em percentuais e números absolutos, de Rhizophora mangle foi de 59,96% ou 4,7004 m²/0.1ha; para Avicennia schaueriana 40,0% ou 3,1362 m²/0.1ha e para Laguncularia racemosa 0,04% ou 0,0009 m²/0.1ha. Rhizophora mangle foi de 5 troncos na classe inferior, 17,6 na intermediária e 124 na superior; de Avicennia schaueriana foi de 30 na inferior, 172 na intermediária e 110,4 na superior e de Laguncularia racemosa foi de 9,4 na inferior. No transecto 2, realizado no estuário do rio Benevente, Avicennia schaueriana predominou com 74,6% dos indivíduos, seguido por Rhizophora mangle com 25,4%. A contribuição em área basal por espécie ao longo do transecto, em percentuais e números absolutos, de Avicennia schaueriana foi de 81,9% ou 7,3649 m²/0.1ha e de Rhizophora mangle 18,1% ou 1,632 m²/0.1ha. Rhizophora mangle foi de 10 troncos na classe intermediária e 106,6 na superior; de Avicennia schaueriana foi de 13 na inferior, 199,56 na intermediária e 124,55 na superior. No transecto 3, realizado na ilha do Papagaio, no estuário do rio Benevente, Laguncularia racemosa predominou com 67,3% dos indivíduos e Avicennia schaueriana com 26,4%, seguido por poucos indivíduos de Rhizophora mangle, 6,4%. Quanto à área basal por espécie ao longo do transecto, em percentuais e números absolutos, Rhizophora mangle contribuiu com 11,3% ou 0,6186 m²/0.1ha; Avicennia schaueriana com 59,6% ou 1,5885 m²/0.1ha e Laguncularia racemosa com 29,1% ou 3,2496 m²/0.1ha. Rhizophora mangle foi de 33,3 na intermediária e 40 na superior; de Avicennia schaueriana foi de 86,6 na inferior 166,6 na intermediária e 80 na superior e de Laguncularia racemosa foi de 10 na inferior, 636,6 na intermediária e 60 na superior. 5. Discussão Os valores dos parâmetros obtidos durante a execução da pesquisa descrevem o comportamento do sistema, por meio de diversos atributos analisados tanto isoladamente, bem como por meio da correlação entre eles. Os níveis hierárquicos definidos por Schaeffer-Novelli et al. (2000) para a pesquisa sobre os manguezais, bem como os ambientes geomórficos propostos por Thom (1982) para o crescimento e desenvolvimento dos manguezais, coadunam-se com a Teoria Geral dos Sistemas concebida por Bertalanffy (1975). Nesse sentido, os três pressupostos teórico-metodológicos apresentam-se como referencial unificador, que busca a compreensão dos sistemas, a partir de escalas espaciais e temporais superiores, perpassando por vários níveis de análise, até alcançar o objeto final desta neste caso, o manguezal. Ao longo da costa do Espírito Santo distinguem-se diferentes tipologias de desembocaduras, todas resultantes dos fatores geofísicos e geomórficos ocorrentes não apenas na costa, mas também no território brasileiro e no sul-americano como um todo. As desembocaduras escolhidas como áreas experimentais para a pesquisa, o estuário do rio Mariricu, o delta do rio Santa Maria da Vitória e o estuário do rio Benevente, localizam-se em setores geológico- 4
5 geomorfológicos distintos, segundo Martin et al. (1997) e, portanto, diferentes entre si. A foz do estuário do rio Mariricu localiza-se no setor da costa capixaba que faz parte da planície costeira do rio Doce, onde há o predomínio dos sedimentos quaternários sobre os sedimentos terciários, estando distante do relevo esculpido nas rochas do pré-cambriano. Do ponto de vista morfológico, o estuário do rio Mariricu aproxima-se da série IV de Thom (1982), pois apresenta barra fluvial e cordões arenosos, além de apresentar bancos de sedimentação na laguna costeira, feição típica desta série. Entretanto, do ponto de vista hidrodinâmico, o estuário enquadra-se em uma série intermediária entre as séries III e IV. O delta do rio Santa Maria enquadrase entre as séries I e III. A descarga de água doce do rio Santa Maria e de sedimentos fluviais favorece o crescimento de formas deposicionais terrígenas, compostas por areia, silte e argila, como ocorre na série I e, desse modo, cobertas por manguezais em função da mistura da água doce com a água salgada da baía. Entretanto, como o rio deságua na baía de Vitória, não há condições para formação de cordões praiais nem para a configuração de uma linha de costa crenulada, feições presentes na série I. Pelo fato de o rio estar encaixado entre os sedimentos terciários no seu baixo curso, não apresenta distributários abandonados. A aproximação com a série III justifica-se apenas do ponto de vista da ação reduzida de ondas e marés, uma vez que o delta deságua em um corpo hídrico semiconfinado. O estuário do rio Benevente enquadra-se na série V de Thom (1982), pois constitui um vale afogado. Entretanto, ao contrário do que afirma o autor com relação às características da série V, este estuário está preenchido por sedimentos predominantemente terrígenos continentais, inclusive em função da morfologia nas áreas adjacentes à foz, que o protegem da ação das ondas e marés e, portanto, da entrada de sedimentos costeiros. Dessa forma, em comparação com a série V de Thom (op.cit.), no estuário do rio Benevente os manguezais encontram excelentes habitats para seu desenvolvimento, uma vez que a ação das ondas e marés é menos efetiva quando comparada à ação dos processos fluviais, modificando o padrão de ocorrência dos mangues, estabelecido por Thom (op.cit.), para a série V. 5. Referências Ferreira, R. D Os manguezais da Baía de Vitória (ES): um estudo de Geografia Física Integrada. São Paulo, 302f. Tese (Doutoramento em Geografia) Universidade de São Paulo. Bertalanffy, L.V Teoria Geral dos Sistemas. 2ª ed. Petrópolis, Vozes. Martin et al Geologia do Quaternário Costeiro do litoral norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Belo Horizonte. CPRM/FAPESP. Moraes, A.C.R Contribuições para a gestão da zona costeira do Brasil. São Paulo. HUCITEC/EDUSP. Schaeffer-Novelli, Y e Cintrón-Molero, G Guia para estudo de áreas de manguezal: estrutura, função e flora. Caribbean Ecological Research, São Paulo. Schaeffer-Novelli, Y.; Cintron-Molero, G e Tognela-De Rosa, M Brazilian Mangroves. Aquatic Ecosystem Health and Management Society. Elsevier, n.3 p Suguio, K Introdução à sedimentologia. 1ª ed. São Paulo. EDUSP. Thom, B.G Mangrove ecology: a geomorphological perspective. Mangrove Ecosystems in Australia: structure, function and management. Camberra: B.F. Clough Australian National University Press. 5
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