Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante: questões éticas
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- Maria das Dores Bennert Barreiro
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1 DOI: / Artigo Original Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante: questões éticas Intra-Hospital Committee for Donation of Organs and Tissues for Transplant: ethical issues Comisión Intrahospitalaria de Donación de Órganos y Tejidos para Trasplante: cuestiones éticas Josiane Cappellaro 1, Rosemary Silva da Silveira 1, Valéria Lerch Lunardi 1, Lisiane Van Ommeren Corrêa 1, Marina Landarin Sanchez 1, Isabela Saioron 1 Este estudo teve como objetivo evidenciar os aspectos éticos envolvidos na doação, captação e transplante de órgãos e tecidos pelas vivências dos trabalhadores de uma Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante. Pesquisa qualitativa do tipo exploratória, desenvolvida com onze trabalhadores da saúde. A coleta de dados foi realizada em um hospital universitário de Pelotas, RS, Brasil, de janeiro a março de 2010, por meio de entrevistas. A análise dos dados conduziu às seguintes categorias: a compreensão do diagnóstico de morte encefálica como questão ética; e aspectos éticos vivenciados pelos trabalhadores na relação estabelecida com a família. Concluiu-se que tais situações instigam o trabalhador a questionar-se sobre suas atitudes, valores e a refletir sobre o seu fazer como membro de uma equipe da saúde e protetor de vidas. Descritores: Transplante de Órgãos; Trabalhadores; Ética. The objective of this study was to demonstrate ethical aspects involved in the donation, collection and transplantation of organs and tissues through the experiences of workers in an intra-hospital committee for donation of organs and tissues for transplant. Exploratory qualitative research developed with eleven health workers. Data collection was performed at a university hospital in Pelotas, RS, Brazil, in the period of January-March 2010, through interviews. Data analysis resulted in the following categories: understanding of brain death diagnosis as an ethical issue; and, ethical issues experienced by workers in the relationship established with the family. It was concluded that such situations instigate workers to reflect on their attitudes, values, and their role as a health team member and protector of lives. Descriptors: Organ Transplantation; Workers; Ethics. El objetivo del estudio fue evidenciar los aspectos éticos involucrados en la donación, búsqueda y trasplante de órganos y tejidos a través de las experiencias de los trabajadores de una Comisión Intrahospitalaria de Donación de Órganos y Tejidos para Trasplante. Investigación cualitativa, del tipo exploratoria, desarrollada con once trabajadores de la salud. La recogida de datos fue en hospital universitario de Pelotas, RS, Brasil, de enero a marzo de 2010, por medio de entrevistas. El análisis de los datos condujera a las siguientes categorías: comprensión del diagnóstico de muerte cerebral como cuestión ética; y aspectos éticos experimentados por los trabajadores en relación establecida con la familia. En conclusión, tales situaciones instigan al trabajador a preguntarse acerca de las actitudes, valores y a reflexionar sobre lo que hace como miembro de un equipo de salud y protector de vidas. Descritores: Transplante de Órganos; Trabajadores; Ética. 1 Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande, RS, Brasil. Autor correspondente: Rosemary Silva da Silveira Rua Lino Neves, 677. CEP: Rio Grande, RS, Brasil. anacarol@mikrus.com Submetido: 20/08/2014; Aceito: 14/12/
2 Cappellaro J, Silveira RS, Lunardi VL, Corrêa LVO, Sanchez ML, Saioron I Introdução Os transplantes de órgãos, tecidos e partes do corpo humano são uma prática existente no Brasil desde a década de 60 e constituem-se numa alternativa para a medicina quando os tratamentos convencionais já não são mais eficazes para atender aos casos de doenças que ocasionam falência completa de um órgão ou tecido. A doação de órgãos e tecidos para transplantes não é um problema eminentemente técnico-médico, na medida em que traz em si aspectos sociais de ordem ética, tais como estabelecimentos de critérios seguros para determinação da morte encefálica, consentimento prévio e esclarecimento à família do doador e receptor (1). Dentre esses aspectos que norteiam os transplantes de órgãos é fundamental a confirmação do diagnóstico de morte encefálica, pois ela representa o estado clínico irreversível em que as funções cerebrais e do tronco encefálico estão irremediavelmente comprometidas, impossibilitando a manutenção dos órgãos sem o auxílio de meios artificiais e ocasionando inúmeras complicações decorrentes da parada do encéfalo (2). Embora a detecção precoce da morte encefálica seja fundamental para a realização de doações de órgãos, existem algumas alterações fisiológicas decorrentes da morte encefálica que podem comprometer um provável transplante efetivo, tais como a hipotensão e a hipotermia. Sendo assim, a equipe de saúde atuante precisa estar preparada e capacitada para prevenir tais complicações e manter os órgãos viáveis para prováveis doações (3). No Brasil, quando há a possibilidade de uma doação em virtude da detecção da morte encefálica, torna-se necessário o consentimento dos familiares para iniciar o processo, o que ressalta a importância da abordagem familiar, havendo necessidade de técnica e cientificidade do trabalhador durante esse processo. Entretanto, cabe ressaltar que o acolhimento da família e a sensibilidade dos membros da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante podem influenciar a decisão dos familiares do potencial doador. A decisão em doar não depende exclusivamente da conduta do entrevistador, pois fatores como a cultura, acesso à informação e declarações manifestadas pelo provável doador quando em vida também devem ser considerados (4). Para viabilizar o processo de captação de órgãos existe a obrigatoriedade da existência e efetivo funcionamento de uma Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante em todos os hospitais públicos, privados e filantrópicos com mais de 80 leitos. Dentre as atribuições da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante, destaca-se a de viabilizar o diagnóstico de morte encefálica, conforme a Resolução do Conselho Federal de Medicina, assegurando que o processo seja ágil e eficiente, dentro de estritos parâmetros éticos e morais (5). A falta de notificação de morte encefálica e as falhas na manutenção dos órgãos para a captação encontram-se como os principais fatores impeditivos à efetivação da doação de órgãos (1), além da recusa familiar (6-7). No Brasil, de cada oito potenciais doadores, apenas um é notificado e somente 20% destes são utilizados como doadores de múltiplos órgãos (8). A Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante se faz necessária, tanto para favorecer o processo de identificação de possíveis doadores para captação e doação de órgãos, para implementar protocolos para realização de testes diagnósticos, comprovar a existência de morte encefálica e notificá-la, quanto para sensibilizar a família, reduzindo possíveis obstáculos para a efetivação de transplantes no Brasil. No entanto, percebe-se o quanto é complexo dispor de condições físicas, de equipamentos e de recursos humanos habilitados para constituir tal comissão (9). O profissional de saúde envolvido no processo de captação de órgãos deve ter habilidades que o tornem capaz de extinguir quaisquer dúvidas da família nos aspectos relativos ao processo de captação, morte encefálica e tecnologias (10). Deste modo, conside- 950
3 Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante: questões éticas ra-se necessário que cada trabalhador se disponha a um senso de dever, responsabilidade e compromisso, emergindo num processo de (des) construção para um fazer ético. É preciso ainda, maior envolvimento e tomada de consciência dos trabalhadores de diferentes áreas de atuação, de modo a desenvolver um trabalho multidisciplinar eficaz e efetivo (11). Acredita-se que o conhecimento de vivências de uma Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante poderá contribuir e facilitar a compreensão dos trabalhadores acerca da realização de suas atividades como integrantes e ainda favorecer outras instituições que desejam implantar e tornar mais efetivo o processo de doação-transplante, tanto no que diz respeito ao cumprimento de uma exigência legal, quanto ao favorecimento para os usuários que aguardam a doação de um órgão e uma nova oportunidade de vida. Assim, foi objetivo deste estudo evidenciar os aspectos éticos envolvidos na doação, captação e transplante de órgãos e tecidos pelas vivências dos trabalhadores da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante de um hospital público do extremo sul do país. Método Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratória, desenvolvida com onze trabalhadores da saúde: um médico, sete enfermeiros, uma assistente social e dois supervisores noturnos, os quais atuam como membro da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante de um hospital público do extremo sul do país. O critério de inclusão utilizado foi atuar como membro da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante do referido hospital, independente do tempo de atuação, uma vez que a vivência advinda dos profissionais, por menor que seja, contribuirão para o alcance dos objetivos deste estudo. Inicialmente foi entregue aos membros da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante um documento prestando esclarecimentos quanto ao estudo, convidando-os a participarem dele explicitando os objetivos e a metodologia proposta; solicitando o seu Consentimento Livre e Esclarecido, assegurando o respeito aos aspectos éticos envolvidos, como o direito à privacidade, garantindo o respeito e o anonimato dos participantes. Para a garantia do seu anonimato, identificaram-se os trabalhadores com a palavra sujeito, seguida de números ordinais. A coleta de dados foi realizada de janeiro a março de 2010, pela técnica de entrevista, as quais foram realizadas em local privativo, conforme escolha do entrevistado. As entrevistas foram agendadas previamente com os trabalhadores, de acordo com sua disponibilidade e mediante sua autorização e indicação para o encontro, bem como, com seu consentimento para o uso do gravador. A entrevista foi composta por questões abertas, encorajando os participantes a expressarem as dimensões importantes acerca da sua atuação na comissão, seus sentimentos (12), valores, modos de ser e de agir nas vivências da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante, percebendo, assim, o significado atribuído pelos integrantes no processo de doação- -transplante. As informações obtidas nas entrevistas foram gravadas, transcritas, registradas, bem como validadas com os participantes do estudo. Durante o processo de análise, os dados foram organizados a fim de obter o desenvolvimento de um método para classificá-los e indexá-los. Posteriormente, convertidos em pré-categorias, ou seja, foi desenvolvido um esquema de classificação agrupando-se os dados semelhantes, com o intuito de facilitar a busca do significado e do entendimento mais profundo, permitindo melhor organização e controle do seu conjunto. Neste sentido, realizou-se a análise dos dados a partir da organização e da extração do seu significado na pesquisa, a qual exigiu uma atividade intensiva, o uso da criatividade e o resgate da sensibilidade para favorecer a interpretação dos achados (12). A análise dos dados conduziu as seguintes categorias: a compreensão do diagnóstico de morte encefálica 951
4 Cappellaro J, Silveira RS, Lunardi VL, Corrêa LVO, Sanchez ML, Saioron I como uma questão ética; e, aspectos éticos vivenciados pelos trabalhadores na relação estabelecida com a família. O estudo obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde, mediante parecer 63/09 da Universidade Federal do Rio Grande. Nossa! Se parar no meio do caminho reanima, tu ainda tens um potencial doador, ainda é possível aproveitar um rim, as córneas, reanima! Estas relações inter colegas, não digo eticamente complicadas, mas muitas vezes desnecessárias prova também, o desconhecimento do processo, do diagnóstico, da manutenção (Sujeito 2). Resultados Categoria 1: A compreensão do diagnóstico de morte encefálica como uma questão ética Categoria 2: Aspectos éticos vivenciados pelos trabalhadores de uma Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante na relação estabelecida com a família Um dos dilemas éticos que integra o processo de trabalho da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante refere-se à compreensão acerca do diagnóstico de morte encefálica. Em relação à morte encefálica várias vezes a gente escuta aquela famosa frase: Não sei por que estão levando um paciente morto para Unidade de Terapia Intensiva (Sujeito 2). A compreensão acerca da morte encefálica é o ponto chave porque é difícil para a equipe, é difícil para família (Sujeito 7). A compreensão acerca do diagnóstico de morte encefálica é necessária não só para os trabalhadores da saúde, mas principalmente para a família, pois a utilização de equipamentos para manter as condições clínicas do paciente em morte encefálica pode mascarar sua percepção acerca desse processo. A questão ética mais importante é a de trabalhar a morte encefálica, porque para uma família entender que o paciente está morto, mas que ele está respirando, com o coração batendo e ele está quentinho em cima da cama, é difícil, acho que até para nós profissionais às vezes (Sujeito 3). A dificuldade dos trabalhadores da saúde, de modo geral, em compreender o processo para a manutenção dos órgãos viáveis, em situações em que o paciente se encontra em morte encefálica, consiste num dos dilemas éticos mais presentes no fazer da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante. A nossa cintilografia é feita em outro local, depende de transporte se o paciente para no meio do caminho? Um dos dilemas éticos mais frequentes durante as atividades de captação e doação emerge da recusa familiar em doar os órgãos de pacientes com diagnóstico de morte encefálica. Um grande problema ético é o que fazer frente à recusa da família em doar. É um direito aceitar ou não, mas e aí, o que fazer? Eticamente, desligar, legalmente não, esse é o principal conflito ficar esperando alguém que está respirando, mas morto dentro da Unidade de Terapia Intensiva, enquanto posso perder outro paciente recuperável (Sujeito 2). Outra questão pertinente é quando a família não aceita a doação, o fato de desligar os aparelhos isto é uma questão ética extremamente complicada, então tem que saber diferenciar muito bem o que é morte encefálica de eutanásia, entender o processo (Sujeito 3). Quando a família nega a doação, só um dos médicos desliga os aparelhos quando está detectada a morte encefálica de acordo com a resolução médica, eles podem desligar os aparelhos (Sujeito 4). Uma das questões éticas mais difíceis de ser enfrentada diante do diagnóstico de morte encefálica, diz respeito à aceitação do familiar em doar e a sua mudança de opinião durante esse processo. Em relação à morte encefálica já diagnosticada e a recusa da família à doação tivemos aqui um caso de confusão em que os pais gostariam que desligassem os aparelhos porque eles já haviam preparado o enterro da criança e no último momento não quiseram mais doar os órgãos, o funeral já estava todo pronto e os médicos da Unidade de Terapia Intensiva disseram que não iriam desligar, aí não deu mais para entender nada, porque se tivesse doado o filho dele estaria morto e poderiam enterrar, e se não doasse, não estaria, e isso gerou grande confusão, foi meio trágico para nós (Sujeito 1). 952
5 Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante: questões éticas Discussão A compreensão do significado de morte encefálica é um dos fatores que mais influencia o processo de doação de órgãos, pois o processo de captação, transplante e doação de órgãos pode não advir da inexistência ou insuficiência de potenciais doadores, mas da dificuldade dos profissionais intensivistas (médicos e enfermeiros) em identificar um potencial doador ao desconhecerem a definição de morte encefálica (13). O diagnóstico de morte encefálica é pouco discutido entre os trabalhadores da saúde, mas encontra-se presente no contexto das unidades de terapias intensivas, por ser este o ambiente em que é possível reanimar uma pessoa em tal quadro clínico para que suas funções hemodinâmicas sejam mantidas, a fim de que se torne um potencial doador de órgãos (14). Apesar da definição do diagnóstico de morte encefálica ser competência da equipe de saúde responsável pelo potencial doador, alguns trabalhadores acreditam não haver necessidade legal de exames complementares para estabelecer o diagnóstico, ocasionando um conflito ético neste ambiente (13). Essa dificuldade de compreensão por parte dos trabalhadores requer conhecimentos técnico-científicos que envolvam o entendimento acerca do conceito de morte encefálica, da ressuscitação, do processo, do diagnóstico e da manutenção dos órgãos em condições viáveis (14). A compreensão do conceito de morte encefálica por parte da família é fundamental, pois geralmente as famílias só ouvem falar da temática quando seu familiar evolui para tal quadro, dificultando a sua aceitação, o que é um fato compreensível devido à complexidade que abarca tal situação clínica (15). Para alguns familiares, o paciente ainda é percebido como vivo, muito embora já diagnosticada a morte encefálica, uma vez que a condição do corpo quente em que o coração continua batendo e os pulmões continuam sendo insuflados e esvaziados em ritmo cadenciado, mantido funcionando artificialmente na Unidade de Terapia Intensiva, contrasta-se com a ideia do que seja um cadáver (16,7). O conhecimento limitado das pessoas em relação ao conceito de morte encefálica, associada à influência de ver o familiar apresentando uma aparência externa de vivo, com o coração batendo, e principalmente o corpo mantendo o seu calor, os movimentos respiratórios, cor saudável e com funcionamento de seus principais sistemas, dificulta a compreensão e/ou aceitação da morte encefálica e constituem grandes barreiras na autorização positiva para doação de órgãos. Afinal, a maioria das pessoas associa morte com parada respiratória e cardíaca, corpo imóvel e frio (6). Os conhecimentos acerca da necessidade de manutenção das funções hemodinâmicas dos potenciais doadores envolvem a compreensão do diagnóstico de morte encefálica, do processo de captação de órgãos para transplantes e ainda, da possibilidade de ressuscitação dos potenciais doadores. Compete à equipe de saúde responsável pelo paciente a realização do controle de todas as funções hemodinâmicas do possível doador. Deste modo, é imprescindível que os trabalhadores da saúde e, particularmente, da Unidade de Terapia Intensiva, possuam não só conhecimentos, mas interesse em favorecer a manutenção dos órgãos em condições viáveis (17). Para favorecer a manutenção dos órgãos em condições viáveis, é recomendado que todo potencial doador seja transferido à Unidade de Terapia Intensiva e, em caso de parada cardiorrespiratória, esta deve ser revertida conforme American Heart Association (18). Nesta perspectiva, a discussão acerca da possibilidade de manutenção da vida de um potencial doador é necessária no contexto dos trabalhadores da saúde, pois pode caracterizar um dilema ético quando esses possuem conflitos de valores e princípios acerca do conceito de morte encefálica (14). Além desse fator, outros fatores influenciam negativamente no processo de doação, dentre eles: desconhecimento do desejo do potencial doador (6-7), religiosidade (7), desejo em manter o corpo íntegro (7,19), manifestação do doador em vida contrária à doação (7) 953
6 Cappellaro J, Silveira RS, Lunardi VL, Corrêa LVO, Sanchez ML, Saioron I e indecisão familiar frente ao transplante (19). No que se refere aos aspectos éticos vivenciados pelos trabalhadores durante o processo de captação de órgãos, uma das maiores dificuldades relaciona-se à recusa dos familiares de potenciais doadores para a doação de órgãos e tecidos, pois essa consiste em uma grave problemática que contribui com a redução do índice de transplantes (6-7,19). Foi possível evidenciar, ainda, que a aceitação do familiar em doar diante do diagnóstico de morte encefálica e a posterior mudança de opinião durante o processo de captação de órgãos consiste num dos dilemas éticos mais difíceis de ser enfrentado pela equipe da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante. Essa condição é uma das vivências mais complexas destacadas pelos participantes desta pesquisa, pois esses não se sentem confortáveis em desligar os aparelhos ou se negam a fazê-lo, mesmo com apelo familiar, quando ocorre a mudança de opinião e esses decidem pela não doação dos órgãos e tecidos de seu parente, o que contextualiza um conflito ético. Tal questão coloca em cheque o diagnóstico de morte encefálica e a relação da sociedade com o corpo, perpetuando uma cultura de não aceitação da irreversibilidade das funções cerebrais, como morte do indivíduo, agravando, ainda, a relação de confiança estabelecida entre os profissionais de saúde e o público (14). A suspensão dos recursos não é eutanásia nem qualquer espécie de delito contra a vida, haja vista tratar-se de paciente morto e não terminal. O Conselho Federal de Medicina reconhece que a sociedade não está devidamente familiarizada com este tema, o que gera ansiedade, dúvidas e receios, mas que o mesmo deve ser enfrentado de modo compreensivo, humano e solidário (20). Os profissionais de saúde devem estar cientes de que o desligamento dos aparelhos está respaldado na legislação, frente à negação da doação dos órgãos. Desde outubro de 2007 é legal e ética a suspensão dos procedimentos de suportes terapêuticos quando determinada a morte encefálica em não doador de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante. Para tanto, o cumprimento da decisão deve ser precedido de comunicação e esclarecimento sobre a morte encefálica aos familiares do paciente ou a seu representante legal, fundamentada e registrada no prontuário, cabendo ao médico o cumprimento dessa resolução (20). Neste sentido, o trabalho desenvolvido pela equipe multidisciplinar que compõe a Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante é fundamental, tanto para favorecer o processo de identificação de possíveis doadores para captação e doação de órgãos, para implementar protocolos para realização de testes diagnósticos, comprovar a existência de morte encefálica e notificá-la, quanto para sensibilizar a família, reduzindo possíveis obstáculos para a efetivação de transplantes no Brasil. Considerações Finais No que se referem às questões éticas presentes no desempenho das atividades dos trabalhadores da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante, uma das maiores dificuldades consiste na compreensão do diagnóstico de morte encefálica do potencial doador. Outro fator é a recusa de doação, por parte da família, causando, consequentemente, o dilema ético entre manter ou não o potencial doador na Unidade de Terapia Intensiva. Tais situações geram um conflito ético, instigando o trabalhador a questionar-se sobre suas atitudes, valores e, a refletir sobre o seu fazer como membro de uma equipe da saúde e protetor de vidas. Diante de tais fatos, os trabalhadores podem embasar-se na Resolução nº 1826/2007, a qual considera legal e ética a suspensão dos procedimentos de suportes terapêuticos quando determinada a morte encefálica em não-doador de órgãos para fins de transplante. Acreditar e agir com atitudes éticas e solidárias no processo de doação; compreender e respeitar a autonomia das famílias em decidir sobre a doação é fundamental para um processo de captação efetivo, de 954
7 Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante: questões éticas modo a tornar essa experiência positiva tanto para a equipe de saúde como para os familiares. Portanto, a construção do conhecimento acerca das vivências de uma Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante contribuiu para se ter conhecimento e compreensão das atividades desenvolvidas pela mesma, bem como, das dificuldades existentes para constituí-la e mantê-la atuante e efetiva por períodos permanentes em um hospital. Neste sentido, a possibilidade de salvar vidas está relacionada ao empenho das equipes, ao seu comprometimento com o processo, conhecimento técnico e científico a cerca da morte encefálica, e, principalmente, com a sua sensibilidade para abordar os familiares. Tendo em vista a carência de estudos nesta área, acredita-se que este corpo de conhecimentos, seja importante para fomentar pesquisas qualitativas de outros trabalhadores na área de transplantes. Poderá resultar em benefícios potenciais ao conhecimento da enfermagem, a qualidade de vida dos trabalhadores, usuários, famílias, sociedade e a comunidade científica. Colaborações Cappellaro J, Silveira RS, Lunardi VL, Corrêa LVO, Sanchez ML e Saioron I contribuíram para todas as etapas e aprovação da versão final a ser publicada. Referências 1. Mendes KDS, Roza BA, Barbosa SFF, Schirmer J, Galvão CM. Transplante de órgãos e tecidos: responsabilidades do enfermeiro. Texto Contexto Enfermagem. 2012; 21(4): Domingos GR, Boer LA, Possamai FP. Doação e captação de órgãos de pacientes com morte encefálica. Enferm Brasil. 2010; 9(4): Freire SG, Freire ILS, Pinto JTJM, Vasconcelos QLDAQ, Torres GV. Alterações fisiológicas da morte encefálica em potenciais doadores de órgãos e tecidos para transplantes. Esc Anna Nery. 2012; 16(4): Santos MJ, Massarollo CKB. Factors that facilitate and hinder family interviews in the process of donating organs and tissues for transplantation. Acta Paul Enferm. 2011; 24(4): Ministério da Saúde (BR). Portaria GM/MS nº , de 23 de setembro de Determina a constituição de Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) em todos os hospitais públicos e filantrópicos com mais de 80 leitos. Disponível em: documentos/portaria_1752.pdf 6. Moraes EL, Massarollo MCKB. Reasons for the family members refuscal to donate organ and tissue for transplant. Acta Paul Enferm. 2009; 22(2) Dalbem GG, Caregnato RCA. Doação de órgãos e tecidos para transplante: recusa das famílias. Texto Contexto Enferm. 2010; 19(4): Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Entenda a doação de órgãos. Decida-se pela vida [internet]. Disponível em: abto.org.br/abtov02/portugues/populacao/ doacaoorgaostecidos/pdf/entendadoacao.pdf 9. Arcanjo RA, Oliveira LC, Silva DD. Reflexões sobre a comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos para transplantes. Rev Bioética. 2013; 21(1): Pessalacia JDR, Cortes VF, Ottoni A. Bioética e doação de órgãos no Brasil: aspectos éticos na abordagem à família do potencial doador. Bioética. 2011; 19(3): Silveira RS, Martins CR, Lunardi VL, Vargas MAO, Lunardi-Filho WD, Avila LI. A dimensão moral do cuidado em terapia intensiva. Ciênc Cuid Saúde. 2014; 13(2): Polit DF, Beck CT. Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas. In: Polit DF, Beck CT, organizadores. Fundamentos de pesquisa em enfermagem. 7ª ed. Porto Alegre- RS: Artmed; p Silva JRF, Silva MM, Ramos VP. Familiaridade dos profissionais de saúde sobre critérios de diagnósticos de morte encefálica. Enferm Foco. 2010; 1(3):
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