Aumento da lucratividade com a Produção mais Limpa do SENAI

Transcrição

1 Artigo Técnico Por Silvio Neto Pereira do Vale, Técnico de Ensino do CPC - Centro SENAI de Produção mais Limpa Aumento da lucratividade com a Produção mais Limpa do SENAI As organizações mundiais e brasileiras vêm se organizando para atender às legislações ambientais cada vez mais restritivas, bem como para manter a competitividade no mercado de forma sustentável. Mas, nesse processo, nem sempre os investimentos são feitos de forma estratégica. Algumas metodologias ora incrementam a produtividade de seus processos e serviços e não reduzem os resíduos, ora focam pouco ou isoladamente na sensibilização dos colaboradores e cidadãos que, se engajados, comprovadamente criam muitos benefícios ambientais e econômicos para as organizações e para o país. Sintonizado com esse cenário, em 2000, o Departamento Regional do SENAI de São Paulo realizou parceria com o Institute of Environmental Technology (FHBB) e com o Ministério de Economia da Suíça (SECO) para a capacitação de seus técnicos e estruturação do Centro de Produção mais Limpa da Escola. Essa iniciativa teve por objetivo a aplicação de metodologia que trabalhasse forte a educação ambiental, com foco na redução preventiva de resíduos na fonte, e que gerasse retorno econômico às empresas do estado de São Paulo. A ação também visava conscientizar as pessoas capacitadas sobre suas responsabilidades em relação ao melhor uso dos recursos do planeta, reduzindo desperdícios ou perdas de processo ainda que fosse um conceito que, por sua simplicidade, pudesse ser aplicável a qualquer ramo de atividade produtiva e ou de serviços. A metodologia escolhida foi a da produção mais Limpa (P+L) que, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), é a aplicação contínua de uma estratégia ambiental integrada e preventiva voltada a processos, produtos e serviços, com a finalidade de aumentar a eficiência e reduzir riscos aos seres humanos. Sendo assim, a implementação da metodologia de P+L pelo SENAI vem obtendo benefícios significativos, que apelidamos de resultados Eco + Eco (Ecológicos mais Econômicos). Outros resultados são a valorização da capacitação de grupos com perfis multifuncionais, como colaboradores do Departamento de Vendas, do Almoxarifado, da Expedição, do Departamento de Compras e da Produção, buscando aplicar de forma prática e integrada o conceito da metodologia com vistas à redução dos resíduos e dos desperdícios na fonte. Vale destacar que se considera como cadeia produtiva o tripé formado por: fornecedores, empresas e clientes. Simulação passo a passo para a obtenção dos resultados Eco + Eco, usando como exemplo o setor de impressão flexográfica Treinamento Para iniciar os trabalhos, visitamos a empresa para conhecer as particularidades dos processos (entradas e saídas), dos almoxarifados, da gestão dos resíduos, do processo e da expedição do produto, entre outros. Com o apoio de um colaborador da empresa, são registradas algumas fotos, principalmente aquelas relacionadas com os processos e seus resíduos. Essas imagens serão usadas para atribuir mais realismo ao treinamento e, invariavelmente, surpreender e facilitar o desenvolvimento das opções e ações de melhoria pelos colaboradores em suas atividades. O treinamento tem carga horária de 16 horas, sendo desenvolvido para, no máximo, 20 participantes. Muitas das oportunidades trabalhadas no primeiro treinamento são de conhecimento da maioria dos colaboradores, mas, por não serem quantificadas e vistas como oportunidades, não são tratadas no dia-a-dia pelo sistema de gestão da empresa. Principais produtos encontrados neste ramo de atividade da indústria gráfica e que podem produzir aparas em demasia: Rótulos e etiquetas Embalagens em papelão ondulado Embalagens flexíveis Outros O apelo ambiental da metodologia e a possibilidade de poder interferir nessas questões dentro da empresa com projetos de P+L proporcionam ao colaborador a oportunidade de contribuir para a preservação do planeta e isso é contagiante. Os temas discutidos no treinamento provocam debates saudáveis com a família, que também percebe que a metodologia pode resultar em benefícios econômicos e ambientais se aplicada em suas casas. A aplicação da produção mais limpa, em resumo, é boa para a empresa, para o colaborador e sua família e, principalmente, para o planeta. 56 Inforflexo > ABFLEXO/FTA-BRASIL

2 Sinteticamente, o treinamento é assim dividido: Sensibilização Na etapa inicial, por meio de exposição dialogada, são trabalhados os seguintes conteúdos: cenários produtivos, questões ambientais e sociais, conceito de meio ambiente, legislação ambiental e poluição, criação de valor com a P+L nas empresas gráficas, os 4Rs, classificação dos resíduos, conceito de P+L e ações ecoeficientes. A apresentação é ilustrada por um slide, que reforça o fato de que a desorganização gera desperdícios e estes são causadores da poluição. O efeito prático é que os colaboradores e cidadãos passam a ver o setor produtivo de forma bem diferente, pois percebem que qualquer tipo de sobra residual pode também criar um aspecto e potencialmente um impacto ambiental. Abaixo citamos alguns exemplos: resto de tinta que ficou na embalagem; produtos descartados por falta de qualidade; tinta descartada por erro na formulação; estopa utilizada na limpeza de respingos da tinta ou solventes; os Epis usados; produto químico que perdeu a validade sem ser usado; matéria-prima utilizada para o setup da máquina; material comprado inadequadamente; produto devolvido pelo cliente; copo plástico usado para beber água; embalagem de lanche; resto de alimentos deixados na bandeja; poça de óleo que vazou de um caminhão de entrega, fornecedor ou cliente. Inforflexo > ABFLEXO/FTA-BRASIL 57

3 Artigo Técnico Durante o treinamento, todos esses fatores são trabalhados integradamente por serem poluentes potenciais e o colaborador ou cidadão agora percebe que o desperdício é uma péssima prática e que, muitas vezes, está em suas mãos a responsabilidade de fazer alguma coisa para saná-lo ou reduzi-lo dentro da empresa. Os resíduos, geralmente, são resultados de uma porcentagem da matéria-prima que foi comprada para ser transformada em produto, mas, dependendo da sua classificação, manuseio e segregação, poderão criar custos para o seu descarte correto e ou disponibilizado para reciclagem a preços baixos. A seguir, imagem dos 4Rs ações para reduzir resíduo. Na prática, a empresa gráfica recebe paletes dos fornecedores e muitas vezes os descarta e compra outro, exatamente igual, para colocar na produção. Em nossos Cases de P+L mostramos como é possível reduzir a compra de vários paletes com a implantação do reúso ou pequenas adequações dos paletes dos fornecedores. Este tipo de opção reduz o uso de recursos naturais e possibilita para a empresa gráfica o benefício de alguns bons mil reais, sem dúvida. A produção mais limpa pode ser implementada por diversas ações alternativas no setor gráfico, como: Housekeeping A empresa ganha em organização, qualidade e produtividade. Segregação de resíduos Resíduos misturados podem criar contaminações, encarecer a destinação final e acarretar perda de valor em uma possível venda. Mudanças de materiais de entrada Os fornecedores de produtos para o setor gráfico lançam, diariamente, novo produto ou material, muitas vezes menos tóxicos. Cabe às empresas atenção a alguns detalhes, como, por exemplo, utilização de tintas à base de água e não de solventes. Mudança de processo Mesmo em máquinas de flexografia mais avançadas, sempre haverá a necessidade de algumas intervenções do operador, que poderá propor alternativas para otimizar a produtividade dessas máquinas. Controle de processo Os controles operacionais sempre podem ser melhorados ou substituídos por novas tecnologias ou novos sistemas de acompanhamento. Reciclagem ou reúso interno O objetivo não é gerar resíduo para ter que reusar, mas essa é uma opção que não pode ser descartada. Algumas vezes a geração de resíduo é inevitável, por isso é imprescindível que haja avaliação no planejamento e controle de processo. Produção de subproduto a partir de resíduos Em qualquer processo é inevitável a geração de algum resíduo, porém, uma visão integrada ambiental do processo pode transformar problema em solução. Modificação no produto Muitos produtos vêm sofrendo, durante a sua existência, mudanças no design para atender ao conceito de sustentabilidade ambiental. Diagnóstico No decorrer do treinamento, os participantes são divididos em equipes para elaborar o fluxograma de um processo por eles selecionado no intuito de definir suas entradas e saídas, incluindo a energia elétrica, água, vapor e ar comprimido. Nesta etapa, os colaboradores e cidadãos muitas vezes têm dificuldade de visualizar todo o processo, por isso solicitamos que os participantes tragam todo tipo de informação para facilitar este momento do treinamento. Cada colaborador deve ser responsável por todo o processo produtivo da empresa, desde o recebimento da matéria-prima do fornecedor à expedição do produto final, não só pelo setor ou processo em que atua. EXEMPLO DE PARTE DO FLUXO DE PROCESSO DE FLEXOGRAFIA Entradas Processo Saídas (sólidos, líquidos e gasosos) Suportes (papel ou plástico) Tintas e Solventes Lâminas de estilete Toalha industrial Fita dupla-face Fita adesiva Clichê de fotopolímero Luva de látex Espátula de plástico Vedação (feltro + borracha) Lâmina raspadora Impressão Os produtos, aparas recicláveis e tubetes Resíduo de tinta, solvente e embalagens (emissões atmosféricas) Lâminas de estiletes quebradas Resíduo de fita dupla-face Resíduos de fita adesiva Clichê de fotopolímero Luva de látex danificada Espátula de plástico danificada Vedação desgastada Lâmina raspadora com desgaste Fonte: Parte do Fluxo do processo de flexografia cedido pela Escola SENAI Theobaldo de Nigris Balanço Material Inforflexo > ABFLEXO/FTA-BRASIL

4 Balanço material O balanço material também depende de informações e, quando não as temos em mãos, incentivamos os colaboradores/cidadãos a fazer os levantamentos, segundo suas percepções, deixando para confirmá-las depois. De 100% dos materiais e insumos que entram, os mesmos 100% saem fragmentados em produto, resíduo, emissão ou efluentes. Com o fluxograma pronto, os colaboradores/cidadãos são orientados a avaliá-lo, buscando identificar os materiais, resíduos tóxicos e quantidades criadas na saída, podendo definir as primeiras oportunidades de redução de desperdícios e de resíduos na fonte. Quando se trabalha com vários processos é interessante identificar qual deles terá o maior potencial de retorno. Para isso existe ferramenta (planilha) que, depois de preenchida, cria um gráfico do potencial ambiental e econômico dos processos, conforme figura a seguir: Vale observar: o processo que estiver mais próximo ao quarto quadrante indica o potencial ambiental e econômico maior. Definido o processo mais rentável, a Equipe passa a enfatizá-lo, visando trabalhá-lo para a apresentação no final do treinamento. Inforflexo > ABFLEXO/FTA-BRASIL 59

5 Artigo Técnico Síntese Usando como exemplo o fluxograma (anterior), é possível refletir a respeito das quantidades de resíduos tóxicos, identificando possibilidades de substituição ou redução do uso. Posteriormente, é possível analisar as causas de geração das aparas boa parte dessa matéria-prima deveria ser somada à quantidade dos produtos prontos. Outra observação que pode ser feita com base no fluxograma é sobre os desgastes das lâminas raspadoras e das vedações, assim com suas conseqüências, na geração das aparas. Com o conhecimento dos processos produtivos e com a análise do fluxograma, a Equipe dá início ao Brainstorming. Após análise e identificação das causas da geração dos resíduos encontrados, são definidas algumas ações para reduzi-los na fonte. No gráfico seguinte, a partir de nossas experiências, é possível identificar em que ponto estão as melhores oportunidades para aplicação da produção mais limpa, nos vários segmentos, de forma genérica: Avaliação Como qualquer outra metodologia, também é utilizado o PDCA para avaliar as opções implementadas. Assessoria após o treinamento de P+L Muitas empresas optam por contratar mais 30 horas de assessoria do SENAI, visando ajudar as equipes a finalizar as apresentações de seus projetos. Neste momento, incentivamos que os próprios colaboradores/cidadãos façam esta apresentação a uma Diretoria ou Gerência, pois acreditamos que esses momentos criam forte motivação por ser a oportunidade de cada um mostrar sua competência técnica, seu nível de aprendizado da metodologia e, principalmente, seu valor como cidadão. Cabe lembrar que durante as visitas de assessoria melhoramos os valores das opções. A seguir, exemplo do slide de apresentação de case de P+L, considerando o reúso de paletes e reciclagem de papelão que pode ser usado como referência para as empresas obterem os primeiros benefícios ambientais e econômicos. Oportunidades de melhoria Melhores Controles do Processo 57% Modificação da Tecnologia Produtiva 2% 5S e/ou Housekeeping 27% Substituição de Materiais 7% Modificação do Equipamento 7% Implementação As ações listadas pela equipe são analisadas, conforme as alternativas práticas da metodologia de P+L e sob a visão técnica da Equipe. Após análise e descrição das alternativas, a equipe, com base na sua vivência na empresa, define as opções que serão implementadas a curto, médio e longo prazo ou até mesmo aquelas que podem ser descartadas que não estão em conformidade com a sistemática da empresa ou demandam um período de retorno muito longo. Nesta fase, a equipe prioriza as ações identificadas e descreve o plano de ação para implementá-las, definindo indicadores de monitoramento e as vantagens e desvantagens econômicas, ambientais, técnicas e organizacionais. Feitos os cálculos e as considerações, no final das 16 horas do treinamento, as equipes apresentam para o Gerente o que foi trabalhado e os benefícios provenientes da aplicação da metodologia. O site da Fiesp ( disponibiliza Guias Técnicos de produção mais limpa para aplicações nos distintos segmentos produtivos, que constituem preciosa fonte de informações e orientação para técnicos das indústrias. Silvio Neto Pereira do Vale é Bacharel em Direito pela Universidade de Guarulhos, capacitação em Produção mais Limpa no Brasil pela FHBB (Institute of Environmental Technology Basel Suíça) e Auditor Líder NBR ISO pela Batalas Limited. Integra a equipe de técnicos do Centro SENAI de Produção Mais Limpa e desenvolve há cinco anos treinamentos e assessorias em Produção Mais Limpa na área gráfica e empresas de outros segmentos. 60 Inforflexo > ABFLEXO/FTA-BRASIL

6 ASSINE A REVISTA INFORFLEXO E FIQUE POR DENTRO DE TUDO O QUE ACONTECE NO MERCADO Tel.: (11) abflexo@ablexo.org.br Inforflexo > ABFLEXO/FTA-BRASIL 61