Tony Carreira O HOMEM QUE SOU

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Tomás Esteves
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1 O HOMEM QUE SOU

2 Tony Carreira O HOMEM QUE SOU

3 Início de espetáculo Tenho das fãs mais fiéis que existem. Muitas delas percorrem quilómetros de carro ou de avião para me verem num espetáculo.

4 Atuei em mais de dois mil espetáculos. No início da minha carreira, dentro ou fora do palco, não éramos mais do que um punhado de pessoas. Agora, no jantar que habitualmente nos reúne horas antes do concerto, já é preciso uma longa mesa corrida para acolher músicos, cantoras, técnicos, motoristas... Se olhar em redor, encontro na minha equipa rostos que me acompanham há mais de 25 anos. Gente que está comigo quase desde o começo da minha vida artística. Pessoas que sabem, melhor do que ninguém, que após uma refeição descontraída, após uma confraternização entre colegas e amigos, irá seguir-se um momento em que todos teremos de dar o nosso melhor. Ao jantar ainda há tempo para conversar e rir. Comemos numa descontração e amizade que depois se nota em palco. Por vezes, jantam à minha frente alguns repórteres ou convidados especiais. Costumam fazer-me muitas perguntas. Querem ouvir histórias de quem anda na estrada a dar espetáculos. E eu gosto de contar- -lhes essas histórias. Como só bebo água antes dos espetáculos, quando pego no meu copo há sempre uma que me vem à mente. Em palco, tornou-se um hábito dar um gole numa garrafa de água e atirá-la para alguém na assistência. São as fãs que o pedem. Tal como esperam que eu tire a gravata e a atire para o meio da plateia. Acho piada a estes gestos que se tornaram marcas nos meus espetáculos, mas que também me colocam um sério problema: todas [ 12 ]

5 as fãs merecem receber a garrafa, ou a gravata, e eu tenho de escolher uma delas. Há muitas fãs que se tornaram familiares, de tantos concertos meus em que já estiveram. Brinco bastante com algumas delas. Costumava meter-me com uma fã mais idosa, dizendo-lhe que um dia me atiraria a ela. Ríamo-nos ambos do disparate. Tínhamos trocado números e, tal como também acontece às vezes, o meu telemóvel pôs-se a fazer chamadas sem eu dar conta. Da primeira vez, descobri a tempo de pedir desculpa à minha fã, dizendo-lhe que fora engano. Mas quando a cena se repetiu, limitei-me a desligar a chamada, por achar que ela já não acreditaria que tinha sido um ato involuntário. E era verdade. Quando a senhora encontrou um amigo comum, pegou-lhe no braço e disse: «Diz lá ao Tony que não precisa de ficar calado ao telefone. Ele que fale e diga o que quer!» O reencontro com a fã deu-se num concerto em que, por acaso, o Mickael também estava presente. Como ele conhecia a história, resolveu meter-se com a senhora. Chegou perto da minha fã e fez-lhe um gesto de garras afiadas junto à cara. Grrrrr. «Assim é demais!», disse ela. «Já era o pai, agora é o filho...» Ainda nos rimos do episódio, sempre que nos revemos. Tenho das fãs mais fiéis que existem. Muitas delas percorrem quilómetros de carro ou de avião para me verem num espetáculo. Sinto a pressão de me apresentar sempre na melhor forma. Elas merecem tudo. Gosto de me preparar com calma. Ao jantar, sou o primeiro a sair da mesa e a dirigir-me, juntamente com os meus assistentes, para o local do concerto. Entramos pela porta dos artistas e seguimos até aos camarins, geralmente numa zona reservada, longe da confusão da entrada, distante da sala que se vai enchendo a conta-gotas. Mas, para mim, o camarim não é nenhum refúgio. É a minha sala de estar, onde recebo visitas de fãs, amigos, jornalistas. Pelo meio das conversas, das anedotas, das histórias, faço os meus exercícios vocais ou pego na guitarra para relembrar uns acordes. Ao aproximar-se a hora do espetáculo, o corredor do camarim [ 13 ]

6 vai-se esvaziando. E eu aproveito para descer até aos bastidores do palco, para espreitar por detrás da cortina e ver como é que a sala se está a compor. Está na altura dos últimos preparos. É-me impossível ter a noção exata da quantidade de horas que já passei a arranjar-me em frente aos espelhos dos camarins. Anos e anos de convivência direta com a minha imagem refletida. Anos e anos a aplicar o corretor e a base masculinos que disfarçam os indícios da passagem do tempo. Realço o sinal junto ao nariz com um lápis negro. Mais um café, mais um exercício vocal, mais um cigarro. Sei que não deveria fumar. Várias vezes pensei em parar, por ter a noção de que faz mal à saúde, mas na verdade nunca fiz uma verdadeira tentativa. Não sou perfeito. Procuro confortar-me nos sons dos músicos e do coro a ensaiarem no camarim ao lado. Gosto da ideia de que, dali a uns minutos, eles vão estar comigo em palco. Apronto-me quando os vejo, já vestidos a rigor, a caminharem pelo corredor em direção ao palco. Só no último momento, conforme a disposição, é que escolho a minha indumentária. Percorro as camisas e os casacos pendurados no charriot e separo a roupa para a primeira e para a segunda parte do concerto. Troco de calças. Sento-me e descalço os ténis do dia-a-dia para calçar os sapatos dos espetáculos. Dispo a camisa e vejo-me em tronco nu. Gente da minha confiança ajuda-me a colocar o fio do auricular e segura-me a camisa para eu enfiar os braços. Aperto os botões da camisa. Quase pronto. Uns borrifos de perfume. Mais umas passas no cigarro. Mais uma piada, mais um exercício de voz, mais um jeito no cabelo. Acerto o relógio de pulso. Já se escreveu que rezo, que bebo chá de pétalas de rosa, que tenho mil e uma superstições antes de entrar em palco. Não tenho. Só preciso agora de um minuto a sós, de porta fechada. Um minuto em que sou só eu e o espelho. Eu e o espelho. Ao abrir a porta do camarim, já de blazer vestido, e começar a dirigir-me para o palco, sou inundado por uma crescente sen- [ 14 ]

7 sação de medo. Por mais espetáculos que dê, este medo nunca passa. É um medo visceral de não agradar ao público. De não estar à altura do que esperam de mim. Por mais sucessos que acumule, parece que nunca deixo de ser o rapaz tímido que um dia sonhou ser cantor. Tudo aquilo que sou, Um menino sonhou E hoje eu vivo Vivo a vida que eu sempre quis, A vida que eu escolhi in «A Vida Que Eu Escolhi» [ 15 ]

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