ASPECTOS CLÍNICOS E NUTRICIONAIS DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN: UMA REVISÃO DE LITERATURA
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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE NUTRIÇÃO ASPECTOS CLÍNICOS E NUTRICIONAIS DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN: UMA REVISÃO DE LITERATURA POLYANA ALBANO NÓBREGA NATAL/RN 2017
2 POLYANA ALBANO NÓBREGA ASPECTOS CLÍNICOS E NUTRICIONAIS DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN: UMA REVISÃO DE LITERATURA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito final para obtenção do grau de Nutricionista. Orientadora: Prof a. Dr a. Ursula Viana Bagni NATAL/RN 2017
3 POLYANA ALBANO NÓBREGA ASPECTOS CLÍNICOS E NUTRICIONAIS DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN: UMA REVISÃO DE LITERATURA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito final para obtenção do grau de Nutricionista. BANCA EXAMINADORA Prof. a Dr. a Ursula Viana Bagni Orientadora Prof. a Dr. a Marcia Marilia Gomes Dantas Lopes 2 Membro Prof. Msc. Marcos Felipe Silva de Lima 3 Membro Natal, 14 de Novembro de 2017.
4 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pois é dele que vem toda força e coragem necessárias para que eu possa enfrentar os obstáculos provenientes dessa longa caminhada. Obrigada meu Deus, por guiar meus passos e me provar que sempre está ao meu lado em qualquer circunstância. Sem tua presença em minha vida, eu nada seria! À minha família, em especial aos meus pais, exemplos de amor, dedicação, cumplicidade e tantos outros valores. Obrigada por todo o apoio e incentivo em cada passo que trilhei até aqui, por me encorajarem a não desistir no primeiro obstáculo encontrado e por me mostrarem que sou capaz mesmo quando acho que não sou. À minha professora e orientadora Ursula Viana, por me dar a chance de participar de um dos seus projetos de pesquisa (mesmo que tenha sido por tão pouco tempo). Quero que saiba que fiquei muito grata. Obrigada também por ter aceitado ser minha orientadora de TCC, mesmo já com tantas atribuições, pela paciência, dedicação e conhecimento transmitido. E a todos que direta ou indiretamente contribuíram com a minha caminhada. Peço carinhosamente a Deus que os abençoe e ilumine os caminhos de cada um!
5 NÓBREGA, Polyana Albano. Aspectos clínicos e nutricionais de pessoas com síndrome de Down: uma revisão de literatura f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Nutrição) Curso de Nutrição, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RESUMO A síndrome de Down (SD) é uma condição genética caracterizada pela presença de uma cópia extra do cromossomo 21 nas células do indivíduo. Essa condição leva ao indivíduo a apresentar uma série de características específicas, onde o acompanhamento nutricional mostra-se como uma das principais ferramentas de auxílio na qualidade de vida desse portador. Em virtude do aumento na oferta de serviços voltados a essa população, a expectativa de vida das pessoas com SD tem aumentado de forma considerável nos últimos anos. Entretanto, a inexistência de alguns parâmetros de avaliação nutricional específicos para esse grupo dificulta a avaliação e a intervenção nutricional adequada a essas pessoas. Com isso, o objetivo do presente estudo foi, por meio de uma revisão de literatura, descrever os principais problemas de saúde e distúrbios nutricionais que acometem pessoas com SD, como déficit mental, alterações no processo de crescimento, cardiopatias, problemas relacionados à alimentação, infecções e doenças autoimunes, distúrbios da tireoide, envelhecimento precoce, incapacidade física e excesso de peso. Identificando também as ferramentas de avaliação nutricional mais apropriadas para este grupo populacional, como o uso de curvas de crescimento específicas. Pôde-se concluir que em virtude de uma maior predisposição genética, o indivíduo com SD torna-se mais vulnerável ao surgimento de problemas de saúde e distúrbios nutricionais. É importante ressaltar que novas curvas de crescimento específicas para este grupo já foram estabelecidas, juntamente com as primeiras curvas específicas de IMC para idade. Porém, faz-se necessário o estabelecimento de pontos de corte para dobras cutâneas e perímetros corporais, assim como critérios diagnósticos de exames laboratoriais específicos e validação de um instrumento de avaliação do consumo alimentar para este grupo. Onde, juntamente aos demais parâmetros de avaliação nutricional poderão auxiliar os profissionais a estabelecer o diagnóstico nutricional desses indivíduos de forma mais precisa, para que possam intervir com uma terapia nutricional mais adequada. Descritores: síndrome de Down; trissomia do cromossomo 21; fisiopatologias na síndrome de Down; estado nutricional; cuidado nutricional; antropometria; consumo alimentar; exames laboratoriais; semiologia.
6 NÓBREGA, Polyana Albano. Aspectos clínicos e nutricionais de pessoas com síndrome de Down: uma revisão de literatura f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Nutrição) Curso de Nutrição, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, ABSTRACT Down syndrome (DS) is a genetic condition characterized by the presence of an extra copy of chromosome 21 in the individual s cells. This condition leads the individual to present a series of specific characteristics, where nutritional monitoring is one of the main tools to help the patient's quality of life. Due to the increase in services offered to this population, the life expectancy of people with DS has increased considerably in recent years. However, the lack of some specific nutritional assessment parameters for this group makes it difficult to evaluate and adequate nutritional intervention to these people. Thus, the objective of the present study was, through a literature review, to describe the main health problems and nutritional disorders that affect people with DS, such as mental deficits, changes in the growth process, heart disease, food-related problems, autoimmune infections and diseases, thyroid disorders, premature aging, physical disability, and being overweight. It also identifies the nutritional assessment tools most appropriate for this population group, such as the use of specific growth curves. It could be concluded that because of a greater genetic predisposition, the individual with DS becomes more vulnerable to the emergence of health problems and nutritional disorders. It is important to note that new growth curves specific to this group have already been established, along with the first specific BMI curves for age. However, it is necessary to establish cutoff points for skin folds and body perimeters, as well as diagnostic criteria for specific laboratory tests and validation of a food consumption assessment instrument for this group. Where, together with the other parameters of nutritional evaluation, they can help professionals to establish the nutritional diagnosis of these individuals more precisely, so that they can intervene with a more adequate nutritional therapy. Key words: Down syndrome; chromosome 21 trisomy; Down pathophysiology; nutritional status; nutritional care; anthropometry; food consumption; laboratory tests; semiology.
7 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO OBJETIVOS OBJETIVO GERAL OBJETIVOS ESPECÍFICOS METODOLOGIA REVISÃO DA LITERATURA DEFINIÇÃO E HISTÓRICO DA SÍNDROME DE DOWN CLASSIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO PROBLEMAS DE SAÚDE E DISTÚRBIOS NUTRICIONAIS MAIS FREQUENTES E SEUS FATORES DETERMINANTES Déficit mental Problemas de crescimento e desenvolvimento Cardiopatias Infecções e doenças autoimunes Tireoidopatias Déficit de zinco Envelhecimento precoce Hipotonia muscular Sobrepeso e obesidade FERRAMENTAS PARA AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS... 35
8 7 1. INTRODUÇÃO A síndrome de Down (SD) é uma variação genética caracterizada pela presença de uma cópia extra do cromossomo 21 nas células, acarretando alterações no desenvolvimento motor, físico e intelectual do indivíduo. Esta deficiência pode se manifestar de três formas distintas: por não disjunção simples, responsável por cerca de 95% dos casos; translocação do cromossomo 21, a qual acomete cerca de 4% dos casos e, por mosaicismo do cromossomo 21, que atinge cerca de 1% dos casos (GORLA et al, 2011). Apresenta uma ocorrência mundial de 1 a 2 casos para cada 1000 nascidos vivos (WHO, 2003). Dados epidemiológicos brasileiros revelam a incidência de 1 criança com SD para cada 600 nascidos vivos (GORLA et al, 2011), existindo atualmente cerca de 270 mil pessoas com SD no país (BRASIL, 2012). Estudos recentes mostram a variação na prevalência mundial, de 6,1 a 13,1 casos de SD por pessoas (BERTAPELLI et al, 2017). A expectativa de vida das pessoas com SD tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas em virtude do desenvolvimento de pesquisas e ofertas de serviços voltados a essa população (BERTAPELLI et al, 2017). Ademais, quando incentivados de forma satisfatória, os indivíduos com SD possuem capacidade para uma vida saudável e para uma completa inserção na sociedade (BRASIL, 2013). A presença do cromossomo extra no vigésimo primeiro par de cromossomos determina características específicas e o retardo no desenvolvimento da pessoa com SD (BRASIL, 2013). As manifestações fenotípicas mais comuns nestas pessoas são: baixa estatura, características faciais específicas, malformações congênitas e comprometimento intelectual. Além disso, outras condições relacionam-se à SD, dentre elas, doença cardíaca congênita, distúrbios da tireoide, doenças infecciosas, déficits de visão e/ou audição, leucemia na infância, obstrução respiratória alta, demência precoce (doença de Alzheimer) e doença celíaca (CDC, 2009). Outra situação frequente nas pessoas com a SD é a obesidade, na qual tem uma prevalência superior à população sem a síndrome (MARTIN; MENDES; HESSEL, 2011). A ocorrência de excesso de peso eleva o risco do surgimento de diversas alterações metabólicas e funcionais, tais como hipertensão arterial, diabetes Mellitus e doenças cardiovasculares,
9 8 reduzindo assim a expectativa de vida desta população (SILVA; SANTOS; MARTINS, 2006). Em virtude da saúde da população com SD receber influência de fatores intrínsecos e extrínsecos, e este grupo geralmente possuir um estilo de vida menos ativo em relação à população sem a deficiência, acarretando prejuízos à saúde e à autonomia desses indivíduos, o trabalho dos profissionais da saúde deve ser voltado à promoção de estilos de vida saudáveis, não apenas a nível individual, mas também no âmbito familiar (BRASIL, 2013). Diante do exposto, tendo em vista as características metabólicas que fazem os indivíduos com SD mais vulneráveis, bem como a escassez de estudos na literatura que abordem a avaliação nutricional dessas pessoas, o presente estudo faz-se necessário, visto que a avaliação nutricional, através da aplicação de ferramentas adequadas de avaliação nutricional para esse grupo, possui relevante importância para identificar e prevenir os fatores de risco para o desenvolvimento das complicações associadas à SD, bem como promover saúde a estes indivíduos.
10 9 2. OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Descrever o perfil clínico-nutricional de pessoas com síndrome de Down, identificando as ferramentas de avaliação nutricional mais apropriadas para este grupo populacional. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Apresentar os principais problemas de saúde e os distúrbios nutricionais; Indicar os principais aspectos a serem enfocados na avaliação do consumo alimentar; Apontar as ferramentas de avaliação antropométrica mais apropriadas para este grupo, bem como os pontos de corte existentes; Relatar aspectos que devem ser investigados prioritariamente na semiologia nutricional; Sinalizar os exames laboratoriais mais oportunos para a avaliação do estado nutricional, bem como os pontos de corte existentes.
11 10 3. METODOLOGIA O presente trabalho caracteriza-se como uma revisão de literatura narrativa. A busca bibliográfica foi realizada entre os meses de agosto a novembro do ano de 2017, nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online (Scielo), Centro Latino-americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Public Medline (PubMed), tendo sido consultadas também as listas de referências dos artigos encontrados. Foram incluídos no total 45 artigos nas línguas portuguesa e inglesa. O ano de publicação não foi utilizado como filtro para seleção dos artigos, exceto no trecho referente à prevalência dos distúrbios nutricionais na SD, em que se utilizaram apenas documentos publicados nos últimos dez anos. Foram utilizados como descritores os seguintes termos em português (e seus respectivos correspondentes em inglês): síndrome de Down (Down Syndrome), trissomia do cromossomo 21 (trisomy 21), fisiopatologias na síndrome de Down (Down Syndrome physiopathology), estado nutricional (nutritional status), cuidado nutricional (nutritional care), antropometria (anthropometry), consumo alimentar (food consumption), exames laboratoriais (laboratory tests), semiologia (semiology). As expressões de pesquisa foram construídas combinando-se os descritores ou utilizando-os de forma isolada.
12 11 4. REVISÃO DA LITERATURA 4.1 DEFINIÇÃO E HISTÓRICO DA SÍNDROME DE DOWN A síndrome de Down (SD) representa a mais antiga causa genética de deficiência cognitiva conhecida e pode ser considerada uma anomalia cromossômica constante na população (SILVA et al, 2009). É caracterizada pela cópia total ou parcial do material genético do cromossomo número 21 (BRAVO-VALENZUELA; PASSARELLI; COATES, 2011). Por ser uma das causas mais frequentes de déficit intelectual, a SD abrange cerca de 18% do total de deficientes intelectuais que frequentam centros de reabilitação e instituições educacionais especializadas no Brasil (GUSMÃO; TAVARES; MOREIRA, 2003). A primeira descrição clínica da SD foi feita em 1866 pelo pediatra inglês John Langdon Down, o qual publicou um estudo descritivo que classificava um grupo de indivíduos de acordo com seu fenótipo. Todos aqueles que possuíam fissura palpebral oblíqua, nariz plano, baixa estatura e déficit intelectual, foram considerados pertencentes a este grupo que o mesmo denominou como idiotia mongólica, uma vez que suas características faciais são semelhantes às da raça mongólica. Com isso, esse conjunto de sinais e sintomas passou a ser chamado de SD, em reconhecimento a John Down (BRASIL, 2013). Em 1959, Lejeune foi o responsável por descrever a causa dessa síndrome: as três cópias do cromossomo 21 (BRAVO-VALENZUELA; PASSARELLI; COATES, 2011). A SD pode ocorrer de três formas: por trissomia livre ou não disjunção cromossômica (responsável por 95% dos casos), que ocorre de forma casual e todas as células são constituídas por 47 cromossomos, apresentando um cromossomo extra livre no vigésimo primeiro par de cromossomos; por trissomia por translocação ou rearranjo cromossômico com ganho de material genético (3% a 4% dos casos), que pode ser herdada pelos pais ou ocorrer de forma casual, onde o cromossomo extra fica aderido a outro cromossomo, sendo os cromossomos envolvidos nesse caso o 14 e o 21; ou pode ser ainda por mosaicismo, (1% a 2% dos casos), que também ocorre eventualmente, logo nas primeiras divisões celulares e apenas em parte das células do indivíduo, onde este apresentará duas linhagens celulares, uma normal com 46 cromossomos e outra com 47 cromossomos mais o cromossomo 21 extra livre (BRASIL, 2013). Ainda não se sabe exatamente as causas que podem levar ao nascimento de um bebê com a SD. É comum os bebês com SD nascerem antes do previsto (cerca de 7 a 10 dias
13 12 antes), geralmente apresentando reflexos alterados, o peso e o comprimento relativamente inferiores aos de uma criança sem a síndrome, tônus muscular pobre e sua força e coordenação muscular limitadas (FREIRE et al, 2014). A idade materna avançada, acima de 35 anos, é um fator de risco fortemente associado à deficiência (GUSMÃO; TAVARES; MOREIRA, 2003). Porém, essa ocorrência pode variar com o avançar da idade materna, chegando a atingir 1 a cada 30 nascidos vivos em mães com idade acima de 45 anos (VILAS BOAS; ALBERNAZ; COSTA, 2009). A idade paterna avançada também vem sendo associada ao aumento da ocorrência de trissomias como a SD (ZHU et al, 2005). É importante destacar que crianças de mães jovens não estão isentas de nascer com a síndrome (FREIRE et al, 2014). Por outro lado, complicações no decorrer da gestação como crises emocionais, traumas mecânicos ou uso de drogas não representam influência para o desenvolvimento da síndrome, visto que esta é de natureza genética (PRADO et al, 2009). 4.2 CLASSIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO Na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) a SD recebe o código Q 90, pois está classificada no capítulo Q00 - Q99 que aborda as malformações, deformidades e anomalias cromossômicas. Como a SD requer um acompanhamento clínico contínuo, é recomendável que além do uso da CID, faça uso também da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), uma vez que esta é complementar à CID, pois descreve a saúde e os estados que se relacionam com a saúde, enquanto que a CID possui seu foco apenas na patologia e suas associações. Dessa forma, o uso de ambas as classificações em conjunto possibilita a compreensão do estado de saúde do individuo de forma mais ampla, facilitando a definição de um plano terapêutico (BRASIL, 2013). O diagnóstico da SD pode ser realizado ainda na fase intrauterina através do rastreamento ultrassonográfico, ou de forma mais precisa por meio de exames invasivos, como a amniocentese clássica, entre a 16 e 20 semanas, ou pela biópsia do vilo corial, entre a 10 e 12 semanas (FREIRE et al, 2014). Além desses exames, o diagnóstico laboratorial também pode ser feito através do cariograma ou cariótipo (BRASIL, 2013). Os testes de cariótipo, realizados nos primeiros meses de gestação, no feto, permitem a identificação da SD na criança (GORLA et al, 2011). Esse teste consiste na análise genética dos cromossomos presentes no núcleo celular do indivíduo. Como na SD há a presença de um cromossomo 21 a mais e esta deficiência, como já mencionado anteriormente,
14 13 pode ocorrer de três formas distintas, este cromossomo extra pode ser descrito no exame de cariótipo das seguintes formas: 47,XX + 21 para o sexo feminino e 47,XY + 21 para o sexo masculino (quando a SD é decorrente de uma trissomia simples); 46, XX, t(14;21)(14q21q) para sexo feminino e 46,XY, t(14;21)(14q21q) para sexo masculino (no caso de uma translocação); e duas linhagens celulares, uma com 46 cromossomos e uma com 47 mais o cromossomo 21 extra livre (derivado de um mosaicismo) (BRASIL, 2013). Caso o diagnóstico não seja feito no período pré-natal, é possível identificar os bebês com SD logo após seu nascimento, por meio do diagnóstico clínico (FREIRE et al, 2014). O diagnóstico clínico consiste na análise das características físicas do indivíduo. Não é necessário todas as características inerentes da SD se fazerem presentes no indivíduo para que este seja diagnosticado com a síndrome, entretanto, a presença de apenas uma característica não confirma o diagnóstico, uma vez que uma parcela da população pode apresentar pelo menos uma dessas características. Para isso, quanto mais características intrínsecas da SD forem observadas no indivíduo, maior a convicção do diagnóstico clínico (BRASIL, 2013). De acordo com as Diretrizes de atenção à pessoa com SD (2013, p.15), o fenótipo da SD se caracteriza por: Pregas palpebrais oblíquas para cima, epicanto (prega cutânea no canto interno do olho), sinófris (união das sobrancelhas), base nasal plana, face aplanada, protusão lingual, palato ogival (alto), orelhas de implantação baixa, pavilhão auricular pequeno, cabelo fino, clinodactilia do 5º dedo da mão (5º dedo curvo), braquidactilia (dedos curtos), afastamento entre o 1º e o 2º dedos do pé, pé plano, prega simiesca (prega palmar única transversa), hipotonia, frouxidão ligamentar, excesso de tecido adiposo no dorso do pescoço, retrognatia, diástase (afastamento) dos músculos dos retos abdominais e hérnia umbilical. 4.3 PROBLEMAS DE SAÚDE E DISTÚRBIOS NUTRICIONAIS MAIS FREQUENTES E SEUS FATORES DETERMINANTES Além das alterações físicas, há um grupo de alterações clínicas relacionadas à SD que podem variar entre os portadores, como as alterações cardiovasculares, imunológicas, respiratórias, oftalmológicas, gastrointestinais, fonoarticulatórias, hipotonia muscular, tireoidopatias e distúrbios do sono (FREIRE et al, 2014).
15 Déficit mental O déficit mental da SD é resultante da redução nas medidas do encéfalo, em relação ao seu peso e volume (TRINDADE; NASCIMENTO, 2016). A SD pode ser inserida no grupo das encefalopatias não progressivas, uma vez que as crianças com a deficiência apresentam algumas alterações funcionais e estruturais em seu sistema nervoso (SN). Uma das principais características desse tipo de encefalopatia é a desaceleração do sistema nervoso central (SNC), o qual possui o cérebro (principalmente o lobo frontal), o tronco cerebral e o cerebelo em seus tamanhos reduzidos, o que pode justificar o atraso neuromotor nestes indivíduos, como atraso na linguagem de maneira geral, na produção de sons e na vocalização, já que estes órgãos do SNC, em conjunto, são responsáveis pelo pensamento abstrato, linguagem, comportamento, atenção, vigilância e controle motor (FREIRE et al, 2014). Além disso, a cópia adicional do cromossomo 21 pode interferir no ciclo celular de precursores neuronais, ocasionando uma redução no número de neurônios e intervindo na forma como estes se organizam no sistema nervoso, dificultando assim conexões nervosas importantes ligadas à fala, memória e capacidade de correlação (FREIRE et al, 2014) Problemas de crescimento e desenvolvimento O processo de crescimento das crianças com SD é caracterizado por um crescimento linear mais lento e por um estirão do crescimento mais precoce, resultando em indivíduos com estatura menor que a população geral (ROCHA et al, 2015). O crescimento ósseo irregular é um dos fatores que contribuem para isso (BERTAPELLI et al, 2017). A presença de cardiopatias e de hipotireoidismo na criança com SD também influenciam em seu processo de crescimento. Além disso, outro fator que justifica esse déficit linear é uma inadequada nutrição, muitas vezes comum em indivíduos com SD, em razão das complicações inerentes à síndrome (GORLA et al, 2011). Dessa forma, características específicas da síndrome, como língua protusa, retardo mental, alta suscetibilidade a infecções, taxa metabólica basal reduzida, alterações da função tireoidiana, entre outros, são fatores que podem influenciar a prática alimentar de crianças e adolescentes, refletindo assim no seu estado nutricional e consequentemente em seu processo de crescimento (ROCHA et al, 2015).
16 Cardiopatias Outra patologia comum nos indivíduos com a SD são as cardiopatias. Estes, possuem um risco até dezesseis vezes mais elevado de mortalidade em virtude das doenças cardiovasculares. As cardiopatias congênitas, que estão relacionadas às irregularidades que se desenvolvem na estrutura ou função do coração, antes do nascimento, acometem cerca de 40 a 60% dessas pessoas, principalmente nos dois primeiros anos de vida (FRAGA et al, 2015). As mais comuns são a má formação do septo atrioventricular e ventricular que correspondem a 45% e 35% dos casos respectivamente, em pacientes com SD (SERON et al, 2015). As melhorias nas cirurgias corretivas, nos tratamentos com antibióticos e outras condutas são responsáveis pelo aumento considerável das taxas de sobrevivência dos indivíduos com SD, uma vez que as alterações cardíacas congênitas compreendem a causa isolada mais constante da redução na expectativa de vida destes indivíduos (JORDE; CAREY; WHITE, 1996, apud, PRADO et al, 2009). Entretanto, na maioria dos casos, o diagnóstico ocorre tardiamente uma vez que os sinais e sintomas dessas doenças podem não aparecer nos primeiros dias de vida, elevando as chances do surgimento de outras complicações como arritmia cardíaca, insuficiência cardíaca congestiva, pneumonia e hipertensão pulmonar (MOURATO; VILLACHAN; MATTOS, 2014). O desenvolvimento das cardiopatias congênitas possui causa multifatorial, as quais sofrem influências de sinais moleculares e morfológicos (SERON et al, 2015). Em virtude das constantes cirurgias corretivas do defeito cardíaco congênito com suas posteriores complicações (como internação por um longo tempo, uso de sonda para alimentação, ventilação, entre outros), a cardiopatia congênita é um dos fatores que em conjunto com o comprometimento motor e as alterações miofuncionais orofaciais (hipotonia intra e extra-oral, vedamento labial ineficiente e movimentos de língua alterados) próprios do indivíduo com SD, podem levar ao sintoma de disfagia e/ou alguma outra dificuldade relacionada a alimentação. Como consequência disso, a criança pode desenvolver desidratação, comprometimento sensório-motor, aspiração traqueal e déficits nutricionais (FRAGA et al, 2015).
17 Infecções e doenças autoimunes Por possuírem vários distúrbios imunológicos, como redução na concentração sérica de imunoglobulinas, disfunção na quimiotaxia de neutrófilos, deficiência parcial de proteínas do sistema complemento e alteração na maturação de linfócitos, as pessoas com SD estão mais propensas às infecções e doenças autoimunes. Estudos indicam que a senescência precoce do sistema imune, comum nestes indivíduos, assim como uma atividade deficiente do timo, são fatores que possuem relação com estes comprometimentos nas pessoas com a SD (NISIHARA et al, 2006). Dentre as doenças autoimunes, a Doença Celíaca (DC) é uma das que apresentam forte associação com a SD. Além desta, indivíduos com SD também estão propensos a desenvolver tireoidite autoimune, doença de graves, vitiligo, alopecia areata, leucemia e diabetes mellitus tipo I (LOBE et al, 2013). A DC caracteriza-se pela intolerância permanente ao glúten. Como, na maioria das vezes, os pacientes apresentam sintomas gastroenterológicos não específicos, como flatulências, dor abdominal, dispepsia e alteração do funcionamento gastrintestinal, o diagnóstico é feito de forma mais tardia. (NISIHARA et al, 2005). As associações acerca da DC com a SD ainda não foram esclarecidas por completo. Porém, alguns aspectos podem ser percebidos a fim de confirmar essa relação, tais como, as disfunções imunológicas e consequentes predisposições às doenças autoimunes apresentadas pelos portadores dessas enfermidades; o compartilhamento de marcadores genéticos comuns à SD e à DC, e a alteração genética responsável pela SD também pode contribuir para um maior grau de manifestações da DC nos portadores da síndrome. Além disso, o diagnóstico da DC nesses pacientes torna-se mais difícil em virtude de características como atraso no crescimento e abdômen distendido no paciente serem considerados traços típicos da síndrome, e sinais e sintomas como diarreia e desnutrição serem subestimados para o diagnóstico de DC. A determinação dos anticorpos EmA é o exame mais sensível e específico para diagnosticar a doença celíaca (NISIHARA et al, 2005) Tireoidopatias A prevalência das doenças da tireoide em pessoas com SD é maior que na população sem a síndrome. Os distúrbios da tireoide que mais acometem esses indivíduos são:
18 17 hipotireoidismo autoimune, hipotireoidismo subclínico, hipotireoidismo congênito, e menos frequentemente, o hipertireoidismo (KING, O GORMAN E GALLAGHER, 2013). Em indivíduos com SD, o hipotireoidismo possui incidência mais elevada em crianças e comumente está associado à presença de anticorpos positivados da enzima peroxidase da tireoide (anti-tpo). Normalmente esses anticorpos são produzidos no final da infância, aumentando em número com o avançar da idade. Em razão da presença discreta de sinais e sintomas ou ausência destes, na maioria das vezes o diagnóstico de hipotireoidismo em pessoas com SD pode ocorrer de forma tardia. No que diz respeito ao hipertireoidismo, estudos sugerem que a idade média para seu diagnóstico em pessoas com SD é de 16,8 anos, o qual também possui causa autoimune (KING, O GORMAN E GALLAGHER, 2013). Com isso, muitos autores sugerem que sejam realizados rastreios anuais em crianças com SD a fim de detectar uma possível disfunção na tireoide (KING, O GORMAN E GALLAGHER, 2013), uma vez que o diagnóstico precoce das doenças da tireoide assegura benefícios tanto para o desenvolvimento físico quanto para o intelecto dessas crianças (NISIHARA et al, 2006) Déficit de zinco Para alguns pesquisadores, as disfunções que ocorrem nos sistemas endócrino, antioxidante e imune, na população com SD, podem ser intensificadas pela inadequação do micronutriente zinco no organismo desses indivíduos. Essa inadequação é resultante das alterações na compartimentalização desse mineral nas pessoas com a síndrome. Uma das consequências dessa inadequação, por exemplo, é a redução das reações de conversão dos hormônios tireoidianos T4 em T3, uma vez que o zinco participa como cofator das enzimas de conversão destes hormônios, contribuindo assim com o desenvolvimento dos distúrbios na tireoide, como o hipotireoidismo subclínico (MARQUES; MARREIRO, 2006). Outra consequência do déficit do zinco pode ser observada na deficiente quimiotaxia que ocorre na SD, pois esse mineral também atua como cofator de várias enzimas do sistema imune. Consequentemente, os indivíduos com SD apresentarão uma deficiência na sua função imune, ficando mais vulneráveis a infecções. Além disso, também são observadas alterações nas atividades das enzimas que compõem o sistema de defesa antioxidante desses indivíduos, como é o caso da Cobre/zinco superóxido dismutase (Cu/Zn-SOD) que tem sua atividade aumentada em cerca de 50% nos eritrócitos dos portadores da SD, elevando com
19 18 isso o estresse oxidativo, já que a hiperexpressão dessa enzima também pode causar danos oxidativos às células (MARQUES; MARREIRO, 2006) Envelhecimento precoce Estudos recentes têm classificado a SD como uma síndrome progeróide uma vez que os indivíduos portadores apresentam envelhecimento precoce (PRADO et al, 2009). Uma das causas desse processo está na expressão excessiva da enzima Cu/Zn-SOD nas células desses indivíduos, em virtude dos danos oxidativos provenientes de sua atividade aumentada, o que eleva a frequência de danos ao DNA, contribuindo assim com o envelhecimento rápido neste grupo (MARQUES; MARREIRO, 2006). Este processo antecipado de envelhecimento também é visto como um dos responsáveis pelo surgimento das alterações autoimunes, imunológicas e endócrinas que acometem essas pessoas (MADAN; WILLIAMS; LEAR, 2006; RIBEIRO et al, 2003) Hipotonia muscular A mutação genética geradora da SD também é responsável por causar uma maior incapacidade física nestes indivíduos, já que sua ação motora é dificultada em razão das características específicas da deficiência, tornando-os mais sedentários por sentirem mais dificuldade ao se deslocar (SILVA; SANTOS; MARTINS, 2006). A hipotonia muscular, condição na qual há uma diminuição no tônus muscular, está presente em 100% dos recémnascidos com SD, e é a responsável por causar um retardo no desenvolvimento de suas capacidades motoras, como sustentar a cabeça, engatinhar, sentar, andar, correr, podendo reduzir com o avançar da idade (BRASIL, 2013). Como consequência disso, são observadas maiores prevalências de excesso de peso e obesidade nesse grupo de indivíduos quando comparado à população sem a deficiência, sendo essa predisposição ao excesso de peso mais frequente entre os adolescentes e adultos com SD (SILVA; SANTOS; MARTINS, 2006) Sobrepeso e obesidade Indivíduos com SD apresentam uma maior prevalência de obesidade em relação à população geral. Alterações metabólicas, como o hipotireoidismo, juntamente aos
20 19 hábitos alimentares, possuem relação com o excesso de peso neste grupo (SILVA et al, 2009; THEODORO; BLASCOVI-ASSIS, 2009). Em estudos realizados por Lima et al (2017) e Soler e Xandri (2011), foram encontrados maior prevalência de excesso de peso nas mulheres com SD e maiores valores de IMC para o mesmo sexo, respectivamente. Outros fatores que contribuem com esse quadro de excesso de peso nos indivíduos com SD é o déficit estatural comum a estas pessoas, uma vez que esse déficit no comprimento determina necessidades energéticas reduzidas (LOPES et al, 2008); a sua reduzida taxa metabólica basal, a qual diminui o gasto energético; e a preferência por alimentos calóricos, ricos em açúcares e gorduras, e de fácil de mastigação (LIMA et al, 2017). Essa prevalência de excesso de peso tende a aumentar nas pessoas com SD à medida que se avança a idade (FREIRE; COSTA; GORLA, 2014), aumentando também o risco de desenvolvimento de distúrbios metabólicos e o agravamento das enfermidades que os acometem como as cardiopatias e a hipotonia muscular (LOPES et al, 2008). Esse excesso de adiposidade reflete também no aumento dos níveis séricos de lipídios e em uma maior prevalência de diabetes nestas pessoas. Níveis elevados de ácido úrico também estão relacionados com a obesidade e podem ter ligação com a resistência à insulina (SOLER; XANDRI, 2011). Além disso, na SD, a obesidade, juntamente com outros fatores como hipotonia muscular, disfunção imune, cardiopatias, refluxo gastroesofágico (RGE), hipoplasia pulmonar, volume reduzido das vias respiratórias inferiores, colaboram para o surgimento das disfunções nas vias respiratórias inferiores nestes indivíduos (SOARES et al, 2004). 4.4 FERRAMENTAS PARA AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN A atenção à saúde das pessoas com SD deve ser diferenciada a cada ciclo de vida, a fim de lhes garantir um maior desenvolvimento de suas habilidades, possibilitandolhes uma melhor qualidade de vida e inserção social (BRASIL, 2013). Visto que esta população é mais vulnerável ao surgimento de patologias, ligadas, dentre outros fatores, ao seu estado nutricional, em virtude de suas características metabólicas, o uso de ferramentas apropriadas para a avaliação nutricional destes indivíduos permite ao profissional avaliar os possíveis riscos para o desenvolvimento de doenças e, com
21 20 isso, implementar uma intervenção nutricional pertinente (PRADO et al, 2009). Ressalta-se que nesse grupo, a assistência nutricional deve ser iniciada desde a primeira infância, ou seja, até os sete anos de idade (GIARETTA; GHIORZI, 2010). Para tornar a classificação nutricional mais exata, a avaliação nutricional deve ser a mais completa possível, devendo conter informações acerca da(s) causa(s) do diagnóstico, dados laboratoriais, história alimentar, exame físico e medidas antropométricas (PRADO et al, 2009). Ao nascerem, crianças com SD apresentam diferenças anatômicas e estruturais (cavidade oral pequena, reduzida produção de saliva, pouca coordenação para sugar e deglutir, dismotilidade intestinal, defeitos cardíacos, entre outros) que as tornam susceptíveis a potenciais problemas alimentares (LEWIS; KRITZINGER, 2004). Além disso, a amamentação de lactentes com SD torna-se mais difícil, em virtude da diminuição no tônus muscular e a insuficiente sucção pela criança (COOLEY; GRAHAM, 1991, apud, AMORIM; MOREIRA; CARRARO, 1999). Vale ressaltar que esses problemas com a alimentação mudam com o passar dos anos, onde os mesmos podem apresentar dificuldades na transição da alimentação do peito ou mamadeira para a alimentação pelo copo, e na transição de líquidos para sólidos, decorrente do fechamento inadequado dos lábios, fraca capacidade de mastigação e engasgos, sendo assim um desafio para pais e profissionais (LEWIS E KRITZINGER, 2004). Com isso, a primeira intervenção a nível nutricional deverá ser a investigação detalhada das principais dificuldades que os portadores com SD apresentam na sua alimentação, adaptando a dieta, se necessário (COOPER-BROWN et al, 2008). Assim, para a avaliação do consumo alimentar, fatores como condições do estado geral do indivíduo, causas que o levaram à procura da orientação nutricional e o progresso da condição clínica, auxiliam ao profissional na escolha do método de avaliação do consumo alimentar mais adequado (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). Geralmente, na avaliação do consumo alimentar de pessoas com SD, os respondentes são os responsáveis pela pessoa com a síndrome. Contudo, em adultos com SD pode ser necessário empregar as ferramentas de avaliação do consumo diretamente na pessoa com deficiência. Nesses casos, é importante que a escolha do método seja feita cuidadosamente, avaliando se sua aplicação será eficaz. De maneira geral, os métodos que parecem ser mais adequados são o Recordatório de 24 horas (R24h) e a história alimentar. O R24h, apesar de não ser muito indicado para pessoas que apresentem déficit cognitivo, tendo em vista que o mesmo depende da memória e colaboração do paciente, pode auxiliar na avaliação do consumo alimentar de pessoas com SD, uma vez que o
22 21 questionamento do dia anterior torna a recordação mais fácil. Para isto, podem ser usados parâmetros para auxiliar a recordação (como o horário em que o paciente acorda, as atividades realizadas ao longo do dia, entre outros). Além disso, é um método de rápida aplicação, baixo custo e que menos propicia alterações no consumo alimentar, o qual pode ser utilizado em qualquer faixa etária e também em analfabetos. Porém, vale ressaltar que o R24h não estima a ingestão habitual do paciente e pode demonstrar uma ingestão atípica do paciente (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). A história alimentar é um método mais abrangente e que possibilita ao profissional avaliar os hábitos alimentares atuais e passados do paciente, através da coleta de informações sobre o número de refeições realizadas no dia, tamanho das porções, preferências e aversões alimentares, fornecendo, portanto, a descrição da ingestão habitual do indivíduo e eliminando as possíveis variações do dia-a-dia. Entretanto, esse método requer mais tempo para ser aplicado, uma vez que consiste em uma extensa entrevista para que possam ser coletadas as informações, além de depender também da memória do paciente (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009). Frente ao exposto, pode-se perceber que ambos os métodos possuem suas vantagens e desvantagens. Para tentar minimizar essas limitações no momento da avaliação, o profissional, pode fazer adaptações do método escolhido ou usar mais de um método (dependendo do objetivo final) para auxiliar na identificação da ingestão do consumo alimentar do paciente. Além disso, pode contar com o auxílio do responsável pelo paciente no momento da entrevista. É importante salientar que o profissional deve estar atento não apenas ao comportamento alimentar do indivíduo com SD, mas também ao comportamento familiar no que diz respeito à alimentação, uma vez que são os pais os primeiros educadores nutricionais. Estes, na maioria das vezes, buscam compensar a falha genética de seus filhos através da permissão sem limites do ato de comer o que quiserem, fazendo com que muitas vezes o alimento seja utilizado de forma errônea, e com isso contribua para o desenvolvimento das doenças crônicas não transmissíveis nestes indivíduos. Assim, o profissional nutricionista deve inicialmente buscar compreender o significado do ato de comer para cada pessoa e família, levando em consideração suas crenças, valores e culturas, para então construir junto à família um novo significado para este ato (GIARETTA; GHIORZI, 2010). A antropometria é outro procedimento muito usado para avaliar o estado nutricional dos indivíduos, por ser um método de baixo custo e fácil execução, que consiste na avaliação da condição física e da total constituição do corpo humano (PRADO et al, 2009).
23 22 Peso, estatura, perímetros e dobras cutâneas são os parâmetros antropométricos mais usados nos estudos epidemiológicos, assim como na prática clínica (MUSTACCHI; PERES, 2000; PRADO et al, 2009). Por meio da antropometria é possível avaliar o crescimento e desenvolvimento de uma criança, permitindo observar se o ganho ponderal e de estatura está sendo satisfatório às suas necessidades energéticas (PRADO et al, 2009). Uma vez que as crianças com SD apresentam um processo de crescimento e uma estatura final diferentes das crianças sem a síndrome, foram criadas várias curvas específicas para essa população a fim de impedir possíveis erros diagnósticos (BRAVO- VALENZUELA; PASSARELLI; COATES, 2011). Umas das primeiras curvas de crescimento construídas e utilizada mundialmente para crianças e adolescentes com SD foi a de Cronck et al (1988), voltada para a população americana, expressa em percentis. Após, outros estudos foram realizados com o intuito de elaborar curvas de crescimento em vários países (GORLA et al, 2011). Como a realidade da população brasileira não se enquadra nos padrões americanos, o médico e pesquisador Mustacchi (2002) elaborou índices de peso/idade, estatura/idade e perímetro cefálico/idade para crianças brasileiras com SD (MARTIN; MENDES; HESSEL, 2011). Dessa forma, as curvas de Mustacchi (2002) curvas padrão de crescimento e ganho de peso são mais sensíveis quanto aos desvios nutricionais da população brasileira (PRADO et al, 2009). No Brasil, o Ministério da Saúde (MS) recomenda que o desenvolvimento pôndero-estatural das crianças de zero a dois anos seja acompanhado pelas curvas específicas de desenvolvimento de Mustacchi (2002) para crianças com SD com idade de 0-24 meses (BRASIL, 2013). Para o acompanhamento do crescimento de crianças e adolescentes com SD dos 2 aos 18 anos de idade, o MS do Brasil tem recomendado que sejam utilizadas as curvas de crescimento de Cronk et al (1988) (BRASIL, 2013). Porém, estas curvas não são representativas do crescimento dos jovens brasileiros com SD, visto que foram elaboradas a partir da realidade da juventude norte-americana. Por esse motivo e pelo fato de datarem da década de 1980, fazia-se necessário a elaboração de gráficos de crescimento mais atualizados e que fossem voltados para a realidade dos jovens brasileiros com SD (BERTAPELLI et al, 2017). Neste sentido, Bertapelli et al (2017) realizou um estudo com jovens brasileiros com SD com idade entre 0 e 20 anos, nascidos entre 1980 e 2013, a fim de elaborar curvas de crescimento mais atualizadas para esse público (Figuras 1 a 10). Foram elaboradas, portanto, curvas de peso para idade, perímetro cefálico para idade e comprimento/altura para idade,
24 23 onde esses novos gráficos podem servir como guia para profissionais no gerenciamento do crescimento de crianças e adolescentes brasileiros com SD. Além disso, em outro estudo, foi desenvolvido por Bertapelli et al (2017) as primeiras curvas brasileiras específicas de IMC para idade, em percentis, para jovens com SD com idade entre 2 e 18 anos (Figuras 11 e 12), em virtude das restrições das curvas já existentes e da ausência de valores de IMC para idade para esta população. Logo, as curvas de IMC também objetivam auxiliar o profissional na avaliação nutricional dos jovens brasileiros com SD. Os percentis por idade e sexo, com seus respectivos valores correspondentes de IMC, juntamente com os números de observações do estudo, médias e desvios-padrão podem ser observados nas tabelas 1 e 2.
25 24 Figura 1. Curva de peso para idade para meninos brasileiros com SD de 0 a 36 meses de idade Figura 2. Curva de peso para idade para meninas brasileiras com SD de 0 a 36 meses de idade
26 25 Figura3. Curva de peso para idade para meninos de 03 a 20 anos Figura4. Curva de peso para idade para meninas de 03 a 20 anos
27 26 Figura5. Curva de comprimento/altura para idade para meninos brasileiros com SD de 0 a 36 meses de idade Figura6. Curva de comprimento/ altura para idade para meninas brasileiras de 0 a 36 meses de idade
28 27 Figura7. Curva de estatura para idade para meninos brasileiros com SD de 3 a 20 anos Figura8. Curva de estatura para idade para meninas brasileiras com SD de 3 a 20 anos
29 28 Figura9. Curva do perímetro cefálico para idade para meninos brasileiros com SD de 3 a 20 anos Figura10. Curva do perímetro cefálico para idade para meninas brasileiras com SD de 3 a 20 anos
30 29 Figura 11. Curva de Índice de Massa Corporal (IMC) para crianças e adolescentes com síndrome de Down do sexo masculino entre 2 e 18 anos. Figura 12. Curva de Índice de Massa Corporal (IMC) para crianças e adolescentes com síndrome de Down do sexo feminino entre 2 e 18 anos.
31 30 Tabela 1. Valores de IMC de crianças e adolescentes com SD do sexo masculino entre 2 e 18 anos Legenda: N: Número de observações DP: Desvio-padrão LMS: Sistema de leitura por média/mediana
32 31 Tabela 2. Valores de IMC de crianças e adolescentes com SD do sexo feminino entre 2 e 18 anos. Legenda: N: Número de observações DP: Desvio-padrão LMS: Sistema de leitura por média/mediana Embora não faça distinção entre massa gorda e massa livre de gordura, o IMC é considerado um bom indicador de obesidade corporal (SILVA et al, 2009). Sendo assim, curvas específicas para pessoas com SD são desejáveis, pois esses indivíduos possuem composição corporal diferente da população sem a síndrome, e os valores convencionais de classificação não podem ser utilizados. No passado, as elevadas taxas de prevalência de sobrepeso e obesidade nesta população eram atribuídas ao uso inapropriado das classificações do IMC para a população geral (uma vez que ainda não existiam classificações de IMC para pessoas com SD) (FREIRE; COSTA; GORLA, 2014). Para tornar mais precisa a predição dos níveis de gordura nos indivíduos adultos com SD, autores sugerem a utilização do IMC, juntamente com a circunferência da cintura (CC) e da relação cintura quadril (RCQ), mesmo ainda não estando totalmente comprovada a relação destes indicadores com a gordura corporal neste grupo (SILVA et al, 2009).
33 32 A espessura das dobras subescapular e tricipital são consideradas medidas básicas para investigar a gordura corporal total. Vale salientar que não há muitos métodos voltados para a determinação de gordura corporal em pessoas com SD, inexistindo pontos de corte específicos para dobras cutâneas, perímetros e outras medidas corporais. Com isso, os profissionais utilizam os parâmetros para população geral, sendo assim necessários mais estudos a fim de desenvolver tais parâmetros, uma vez que a composição corporal destes indivíduos difere da população sem a síndrome. De maneira geral, as equações que envolvem medidas de espessura de dobras cutâneas são os métodos mais empregados para tal finalidade, sendo a equação de Slaughter et al (1988) considerada a mais precisa para estimar a gordura corporal em crianças e adolescentes com SD (BERTAPELLI et al, 2013). Para auxiliar na identificação dos sinais e sintomas clínicos nutricionais, o profissional dispõe do exame físico e da anamnese nutricional. O exame físico é um método clínico utilizado para detectar os sinais e sintomas associados à desnutrição (perda de gordura subcutânea, perda muscular, edema), onde o paciente deve ser analisado por completo: cabelos, face, pescoço, tórax, membros superiores e inferiores e pele (CUPPARI, 2014). Porém, no exame físico dos pacientes com SD deve-se levar em consideração as características físicas inerentes à síndrome, a fim de não induzir o profissional a erros diagnósticos, como, por exemplo, ao avaliar a cavidade oral, deve ser considerado a cavidade bucal pequena e a hipotonia lingual, a fim de não resultar em uma falsa impressão de macroglossia (MUSTACCHI; PERES, 2000). Durante a anamnese nutricional é importante conhecer a história do paciente, prestando atenção nos fatores que interferem direta ou indiretamente no seu estado nutricional, como ingestão dietética, alterações de peso, sintomas gastrintestinais, uso de medicamentos, presença de doenças crônicas e intervenções cirúrgicas (CUPPARI, 2014). Após o nascimento de uma criança com SD, mais precisamente de 0 a 2 anos de idade, devem ser solicitados pelo profissional de saúde, exames complementares como: hemograma, o qual deve ser repetido semestralmente nos dois primeiros anos de vida, e após, anualmente, a fim de observar possíveis alterações hematológicas; dosagem do TSH e hormônios tireoidianos (T3 e T4), a fim de avaliar a função tireoidiana, a qual deve ser avaliada ao nascimento, aos seis meses, aos doze meses e após, anualmente; e além desses exames, também devem ser solicitados exame de cariótipo (caso não tenha sido feito, para confirmar o diagnóstico da SD) e ecocardiograma, haja vista o alto índice de cardiopatias nas crianças com SD (BRASIL, 2013).
34 33 Para as crianças de 2 a 10 anos de idade, e para os adolescentes (10 a 19 anos) com SD, são necessários: hemograma, dosagem do TSH e dos hormônios tireoidianos. Porém, no caso de obesidade nos adolescentes, também devem ser solicitados: glicemia de jejum, lipidograma e triglicerídeos, juntamente com a avaliação do IMC (BRASIL, 2013). Em relação aos parâmetros hematológicos de crianças dos 2 aos 10 anos de idade, Nisihara et al (2015) verificou em estudo realizado com crianças nesta faixa etária que os índices hematológicos (contagem total de eritrócitos, hemoglobina, hematócrito, plaquetas e leucócitos) das crianças com SD estão dentro dos limites esperados para crianças sem SD da mesma faixa etária. Já para o cuidado com a saúde do adulto e do idoso com SD, são necessários os seguintes exames: hemograma, dosagem do TSH e dos hormônios tireoidianos, devendo ser solicitados conjuntamente, glicemia de jejum, triglicerídeos e lipidograma, em casos de obesidade (BRASIL, 2013). É importante destacar que o acompanhamento nutricional das pessoas com SD deve ser periódico, em virtude de suas características metabólicas que os tornam mais vulneráveis ao desenvolvimento de distúrbios nutricionais. Dessa forma, o cuidado nutricional possibilita a identificação e prevenção dos fatores de risco para o desenvolvimento dessas complicações, bem como na melhora da qualidade de vida destes.
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