PARÁBOLA DO RICO E LÁZARO

Transcrição

1 PARÁBOLA DO RICO E LÁZARO

2 Parábola do Rico e Lázaro, Lucas, 16:19 a 31 Ora, havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele. E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas.

3 E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio. E, clamando, disse: Abraão, meu pai, tem misericórdia de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.

4 Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora, este é consolado, e tu, atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá, passar para cá.

5 E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos.

6 E disse ele: Não, Abraão, meu pai; mas, se algum dos mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite.

7 Parábola repleta de símbolos. Façamos o estudo psicológico transpessoal-consciencial: Ora, havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele.

8 O Rico, vestido de púrpura e linho finíssimo, vivendo regalada e esplendidamente, representa o Espírito dando vazão ao ego evidente.

9 A pessoa que vive assim acrisola-se, nutrindo os sentimentos egoicos evidentes e mascarados sem deles se dar conta, muitas vezes. Vive de forma superficial, devido à subconsciência que caracteriza esse movimento. Ela ainda está em consciência de sono. Não despertou para realidade da vida. Ainda não caiu em si para alimentar o Ser Essencial, e ainda alimenta o ego.

10 O mendigo Lázaro representa o Ser Essencial que não é nutrido, quando o Espírito vive de uma forma egoísta e egocêntrica, como o Rico.

11 Todas as vezes que contrariamos as Leis Divinas presentes em nossas consciências com movimentos egoísticos, egocêntricos, orgulhosos, rebeldes, etc., o que estamos fazendo? Estamos enriquecendo o ego e empobrecendo o Ser Essencial.

12 Ao nos movimentarmos em direção ao ego evidente ou mascarado, o que vamos produzir em nós do ponto de vista consciencial? Vamos produzir chagas na alma, que são os vícios morais que se exteriorizam fisicamente.

13 Quando não alimentamos os sentimentos essenciais derivados do amor, o Ser Essencial que somos se torna um mendigo muito carente, cheio de chagas às portas do rico ego evidente, que está sendo supernutrido pelo Espírito, vivendo na superficialidade, de forma luxuriante, encastelando-se no egoísmo e egocentrismo, cultuando o parecer em detrimento do ser.

14 Essa questão não tem a ver com a riqueza ou pobreza material; é algo profundamente espiritual, pois há muito rico alimentando o Lázaro e muito pobre alimentando o Rico que existem em si mesmos.

15 Outra questão a ser observada é o porquê de Jesus ter nominado apenas o mendigo, pois ele, o mendigo Lázaro, representa o Ser Essencial, a essência divina que somos. Jesus lhe dá um nome, simbolizando o que é permanente em nós; já ao Rico não deu nominação, por ele representar o ego, do qual resulta um comportamento psicológico transitório do Espírito.

16 Qual o significado de estar à porta? Estar à porta simboliza que Lázaro, isto é, o Ser Essencial fica sempre aguardando uma conexão com o ego para que haja o processo da individuação. Nesse processo, há uma transmutação da fissão ego-self para que haja a psicossíntese, ou seja, a integração do ego no próprio Self.

17 E desejava alimentar-se das migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. Quando a criatura está num movimento de inconsciência em relação à vida, o Ser Essencial deseja se alimentar pelo menos de migalhas, mas não recebe nada, por isso Jesus diz que Lázaro desejava alimentar-se das migalhas que caíam da mesa do rico. Isso não passava de um desejo.

18 Quando nos movimentamos egoicamente, produzimos as chagas na alma, os vícios de todas as ordens que marcam o Ser Essencial, que, na carência enorme em que se encontra, obtém como único consolo os cães para lamber-lhe as chagas, proporcionando-lhe alívio.

19 Os cães, então, representam as experiênciasdesafio, pois em quaisquer circunstâncias acontece a evolução do Espírito, mesmo quando este está vivenciando amplamente o próprio ego. Apesar de o Ser Essencial ficar todo em chagas, as experiências pelas quais o Espírito passa, quando se rebela contra as Leis Divinas presentes em sua própria consciência, nunca se perdem.

20 Enquanto o Espírito mantiver a fissão do eixo ego-self, ele evolui na horizontal rechaçando as experiências-desafio, mas que não deixam de gerar aprendizado, a partir do sofrimento que lhe irão produzir.

21 E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico e foi sepultado. Os anjos simbolizam as Leis Divinas e Abraão, a própria consciência do Espírito. Existe uma forma de separarmos o Espírito da própria consciência ou separá-lo das Leis Divinas? Não, porque a consciência é um patrimônio do Espírito, localizando-se no Ser Essencial, que é permanente, e não no ego, que é transitório, e as Leis Divinas são um patrimônio da consciência.

22 Por isso, Jesus diz que o mendigo morre e é levado pelos anjos para o seio de Abraão, simbolizando o encontro do Ser Essencial com a consciência e com as Leis Divinas presentes em si mesmo. Por mais que o Espírito vitalize o ego, esse encontro sempre acontecerá.

23 E morreu também o rico e foi sepultado. Percebamos que Jesus não fala que Lázaro foi sepultado. O mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão. Será que o cadáver de Lázaro ficou ao relento, insepulto? Cada palavra que Jesus usava era plena de sentido simbólico, por isso a diferença. Existe um símbolo profundo nesse versículo. Reflitamos que o ego é transitório, já o Ser Essencial é permanente. Por mais rebelde seja uma criatura, por mais que ela murmure, ela transmutará totalmente o ego e se transformará num Espírito puro, num Espírito Angelical, conforme nos revela a questão 540 de O Livro dos Espíritos.

24 Jesus se refere a um convite para sepultar o ego para que haja a morte do ego e o renascimento essencial, fato que acontece após o despertar da consciência. Quando assumimos uma postura de consciência desperta, vamos morrendo egoicamente para viver essencialmente a vida eterna, conforme ensina Francisco de Assis em sua oração: É morrendo que se vive para a vida eterna. A vida eterna é a do Ser Essencial, e não a do ego.

25 E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio. Hades tem o mesmo significado que inferno, local, segundo a mitologia, para onde as pessoas viciosas vão após a morte. Simbolicamente, Hades significa o sentimento de culpa e remorso que muitas pessoas vitalizam após terem vivido de maneira viciosa.

26 E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio. Hades tem o mesmo significado que inferno, local, segundo a mitologia, para onde as pessoas viciosas vão após a morte. Simbolicamente, Hades significa o sentimento de culpa e remorso que muitas pessoas vitalizam após terem vivido de maneira viciosa.

27 Quando a criatura vive de forma superficial, vestindo-se de púrpura e de linho finíssimo, isto é, egoística e egocentricamente, vai criando todo um distanciamento das questões essenciais (Lázaro) e conscienciais (Abraão) da vida, que permanecem ao longe. Nesse momento, entra em ansiedade de consciência produzindo os tormentos da culpa e do remorso.

28 E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Por que Jesus se reporta a Pai Abraão dessa forma aparentemente tão dura e inflexível? É que Pai Abraão representa a consciência, que sendo o divino em nossa essência é inflexível. Quando uma pessoa acostumada ao movimento egoico do privilégio não se sentir privilegiada, que sentimento experimentará? Sentirá que foi preterida. Como a consciência é o divino profundo em nós, não pode ser corrompida, embora nós tentemos. Ela pode ser anestesiada, mas jamais corrompida.

29 O Rico clama: Pai Abraão tem misericórdia de mim. seria possível a Lei de Misericórdia anular as Leis de Justiça e de Causa e Efeito? Não! Então, quando o Rico clama: Pai Abraão tem misericórdia de mim e manda a Lázaro, que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama, o que ele está pedindo para a própria consciência? Ele, que quando vivo vivia na opulência, quer que Lázaro minimize a sua dor; porém, não há por parte dele um arrependimento real, mas o desejo de privilégios.

30 Vejamos os símbolos profundos da parábola: o Rico, num movimento de pseudoarrependimento, posto que não se dispõe a trabalhar para sair da zona de dor, pede a Pai Abraão, sua consciência, que Lázaro se dirija até ele, reconhecendo que a Lei de Justiça o havia permitido sentir, por meio da Lei de Causa e Efeito, as consequências daquilo que criara para si mesmo. Porém, em vez de ele buscar se libertar do erro por meio do arrependimento sincero e verdadeiro, trabalhando pela reabilitação perante a própria consciência, clama pela Lei de misericórdia e solicita que Lázaro (movimento essencial) ofereça apenas a ponta do dedo com água (símbolo do arrependimento), porque ele estava atormentado na chama (símbolo da culpa).

31 Nenhuma das Leis Divinas passa por cima de outra, pois elas se complementam. O que a Lei de Misericórdia faz com relação às Leis de Justiça e de Causa e Efeito? A Lei de Misericórdia suaviza as nossas dores quando nos dispomos de forma justa a caminhar em direção ao equilíbrio existencial, trabalhando pela autorreabilitação, em vez de ficarmos comodamente reclamando que estamos sofrendo atormentados pela culpa. Com essa providência, suavizamos os efeitos da causa (erros cometidos).

32 Disse, porém Abraão: filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida e Lázaro somente males e agora este é consolado e tu atormentado. Este versículo de sublime conteúdo psíquico oportuniza-nos compreender o próprio movimento psicológico em vários momentos. O relacionamento do Rico com Lázaro e Abraão acontece em variadas circunstâncias de nossa vida. Com esse ensinamento, Jesus faz uma análise do que acontece psiquicamente com o Espírito.

33 Abraão (simbolo da consciência), ciente de que o Espírito identificado com o movimento egoico não se disponibilizava a se arrepender por força própria e desejava alívio quando ainda não havia plantado a semente do reconhecimento dos erros, recorda que os bens da vida do Rico (simbolo das aquisições egoicas) se contrapunham aos males da vida de Lázaro (símbolo das renúncias ao ego).

34 Enquanto a criatura não se dispõe a reconhecer a sua falibilidade, fica atormentada pela culpa e pelo remorso, por ter agido de forma equivocada. Esse movimento é torturador e inútil em si mesmo, pois somente amplia a fissão ego- Self, afastando mais ainda o Espírito da Essência Divina que ele é.

35 Lázaro, que vivia à míngua, será sempre consolado, porque em essência, em nível mais profundo, o Espírito sabe que haverá sempre a remissão total de seus erros e que ele conquistará a felicidade.

36 E, além disto, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam nem tampouco os de lá passar para cá; Este versículo retrata com clareza os movimentos do parecer e do ser, gerador da fissão ego-self, na qual é criado o abismo que impede que aquele que se fez parecer durante muito tempo possa ser, de uma hora para outra; impede, também, que aquele que se trabalhou para ser se coloque em terreno do parecer, pois o Espírito não retrograda.

37 Não é possível migrar do parecer para o ser, num átimo de segundo, somente pelo desejo. O movimento do Rico é egoico mascarado. Parece positivo, mas é falso. Ele apenas queria diminuir o sofrimento resultante do sentimento de culpa, e não transcender o movimento egoico pelo arrependimento consciencial. O processo de evolução dá-se de uma forma gradativa e não pelo desejo superficial de libertação do sofrimento.

38 Quando vitalizamos o ego evidente ou mascarado nos distanciamos do Ser Essencial, criando um abismo entre ele e o ego, a fissão ego-self. Vimos também que, após o despertar da consciência, o Espírito deverá trabalhar arduamente para superar esse abismo. Esse processo não acontecerá pelo desejo, mas por uma vontade atuante em direção ao Essencial, momento em que ele se torna o Ser Consciencial.

39 Rogo-te, pois, ó Pai, que o mandes à casa de meu pai. Existem neste versículo dois pais que retratam com profundidade dois níveis de consciência. Há o Pai com a inicial maíuscula e o pai com inicial minúscula, que representam, respectiva e simbolicamente, a autoconsciência e o subconsciente.

40 A consciência, na qual estão presente as Leis Divinas, é o grande Pai Abraão. É nela que todas as descobertas profundas são realizadas, a partir do desenvolvimento das virtudes em latência, em que o Espírito vai aprendendo a amar e respeitar o código divino em rumo plenificador com direção ao infinito.

41 O pai menor é o conjunto de crenças e pseudovalores egoicos que compõem a realidade subconsciente. Porém, como o subconsciente é, em realidade, a ausência do profundo consciente manifestado, ele se torna pai de todo movimento egoico e, por isso, o Rico deseja levar as valiosas informações da Verdade ao subconsciente. Contudo, não o faz como quem se arrepende verdadeiramente, pois o seu movimento está fixado ainda no medo e na culpa.

42 Como é que Lázaro, o Ser Essencial, pode ir até à casa do ego, se há um abismo entre eles e não há uma ponte? Que ponte aproximaria o Ser Essencial do ego para transcendê-lo? Certamente, o arrependimento sincero e verdadeiro, o que ainda não aconteceu com o Rico, que permanece focado em privilégios.

43 ... pois tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Os cinco irmãos que mantêm o Espírito preso ao subconsciente são: o medo, a ignorância, a rebeldia, o orgulho e o egoísmo. O Rico quer avisar os irmãos, em regime de privilégio, isto é, num movimento de menor esforço e não de sintonia essencial de alerta que pede trabalho e reparação.

44 Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. Neste versículo, a consciência avisa ao Espírito identificado com o movimento egoico que somente com esforço e força de vontade é possível conquistar a paz. Moisés é símbolo das Leis Divinas e os profetas simbolicamente expressam as vozes-alerta, ambas presentes em nossa consciência, convidando-nos a respeitar, ouvir e praticar tudo que delas provêm, para nos tornarmos Seres Conscienciais.

45 E disse ele: Não, pai Abraão; mas, se algum dentre os mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Todo movimento do Rico ainda é no sentido de se autoenganar e, por isso, ele pretende convencer a consciência com um sofisma, preparando argumentos falsos que não levam à verdadeira libertação. Nesse versículo, a ideia do falso arrependimento fica mais evidente. Antes o Rico falava em água e ponta do dedo; aqui ele declara a intenção de ainda buscar o arrependimento sem esforço, pois seriam os mortos que iriam convencê-lo a arrepender-se.

46 Porém, Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite. A consciência somente é acionada de maneira essencial se de fato houver um movimento essencial. Esse movimento só é possível pela Lei do Trabalho que, no caso dos erros, pede o esforça da reparação e não punição.

47 Se aqueles que cometem equívocos não se interessarem em trabalhar as tendências pela reparação justa ante as Leis Divinas e as vozesalerta presentes na própria consciência, de modo algum entrarão em arrependimento sincero, mantendo-se na fissão ego-self por tempo indeterminado até o momento do reconhecimento dos movimentos egoicos que adotaram.

48 Os mortos neste versículo simbolizam as virtudes, e não os mortos no corpo, ou seja, ainda que alguma virtude ressuscite no coração daquele que vive em culpa egoica, se esse fato não acontecer a partir da reflexão sobre as Leis Divinas e pelo esforço em seguir as vozes-alerta na consciência, não haverá verdadeira fé, aquela que transporta as montanhas de iniquidades que nós mesmos criamos.