IGUALDADE MATERIAL IGUALDADE DE GÊNERO 1
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- Giovana Carreira do Amaral
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1 IGUALDADE MATERIAL IGUALDADE DE GÊNERO 1 Michelle Valéria Macedo Silva Mestranda em Direito Constitucional na Universidade de Lisboa. Defensora Pública Federal no Rio de Janeiro 1 Este material foi desenvolvido a partir das discussões durante o Curso Gênero, Direitos Humanos e Sistema de Justiça, promovido pela Escola Superior da Defensoria Pública da União nos dias 23 e 24 de novembro de 2016 em Brasília/DF.
2 O mundo sempre pertenceu aos machos 2, com essa frase Simone de Beauvoir inicia a segunda parte do primeiro volume de seu livro histórico que marca a luta do feminismo no mundo, sobretudo pela inteligência e conteúdo acerca da intensa luta dos sexos desde os primórdios no sentido da constante pretensão dos homens subjugar as mulheres. A filósofa francesa chega a citar a forma organizacional do matriarcado dos formigueiros e das colmeias 3 para enfatizar que o império do patriarcado se trata de uma construção histórica que sempre buscou menosprezar as mulheres em prol da prevalência do macho. Tamanha artimanha masculina somente se perfaz bem-sucedida na medida em que culmina com a redução impune da liberdade das mulheres. Fica evidente que a inferioridade a que a mulher se encontra inserida na sociedade não é um dado natural, mas cultural-social, por isso a importância da luta feminista desde os primórdios até hoje. O Feminismo busca sobretudo garantir a liberdade do gênero feminino, contra qualquer fator que o coloque em patamar inferior ao masculino. Ao lado do sexo biológico, certo é que os indivíduos desenvolvem pretensões de identidade com o gênero masculino ou feminino que transbordam o direito. Ninguém nasce mulher: torna-se mulher, assim começa o segundo volume do renomado livro da Simone de Beauvoir, 4 ou seja, o gênero feminino não passa de uma criação sociocultural e não de um destino biológico, psíquico ou econômico dos seres humanos. Assim, pelo princípio da dignidade da pessoa humana que alça o ser humano ao centro do Ordenamento Jurídico, a chamada virada neokantiana que reaproxima o Direito da Moral com fins antiutilitaristas, há de se reconhecer que numa sociedade livre e plural todos os projetos de vida são merecedores de proteção e incentivo estatal. Por isso, infelizmente a antiga luta entre os sexos, ao invés de ser superada, se transforma na luta entre os gêneros na busca da primazia de um sobre o outro. O pior cego é aquele que não quer ver. O que dificulta o avanço humanitário rumo à igualdade de gênero é justamente o papel discriminatório naturalizado entre homens e mulheres na sociedade. A derrota feminina parece tão naturalizada na sociedade ao ponto das próprias mulheres serem cúmplices com seus agressores e 2 Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2016, p Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2016, p Beauvoir, Simone, O Segundo Sexo: A experiência vivida, tradução de Sérgio Milliet, Vol.2, 3ª Edição, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2016, p. 11
3 voluntariamente confirmarem as pretensões masculinas de superioridade 5. As leis, enquanto expressão de poder, refletem essa superioridade masculina, construída desde os primórdios em que a mulher era propriedade do homem 6. Esse grau de submissão e cumplicidade da fêmea com o macho nos faz comparar a condição das mulheres à condição dos escravos negros 7 que se deixam aprisionar pacificamente em detrimento de seus direitos de liberdade natos. Creio que uma luta simples em prol da igualdade de gênero deva começar pela eliminação de uma distinção há muito naturalizada na sociedade em relação a existência do banheiro masculino e do banheiro feminino, ao invés da existência apenas do espaço reservado ao banheiro. Não há nenhum argumento que justifique a existência de dois banheiros para os seres humanos se queremos um tratamento isonômico entre os gêneros. Aliás, os heterossexuais e os homossexuais de mesmo gênero seriam também atendidos com a existência de um banheiro único já que estariam menos em evidência e em efetiva igualdade de tratamento. Na França, por exemplo, isso já é uma realidade em muitas cidades do interior. Mas a naturalização da desigualdade de gênero está tão arraigada que praticamente tudo tem a divisão que contribui para a luta constante entre o masculino e o feminino. A sociedade patriarcal privilegia o macho em detrimento da fêmea na busca da dominação masculina do mundo, a inferiorização da fêmea se perpetua porque está encantada com os cortejos do macho cumpre o papel que lhe é imposto e se torna cúmplice desta dominação. Quase tudo na sociedade tem a versão masculina e a versão feminina, sendo certo que a divisão de banheiros entre os sexos passa como uma coisa por demais natural, e não é. A existência de padrões masculinos ou femininos em várias áreas que guarnecem o ser humano é salutar, apesar de também ser um dado cultural, como por exemplo, a diferença do vestuário masculino e feminino que pode servir livremente a ambos os sexos. Contudo, onde não há necessidade de diferenciação entre os gêneros, cumpre melhor o princípio da isonomia, destinar o idêntico tratamento a ambos os gêneros. A quebra da dicotomia da existência de dois banheiros, um para cada gênero, 5 Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2016, p Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2016, p Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2016, p. 20/21.
4 ajuda inclusive no convívio e na inclusão social daqueles seres humanos identificados com o gênero feminino a partir da necessidade do convívio muito próximo com o gênero masculino, introduzindo tolerância e senso de igualdade. Por isso, além da eliminação do gênero dos banheiros, porque desnecessária a distinção, entendo que há de serem envidados esforços constantes e as mulheres devem estar sempre alertas para repudiar o primeiro sinal de machismo. As manifestações de machismo são empreendidas rotineiramente, até na forma de piadas. Ciente de tais manifestações, compete às mulheres solidariamente repugnarem quaisquer destas declarações uma a uma. As fêmeas não devem aceitar a condição de subserviência que sempre insistem em colocá-la na sociedade patriarcal mesmo que para isso tenha que abdicar de privilégios facilmente colocados de forma sedutora e estratégica a seu dispor. A biologia retrata diferenças entre homens e mulheres tais como a força física e a menstruação, mas essas diferenças não devem ser fator para privilegiar um gênero e muito menos denegrir o outro. Outrora, o sexo feminino era tido como inferior justamente por essas diferenças que, ao revés de serem motivos de inferiorização, são dignas de respeito e proteção, sob tutela do Estado. Os dois gêneros em apreço não podem ser objeto de comparação, muito menos exigidos da mesma forma, principalmente se o padrão de metas, comparações e exigências é predominantemente masculino, como já está naturalizado no seio da sociedade. Ressalte-se nesta temática de igualdade de gênero a importância de reconhecermos que o gênero feminino é sempre menosprezado, ao ponto de um ser humano homem que se manifeste mais condizente com o gênero feminino sofrer preconceito e suportar manifestações contrárias da sociedade ao seu comportamento ou projeto de vida igualmente digno. Da mesma forma, uma mulher que apresente identificação com o gênero masculino também sofre preconceito por fugir aos padrões sociais criados, exigidos e que não são padrões biológicos. Como se a liberdade do ser humano dependesse da aprovação dos outros seres humanos, ou ao menos de uma maioria, e não de sua livre escolha individual. Afinal, a felicidade se constrói no exercício livre e desimpedido do direito de liberdade e não com arrédeas impostas socialmente. Fato é que na luta entre os sexos, a sociedade patriarcal sempre buscou perpetuar a família e o patrimônio. Em contrapartida, o movimento feminista, muito forte desde o início na França, luta até hoje contra essa submissão da mulher ao homem,
5 pouco reconhecida entre as próprias mulheres, em prol da liberdade feminina. A temática da igualdade de gênero tem seu viés no princípio da igualdade material em que se busca igualar os desiguais. Uma mudança de paradigma para a sociedade, ou seja, a desnaturalização da normalidade da exigência de padrões masculinos inclusive como critérios para aferição da competência das mulheres. A igualdade de gênero deve ser tratada como um direito humano. A noção de gênero, masculino e feminino, veio contribuir para o debate entre os sexos pois compreende que, para além dos critérios estritamente biológicos de definição sexual, há fatores sociais e culturais mutáveis que conduzem seres humanos para um gênero ou outro, a despeito de sua formação biológica. Importante é que o ser humano seja sempre o foco e independente de seu sexo ou de seu gênero seja garantida a isonomia em prol da preservação da dignidade humana. Há de se ter em mente que vários projetos de vida dignos merecem igual proteção do Estado e devem coexistir numa sociedade plural que será responsável inclusive pela manutenção da espécie humana. Toda hegemonia não contribui para o desenvolvimento humano, a pluralidade é rica e deve ser estimulada. A emancipação da mulher já alcançou patamar muito importante, mas muito ainda deve ser feito para que haja o empoderamento feminino de forma que as mulheres assumam o controle de seu desenvolvimento. Para a conquista do empoderamento feminino são necessárias ações estatais protetivas (direitos de defesa) e afirmativas (políticas públicas) com vistas a se garantir e afirmar a igualdade de gênero. Por isso, se perfaz de extrema importância a reafirmação da versão feminina das palavras presidenta, chefa, entre outras, e não deixar inclusive a referência ao ser humano ser exprimida na palavra homem apenas. A mulher casada, consciente da luta entre os gêneros, deve se engajar em manter sua individualidade no casamento com vistas ao livre exercício de seus direitos de liberdade. O direito de liberdade da mulher no casamento deve ser eternamente reconquistado, afinal, muitos maridos ao invés de almejarem serem amados, almejam não serem enganados 8. Muitas mulheres infelizmente viram reféns destes contratos de casamento, silenciosamente abrindo mão da própria liberdade, em prol da dominação masculina impune. Enfim, as mulheres devem estar sempre alertas pois o macho mal- 8 Beauvoir, Simone, O Segundo Sexo: A experiência vivida, tradução de Sérgio Milliet, Vol.2, 3ª Edição, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2016, p. 201
6 acostumado com privilégios de costume naturalmente tenderá a dominar a relação, deixando escapar a escravização triste das mulheres 9. O presente estudo buscou traçar um perfil da luta feminista contra dominação masculina, com livre inspiração em Simone de Beauvoir, introduzindo uma ideia de ação em prol da igualdade de gênero a partir da eliminação da discriminação de gênero mais naturalizada na sociedade que é a existência de banheiro masculino e feminino. A meu ver, a proposta contribuiria em muito na direção da igualdade de gênero, isto é, na busca da efetiva igualdade material entre todos os seres humanos. 9 Beauvoir, Simone, O Segundo Sexo: A experiência vivida, tradução de Sérgio Milliet, Vol.2, 3ª Edição, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2016, p. 190/191.
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