Resposta ao processo de consulta pública n.º 1/2006 Governo das Sociedades Anónimas: Propostas de alteração ao Código das Sociedades Comerciais
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- Eugénio Leveck Bernardes
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1 Resposta ao processo de consulta pública n.º 1/2006 Governo das Sociedades Anónimas: Propostas de alteração ao Código das Sociedades Comerciais I. Introdução Uma primeira nota para saudar a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (doravante CMVM ) pela iniciativa de, em conjugação com o Ministério das Finanças e Ministério da Justiça, ter tomado em mãos o trabalho de rever os modelos de estruturação do governo das sociedades anónimas em Portugal. O documento que instruiu a consulta pública apresenta grande qualidade técnica, boa estruturação, uma excelente análise em sede de direito comparado e mostrava-se claro e tão conciso quanto possível. Por tal facto, os nossos parabéns. O momento é de grande oportunidade. Completando-se neste ano de 2006, 20 anos de vigência do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC ), importa aproveitar o estado de maturação que a aplicação da nossa lei societária logrou alcançar no mercado para fazer um profundo balanço, instituto jurídico a instituto jurídico, do que no CSC deve ser mantido, do que deve ser alterado e do que deve ser eliminado. Seria importante que, por isso, esta iniciativa constituísse uma alavanca para uma reforma mais aprofundada (atrevemo-nos a dizer mesmo total) do CSC, tanto mais que o Governo português anunciou já diversas medidas de simplificação processual da vida das empresas cuja adopção, necessariamente, imporá a introdução de novas alterações ao CSC. Sugere-se, por isso, que as alterações ora propostas pela CMVM e as medidas já anunciadas pelo Governo português possam entrar em vigor em simultâneo, assim se salvaguardando a coerência entre todas as medidas adoptadas e se potenciando uma economia de processos que nos parece importante, sobretudo na óptica do utilizador diário do CSC, como somos nós advogados e as sociedades comerciais. Sobre as propostas apenas um reparo: pareceu-nos que na estruturação dos modelos de governo das sociedades anónimas partiu a CMVM do topo para a base, ou seja, pareceunos que os modelos foram estruturados a pensar primordialmente nas sociedades abertas cotadas e extrapolando-se depois o resultado para as restantes, quando na realidade o exercício talvez se ganhasse usando a metodologia inversa. Quanto aos comentários que se produzem infra fazemos notar que confinámo-nos a uma análise que não põe em causa a lógica metodológica e sistémica da consulta e dos documentos de suporte, num subsídio perfunctório do que desejávamos pela exiguidade temporal. Por uma questão de facilidade, comentaremos apenas os tópicos da proposta e artigos do articulado que nos mereceram reparos, aceitando-se os restantes. 1
2 II. Análise das propostas a) Responsabilidade civil dos administradores A adopção do princípio da business judgement rule, ainda que em termos mitigados, é de alguma importância e merece ser ressaltado. Todavia, não nos parece que a redacção encontrada para o n.º 2 do artigo 72.º seja a mais feliz. Desde logo não se nos afigura harmonizável a actuação em termos informados com uma situação de prática de actos ou omissões com preterição de deveres legais ou contratuais, parecendo-nos que a verificação da segunda situação corromperá, quase sempre e em definitivo, qualquer actuação em termos informados. Por outro lado, a expressão em termos informados será sempre de muito difícil densificação por um qualquer tribunal. Em segundo lugar, o apelo a critérios de racionalidade empresarial não é de todo em todo objectivável. Como poderá um juiz de direito apreciar e considerar provado que o administrador que actuou de acordo com critérios de racionalidade empresarial? Por onde se poderão aferir tais critérios? Existe um documento que os objective? São consensuais no empresariado? Todas estas dúvidas fazem-nos pensar que a norma, tal como redigida, dificilmente será objectivável quando apreciada em juízo. Não obstante o atrás dito, o mais importante é que nesta matéria a verdadeira reforma do regime de responsabilidade civil dos administradores fica por fazer e prende-se, naturalmente, com a manutenção da solidariedade da responsabilidade entre administradores executivos e não executivos. A diferença de funções justifica há muito que se estabeleça uma diferenciação ao nível da responsabilidade. Os administradores não executivos deverão ser responsáveis solidariamente com os restantes membros do conselho de administração pelas deliberações adoptadas sobre a estratégia de gestão da sociedade e responsáveis pelas obrigações de fiscalização dos membros executivos que sobre eles impendam por força da lei ou do contrato de sociedade. Fazer equivaler a estas funções um grau de responsabilidade emergente das acções materiais de gestão da sociedade que apenas aos administradores executivos compete parece-nos profundamente injusto e desincentivador para a adopção de um cargo que deveria ser cada vez mais adoptado nas sociedades anónimas em Portugal. Por nós, entendemos que a diferentes funções, deverão corresponder diferentes responsabilidades. 2
3 Sugerimos uma revisão da matéria da responsabilidade coincidente com o aqui defendido. b) Modelo Latino Terá sido o modelo que menos alterações sofreu, pelo que não haverá muitos comentários a realizar. No modelo latino reforçado, concordamos que, à falta de outro critério mais objectivo que revele a dimensão da empresa, o capital social poderá ser o elemento a ter em conta para imposição daquele modelo. Todavia, o critério capital social é também ele redutor pois não atende a nenhum dos restantes elementos que contribuiriam para a qualificação da sociedade como de grande dimensão ou de interesse público (refira-se a título de exemplo o critério capitais próprios, o qual dirá mais sobre a verdadeira dimensão de uma sociedade que o capital social, que se perfila como um puro elemento estático). Compreendemos, porém, que enunciar outros critérios em adição ao critério capital social poderia trazer incerteza na aplicação da norma. Entendemos, todavia, que existe uma situação que deveria ser acautelada e que se prende com as subsidiárias integrais ou quase integrais. Na verdade, em grupos de sociedades em que muitas subsidiárias integrais ou quase integrais partilham espaço, trabalhadores e, sobretudo, a totalidade dos membros do órgão de administração, ter que perpetuar nestas um modelo de gestão com conselho fiscal (ou de fiscalização) e ROC parece-nos pouco adequado. Cremos, por isso, que ao capital social se deverá juntar o critério pluralidade de accionistas, ou seja, não nos parece de sujeitar a esse regime as sociedades que ultrapassando o capital social previsto em portaria tenham um accionista único ou um accionista com uma participação no capital social superior a 90%. Não ficou para nós claro qual a sanção aplicável à sociedade que ultrapassando o limite do capital social não dê cumprimento ao modelo latino reforçado. Como podem os accionistas, designadamente os minoritários, impor o cumprimento desta norma? Aplicar-se-á o proposto artigo 416.º? Não ficou igualmente claro qual o período de tempo que as sociedades que ultrapassem o limite do capital social (quer as que à data da publicação ultrapassem esse limite quer as que o façam no futuro por força de aumento do capital social) têm para adequar a sua estrutura ao CSC. Não poderão aqui valer os quinze dias a que alude o artigo 416.º por ser esse período de tempo incompatível com os termos de convocatória da assembleia geral. Quanto ao critério de independência a que se alude no proposto artigo 414.º, n.º 4, alínea b), sugerimos que a percentagem de capital social detido a ter em conta corresponda a 2%, uma vez ser este o limite mínimo para, nos termos do Código dos Valores Mobiliários, comunicar à CMVM a existência de participação qualificada. Apenas para citar um exemplo, actualmente quase todos os accionistas da EDP, senão mesmo todos, se poderiam qualificar como independentes ao abrigo deste critério. Sugerimos, por isso, revisão do limite mínimo ou a possibilidade de os estatutos da sociedade poderem definir um limite inferior. 3
4 c) Modelo anglo-saxónico Concorda-se em geral com a regulamentação proposta. Um reparo para fazer notar que não resulta claro do texto da proposta de articulado que, tal como afirmado no documento inicial da consulta pública, os membros da comissão de auditoria são membros de pleno direito do conselho de administração e que, como tal, deverão ter direito de voto como os membros executivos em todas as deliberações adoptadas em reunião e deverão ser responsáveis perante os accionistas pela estratégia de gestão definida em conselho de administração. Sugerimos por isso que na alínea b) do n.º 1 do proposto artigo 423.º - G se autonomize a participação nas reuniões do conselho de administração das reuniões da assembleia geral, enfatizando-se que naquelas têm os membros da comissão de auditoria direito de voto. Valem aqui os reparos anteriormente efectuados relativamente à solidariedade da responsabilidade entre membros executivos e não executivos do conselho de administração. Proposto artigo 423.º-B, n.º 4, alínea c) valem aqui os reparos realizados atrás a propósito do conselho de fiscalização. Proposto artigo 423.º - C, n.º 5 sugere-se eliminação por ser uma repetição da proposta alínea b) do n.º 5 do artigo anterior. Proposto artigo 423.º - E a verificar-se o facto de que os membros da comissão de auditoria são membros de pleno direito do conselho de administração e como tal, nele têm assento e discutem e votam a estratégia a seguir pela sociedade, devem tais membros também poder ser julgados pelos accionistas nessa qualidade. Ora, sendo certo que a falência de uma visão estratégica seguida por um conselho de administração numa sociedade comercial não configura, por si só, fundamento para destituição com justa causa, somos da opinião de que não pode a assembleia geral ser prejudicada nos meios ao seu dispor para ajuizar e penalizar os administradores pela má gestão da sociedade. A proibição da destituição ad nutum impossibilita isso mesmo. Proposto artigo 278.º, n.º 3 este número parece-nos desnecessário porquanto a unicidade do administrador único é, por natureza, incompatível com a necessária dualidade do conselho de administração no sistema anglo-saxónico. Caso ainda assim se veja algum tipo de mérito na clarificação, sugere-se a estruturação de um número novo em substituição deste com a seguinte redacção: As sociedades anónimas com capital social inferior a euros poderão adoptar a figura do administrador único em substituição do conselho de administração, tendo, neste caso, de se estruturarem de 4
5 acordo com um dos modelos definidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 278.º. A adopção deste número implicará a eliminação das normas que configurem repetições. d) Modelo Dualista De modo geral aplaudem-se as propostas apresentadas, as quais, esperamos, permitam revitalizar a utilização deste modelo em Portugal. No que às denominações propostas respeita, somos da opinião que a nova formulação das mesmas não abona em favor da sua utilização por serem extensas. Assim, sugerimos que o órgão de fiscalização possa ser denominado conselho geral ou conselho de supervisão, à escolha dos accionistas, e se mantenha a denominação conselho executivo primeiramente proposta ou se deixe alternativa entre conselho de administração executivo e conselho executivo. Embora possa parecer pouco relevante, a verdade é que com a possibilidade introduzida de os membros do conselho executivo serem eleitos pela assembleia geral e não pelo conselho geral, este órgão, caso esteja também destituído da faculdade estatutária de aprovar a práticas de certas categorias de actos, perde a sua característica de conselho geral (órgão intermédio entre accionistas e administradores) e assume-se inteiramente como mero órgão de supervisão. Parece-nos importante, por isso, que se permita aos accionistas da sociedade escolher a denominação que melhor se adeque à natureza que decidem atribuir ao órgão em causa. Como reparo ao modelo gizado apenas o facto de na situação descrita no parágrafo anterior não existir qualquer diferenciação entre os modelos latino e dualista. Lisboa, 13 de Fevereiro de 2006 Pedro Rebelo de Sousa / Paulo Fernando Bandeira 5
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