MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS E SUAS INFLUÊNCIAS NA UMIDADE DO SOLO DO ESTADO DO CEARÁ

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1 MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS E SUAS INFLUÊNCIAS NA UMIDADE DO SOLO DO ESTADO DO CEARÁ GLOBAL CLIMATE CHANGES AND THEIR INFLUENCES IN THE SOIL MOISTURE OF CEARÁ STATE FERNANDO CÉSAR MOURA DE ANDRADE Pesquisador - Msc. Geofísica Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos - FUNCEME Av. Bezerra de Menezes 1900, São Gerardo, Fortaleza, CE PAULO NOBRE Pesquisador - Phd. Meteorologia Instituto de Pesquisas Espaciais - INPE/CPTEC Cxp 515, CEP , São José dos Campos - SP RESUMO Neste trabalho estudamos as influências de possíveis elevações das temperaturas médias mensais de todo o planeta, na umidade do solo do Estado do Ceará. Para tanto, modificamos o Modelo de Umidade do Solo para Atividades Agrícolas (MUSAG), desenvolvido na FUNCEME, em seu método de cálculo da evapotranspiração potencial, que utiliza dados de tanques classe A. Usamos como método de cálculo alternativo a equação de THORNTHWAITE, que utiliza, exclusivamente, a temperatura média mensal como dado de entrada. Mostramos os resultados para dois cenários distintos: aumento de 1 C e de 2 C nas temperaturas médias mensais de todos os postos pluviométricos do estado. O efeito global destas elevações de temperatura na umidade do solo é feito através do cálculo do Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH), para os anos de 1993 e ABSTRACT In this contribution we studied the influence of a possible increase of the monthly mean temperatures of the whole world in the soil moisture of Ceará State. For this purpose, we modified the Soil Moisture Model for Agricultural Activities (MUSAG), developed by FUNCEME, in its potential evapotranspiration calculation method, until then, using class A tank data, and here using the THORNTHWAITE equation that use only temperature as input data. We show the results for two different scenaries: increase of 1 C and 2 C in the monthly mean temperatures of all the raingauges stations of the state. The global effect of these changes in the soil moisture is done by the calculation of the Hydric Disponibility Index (IDH), for the years of 1993 and 1994.

2 INTRODUÇÃO Muito se discute hoje em dia, os efeitos de mudanças climáticas globais causadas pela ação antrópica no meio ambiente, quer através da emissão de gases poluentes, quer através do desmatamento. Caso venham ocorrer mudanças climáticas globais, como se comportaria o clima do Nordeste? Até o presente, não existem estudos específicos de mudança climática regional sobre o Nordeste do Brasil. Porém, vários estudos já foram realizados sobre mudança climática global devido ao possível aquecimento atmosférico resultante do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera (Houghton, Jenkins e Ephraums, 1990; Houghton, Callander e Varney, 1992). A maior parte do conhecimento atual sobre mudanças climáticas provêm dos resultados de experimentos com modelos de circulação geral da atmosfera (MCGA), os quais simulam numericamente o comportamento do sistema climático da Terra. Com base em resultados de experimentos de modelagem climática, onde a concentração de CO 2 é mantida arbitrariamente fixa a uma concentração duas vezes daquela atual, acredita-se que haverá um aumento da temperatura média do ar à superfície entre 1.5 C e 4.5 C durante os próximos cem anos. Espera-se que as superfícies terrestres aqueçam mais rapidamente do que os oceanos e que, durante o inverno em latitudes altas, se registre um aumento de temperatura superior às da média mundial (Houghton, Jenkins e Ephraums, 1990). Embora seja difícil defini-la ou quantificá-la, a seca é um dos eventos extremos mais importantes a serem analisados quando se avalia as possíveis mudanças climáticas relacionadas com o aquecimento global, induzido pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. A mudança na frequência de secas sobre uma determinada localidade é afetada por mudanças do estado médio do clima, tais como temperatura e precipitação, assim como a variabilidade climática em várias escalas de tempo (Mearns, 1992). O desenvolvimento e causas de condições de secas regionais têm sido estudadas através de experimentos de modelagem numérica de escala global. Esses experimentos consistem basicamente no teste de hipóteses para determinar se, e como, uma forçante externa do sistema climático afeta a disponibilidade de água no solo. Uma das conclusões mais importantes a que chegou Rind (1991), em seus experimentos da probabilidade do desenvolvimento de secas usando o MCGA do Goddard Institute for Space Studies (GISS), é que o fator mais preponderante para a ocorrência de secas, num cenário de efeito estufa (concentração de CO 2 dobrada), era o aumento da evapotranspiração, a qual é uma função da temperatura à superfície. Em seu estudo, as mudanças na precipitação mostraram ser secundárias em importância na determinação de condições de secas. Ainda segundo seus resultados, secas sobre os Estados Unidos que atualmente ocorrem 5% do tempo durante o verão do Hemisfério Norte, passariam a ocorrer cerca de 40% do tempo por volta do ano 2050 sob as condições de mudança climática global induzida pelo aquecimento atribuído ao acúmulo dos gases de efeito estufa. No presente artigo são especuladas as consequências das suposições de aumento da temperatura do ar como resultado do efeito estufa para a umidade do solo sobre a Região Nordeste do Brasil. Estudamos o impacto que uma elevação de 1 C e 2 C na temperatura do ar à superfície acarretaria para a mudança da evapotranspiração potencial sobre o Nordeste e para a umidade do solo durante dois anos extremos (1993 e 1994) sobre onze estações climatológicas no Ceará. Os efeitos destes aumentos de temperatura foram avaliados através de uma modificação no Modelo de Umidade do Solo para Atividades Agrícolas (MUSAG, Molinas e Andrade 1993), desenvolvido na FUNCEME.

3 METODOLOGIA O Modelo de Umidade do Solo para Atividades Agrícolas (MUSAG), foi desenvolvido pela FUNCEME com o objetivo de auxiliar o Governo do Estado no programa de distribuição de sementes Hora de Plantar, tendo sido utilizado, com este objetivo, nos anos de 1993 e 1994 na definição do dia de distribuição de sementes em cada município. Foi utilizado também para a definição das áreas críticas para o programa de ação de emergência contra a seca em O modelo utiliza, basicamente, dados diários de precipitação, dados de solos ponderados por municípios e dados de evaporação de tanques classe A, para cálculo da evapotranspiração potencial, sendo utilizada a razão de 0.7, considerada satisfatória para o semi-árido, entre os dois valores. Para atingirmos os objetivos do presente trabalho, fizemos uma modificação no modelo de modo que o mesmo utilizasse dados de temperatura do ar à superfície no cálculo da evapotranspiração (EVP). O método escolhido foi o de THORNTHWAITE, que utiliza somente dados de temperatura. A equação de Thornthwaite, segundo Veihmeyer (1964), é dada por: EV P = 16 ( ) 10 t a AJ, (1) T E onde t é a temperatura média mensal, AJ é um fator de ajuste para a latitude e para o mês em questão, que leva em conta o número de horas de insolação do local, através da latitude, e o número de dias do mês, onde: a = T E T E T E , (2) T E = 12 i=1 ( ) ti. (3) 5 A maneira pela qual verificamos a qualidade da quadra chuvosa em relação a umidade do solo é através do Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) (Andrade 1993), que representa o grau percentual de satisfação das plantas em relação à suas necessidades hídricas. Para a obtenção deste índice calculamos a umidade do solo e a curva de evapotranspiração potencial que corresponde, para a maioria das culturas, a máxima necessidade hídrica das plantas, de toda a quadra chuvosa, utilizando o programa (MUSAG). O índice é calculado utilizando a seguinte expressão: onde: IDH = 100 ( Atotal A deficit A total ) %, (4) A total = dfim i=dini EV P i, (5)

4 onde dini e dfim são os dias inicial e final do período estudado, respectivamente, EV P i é a evapotranspiração potencial do dia i, A deficit = dfim i=dini (EV P i US i ), se EV P i > US i, A deficit = 0, se EV P i US i, (6) onde US i é a umidade do solo no dia i. RESULTADOS Estudamos dois valores de aumento nas temperaturas médias mensais de 1 C e 2 C. Calculamos os valores das evapotranspirações potenciais diárias, utilizando a equação 1, para o caso normal, utilizando dados observados pelo DNMET (1992), e com os dois aumentos de temperatura propostos. Em seguida calculamos médias espaciais, utilizando um algoritmo de interpolação bilinear, para todo o estado, das evapotranspirações potenciais diárias das onze estações, e mostramos os resultados na Tabela 1. Tabela 1: Valores de Evapotranspiração Potencial Diária Média (mm/dia) por mês do Estado do Ceará, para valores de temperatura reais e aumentados de 1 C e 2 C e os desvios em relação aos valores normais. MÊS EVP EVP (+1 C) % EVP (+2 C) % JANEIRO FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO JUNHO JULHO AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO Calculamos o IDH para todos os postos pluviométricos do estado para os períodos de 1/Jan a 30/Jun de 1993 e 1994, utilizando dados de temperatura da estação climatológica mais próxima de cada posto e em seguida calculamos médias espaciais para cada cenário e período. Os resultados para as estações climatológicas e as médias para todo o estado são mostrados nas tabelas 2 e 3. Nas figuras de 1 a 6, são mostrados os resultados do cálculo do Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) para cada um dos três cenários de temperatura média nos dois períodos, em todo o Estado do Ceará. Vale ressaltar que o IDH é um índice que pode ser associado a um índice percentual de produtividade em relação a uma produtividade máxima de cada região. Para termos uma relação mais precisa teríamos que introduzir, ao invés da variável EV P das equações 5 e 6, a função de necessidade hídrica de cada cultura, conhecido como K c, começando no dia de

5 plantio e uma função de perda de produtividade em função do déficit hídrico, para todo o ciclo das culturas. Tabela 2: Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) para os períodos de 1/Jan a 30/Jun de 1993, em três cenários de temperatura média distintos. ESTAÇÃO IDH (Temp. Normal) IDH (Temp. +1 C) IDH (Temp. +2 C) BARBALHA 70% 69% 67% CAMPOS SALES 67% 65% 62% CRATEÚS 48% 44% 41% FUNCEME 71% 67% 63% GUARAMIRANGA 80% 79% 78% IGUATU 62% 60% 57% JAGUARUANA 40% 37% 33% MORADA NOVA 43% 40% 36% QUIXERAMOBIM 38% 35% 31% SOBRAL 47% 43% 40% TAUÁ 52% 48% 45% MÉDIA DO ESTADO 52.9% 49.9% 46.6% Tabela 3: Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) para os períodos de 1/Jan a 30/Jun de 1994, em três cenários de temperatura média distintos. ESTAÇÃO IDH (Temp. Normal) IDH (Temp. +1 C) IDH (Temp. +2 C) BARBALHA 98% 97% 97% CAMPOS SALES 95% 93% 91% CRATEÚS 85% 82% 79% FUNCEME 98% 97% 95% GUARAMIRANGA 100% 100% 100% IGUATU 100% 99% 99% JAGUARUANA 91% 89% 87% MORADA NOVA 92% 90% 88% QUIXERAMOBIM 93% 90% 87% SOBRAL 96% 95% 93% TAUÁ 89% 86% 82% MÉDIA DO ESTADO 89.5% 87.4% 84.7% CONCLUSÕES Podemos concluir, com a análise dos resultados apresentados, que mudanças generalizadas nas temperaturas médias mensais em todo o planeta, acarretarão aumentos significativos nos valores de evapotranspiração potencial (13.02% em média, acima dos valores normais para um aumento de 1 C e 29.47% para um aumento de 2 C) e nos índices de umidade no solo o que, consequentemente, altera diretamente a produção agrícola da região principalmente nos anos mais secos (5.67% menor, para um aumento de 1 C e 11.9% menor, para um aumento de 2 C em 1993 e 2.34% menor, para um aumento de 1 C e 5.36% menor, para um aumento de 2 C em 1994).

6 AGRADECIMENTOS Queremos agradecer ao apoio institucional da FUNCEME na utilização das máquinas e do banco de dados de precipitação, fundamentais na execução deste trabalho, e ao Dr. Alcides Frangipani pelas sugestões e revisões no texto. REFERÊNCIAS ANDRADE, F. C. M., (1993) - Disponibilidade Percentual de água consumível pelas plantas em diversos períodos para o Estado do Ceará, Boletim de Recursos Hídricos HIDRO-LÓGICO Ano 2, vol.3, p , FUNCEME, Fortaleza, CE. DNMET (Departamento Nacional de Meteorologia), (1992) - Normais Climatológicas ( ), Brasília, DF. HOUGHTON, J. T., CALLANDER, B. A. e VARNEY, S. K., (1992) - Climate Change The Supplementary Report for the IPCC Scientific Assessment. University Press, Cambridge. HOUGHTON, J. T., JENKINS, G. T. e EPHRAUMS, J. J., (1990) - Climate Change : The IPCC Scientific Assessement. Report prepared for the IPCC by Working Group I. University Press, Cambridge. MEARNS, I.., (1992) - Implications of Global Warming for Climate Variability an the In: Planning: Theory and Case Studies, D. A. Wilhite Ed., pp , Kluwer Academic Publishers, Boston/Dordrecht/London. MOLINAS, P. A. e ANDRADE, F. C. M., (1993) - Modelo de Umidade do Solo para Atividades Agrícolas (MUSAG). In: X Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos e I Simpósio de Recursos Hídricos do Cone Sul. Vol. 3. Gramado, RS. RIND, D., (1991) - Climate Variability and Climate Change. In:Greenhouse Gas Induced Climatic Change. A Critical Appraisal of Simulations and Observations, M. Schlesinger Ed., pp , Elsevier, New York. VEIHMEYER, F. J., (1964) - Evapotranspiration. In:Handbook of Applied Hydrology, Seção 11. McGraw Hill, New York.

7 Figura 1: Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) para o Estado do Ceará de 1/Jan a 30/Jun/1993 com valores normais de temperatura. Figura 2: Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) para o Estado do Ceará de 1/Jan a 30/Jun/1993 com valores de temperatura aumentados em 1 C.

8 Figura 3: Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) para o Estado do Ceará de 1/Jan a 30/Jun/1993 com valores de temperatura aumentados em 2 C. Figura 4: Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) para o Estado do Ceará de 1/Jan a 30/Jun/1994 com valores normais de temperatura.

9 Figura 5: Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) para o Estado do Ceará de 1/Jan a 30/Jun/1994 com valores de temperatura aumentados em 1 C. Figura 6: Índice de Disponibilidade Hídrica (IDH) para o Estado do Ceará de 1/Jan a 30/Jun/1994 com valores de temperatura aumentados em 2 C.